You are on page 1of 8

Paschoal AS, Mantovani MF, Lacerda MR.

A educação permanente em enfermagem: subsí-


336 dios para a prática profissional. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2006 set;27(3):336-43. ARTIGO

A EDUCAÇÃO PERMANENTE EM ENFERMAGEM:


subsídios para a prática profissionala

Amarílis Schiavon PASCHOALb


Maria de Fátima MANTOVANIc
Maria Ribeiro LACERDAd

RESUMO

Em sua prática, o enfermeiro está em constante processo educativo. Para a conscientização desse fato, este
necessita desenvolver suas ações com reflexão crítica, curiosidade, criatividade e investigação. Inseridas nesse
processo estão a educação permanente, a continuada e a em serviço. Assim, esta reflexão teórica objetiva subsidiar
as discussões da continuidade de capacitação dos profissionais de enfermagem, tendo em vista que, na gradua-
ção, há exigência no sentido de formar profissionais críticos, reflexivos e competentes em aprender a aprender.
Assume-se aqui que a importância da educação permanente se efetiva na busca de propostas educativas que moti-
vem ao autoconhecimento, aperfeiçoamento e atualização.

Descritores: Educação continuada em enfermagem. Prática profissional. Enfermagem.

RESUMEN

En su práctica, el enfermero está un constante proceso educativo. Para que se conciencie de este hecho
debe desarrollar sus acciones con reflexión crítica, curiosidad, creatividad e investigación. Como parte de este
proceso se encuentran la educación permanente, la continua y la en servicio. Por este motivo, esta reflexión teó-
rica tiene como meta ofrecer herramientas para las discusiones sobre la continuidad de la capacitación de los
profesionales de enfermería, teniendo en mente que la formación de grado exige formar profesionales críticos,
reflexivos y competentes en aprender a aprender. Se asume aquí que la importancia de la educación permanen-
te se concretiza en la búsqueda de propuestas educativas que motiven al auto-conocimiento, el perfecciona-
miento y la actualización.

Descriptores: Educación continua en enfermería. Práctica profesional. Enfermería.


Título: La educación permanente en enfermería: subsidio para la práctica profesional.

ABSTRACT

In their practice, nurses are in constant educational process. To become aware of this process, they need to
perform their actions with critical reflection, curiosity, creativity, and investigation by means of permanent, con-
tinuing and in-service education. Thus, this theoretical reflection aims at supporting discussions relative the
continuity of nurses’ professional training, keeping in mind that undergraduate Nursing students are expected
to become critical, reflective, and competent professionals in learning how to learn. The assumption is that the
importance of permanent education is realized in the search of educational proposals that encourage self-
knowledge, improvement, and modernization.

Descriptors: Education, nursing, continuing. Professional practice. Nursing.


Title: Permanent education in nursing: support for professional practice.

a
Estudo apresentado na disciplina “Enfermagem e sua Prática Profissional”, do curso de Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal
do Paraná (UFPR).
b
Enfermeira, diretora do Centro de Educação Profissional Evangélico, coordenadora do Curso de Enfermagem da Faculdade Evangélica do
Paraná, membro do Grupo de Estudos Multiprofissional em Saúde do Adulto (GEMSA), Mestre em Enfermagem pela UFPR, pós-graduada
em Metodologia do Ensino Superior.
c
Professora adjunta do Departamento de Enfermagem da UFPR, coordenadora do GEMSA, Doutora em Enfermagem pela Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP).
d
Professora adjunta do Departamento de Enfermagem da UFPR, coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão do Cuidado Humano
e da Enfermagem (NEPECHE), doutora em Enfermagem pela UFSC.

Paschoal AS, Mantovani MF, Lacerda MR. La educación permanente Paschoal AS, Mantovani MF, Lacerda MR. Permanent education in
en enfermería: subsidio para la práctica profesional [resumen]. Rev nursing: support for professional practice [abstract]. Rev Gaúcha En-
Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2006 set;27(3):336. ferm, Porto Alegre (RS) 2006 set;27(3):336.
Paschoal AS, Mantovani MF, Lacerda MR. A educação permanente em enfermagem: subsí-
dios para a prática profissional. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2006 set;27(3):336-43. 337

1 INTRODUÇÃO viço –, observou-se a necessidade de prosseguir


com os estudos dos profissionais de enfermagem,
A educação dos profissionais de enfermagem tendo em vista a aquisição da competência profis-
merece maior atenção, uma vez que há necessi- sional quanto à relação entre teoria e prática, a
dade de preparar as pessoas para as mudanças humanização do cuidado e a constante busca pe-
no mundo e no contexto do trabalho, procurando- lo conhecimento da enfermagem.
se conciliar as necessidades de desenvolvimento Cabe esclarecer que se entende competên-
pessoal e grupal com as da instituição e as da so- cia profissional como um conceito político-educa-
ciedade. cional abrangente, um processo de articulação e
Ao identificar as atividades desenvolvidas mobilização gradual e contínua de conhecimen-
pelos profissionais de enfermagem no desempe- tos gerais e específicos, de habilidades teóricas e
nho de suas funções, verifica-se a necessidade práticas, de hábitos e atitudes e de valores éticos,
de reafirmar a questão educativa como compro- que possibilita ao indivíduo o exercício eficiente
misso com o crescimento pessoal e profissional, de seu trabalho, a participação ativa, consciente e
visando a melhorar a qualidade da prática profis- crítica no mundo do trabalho e na esfera social,
sional. Também, constata-se que, no contexto da além de sua efetiva auto-realização(1).
formação e do desenvolvimento profissional, tal A partir disso, neste estudo, pretende-se re-
questão pode ser percebida sob diferentes ver- fletir sobre a questão da educação permanente na
tentes, tais como: educação permanente, educa- enfermagem e suas conseqüências no desenvol-
ção em serviço e educação continuada. vimento da prática profissional consciente e res-
Assim, compreende-se que a formação pro- ponsável. Compreende-se que fazem parte desse
fissional de qualidade deve ter sólida base de for- processo a educação permanente, a em serviço e
mação geral, que não se completa na escola, mas a continuada. Espera-se demonstrar a importância
sim dentro do processo evolutivo do ser humano, e a necessidade de encontrar propostas educati-
por meio da educação permanente. Desse modo, vas que motivem a busca do autoconhecimento, do
ocorre a complementação para a formação inte- aperfeiçoamento e da atualização, de forma a le-
gral do indivíduo. var ao aumento da competência e da valoriza-
Evidencia-se também, nesse contexto, a edu- ção pessoal e profissional, bem como contribuir
cação em serviço, entendendo-se que, nas insti- para a melhoria da assistência prestada ao clien-
tuições, ela não é atividade e responsabilidade de te, à comunidade e às instituições onde atuam os
um grupo específico, e sim de todos os envolvidos profissionais de enfermagem e, conseqüentemen-
nesse processo, com a missão de criar espaços, te, para uma prática profissional de qualidade.
propor estratégias e alocar recursos para que os
profissionais dominem as situações, a tecnologia 2 CONCEPÇÕES TEÓRICAS
e os saberes de seu tempo e de seu ambiente, de
forma que isso lhes possibilite o pensar e a busca Algumas considerações são importantes pa-
de soluções criativas para os problemas. Ainda, ra refletir sobre a relação educação-prática pro-
inserida nesse processo educativo encontra-se a fissional. Primeiramente, deve-se entender o que é
educação continuada, compreendida aqui como prática profissional; qual é a dominante; qual é a
atividades de ensino desenvolvidas após a gradua- essência dessa prática; como vem ocorrendo a
ção, objetivando a atualização e a reciclagem. atuação do profissional em sua prática e por quê;
Frente ao que se expôs e segundo a expe- quais são as dificuldades de trabalhar, visando ao
riência profissional das autoras deste estudo – que processo educativo; e como transformar a prática,
atuam como docentes em instituições que con- por meio da educação permanente, em busca da
templam unidades de saúde, de ensino profissio- identidade e da competência profissional.
nalizante e superior e hospital-escola que, dentre A história mostra que a enfermagem fun-
inúmeras funções, visa à obtenção de condições damentou-se na caridade, na religiosidade, na in-
favoráveis ao desenvolvimento profissional, para tuição e na submissão ao saber médico, sendo
a melhoria da qualidade dos serviços prestados, prática rotineira e mecanicista. Ainda hoje, a en-
assim como à integração entre academia e ser- fermagem é fortemente influenciada pela visão
Paschoal AS, Mantovani MF, Lacerda MR. A educação permanente em enfermagem: subsí-
338 dios para a prática profissional. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2006 set;27(3):336-43.

cartesiana do homem, caracterizada pela separa- Dessa forma, a prática profissional requer
ção entre corpo e alma, e pelo modelo biologicis- profunda e permanente percepção de seu propó-
ta, com pouca preocupação no que se refere a sito e sua direção, de um espaço específico de ob-
outros fatores que interferem no estado de saúde jetivos e critérios, o que demanda envolvimento,
e doença das pessoas, como os emocionais, psico- motivação, compromisso, responsabilidade, auto-
lógicos e sociais. Atualmente, muitas críticas são nomia e colaboração de todos os envolvidos em
feitas ao exercício dessa prática delimitada por sua produção.
velhos paradigmas, condicionada ao biologismo e Há tendência de seguir modelos de práticas
à fragmentação do indivíduo, e que é ainda domi- profissionais, e isso se deve, em parte, à insegu-
nante. rança teórica dos profissionais de enfermagem, que
O processo de trabalho em enfermagem tam- tem dificultado a crítica dos paradigmas vigentes
bém sofre essa influência cartesiana, pois a assis- e a construção de modelos alternativos(4). Existe
tência é fragmentada, a responsabilidade pelo pla- necessidade de fortalecer o enfoque humanístico
nejamento e gerenciamento do cuidado é do enfer- nos currículos de enfermagem, valorizando a inter-
meiro e a execução dos procedimentos é realiza- disciplinaridade, formando um profissional atuan-
da pelos técnicos e auxiliares. A divisão técnica é te, crítico e preparado cientificamente, a fim de po-
uma característica do processo de trabalho na en- der relacionar teoria e prática em seu processo de
fermagem, no qual a prática é parcelada em tare- trabalho, posto que isso leva ao desenvolvimento
fas, procedimentos e responsabilidades, entre seus
técnico-científico da profissão.
agentes. Por conseguinte, a prática de enferma-
Nesse contexto complexo, deve-se repensar
gem não tem sido exercida em sua totalidade pelo
a prática profissional da enfermagem, a qual, ten-
enfermeiro, identificando-se, dessa maneira, uma
do em vista os meios sofisticados de uma tecno-
crise na enfermagem, caracterizada pelo afasta-
logia triunfante e veloz, requer raciocínio rápido,
mento do enfermeiro de seu objeto de trabalho, ou
agilidade, mobilidade e desenvoltura dos profissio-
seja, o cuidado de enfermagem. O enfermeiro pas-
nais(5), sendo que:
sou a gerenciar o processo de trabalho, que foi
subdividido entre o pessoal auxiliar, representado precisamos teorizar nossa prática, pen-
geralmente por trabalhadores alienados ao pro- sar, refletir nossas ações do/no cuidado e
cesso de trabalho(2). fundamentá-las. Por isso, a importância e a
A partir dessas considerações e compreen- necessidade de envolver e sensibilizar ca-
dendo a complexidade do trabalho em enferma- da vez mais os enfermeiros para a pesquisa
gem, uma vez que nele estão envolvidas ações ge- como modo de estar sempre em permanen-
renciais, assistenciais e educativas(2), entende-se te renovação(6:241).
que cabe ao enfermeiro prestar assistência ao in-
divíduo sadio ou doente, à família ou comunidade, A prática profissional da enfermagem tra-
no desempenho de atividades de prevenção, pro- duz-se pelo cuidado (que pode ser o cuidado como
moção, recuperação e reabilitação. Sendo assim, ação), ensino do cuidado e por gerenciar o cuida-
a prática profissional é a aplicação dos conheci- do(7). Nesse sentido, a enfermagem é a arte de
mentos técnico, científico e comportamental ad- cuidar e de ensinar a cuidar(8).
quiridos na formação, em vista da prevenção à Entender o cuidado e como ele é inserido na
doença e promoção, recuperação, reabilitação e enfermagem tem sido preocupação que leva os
manutenção da vida. É comprometida com o aten- profissionais a tentar compreender a abrangên-
dimento das necessidades do paciente e sua famí- cia da extensa amplitude do cuidado. O cuidado é
lia, da comunidade, da equipe de enfermagem e natural da espécie humana, faz parte de seu per-
multiprofissional e das instituições onde se desen- ceptível como humano, mas também faz parte
volve e deve estar compromissada com a atividade das ações práticas do profissional de enferma-
de educar e cuidar. Esse compromisso aumenta, à gem, pois “ambos têm nascedouro comum e uma
medida que o enfermeiro compreende a importân- intercessão de cuidado humano e cuidado de en-
cia de seu trabalho, a dimensão transformadora fermagem, que se dá quando a enfermeira incor-
de sua ação educadora, a importância social, cul- pora o cuidado humano e o decodifica em ativi-
tural e política de sua prática profissional(3). dades e atitudes profissionais”(9:21).
Paschoal AS, Mantovani MF, Lacerda MR. A educação permanente em enfermagem: subsí-
dios para a prática profissional. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2006 set;27(3):336-43. 339

Na educação, o cuidado deve ser visualiza- se processo reflete a reflexão-ação-reflexão, que


do como eixo principal na elaboração dos currí- constitui a práxis profissional, mediante a interli-
culos, porque tudo gira em torno da prática do gação do pensar e do fazer(11).
cuidar, não somente a construção do conhecimen- No entanto, a realidade mostra-se diferente,
to profissional, como também o envolvimento em pois o cuidar em enfermagem não tem sido exer-
todas as atividades docentes, discentes e adminis- cido em toda sua extensão pelo enfermeiro. A di-
trativas da escola(10). cotomia entre teoria e prática, a divisão do traba-
O cuidado é visto, ao mesmo tempo, como lho entre os diferentes membros da equipe e o
elemento a ser investigado e elemento de inves- desvio de sua real função como exigência da ins-
timento, uma vez que não se ensina com receitas, tituição fazem com que o enfermeiro se distancie
manual de técnicas, mas sim oferecendo modelos de seu espaço ou tenha dificuldade de conquis-
para reflexão na ação do cuidado e procurando tá-lo(12).
atuar em uma realidade, pois o cuidado é um O cuidado não pode ser pensado sem um
comportamento interativo, que é construído por referencial teórico-filosófico explicitado, fruto de
meio das experiências vivenciadas pelos indiví- reflexões pessoais e coletivas dos enfermeiros(13).
duos envolvidos nele. É uma forma de relacionar- Para que se conquiste essa relação do enfermeiro
se e respeitar o outro integralmente. com sua prática, é preciso uma base teórica que
No exercício de sua profissão, o enfermeiro alimente a prática, por meio da pesquisa, que se
enfrenta várias dificuldades que o afastam do cui- torna construção do conhecimento da enferma-
dar, como: o modelo que a instituição quer que ele gem, e que, em contrapartida, sustenta a prática, e
assuma, o qual lhe determina espaços administra- assim sucessivamente, num círculo: prática, pes-
tivos que muitas vezes não contemplam a coorde- quisa, teoria. A fundamentação teórica é ferramen-
nação da assistência ao paciente; o cuidado ge- ta básica para as intervenções da enfermagem(14).
rencial; ou a acumulação de atividades burocráti- Considerando-se que, na prática profissional
cas, que o distancia do paciente, dificultando seu de enfermagem, ocorre uma divisão de trabalho
desempenho no cuidado como ação direta ao pa- e que essa divisão interna origina duas modalida-
ciente ou no ensino do cuidado ao paciente e a sua des no trabalho da enfermagem: o trabalho auxi-
família e à equipe de enfermagem. Assim, enten- liar, desenvolvido pelos técnicos, auxiliares e ou-
de-se que a competência do enfermeiro está na tras categorias da enfermagem; e as atividades de
essência da profissão, no cuidado, na complexi- ensino, supervisão e administração, desenvolvidas
dade de saberes, e não na quantidade de ativida- pelos enfermeiros(15), verifica-se que existe uma rí-
des desenvolvidas por ele. gida divisão do trabalho do enfermeiro e do tra-
Outro fator importante para o afastamento do balho auxiliar, pois há fragmentação entre os mo-
enfermeiro do cuidado direto com o paciente está mentos de concepção e execução do cuidado. Quem
na insegurança de prestar cuidados, a qual decorre executa o cuidado de enfermagem não participa
de formação deficiente, em que ensino e prática são diretamente de seu planejamento, embora forneça
vistos separadamente, sem relação entre ambos. informações diárias sobre as observações e as in-
Muitas vezes, falta na formação dos futuros profis- tervenções executadas, material que colabora na
sionais uma máxima que diz: aprende-se a enfer- fundamentação do planejamento.
magem, cuidando-se, e ensina-se enfermagem, en- A complexidade existente no trabalho da en-
sinando-se o cuidado(8). fermagem é devida ao envolvimento das ações
As atividades profissionais no campo da prá- gerenciais, assistenciais e educativas, portanto, as
tica devem ser entendidas como eixo integrador atividades de gerência do cuidado e da unidade
para onde convergem os conteúdos teóricos, que estão implícitas no cotidiano do trabalho, e acabam
se concretizam nas situações reais, havendo uma ocasionando constantes interrupções das ativida-
retro-alimentação dinâmica. Os desafios do cotidi- des do enfermeiro. Sendo assim, ele deve buscar,
ano geram tensão e impulsionam para a busca, por meio da competência profissional, modos de
criatividade e tomada de decisão em direção ao atuação condizentes com a realidade que se encon-
alcance de soluções, para o que as experiências an- tra, mas sem se distanciar do compromisso assumi-
teriores servem de respaldo teórico-prático. Es- do diante de sua profissão, pois, no processo de
Paschoal AS, Mantovani MF, Lacerda MR. A educação permanente em enfermagem: subsí-
340 dios para a prática profissional. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2006 set;27(3):336-43.

trabalho, estão presentes os mecanismos de re- A educação implica busca contínua do ho-
produção de rígida hierarquia, os quais limitam a mem em ser mais, portanto, “o homem deve ser
possibilidade de democratização do saber. Prepa- sujeito de sua própria educação, não pode ser
rado para ocupar cargos de chefia nos serviços de objeto dela”(19:28). Ele deve ser ativo na construção
saúde, treinamento e supervisão de pessoal, o en- de seu saber e recusar as posições passivas. Nes-
fermeiro afasta-se de seu objeto de trabalho – o se sentido, o homem responsabiliza-se por sua edu-
cuidar em enfermagem –, iniciando o processo de cação, procurando meios que levem ao crescimen-
marginalização de seu espaço profissional(3). to e aperfeiçoamento de sua capacidade.
Diante disso, entende-se que a competência A educação transforma a prática social de
do enfermeiro não abrange apenas ter conheci- maneira indireta, pois age sobre os sujeitos dessa
mento e saber utilizá-lo nas situações que se apre- prática, portanto, a educação é uma atividade me-
sentam. Mais do que isso, competência é a intera- diadora entre o indivíduo e a sociedade(20). Dessa
ção de habilidades interpessoais e técnicas com maneira, a educação desenvolve-se no sujeito, e
pensamento crítico. Para ser competente, é neces- ele, por meio de seu conhecimento, age e transfor-
sário desenvolver as capacidades do saber, saber- ma o meio em que vive. Assim, percebe-se a edu-
fazer, saber ser e estar e saber interagir, enten- cação como processo dinâmico e contínuo de cons-
dendo-se o saber como conhecimento, saber-fazer trução do conhecimento, por intermédio do de-
como conhecimento e ação, saber ser e estar co- senvolvimento do pensamento livre e da consciên-
mo postura ética e saber interagir como capacida-
cia crítico-reflexiva, e que, pelas relações huma-
de de socialização, de influência no meio em que
nas, leva à criação de compromisso pessoal e pro-
se está inserido(16).
fissional, capacitando a pessoa para a transfor-
Nesse contexto, “o enfermeiro é um educa-
mação da realidade em que vive.
dor em assuntos de saúde. Não tem como desen-
O enfermeiro, em sua prática, está em cons-
volver suas funções sem realizar atividades edu-
tante processo educativo, entretanto, para torná-
cativas junto ao paciente, seus familiares e ao pes-
lo consciente desse fato, é necessário haver no
soal de enfermagem”(17:108), sendo que educar é con-
desenvolvimento de suas ações a reflexão críti-
duzir o indivíduo, sem prejuízo de sua iniciativa e
ca, a curiosidade, a criatividade e a investigação. A
liberdade, e valorizar as pessoas como seres hu-
aquisição disso é possível por meio da educação
manos.
permanente do indivíduo, na qual ele desenvolve
A educação é concebida como fenômeno so-
a habilidade de aprender a aprender.
cial e universal, sendo atividade humana neces-
A educação em enfermagem deve garantir
sária à existência e ao funcionamento de toda a
ao futuro profissional o conhecimento essencial à
sociedade, posto que cada sociedade precisa cui-
prática terapêutica em todos seus níveis. Assim,
dar da formação de seus indivíduos, auxiliar no
desenvolvimento de suas capacidades físicas e es- deve promover as capacidades intelectuais e as
pirituais e prepará-los para a participação ativa competências para a investigação, avaliação críti-
e transformadora nas várias instâncias da vida ca do exercício profissional e dos planos de ação
social(18). Apesar disso, a educação não é apenas política, como a valorização dos princípios huma-
exigência da vida em sociedade, é também o pro- nos e da cidadania. É de suma importância, para
cesso para prover os sujeitos do conhecimento e o processo de ensino-aprendizagem, que a práti-
das experiências culturais, científicas, morais e ca se realize confirmando a teoria e não a contra-
adaptativas que os tornam aptos a atuar no meio dizendo, como se tem vivenciado(17). Nesse contex-
social, mundial e planetário. Desse modo, ela de- to, entende-se que a teoria vem da prática e fun-
pende da união dos saberes, corresponde a toda damenta essa prática, assim como a prática é fun-
modalidade de influências e inter-relações que damentada pela teoria.
convergem para a formação de traços de perso- Sabe-se da dicotomia existente entre escola
nalidade social e do caráter, implicando uma con- e academia e serviço e prática, a qual é reforçada
cepção de mundo, ideais, valores e modos de agir, pela dificuldade de se estabelecer a integração en-
que se traduzem em convicções ideológicas, mo- tre o conhecimento teórico e as situações práti-
rais, políticas, princípios de ação frente a situa- cas vivenciadas, que exigem a aplicação rápida do
ções e desafios da vida prática. conhecimento teórico, acrescido do conhecimento
Paschoal AS, Mantovani MF, Lacerda MR. A educação permanente em enfermagem: subsí-
dios para a prática profissional. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2006 set;27(3):336-43. 341

prático ou pessoal. A habilidade de integrar a teo- nal da enfermagem. Para haver efetiva educa-
ria com as situações do cotidiano exige aproxima- ção continuada, necessita-se direcioná-la a um de-
ção, relacionamento, comunicação e compreensão senvolvimento global de seus integrantes e da pro-
desse processo por parte do enfermeiro. Essa tal- fissão, tendo como meta a qualidade da assistên-
vez seja a maior dificuldade que o enfermeiro en- cia de enfermagem. Essa tarefa não se resume a en-
frenta ao trabalhar com a educação em serviço, sinar, pois engloba desenvolver com o pessoal de
pois, como visto, ele mantém-se afastado das ações enfermagem a consciência crítica e a percepção
do cuidado, desenvolvendo atividades adminis- de que é capaz de aprender sempre e buscar, em sua
trativas burocráticas, sem interagir com a reali- vida profissional, situações de ensino-aprendiza-
dade do cuidado. gem.
Nesse contexto, a educação em serviço na De acordo com a Organização Panameri-
enfermagem é visualizada como objeto de trans- cana da Saúde (OPS), a educação contínua é um
formação do processo de trabalho, que é o cuidar, “processo dinâmico de ensino-aprendizagem, ati-
partindo da reflexão sobre o que está acontecen- vo e permanente, destinado a atualizar e melho-
do no serviço e sobre o que precisa ser transfor- rar a capacidade de pessoas, ou grupos, face à
mado. Neste estudo, considera-se que a educação evolução científico-tecnológica, às necessidades
em serviço, entendida como processo educativo sociais e aos objetivos e metas institucionais”(22:24).
a ser aplicado no interior das relações humanas Considerando-se a exposição feita sobre edu-
do trabalho, tem como intuito desenvolver capa- cação continuada, percebe-se que ela está con-
cidades cognitivas, psicomotoras e relacionais dos templada no interior da educação permanente, pois
profissionais, levando-os a melhorar sua compe- a educação permanente ocorre durante a forma-
tência e ter maior satisfação no trabalho, com a ção do indivíduo pelo desenvolvimento da capa-
valorização profissional e institucional. cidade de aprender a aprender, da conscientiza-
A importância da educação em serviço para ção do processo de trabalho e de seu processo de
a enfermagem é vista como sendo um esteio para viver.
a assistência eficaz ao paciente, pois, por meio de A educação permanente, mais do que atua-
“um processo educativo atualizado e coerente com lização, é um compromisso pessoal a ser apren-
dido, conquistado com as mudanças de atitudes que
as necessidades específicas da área, ela mantém
emergem das experiências vividas, mediante a re-
o seu pessoal valorizado e capaz de apresentar um
lação com os outros, com o meio, com o trabalho,
bom desempenho profissional(17:88). Neste con-
na busca da transformação pessoal, profissional
texto apontam-se quatro áreas de atuação da edu-
e social(23).
cação em serviço: orientação ou introdução ao
Para o desenvolvimento da prática da enfer-
trabalho; treinamento; atualização, reciclagem ou
magem, há necessidade de investimento na qua-
educação continuada; e aperfeiçoamento, aprimo-
lificação do profissional. O enfermeiro precisa es-
ramento ou desenvolvimento. tar preparado para atingir, desenvolver e ampliar
Dessa forma, compreende-se que a educação sua competência técnica, crítica e interativa, tan-
em serviço pode ser desenvolvida por meio da to no ensino formal de enfermagem como nos
educação continuada, que englobaria as ativida- processos de educação permanente, de forma a
des de ensino após o curso de graduação ou o curso adquirir assim a capacidade de aprender a apren-
profissionalizante, com finalidades mais restritas der e de aprender a conviver.
de atualização, aquisição de novas informações, A diversidade de informações recebidas pe-
atividades de duração definida e por meio de la rápida evolução do mundo, bem como a ampla
metodologias tradicionais(21). gama de necessidades de conhecimento nas mais
Na organização dos projetos sobre educa- diversas áreas profissionais, leva à constatação
ção continuada na enfermagem, devem-se consi- de que é difícil para a educação formal garantir
derar prioritários os programas de inclusão, atua- adequada formação do indivíduo. Outro fator que
lização, treinamento, pós-graduação, pesquisa, dificulta a educação permanente é a própria for-
eventos, produção, gerência e integração docên- mação do enfermeiro, a partir de currículos carac-
cia-assistência – todos conduzidos e fundamen- terizados pelo modelo biomédico e baseados nas
tados no cuidado humano e no cuidado profissio- concepções cartesianas e no biologicismo.
Paschoal AS, Mantovani MF, Lacerda MR. A educação permanente em enfermagem: subsí-
342 dios para a prática profissional. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2006 set;27(3):336-43.

Essa realidade tende a mudar, em decorrên- tudes que o profissional assume enquanto cui-
cia das Diretrizes Curriculares Nacionais do Cur- da, dentre as quais está o compromisso firmado
so de Graduação em Enfermagem, elaboradas pe- consigo mesmo, mediante a motivação pela bus-
lo Conselho Nacional de Educação, Câmara do En- ca do autoconhecimento, do aperfeiçoamento e da
sino Superior, em 2001, após a aprovação da Lei de atualização, e prevendo melhorar o cuidado pres-
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB tado ao cliente e à comunidade. A educação per-
9394/96)(24). Na LDB foram extintos os currículos manente leva ao entendimento de que o indivíduo
mínimos dos cursos de graduação e preconizadas deve ter no auto-aprimoramento uma meta a ser
as competências como aspecto fundamental na seguida por toda sua vida. Na enfermagem, a bus-
conformação dos projetos pedagógicos e seus ca pela competência, pelo conhecimento e pela
currículos, que agora norteiam a formação de no- atualização é essencial para garantir a sobrevivên-
vos profissionais de enfermagem no Brasil. cia tanto do profissional quanto da própria profis-
As Diretrizes Curriculares, que tencionam são.
apontar outro direcionamento à formação do en- Existe necessidade de buscar a participa-
fermeiro, são orientações gerais para as institui- ção de todos os envolvidos nas questões educati-
ções de ensino superior e buscam ajudá-las a alcan- vas na enfermagem: educadores, educandos, ins-
çar seu objetivo, que é levar os alunos dos cursos de tituições, contexto social, político, econômico e ou-
graduação em saúde a aprender a aprender, o que tros, para que, em sua relação de troca, indispen-
engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender sável à prática profissional, alcance-se o desen-
a viver juntos e aprender a conhecer. Também, elas volvimento pessoal e profissional. Precisa-se es-
objetivam capacitar profissionais para assegurar timular a superação do sentimento de descrença
a integridade da atenção e a qualidade e humaniza- que impede o esforço para a concretização de mu-
ção do atendimento prestado aos indivíduos, às danças com relação à educação permanente na
famílias e comunidades. enfermagem. O primeiro passo em direção a essa
Nos cursos de graduação, deve-se buscar não mudança é acreditar que ela é possível, construída
somente desenvolver conhecimentos, habilidades gradativamente e, ainda, reconhecê-la como infi-
e atitudes indispensáveis à profissão, mas também nita. Então, caracteriza-se como um processo que
promover o preparo do enfermeiro como cidadão, acontece sob a influência das interações com o
para atuar como crítico social. O papel do professor indivíduo, com o grupo social, com o ambiente e a
de enfermagem, dessa forma, é muito importante, organização.
pois, além de organizar e desenvolver um ensino Nesse contexto, visualiza-se a educação per-
técnico e científico, ele deve integrar conteúdos e manente, compreendida como constante busca pe-
experiências que favoreçam a formação do enfer- lo aprender, como uma das ações que possibilitam
meiro cidadão competente e crítico. o desenvolvimento desse processo de mudança,
Isso somente ocorrerá com a aplicação da visando à qualificação profissional da enferma-
consciência crítica, pois com ela se avança para a gem e conseqüentemente à realização da prática
busca da cidadania profissional comprometida com profissional competente, consciente e responsável.
a transformação social e por meio dela o compro-
misso com a educação permanente torna-se pri- REFERÊNCIAS
mordial para que ocorram as mudanças de compor-
tamento em relação à enfermagem e aos profissio- 1 Ministério da Saúde (BR). Projeto de profissionali-
nais que atualmente a desempenham. Assim se de- zação dos trabalhadores da área de Enfermagem. For-
termina o crescimento da enfermagem, sua evolu- mação 2001;(2):5-15.
ção como ciência e arte e, conseqüentemente, sua
2 Almeida MCP, Rocha SMM. O trabalho de enferma-
valorização.
gem. São Paulo: Cortez; 1997.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 3 Duarte MJRS. O compromisso social e o espaço pro-
fissional do enfermeiro. In: Santos I. Enfermagem fun-
A contribuição da educação permanente na damental, realidade, questões, soluções. São Paulo:
prática profissional evidencia-se por meio das ati- Atheneu; 2001. p. 111-22.
Paschoal AS, Mantovani MF, Lacerda MR. A educação permanente em enfermagem: subsí-
dios para a prática profissional. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2006 set;27(3):336-43. 343

4 Rizzotto MLF. História da enfermagem e sua relação 14 Cegano D, Siqueira HCH, Vaz MRC. Falando sobre
com a saúde pública. Goiânia: AB; 1999. pesquisa, educação e saúde na enfermagem. Revis-
ta Gaúcha de Enfermagem 2005;26(2):154-60.
5 Sá LD. E a enfermagem no século XXI? Revista
Brasileira de Enfermagem 1999;52(3):375-84. 15 Peduzzi M, Anselmi ML. O processo de trabalho de
enfermagem: a cisão entre o planejamento e execução
6 Santiago LC, Silva ALAC, Tonini T. Semiologia: do cuidado. Revista Brasileira de Enfermagem 2002;
teorias e tecnologias do/no cuidado com o corpo. In: 55(4):392-8.
Santos I. Enfermagem fundamental, realidade, ques-
tões, soluções. São Paulo: Atheneu; 2001. p. 227-44. 16 Lopes A, Nunes L. Acerca da trilogia: competên-
cias profissionais: qualidade dos cuidados: ética.
7 Kirchhof ALC. O trabalho da enfermagem: análise e Nursing (Ed. Portuguesa) 1995;8(90/91):10-3.
perspectivas. Revista Brasileira de Enfermagem 2003;
56(6):669-73. 17 Dilly CML, Jesus MCP. Processo educativo em en-
fermagem: das concepções pedagógicas à prática
8 Carvalho V. Cuidando, pesquisando e ensinando: profissional. São Paulo: Robe; 1995.
acerca de significados e implicações para a prática
da enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfer- 18 Morin E. Os sete saberes necessários à educação do
magem 2004;12(5):806-15. futuro. São Paulo: UNESCO/Cortez; 2002.

9 Lacerda MR. Tornando-se profissional no contexto 19 Freire P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e
domiciliar: vivência de cuidado da enfermeira [tese Terra; 2001.
de Doutorado]. Florianópolis: Universidade Federal
de Santa Catarina; 2000. 222 f. 20 Saviani D. Escola e democracia: teoria da educa-
ção, curvatura da vara: onze teses sobre educação
10 Pereira RCJ. Refletindo e escrevendo sobre as ex- e política. 18a ed. São Paulo: Cortez; 1987.
periências vivenciadas no contexto da escola e do
cuidado. In: Waldow V. Maneiras de cuidar, manei- 21 Ribeiro ECO, Motta JIJ. Educação permanente co-
ras de ensinar: a enfermagem entre a escola e a mo estratégia na reorganização dos serviços de
prática profissional. Porto Alegre: Artes Médicas; saúde. Divulgação em saúde para Debate 1996;
1995. p. 135-49. (12):1-12.

11 Pereira RCJ, Galperim MRO. Cuidando-ensinando- 22 Oguisso T. A educação continuada como fator de
pesquisando. In: Waldow V. Maneiras de cuidar, mudanças: visão mundial. Nursing (São Paulo) 2000;
maneiras de ensinar: a enfermagem entre a escola e 3(20):22-9.
a prática profissional. Porto Alegre: Artes Médicas;
1995. p. 189-203. 23 Paschoal AS. O discurso do enfermeiro sobre edu-
cação permanente no grupo focal [dissertação de
12 Waldow VR. Cuidado humano: o resgate necessá- Mestrado em Enfermagem]. Curitiba: Universidade
rio. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto; 1998. Federal do Paraná; 2004. 113 f.

13 Leopardi MT, Gelbcke FL, Ramos FRS. Cuidado: 24 Conselho Nacional de Educação (BR). Resolução
objeto de trabalho ou objeto epistemológico da en- 03, de 07 de novembro de 2001: Diretrizes Curricu-
fermagem? Texto e Contexto: Enfermagem 2001;10 lares Nacionais do Curso de Graduação em Enfer-
(1):32-49. magem. Brasília (DF); 2001.

Endereço da autora/Author´s address: Recebido em: 06/07/2005


Maria de Fátima Mantovani Aprovado em: 15/03/2006
Rua Rio Iriri, 20, Bloco 1, Apt° 21
Bairro Alto/Atuba
82.840-310, Curitiba, PR.
E-mail: mantovan@ufpr.br

You might also like