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PORTUGUESA NA AMÉRICA
(Organizadores)
A EXPANSÃO E CONSOLIDAÇÃO DA
COLONIZAÇÃO PORTUGUESA NA
AMÉRICA
EDUEM
2011
Sumário
CAPÍTULO I:
A produção do açúcar e a colonização do Nordeste > 6
CAPÍTULO II:
A interiorização da colonização no século XVIII > > 25
CAPÍTULO III:
As origens da escravidão na América Portuguesa > 44
CAPÍTULO IV:
O marquês de Pombal e a Companhia de Jesus > > 63
CAPÍTULO V:
Caio Prado Júnior e a interpretação da colonização
do Brasil > > > > > 77
CAPÍTULO VI:
A historiografia brasileira relativa à colonização:
novas tendências > > > > > 87
4
APRESENTAÇÃO
verdade ou que seja a mais correta. Tal hegemonia “significa apenas que a maioria
das pessoas se identifica com a mesma”.
Na historiografia brasileira nenhum outro estudioso teve a aceitação alcançada
por Caio Prado Junior. Este autor publicou seus livros mais influentes entre os anos
1930-1940 e ainda hoje se constitui em uma referencia para os estudiosos da história
da América Portuguesa. Além de Caio Prado, outros pensadores, como Sérgio
Buarque de Holanda e Gilberto Freire também escreveram obras densas e influentes e
mereceriam estar incluídos no presente livro, contudo por questões alheias a nossa
vontade isso não foi possível. Sendo assim, tendo que fazer uma escolha, optamos
por aquele que exerceu a maior influencia sobre a historiografia brasileira dos últimos
setenta anos.
Finalmente, o último capitulo, a historiografia brasileira relativa à colonização:
uma nova tendência, busca, entre outras questões, mostrar analises contemporâneas
que tentam romper com os parâmetros estabelecidos por Caio Prado Junior.
Claro está que, embora o presente livro seja a principal referencia para os
nossos estudos, ele não esgota, e nem poderia, os temas – que são quase infinitos – e
as discussões sobre a história da América Portuguesa. Em certo sentido, o presente
livro não se constitui em ponto de chegada, mas apenas um ponto de partida. Este
volume e o volume anterior já publicado, intitulado A expansão ultramarina e a
colonização da América Portuguesa, servirão de iniciação no estudo dos temas mais
relevantes da história da América Portuguesa. Um aprofundamento desse estudo
exigirá a leitura da bibliografia referenciada em cada um dos capítulos, bem como de
outros títulos disponíveis no mercado editorial, nas bibliotecas e nos acervos
digitalizados colocados à disposição do público na rede mundial de computadores.
Uma boa leitura.
Sezinando Luiz Menezes
Lupércio Antonio Pereira
Claudinei Magno Magre Mendes
organizadores
6
INTRODUÇÃO
Ainda que se deva dar um desconto às descrições como esta, o fato é que os
autores contemporâneos sempre insistiram na grande riqueza dos senhores do Brasil,
como é o caso de Frei Manuel Calado. Em obra de 1648, este autor assim descreveu
o Nordeste, principalmente Olinda, cabeça da grande capitania de Pernambuco:
prata, pôde afirmar que as verdadeiras minas do Brasil eram o açúcar e o pau-brasil,
que proporcionavam grandes rendas à fazenda real (MENESES, p. 54). Por outro
lado, o comércio proporcionado pela riqueza produzida no Brasil, especialmente,
Pernambuco, era tão grande que o autor dos Diálogos das Grandezas do Brasil
caracterizou Olinda como “uma Lisboa pequena”, por seus inumeráveis mercadores
com suas lojas abertas cheias de mercadorias de muito preço e de toda a sorte
(MELLO, 1966, p. 26-27).
A invasão holandesa do Nordeste brasileiro pode ser considerada uma espécie
de marco na história da produção açucareira da colônia, pois, à época da expulsão
dos holandeses, surgiram novas regiões produtoras de açúcar nas Antilhas, que
passaram a concorrer com o Brasil no fornecimento desse produto no mercado
europeu. Inglaterra, França e Holanda organizaram suas colônias produtoras de
açúcar, concedendo-lhes, por meio do pacto colonial, o monopólio do abastecimento
de seus mercados, alijando destes, ao menos parcialmente, o açúcar brasileiro. Até
então, o Brasil havia desfrutado, praticamente, o monopólio da produção do açúcar.
Assim, até mais ou menos 1680, o Brasil desfrutou de uma condição de quase
monopólio na produção do açúcar, fato que estimulou sua grande expansão. Cabe,
agora, analisar as razões dessa expansão durante este período e seus
desdobramentos.
Ao tratar do cabedal que o senhor de engenho deveria ter, Antonil arrola tanto
as atividades necessárias à produção do açúcar e que eram desempenhadas, no mais
das vezes, por homens brancos livres que recebiam soldo, como as mercadorias que
deveria comprar. Dentre as primeiras cita os barqueiros, canoeiros, calafates,
carapinas, carreiros, oleiros, vaqueiros, enfermeiros, pastores e pescadores, além, é
claro, dos feitores, do mestre de açúcar e assim por diante. Quanto às segundas, cita
os mantimentos e farda (vestimenta dos escravos), medicamentos, enfermaria,
velame, cabos, cordas, breu, lenhas, enxadas, foices, machados, serras, madeira de
lei, aço e ferro e muitas outras mercadorias, produzidas no Brasil e no exterior
(ANTONIL, 2007, p. 80).
Assim, como se pode deduzir, o engenho constituía o centro de uma extensa
divisão do trabalho, que envolvia tanto o mercado interno como o mercado externo.
Sua especialização tinha, pois, como contrapartida, sua inserção em um mercado que
se tornava, cada vez mais, mundial. Não sem razão, em 1660, o juiz do povo assim
descreveu o engenho:
sociedade que, em que pesem suas diferenças, enormes, vale a pena ressaltar,
ofereceu aos seus membros meios de existência, pode nos levar a mudar nosso
conceito quanto ao passado e, por extensão, quanto ao nosso presente.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas.
Introdução e notas por Andrée Mansuy Diniz Silva. São Paulo: USP, 2007.
BARLÉUS, Gaspar. História dos fatos recentemente praticados durante oito anos
no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1974.
CALADO, Frei Manuel. O valeroso Lucideno. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
USP, 1987.
22
CARDIM, Fernão. Tratado da terra e gente do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: USP, 1980.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 18ª edição. São Paulo: Nacional,
1982.
LEITE, Serafim. Cartas dos primeiros jesuítas no Brasil. São Paulo: Comissão do
IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954, 3 vs.
MAURO, Frédèric. Le Brèsil aux XVIIe siècle. Separata de Brasília, Coimbra: v. XI,
1961.
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: guerra e açúcar no Nordeste, 1630-
1654. 3ª edição. São Paulo: Editora 34, 2007.
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 17ª edição. São Paulo:
Brasiliense, 1981.
não há alimento que possa ser estragado pelo açúcar (os alemães ainda cozinham
assim). Também provou ser útil como conservante ou para camuflar o sabor num
mundo de fácil deterioração dos produtos alimentícios. Nos séculos XV e XVI, o
açúcar era um artigo de luxo: as donas de casa trancavam a sete chaves as fôrmas de
açúcar para impedir que a criadagem lhes tivesse acesso; mas estava tornando-se
uma necessidade que se propagava do topo para baixo da hierarquia social”
(LANDES, David S. Riqueza e a pobreza das nações. Por que algumas são tão ricas e
outras são tão pobres. 6ª edição. Rio de Janeiro: Campus, 1998, p. 74).
1
O mundo dos engenhos foi objeto de discussão em um capítulo anterior desse livro.
26
2
A esse respeito ver Puntoni (2000).
27
açoitarem os outros”, além disso, “matam os velhos e crianças que não conseguem
caminhar, dando de comida aos cachorros”.
A intenção do artigo é clara. Seus autores buscam contrapor-se a uma versão
historiográfica que, ao longo da primeira metade do século XX, mitificou os
bandeirantes, transformando-os em heróis que simbolizam da saga dos paulistas que
conquistaram os sertões, expandiram as fronteiras e construíram o Brasil.
O artigo reproduz algo relativamente comum nas analises historiográficas. Para
se criticar uma versão considerada indevida, unilateral, parcial ou equivocada, os
historiadores, por vezes, também apresentam explicações indevidas, unilaterais,
parciais ou equivocadas. Contudo, como uma imagem invertida em um espelho, tais
versões apresentam posições diametralmente opostas as anteriores.
Por um lado, conceber os bandeirantes como homens íntegros e virtuosos
conquistadores do sertão bravio; heróis que beiram a perfeição é uma idealização
inaceitável. Por outro, tê-los como sanguinários assassinos, também é um problema
interpretativo. Nem uma coisa e nem outra. Os bandeirantes eram homens com
vontades e desejos, amores e ódios, fraquezas e grandezas, erros e acertos. Capazes
de gestos humanitários e de crueldades. Alguns provavelmente eram mais violentos e
imorais, outros menos. Eram humanos, e como tal, sujeitos a “humanidade” típica
dessa espécie. Por conseguinte, eram contraditórios, não eram lineares. Acima de
tudo, eram homens de sua própria época, uma época muito distinta da nossa. Viviam
e produziam uma determinada historicidade onde a violência era muito presente no dia
a dia de homens e mulheres, pois o processo civilizador ainda não havia imposto o
monopólio estatal da violência na região que viviam. Uma época em que a crença na
interferência dos poderes sobrenaturais na vida terrena podia conduzir a atos de
absoluta entrega e desprendimento – como no caso dos religiosos que se
embrenhavam nos sertões para “salvar” os nativos. Mas, também, produzia atos de
extrema violência, crueldade e intolerância, como nos casos dos condenados a morrer
nas fogueiras inquisitoriais que arderam no reino português por mais de duzentos
anos, ou dos próprios bandeirantes que dizimaram as missões dos jesuítas espanhóis
na região entre os rios Paranapanema, Paraná e Tibagi, no interior do atual Estado do
Paraná.
Não é o caso de romantizar e idealizar os bandeirantes, como de resto a
própria história. Sua crueldade e violência faziam parte de sua historicidade e são
inegáveis. Contudo, são se trata de julga-los, mas sim de compreendê-los. Nesse
sentido não somos adeptos de uma “história tribunal”, na qual o historiador, investido
dos poderes de um juiz, volta-se para o passado para julgar os homens daquela época
com juízos de valor e preceitos morais que pertencem a historicidade do historiador,
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mas não fazem parte do mundo, da cultura, do homem daquele determinado passado.
Afinal, o anacronismo é um “pecado” inaceitável em um trabalho historiográfico.
Quais os anseios e desejos dos bandeirantes, como e porque agiam daquela
determinada forma, o que os movia, como conseguiram sobreviver nos inóspitos
sertões, são perguntas para as quais, nesse momento, devemos buscar respostas.
Além disso:
Se o intento é repensar este episódio evitando repetir o tema do culto aos ancestrais
heroicos, é preciso [...] indagar também de que maneira os que vieram para São
Vicente e São Paulo desenvolviam sua vida material e quais os limites e condições
dados pelo cenário histórico em que se movimentavam. Os colonizadores dessa região
estavam envolvidos basicamente na luta pela subsistência material, e a possibilidade
de obterem maior ou menor sucesso era dada, por um lado, pela própria maneira como
se implantou a colonização entre nós e, por outro, pelas características especificas da
capitania de São Vicente e da cidade de São Paulo de Piratininga. (DAVIDOFF, 1986,
p.9-10)
A pauperidade paulista não deve, contudo, ser vista de forma absoluta pois,
embora predominasse a produção para a subsistência, os moradores de Piratininga
integravam-se ao mercado, fornecendo, entre outros produtos, marmeladas e,
principalmente, o escravo índio. Este, inicialmente capturado nas imediações da Vila
de Piratininga, posteriormente foi aprisionado cada vez mais para o interior do
continente e se “constituiu „mercadoria‟ de exportação para outras capitanias” (ELLIS,
1989, p.278)3. Ao se voltar para o interior do continente, realizando incursões ao
sertão, os paulistas tentavam romper com o isolamento e a pobreza. O sertão
significava a possibilidade de obter “proveito”.
Dessa forma:
O bandeirante foi fruto social de uma região marginalizada, de escassos recursos
materiais e de vida econômica restrita, e suas ações se orientaram ou no sentido de
tirar o máximo proveito das brechas que a economia colonial eventualmente oferecia
para a efetivação de lucros rápidos e passageiros em conjunturas favoráveis – como no
caso da caça ao índio – ou no sentido de buscar alternativas econômicas fora dos
quadros da agricultura voltada para o mercado externo, como ocorreu com a busca dos
metais e das pedras preciosas. (DAVIDOFF, 1986, p.25-26)
Tal situação fez com que os moradores da vila de São Paulo desenvolvessem
uma forma de vida independente e um certo desregramento. Os documentos oficiais
da época mostram um pouco da forma independente e arredia que caracterizavam os
paulistas. Estes são tidos, até o descobrimento das minas, como “maus vassalos”,
que pretendiam “saber mais daquilo que convém aos Povos do que El Rei, que é o
senhor deles”. As terras de São Paulo e São Vicente são chamadas de “terras pouco
obedientes” e ainda:
Em toda a sua correspondência [do governador Camara Coutinho] (e de outras
autoridades reinóis por esse época), o que não faltam, aliás, são críticas acerbas aos
3
Ressalte-se que a escravidão indígena, veementemente combatida pelos jesuítas, tornou-se
ilegal em 1570. A partir de então, sucessivas leis reafirmaram a proibição da escravidão e
firmou-se no direito português o principio da “guerra justa” que estabelecia as condições sob as
quais o nativo brasileiro poderia ser escravizado. Na prática a “guerra justa” abria uma brecha
na legislação que tornava possível e legitimava a escravização do índio.
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excessos contínuos de vassalos tão indóceis. Em uma carta a Sua Majestade chega a
apodar os paulistas de “ladrões destes sertões”. Em outra acusa-os de “vassalos
rebeldes”, que nenhuma ordem do governo geral guardam, nem as leis de seus
soberano, e ainda de “mais vassalos pelo nome que pela obediência”. (HOLANDA,
1993, p.262)
AS MINAS DE OURO
Contudo, foi somente nos últimos anos do século XVII que os paulistas
encontraram ouro em maiores quantidades. Entre 1693 e 1695 foram encontradas
varias faisqueiras em trechos dos rios das Mortes e das Velhas. Embora os paulistas
tenham tentado manter sigilo sobre as descobertas, as noticias percorreram
rapidamente a América portuguesa e chegaram a Europa. O brilho do ouro atrai para
as minas moradores de outras regiões da América portuguesa. Segundo Antonil;
A sede insaciável do ouro estimulou a tantos a deixarem suas terras e a meterem-se
por caminhos tão ásperos como são os das minas, que dificultosamente se poderá dar
conta do número das pessoas que atualmente lá estão. Contudo, os que assistiram
nelas nestes últimos anos por largo tempo, e as correram todas, dizem que mais de
trinta mil almas se ocupam, umas em catar, e outras em mandar catar nos ribeiros do
ouro, e outras em negociar, vendendo e comprando o que se há mister não só para a
vida, mas para o regalo, mais que nos portos do mar (ANTONIL, 1982, p.167).
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Sendo assim, centenas de homens partem de suas vilas e deixam para trás
pequenos comércios, lavouras e engenhos e se deslocam para a região mineira.
No comercio, no artesanato e na produção agrícola, mulheres começavam a substitui-
los, tentando animar o resto de vida urbana que sobrara. Inúmeras delas ganhavam a
vida e sustentavam famílias. Faziam de tudo, eram agricultoras, lavadeiras, costureiras,
tintureiras, doceiras. Ate a prostituição ajudava na luta pela sobrevivência (PRIORE e
VENANCIO, 2010, p.71).
4
A respeito do conhecimento adquirido pelos bandeirantes junto aos nativos para a sobrevivência nos
sertões veja-se: HOLANDA, 2008.
5
Uma oitava corresponde a aproximadamente 3,586 gramas. Em nossos dias uma oitava de ouro vale,
aproximadamente, R$ 140,00.
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chegar a região. “Ao terminar a primeira década do novo século, algumas fortunas já
haviam sido amealhadas nas Minas” (SOUZA e BICALHO, 2008, p.31).
Um outro aspecto relevante da sociedade mineradora dos primeiros tempos era
o desregramento e a violência. Embora tivesse como principal relação de trabalho a
escravidão, tal qual a sociedade do litoral nordestino, a sociedade mineira tinha
características distintas. A colonização do nordeste tinha o engenho como polo
aglutinador da vida econômica, politica, social e cultural. Ou seja, a sociedade era
caracterizadamente rural. Os centros urbanos eram o cerne do comércio e da
administração. Mas não polarizavam a vida social, cultural e econômica. Nas minas,
em razão das características próprias dessa atividade econômica, os aglomerados
urbanos se desenvolveram mais rapidamente e, de forma distinta do nordeste, tornam-
se o eixo da vida. Contudo, as vilas surgiam espontaneamente, ao sabor do
descobrimento, exploração e esgotamento do ouro. Não eram precedidas, e nem
poderia, por um planejamento.
Assim, por um lado, o isolamento, a ausência de um sistema de abastecimento
e os elevados preços e, por consequência, a fome, e por outro, a inexistência quase
completa das instituições da Coroa, do poder de policia, da justiça, da administração,
enfim, do poder do Estado, fizeram com que a violência, o desregramento, o poder dos
potentados, dos valentões, caracterizassem os primeiros tempos da presença
europeia na região. A inexistência de um ordenamento, do poder do Estado nos
primeiros tempos, é percebida por Antonil.
Não houve até o presente coação ou governo algum bem ordenado, e apenas se
guardam algumas leis que pertencem às datas e repartições dos ribeiros. No mais não
há ministros nem justiças que tratem ou possam tratar do castigo dos crimes, que não
são poucos, principalmente dos homicídios e furtos (ANTONIL, 1982, p.168).
Conforme pode se observar, por ser vital para a Coroa, a discussão sobre a
melhor forma de tributar envolveu debates acalorados e se desenrolou por décadas
até que se estabelecesse o quinto e a derrama que levou os minérios a revolta na
segunda metade do século XVIII.
Finalmente, um terceiro motivador da ação da Coroa em Minas Gerais que
deve ser destacado é a necessidade de estabelecer uma ordem social. Desde os
momentos iniciais do descobrimento das minas, os administradores portugueses
tentavam estabelecer um ordenamento na região. Por exemplo, para tentar solucionar
o problema da fome dos primeiros tempos, o D.João V, Rei de Portugal, ordena que
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Finalmente, Antonil afirma que “para que tudo tome melhor forma e governo”
o Rei envia para as Minas “governador, ministros de Justiça” e “um terço de soldados”.
6
“As datas concedidas nas Minas eram áreas de 30x30 braças, correspondendo cada braça a 1,10m. Só
eram concedidas a quem tivesse pelo menos doze escravos de trabalho para as lavras; concediam-se
frações de 2,5 x 2,5 braças por escravo, a quem tivesse menor número de escravos. De outro lado não se
concedia segunda data a quem não houvesse provado explorar a primeira e contar com mais escravos para
outra.” (FENELON, 1986, p. 40)
41
Posteriormente, em 1719, foi enviada para Minas, uma tropa de Dragões7. Pela
primeira vez haveria uma tropa regular portuguesa sediada na colônia.
Entre as principais medidas tomadas pela Coroa destacam-se as tentativas
de organizar a imigração, a proibição da entrada de membros do clero regular e de
ourives na região, o estabelecimento de cotas para a entrada de escravos em Minas
Gerais, a nomeação de ouvidores e a criação de juntas de julgamento e a criação de
milícias. Contudo, o isolamento, as grandes distâncias, a corrupção, as dificuldades de
acesso, entre outros fatores, não permitiam que as medidas estabelecidas se
tornassem de fato, efetivas.
De qualquer forma, a presença mais efetiva e uma maior intervenção do
Estado português na colônia, visavam, fundamentalmente, aumentar a arrecadação
tributária, incrementar a produção e organizar a vida social.
A partir de então produz-se as condições para o desenvolvimento de uma
civilização urbana no coração da América portuguesa. O desenvolvimento da vida
urbana, por sua vez, produz novas necessidades, que, para serem supridas, exigiram
novos profissionais como comerciantes, artesãos, carpinteiros, pedreiros, médicos,
“tiradentes”, funcionários públicos, engenheiros, arquitetos, construtores, etc. Outro
aspecto relevante relaciona-se ao desenvolvimento das letras, musica e das artes
plásticas. Tudo isso fez com que a população mineira aumentasse em um ritmo
extremamente rápido e, em 1776, atingisse aproximadamente 320.000 habitantes,
sendo que cerca de 52% eram negros, 25% mulatos e 22% brancos.
Concluindo, podemos afirmar que, ao contrário de outros períodos e regiões
da América Portuguesa, a mineração constituiu um ciclo. No período inicial, até
aproximadamente a segunda década do século XVIII, a região era caracterizada pela
violência pela escassez e pela fome e pela insuficiência das instituições do Estado. A
partir de então, a efetiva ação da Coroa, estabelece o poder do Estado. As atividades
econômicas se diversificam, a sociedade acumula riquezas, que pode ser observada,
por exemplo, na arquitetura barroca mineira, e a vida urbana se organiza.
O apogeu da mineração ocorreu entre 1733 e 1748, a partir de então, a
queda no rendimento da mineração e o arrocho fiscal instauram uma crise na região
que, aliada ao desenvolvimento da própria sociedade e da disseminação de ideias
iluministas, estimularão o surgimento de rebeliões contra o Antigo Regime nos
trópicos.
7
Dragão era a designação do soldado das unidades militares dos exércitos europeus a partir do século
XVII. Embora se locomovessem a cavalo, combatiam a pé, como a infantaria. Era uma espécie de
infantaria montada.
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REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Paulo, 17/05/98, caderno 5.
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil. São Paulo/Belo Horizonte:
EDUSP-Itatiaia, 1982.
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projeto de capitação, 21 de setembro de 1733. In: CORTESÃO, Jaime, Alexandre de
Gusmão e o Tratado de Madrid. parte V, 1953.
CASTRO, Silvio. A Carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: LP&M; 1985.
CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. Parte I, Tomo I
(1695-1735). Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores/Instituto Rio
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DAVIDOFF, Carlos Henrique. Bandeirantismo: verso e reverso. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
ELLIS, Miriam. “As bandeiras na expansão geográfica do Brasil. In: HOLLANDA, S.B.
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descobrimento à expansão territorial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
FENELON, Dea Ribeiro. 50 textos de história do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1986.
GUSMÃO, Alexandre de. Projeto de capitação e maneio, proposto a D.João V por
Alexandre de Gusmão, 1733. In: CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o
Tratado de Madrid. Parte II, Tomo I (1695-1735). Rio de Janeiro: Ministério das
Relações Exteriores/Instituto Rio Branco.1952.
GUSMÃO, Alexandre de. Regimento dado por El Rei D. João V, mas escrito por
Alexandre de Gusmão, ao novo Governador das Minas, Martinho de Mendonça de
Pina e de Proença, com referências muito particulares ao sistema de capitação a
inaugurar naquela capitania. 30 de outubro de 1733. In: CORTESÃO, 1952. parte II,
tomo I,
GUSMÃO, Alexandre de. Resposta de Alexandre de Gusmão a vários pareceres e
dúvidas sôbre o projeto da Capitação. (1733). In: CORTESÃO, 1952.
Reparos sobre a disposição da Lei de 03 de dezembro de 1750, a respeito do novo
método da cobrança do quinto do ouro nas Minas Gerais, pelo qual se aboliu o da
capitação. In: CORTESÃO, 1952, parte II, tomo I.
HANSON, Carl A. Economia e Sociedade no Portugal Barroco (1668-1703). Lisboa:
Dom Quixote, 1986.
HOLLANDA, Sérgio Buarque de (dir.). História geral da civilização brasileira. Tomo I
vol. II. Rio de Janeiro: 7ª ed., Bertrand Brasil, 1993.
HOLANDA, Sérgio Buarque de, Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.
EGLÉSIAS, Francisco. Minas e a imposição do Estado no Brasil. In: Revista de
História. São Paulo: 1974, nº 100, p.257-273.
PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 20ª ed., São Paulo: Ed.
brasiliense, 1987.
PRIORI, Mary Del e VENANCIO, Renato. Uma breve historia do Brasil. RJ Planeta,
2010.
PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão
do nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: FAPESP-HUCITEC-EDUSP; 2002.
ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das minas. Belo Horizonte:
UFMG, 2008.
SOUZA, Laura de Melo e BICALHO, Maria Fernanda Baptista. 1680-1720 O Império
deste mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
43
www1.folha.uol.com.br/cotidiano/864375-apesar-da-aura-mitica-bandeirante-era...
Acessado em 25/01/2011
ZAMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania de Minas Gerais no século XVIII.
São Paulo: Hucitec/Edusp, 1990.
Faça uma busca na Internet pelo livro Cultura e Opulência do Brasil. Escrito por
Antonil e publicado em 1711. O livro encontra-se disponível em várias bibliotecas
virtuais.
Leia a “terceira parte: Cultura e Opulência do Brasil pelas minas de ouro” do livro.
Analise as principais questões discutidas na “terceira parte”.
Elabore um texto dissertando sobre as principais questões que a leitura e a analise
suscitaram.
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Vivemos numa época histórica em que, pelo menos para os países de tradição
liberal, a liberdade é concebida como um atributo inseparável da condição humana.
Homem e liberdade são conceitos inseparáveis em nossa atual forma de pensar.
Assim, para nós é natural que o indivíduo tenha plena liberdade para escolher
sua religião; liberdade de expor livremente seus pensamentos e suas opiniões;
liberdade de petição; liberdade de escolher seus dirigentes; liberdade de filiar-se a
sindicatos e associações de classes para defesa de seus interesses; liberdade de
emigrar para outro país; liberdade de recorrer ao judiciário toda vez que considerar
seus direitos ofendidos por outros indivíduos, por empresas ou pelo Estado. Em suma,
vivemos numa época histórica em que o normal é o indivíduo usufruir de uma gama de
liberdades individuais inexistentes em qualquer outra etapa da história. Para o homem
comum da nossa era, é normal que seja assim. Esses direitos lhe parecem tão
naturais à condição humana, que lhe seria difícil imaginar não ter sido sempre assim
na história.
escravidão só pode ser vista como uma aberração, uma coisa monstruosa, errada,
desumana, cruel, impiedosa etc. É voz corrente em nossa época, também, a
afirmação de que a escravidão era uma instituição disfuncional e antieconômica.
Em primeiro lugar, porque não se pode confundir senso comum com ciência. O
olhar da ciência para os fenômenos humanos tem que ser diferenciado do olhar do
senso comum. Senão não seria ciência. Normalmente as conclusões da ciência
contrariam as do senso comum.
Em segundo lugar, porque o historiador não é o juiz da história. Seu ofício não
consiste em colocar as instituições do passado no banco dos réus e proceder a seu
julgamento segundo os parâmetros legais e morais de nossa própria época. Espera-
se, ao contrário, que o historiador elimine os preconceitos sobre o objeto a ser
estudado e procure compreendê-lo em sua historicidade, isto é, levando em
consideração os valores contemporâneos do objeto estudado.
O PARADIGMA ABOLICIONISTA
A raça reputada a mais nobre e superior abastardava-se, com dano para si,
e sem vantagem para as outras...
O escravo era apenas um instrumento de trabalho, uma máquina; não
passível de qualquer educação intelectual e moral, sendo que mesmo da
religiosa pouco se cuidava.
Todos os direitos lhes eram negados. Todos os sentimentos, ainda os de
família. Eram reduzidos à condição de coisa, como os irracionais, aos quais
eram equiparados, salvas certas exceções. Eram até denominados, mesmo
oficialmente, peças, fôlegos vivos, que se mandavam marcar com ferro
quente ou por castigo, ou ainda por sinal como gado. Sem consideração
alguma da sociedade, perde o escravo até a consciência da dignidade
humana, e acaba por acreditar que ele não é realmente uma criatura igual
aos demais homens livres, que é pouco mais do que um irracional. E
procede em conformidade dessa errada crença, filha necessária da mesma
escravidão. (MALHEIRO, 1976: 31, grifos do autor)
Para os seus críticos oitocentistas, a escravidão era uma instituição que, por
sua monstruosidade imanente, só poderia ser mantida pela força e pela brutalidade do
senhor contra o escravo. Nela, a humanidade do escravo não teria chance de aflorar
porque este deveria ser submetido constantemente à vigilância, à violência e mantido
na mais absoluta ignorância.
decidir se, havendo outras possibilidades de organização social, ainda assim manteria
ou não aquela instituição. Portanto, os abolicionistas não estavam julgando o passado,
mas fazendo um acerto de contas com o próprio presente e tentando modelar o futuro.
Neste sentido, não podemos olhar para a escravidão com o mesmo olhar de
reprovação e de indignação dos abolicionistas, porque isso reduz nossa capacidade
de compreensão daquele intrigante e complexo fenômeno histórico. A indignação
quase sempre turva a nossa mente e, por isso, reduz nossa capacidade de
compreensão da história. Assim, uma análise da escravidão que parta do princípio de
que ela era uma instituição “errada” ou um crime é pouco promissora. Para o
historiador do século XXI que queira compreender aquele fenômeno histórico, ela não
pode ser vista como “certa” ou “errada”; antes, ela tem de ser vista como um
fenômeno histórico que, por sua longa duração e grande abrangência, merece ser
investigada com objetividade e com uma boa dose de distanciamento. A escravidão
deve ser encarada como uma das tantas instituições sepultadas pelo passado, a
maioria das quais pareceriam bizarras para o nosso gosto de homens do século XXI.
Portanto, devemos de imediato recusar o conceito formulado pelos abolicionistas de
que a escravidão era desumana.
que acabamos de afirmar, vejamos alguns marcos cronológicos do processo que levou
à liquidação da escravidão no mundo.
Essa afirmação de Caio Prado Júnior precisa ser matizada. É certo que em
algumas regiões européias (notadamente na França, Inglaterra, Países Baixos e
Península Itálica) as sociedades locais já não dependiam maciçamente do trabalho
compulsório no início da era moderna. De fato, naqueles países a própria servidão
feudal já estava sendo substituída por outras relações de trabalho (assalariamento,
arrendamento, meação, etc.), mas há que se reconhecer, também, que a escravidão
não desaparecera por completo do horizonte mental e da própria prática daquelas
sociedades.
O adultério também era punido com “a mais dura escravidão” (idem, p.271).
Qual a sorte dos escravos nessa sociedade tida como perfeita no século XVI?
Segundo o narrador,
Aos escravos utopianos eram confiados os trabalhos tidos por eles como os
mais vis e degradantes. Ser açougueiro, por exemplo:
Após a conquista de Lisboa pelos cristãos, um bom cavalo árabe valia mais
que um escravo mouro. Chegava-se a pagar 300 soldos por um bom cavalo, ao passo
que se podia comprar um escravo mouro por apenas 40 soldos. (COELHO, 1986: 42).
A leitura das Cartas de Duarte Coelho reforça essa hipótese. Nelas, nota-se um
esforço inicial em utilizar o trabalho livre europeu e os indígenas, estes não como
escravos, mas como trabalhadores livres. Duarte Coelho via com maus olhos a
escravização dos indígenas, porque isso implicava em conflitos que ameaçavam a
“paz e o sossego” tão necessários ao progresso da colonização. (DUARTE COELHO,
1967: 91)
licença, olhe quanto isto é do seu serviço, e quão pouco dano e estorvo faz
dar-me licença para obter alguns escravos para o servir melhor.(DUARTE
COELHO, 1967: 86)
Assim sendo, embora não fosse intenção inicial, a escravidão vai se impondo
no processo de colonização da América Portuguesa. Mas a escravidão só se impôs
porque a cultura da época era permeável a essa solução, conforme já expusemos na
parte inicial deste capítulo. A solução escravista tinha amparo não só no fundo laico da
herança cultural grego-romana e árabe presentes em Portugal, mas também no fundo
religioso da tradição judaico-cristã.
A mais custa é fazer a casa, por causa dos oficiais [pedreiros, carpinteiros
etc] que hão de vir de lá, porque a mantença dos estudantes, ainda que
sejam duzentos, é muito pouco, porque com o terem cinco escravos que
plantem mantimentos e outros que pesquem com barcos e redes, com
pouco se manterão. Os escravos são cá baratos, e os mesmos Paes hão de
ser cá seus escravos. É grande obra esta e de pouco custo...
(NÓBREGA,1988:84)
A nona e última causa, que em parte vem a ser forçosa, é ser todo o
serviço dos moradores daquele Estado [Maranhão] com índios naturais da
terra, os quais por sua natural fraqueza e pelo ócio, descanso e liberdade
em que se criam, não são capazes de aturar por muito tempo o trabalho em
que os portugueses os fazem servir, principalmente os das canas,
engenhos e tabacos, sendo muitos os que por essa causa continuamente
58
Que sendo o gênero humano livre por natureza, e senhor não somente de
si, senão também de todas as mais criaturas...chegasse grande parte dele a
cair na servidão e cativeiro, ficando uns senhores e outros servos, foi sem
dúvida um dos efeitos do pecado original de nossos primeiros pais Adão e
Eva, donde se originaram todos os males.
O pecado, pois foi o que abriu as portas por onde entrou o cativeiro no
mundo; porque rebelando-se o homem contra seu Criador, se rebelaram
nele e contra ele os seus mesmos apetites. Destes tiveram sua origem as
dissensões e guerras de um povo contra outro povo, de uma nação contra
outra nação, de um Reino contra outro Reino. E porque nas batalhas que
contra si davam as gentes, se achou que era mais humano não haver tanta
efusão de sangue introduziu o direito das mesmas gentes que se perdoasse
a vida aos que não resistiam, e espontaneamente se entregavam aos
vencedores; ficando estes com o domínio e senhorio perpétuo sobre os
vencidos e os vencidos com perpétua sujeição e obrigação de servir aos
vencedores (BENCI, 1977:48-49).
É também nos textos sagrados que Benci busca a explicação para o fato de
que a escravidão recaía sobre os africanos. Pesaria sobre estes a maldição bíblica
derramada sobre Cam e seus descendentes:
59
Por isso dizia o Profeta Isaias, que usar de misericórdia com os maus era
querer que não aprendam a ser bons. Pois se isto se verifica ainda nos
livres e brancos, a quem o pejo, o timbre e o pundonor obriga a fugir dos
malefícios: que será nos pretos e cativos, que nascendo naturalmente sem
pejo e sem timbre algum, unicamente governam suas acções pelo temor?
Logo merecendo o escravo o castigo, não deve deixar de lho dar o senhor;
porque não é só crueldade castigar os servos, quando merecem por seus
delitos ser castigados, mas antes é uma das sete obras da misericórdia,
que manda castigar aos que erram (BENCI, 1977: 127-128. Grifos nossos).
Quais castigos e em que quantidade eles seriam lícitos segundo a ética cristã
da virada do século XVII para o XVIII? Leiamos o que o misericordioso padre Benci
tem a nos dizer sobre isso:
Pelo que expusemos até agora, verifica-se que tanto o pensamento laico
quanto o pensamento religioso legitimavam a prática da escravidão na América entre
os séculos XVI e XVIII.
Por outro lado, para que a escravidão negra ganhasse corpo na América
portuguesa, era necessário que os escravos africanos fossem baratos (FLORENTINO,
1997). Para ser baratos, tinham que ser produzidos em grandes quantidades pelas
sociedades africanas, que tinham no escravo um dos seus principais – senão o
principal − produtos de exportação.
60
Assim, a escravidão africana deve ser entendida como uma via de mão dupla
ligando as colônias européias da América aos reinos e senhorios africanos
interessados nesse comércio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
O MARQUÊS DE POMBAL
Talvez o resumo mais justo feito até hoje tenha sido o expresso pelo erudito
cônego Antônio Ribeiro dos Santos (1745-1818), cuja opinião foi apoiada
por vários contemporâneos que se encontravam em boa posição para
julgar:
“O ministro tentou seguir uma política impossível: ele quis civilizar uma
nação e, ao mesmo tempo, escraviza-la; quis espalhar a luz das ciências
filosóficas e, ao mesmo tempo, elevar o poder real até o despotismo;
promoveu enormemente o estudo do Direito Natural, do Direito das Nações
e do Direito Internacional Universal, fundando cadeiras para essas matérias
na universidade. Mas não compreendeu que desse modo estava instruindo
o povo e levando-o a compreender que o poder soberano era instituído
unicamente para o bem comum da nação e não para o benefício do
governante, e que tinha limites e fronteiras que não podia ultrapassar”.
(p. 204).
ofertar uma formação profunda nas ciências e na literatura, além de permitir que
tivessem acesso à Universidade de Coimbra. Merece destaque especial a inclusão
das ciências exatas na formação dos jovens nobres, pois tratava-se de uma novidade
curricular as cadeiras de Matemática e de Física, tidas como fundamentais para
inspirar a nova mentalidade que, na visão de Pombal, Portugal necessitava.
Outra ação importante do primeiro-ministro de D. José I foi a extinção, via
decreto real, da diferenciação que se fazia, desde o início do século XVI, entre
cristãos-velhos e cristãos-novos em Portugal. Tal diferenciação, como sabemos, teve
início quando os judeus foram expulsos das terras lusitanas e os que ficaram tiveram
que se converter, à força, ao cristianismo, sendo conhecidos, a partir de então, como
novos cristãos para diferenciá-los dos antigos cristãos. Como também já é conhecido,
os principais alvos da Inquisição dos tribunais portugueses foram os cristãos-novos
acusados de judaizarem, ou seja, de voltarem às suas práticas judaicas e, portanto,
renegarem o cristianismo. Bethencourt (2000) conseguiu levantar aproximadamente
45 mil processos que foram produzidos pela inquisição lusitana entre 1536 e 1767 (a
inquisição só acabou em 1821 nas terras portuguesas), sendo que quase a totalidade
foi dirigida contra os cristãos-novos. É importante lembrar, ainda, que a extinção da
diferença entre os cristãos representava, na prática, a tentativa de por fim a uma
discriminação que sempre colocava em xeque a “limpeza” do sangue dos cristãos-
novos e, portanto, os habilitava a ocuparem quaisquer cargos no reino. O decreto
pondo fim à diferenciação entre os cristãos só foi possível pelo fato de Pombal ter
“estatizado” a Inquisição em Portugal, colocando os tribunais sob a direção real.
As ações descritas até aqui, mais a implacável perseguição aos jesuítas (da
qual trataremos mais adiante) aproximam Pombal do espírito iluminista presente na
Europa naquele momento histórico. Como afirmam Seco e Amaral (2006, p. 5):
Porém, o fato de ter governado Portugal com mãos de ferro fez com que a
figura de Pombal passasse para a história portuguesa também como um ditador sem
escrúpulos, fato que o distancia da mentalidade iluminista e faz dele a figura histórica
portuguesa mais polêmica até o século XVIII.
67
OS JESUÍTAS EM PORTUGAL
mundo cercado de intrigas que era a vida cortesã, os fez angariarem amigos e
inimigos.
Dentre os muitos inimigos que a Companhia de Jesus teve ao longo dos três
primeiros séculos de sua existência em Portugal, o Marquês de Pombal foi o mais
implacável a ponto de conseguir sua expulsão, primeiro dos territórios portugueses,
em 1759 e, depois, de toda a cristandade, em 1773, por ordem do papa Clemente XIV.
Talvez a ação pombalina que causou mais polêmica foi o embate que ele teve
com a Companhia de Jesus e o sucesso de seu empreendimento, que foi a expulsão
daquela ordem religiosa. Para Boxer (2002, p. 199)
ditas “provas” que são constituídas por cartas, ofícios, regimentos, etc., para
dar fundamento documental a este requisitório. (FRANCO, p. 1)
uma grande e poderosa instituição como a jesuítica, teria que ter grandes e poderosas
justificativas.
O fato é que, com relação à atuação dos jesuítas com os indígenas do Brasil,
Pombal acusava os inacianos de colocar os índios contra o reino, na medida em que,
segundo ele, os homens brancos eram apresentados aos índios como maus, como
mais interessados no ouro do que qualquer coisa e, mais grave, prontos para
atrocidades. Na toada dessa campanha difamatória contra os brancos europeus, os
padres jesuítas, sempre segundo Pombal, impuseram a obrigatoriedade da língua tupi-
guarani, proibindo o aprendizado do português, isolando os indígenas do contato com
o europeu por meio das reduções.
Dois motivos, segundo Franco (idem, p.3), foram apontados pelo primeiro-
ministro de D. José I para justificar a política jesuítica de isolamento dos índios no
Brasil. O primeiro seria de ordem econômica: os jesuítas queriam esconder dos
brancos toda a imensa riqueza que eles tinham. O segundo motivo seria a construção
de um Estado jesuítico, rico e disciplinado, baseado na ignorância, autocrático, que
substituiria a vassalagem dos índios brasileiros ao rei de Portugal pela obediência a
eles mesmos. Para Pombal:
CONCLUINDO
Referências e bibliografia
AZEVEDO, J. L. de. O marquês de Pombal e sua época. São Paulo: Alameda, 2004.
MONITA SECRETA – instituições secretas dos jesuítas. São Paulo: A Seara, s.d.
ATIVIDADE
Elabore um pequeno texto dissertando sobre o tema proposto abaixo.
O historiador K. Maxwell considera (em livro citado neste capitulo) o Marquês de
Pombal um “paradoxo do iluminismo”. O que possibilita que a administração
pombalina possa ser considerada um paradoxo do iluminismo?
77
INTRODUÇÃO
Todo professor de História deve saber algo que é fundamental para o exercício
da sua profissão: existem diferentes interpretações sobre um mesmo processo ou
acontecimento. Os livros didáticos apresentam uma única interpretação dos fatos,
aquela que, em um dado momento, é a hegemônica, ou seja, aquela que é a mais
aceita. Mas isto não quer dizer que seja a interpretação correta. Significa apenas que
a maioria das pessoas se identifica com a mesma. Mas, para a formação de um
profissional da história, é importante conhecer as diferentes interpretações e saber
expô-las aos seus alunos para que eles possam, percebendo as distintas maneiras de
se ver a história, escolher aquela que melhor condiz com seus interesses e sua
maneira de pensar.
Exatamente por isso existe, na formação do historiador, uma disciplina
denominada Historiografia, encarregada de estudar as diferentes maneiras de se
conceber a história. O estudo das interpretações da história revela, em primeiro lugar,
que em diferentes épocas se interpretou de modo distinto um determinado processo
ou acontecimento histórico. Revela, em segundo lugar, que, numa mesma época,
podem conviver diferentes maneiras de se interpretar esses processos e
acontecimentos. É o que geralmente se verifica. Assim, o conhecimento histórico não
é cumulativo, como se, a cada geração, houvesse um aperfeiçoamento e se
conhecêssemos melhor a história do que nossos antepassados. Essas duas
diferenças que se verificam nas interpretações se devem, primeiro, quando elas
ocorrem ao longo do tempo, ao fato de cada época colocar questões próprias para a
história. Para responder a essas questões de uma dada época concebe-se a história
de um modo distinto. Segundo, quando em uma mesma época existem diferentes
maneiras de conceber a história isso se deve ao fato de a sociedade encontrar-se
constituída por grupos sociais com interesses diferenciados, o que leva a cada um
deles considerar a história da sua perspectiva. Constata-se daí que não existe uma
verdade em história, no sentido de que uma interpretação é correta e as demais são
equivocadas.
Por isso, as diferentes maneiras de se interpretar um processo ou um
acontecimento devem, antes, constituir em ponto de partida para se entender as
78
Caio Prado Júnior nasceu em São Paulo, em 1907, e faleceu na mesma cidade
Marxista,
ingressou em 1990. De rica família da burguesia cafeeira, teve uma educação esmerada, como a
a ANL
no PCB em dos que pertenciam à sua classe. Estudou Direito na Faculdade do Largo de São reunia
1931 e sociaslist
chegou à Francisco, mas pouco exerceu a profissão. Publicou, em 1933, Evolução política do
as,
vice-presidê Brasil, inaugurando uma trajetória que o levou a ser considerado o mais importante anarquist
ncia da as e
Aliança historiador brasileiro. Mas, foi em 1942, com Formação do Brasil contemporâneo, que
comunist
Nacional deu início a uma interpretação da história do Brasil que, em suas linhas gerais, é as. Uma
Libertadora das
em 1935. considerada válida até os dias atuais. É verdade que, antes, em 1935, em uma série
principais
de artigos publicados na imprensa, acerca do programa da Aliança Libertadora correntes
da ANL
Nacional, ele já havia esboçado a interpretação que veio a expor em Formação. era o
Posteriormente, ao longo da sua trajetória política e intelectual, publicou outros livros, Partido
Comunist
igualmente importantes, como História econômica do Brasil (1945), A Revolução a (onde
Brasileira (1966) e História e Desenvolvimento (1972) sempre reafirmando a teve por
president
interpretação da história do Brasil formulada em 1942. e Luís
Carlos
Prestes)
2. A INTERPRETAÇÃO DA HISTÓRIA DO BRASIL DE CAIO PRADO
3. O SENTIDO DA HISTÓRIA
Para Caio Prado, a história possuiria um sentido. Afirmava que todo povo tinha,
na sua evolução, vista à distância, certo “sentido”, que não seria perceptível nos
pormenores de sua história, “(...) mas no conjunto dos fatos e acontecimentos
essenciais que a constituem num largo período de tempo”. Como o próprio autor
definiu, tratar-se-ia de “(...) uma linha mestra e ininterrupta de acontecimentos que se
sucedem em ordem rigorosa, e dirigida sempre numa determinada orientação”
(PRADO JR., 1981, p. 19).
De acordo com ele, a análise histórica de um povo deveria buscar justamente
esse sentido ou linha mestra, constituindo o objetivo último do historiador, pois seria
esse sentido que definiria, no tempo e no espaço, as características particulares da
parcela da humanidade que o pesquisador estaria interessado em conhecer.
80
4. O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO
Assim, segundo Caio Prado, esses colonos vieram para a América com o
objetivo de constituir uma sociedade parecida com a que viviam na Inglaterra. Além
disso, como as áreas eram semelhantes no que tange ao clima, dedicaram-se à
produção dos mesmos artigos, em pequenas e médias propriedades, não podendo,
por isso, exportá-los em grande quantidade para a Inglaterra. Assim, em última
análise, da perspectiva do autor, a colonização inglesa da América do Norte deu
origem a um tipo de colônia, que denominou de povoamento, baseada,
essencialmente, na produção voltada para o mercado interno.
A zona tropical e a zona subtropical, por seu turno, atraíram outro tipo de
colono. Essas regiões, justamente pelo fato de produzirem artigos que a Europa
temperada não produzia ou produzia em pequenas quantidades, atraíram o
empresário, o colono interessado em produzir em larga escala visando o mercado
europeu. Isso teria dado à colonização portuguesa dos trópicos uma configuração
distinta da inglesa produzida pelo seu caráter comercial. Baseada na grande
propriedade, a agricultura tropical voltou-se para a produção de artigos com larga
aceitação no mercado europeu e que fosse lucrativa. Daí seu caráter monocultural, já
que se restringiria aos produtos que pudessem ser exportados para a Europa. Por fim,
como os portugueses vieram como empresários e não como colonos tiveram que
encontrar trabalhadores para as atividades produtivas. Primeiro, recorreu-se aos
índios; posteriormente, aos africanos, mas sempre por meio da escravidão. Assim,
para Caio Prado, a produção que se constituiu por meio dessa colonização teve as
seguintes características: uma organização produtiva baseada na grande propriedade,
que denominou de latifúndio, na monocultura e no trabalho escravo, com vistas à
produção de alguns artigos destinados ao mercado europeu. Esse seria o sentido da
colonização portuguesa nos trópicos: uma produção voltada para o mercado europeu
ou externo. Nas palavras do autor:
A questão que se coloca, por fim, é entender os motivos que levaram Caio
Prado a elaborar essa interpretação da história do Brasil.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Caio Prado afirma que o objetivo último da colonização (seu sentido) é atender
as necessidades do mercado externo (ou europeu). Alguns depoimentos dos
primórdios da colonização, inclusive aqueles que criticavam os colonos, apontam que
os mesmos estavam interessados em fazer proveito. Vejamos alguns exemplos.
Em carta que dirigida a Tomé de Sousa, em 1559, O padre Manuel da Nóbrega
escreveu, referindo-se aos colonos: “(...) porque esta gente do Brasil não tem mais
conta que com seus Engenhos e ter fazenda [riqueza], aynda que seja com perdição
das almas de todo o mundo” (LEITE, 1954, v. III, p. 98).
Pero de Magalhães Gândavo, por volta de 1570, escreveu em seu Tratado da
terra do Brasil: “Os moradores desta Costa do Brasil todos têm terras de Sesmarias
dadas e repartidas pelos Capitães da terra, e a primeira cousa que pretendem
alcançar são escravos para lhes fazerem e grangearem suas roças e fazendas,
porque sem eles não se podem sustentar na terra (...). As fazendas de onde se
consegue mais proveito são açúcares, algodão e pau-brasil (...)” (GÂNDAVO, 1980, p.
42).
Faça um comentário comparando as idéias de Caio Prado Júnior sobre a
colonização com as informações contidas nos excertos citados de Manoel da Nóbrega
e de Gândavo.
87
88
INTRODUÇÃO
Caio Prado Júnior, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda (1902-
1982), e Formação econômica do Brasil (1959), de Celso Furtado (1920-2004).
Antes dessas obras, em 1911, Oliveira Lima (1867-1928) já havia publicado
Formação histórica da nacionalidade brasileira. Nelson Werneck Sodré (1911-
1999), por sua vez, publicou, em 1944, Formação da sociedade brasileira e, em
1962, Formação histórica do Brasil.
Quando estes vocábulos não aparecem no título, encontram-se, ao menos, no
subtítulo. Assim, temos obras como: Casa-grande & senzala. Formação da família
brasileira sob o regime de economia patriarcal (1933), de Gilberto Freyre (1907-1987)
e Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro (1958), de
Raymundo Faoro (1925-2003).
Por fim, mesmo quando não estão no título ou subtítulo do livro, estes
vocábulos aparecem nos títulos dos capítulos. Como exemplo, podemos citar
Populações Meridionais do Brasil (1920), de Oliveira Vianna (1883-1951). Mas,
mesmo quando estes não aparecem em nenhum destes lugares, o pressuposto é que
no passado colonial se encontra a explicação para o Brasil no presente. Dentre essas
obras, podemos citar História econômica do Brasil (1937), de Roberto Simonsen
(1889-1948).
Além dessa característica, havia outra que, de um modo geral, singularizava
estes livros: menos do que histórias, eram ensaios, que pretendiam assinalar as
características peculiares da história do Brasil e suas tendências com relação ao
futuro.
Existem diferenças marcantes entre a história e o ensaio histórico, embora
ambos tratem do processo histórico de determinado país. Mas, o fato é que o tratam
de maneiras distintas.
A história pretende narrar ou descrever um determinado processo histórico
verificado no passado baseando-se em documentos e textos. Pretende, em última
instância, nos dizer como foi este passado. O ensaio, por seu turno, está organizado
em torno de uma tese que o autor pretende demonstrar. Embora também se apóie em
textos e documentos, não precisa citá-los ou fazer afirmações que somente possam
ser comprovadas empiricamente. Ele é mais livre, comportando uma interpretação
mais geral dos fatos, isto é, não se detém nas particularidades e nos episódios
singulares. Assim, enquanto a história, de maneira geral, constitui uma interpretação
do passado que se funda nos fatos e acontecimentos, o ensaio busca descrever as
tendências gerais da história. Como assinalam muitos dos autores de um ensaio
busca-se nele a linha mestra ou o fio condutor do processo histórico.
90
Ainda que Sodré tenha se detido em 1929, não formulando uma interpretação
da história do Brasil até a época da publicação do livro, nem apontando as tarefas
políticas a serem realizadas para superar os problemas herdados do passado, uma e
outras estão implícitas em sua obra.
O ensaio, nos moldes dos relativos à história do Brasil, divide-se, geralmente,
em três partes. A primeira parte compreende o estudo da colonização do Brasil, isto é,
momento em que são lançados os fundamentos da história do Brasil. A maneira de
caracterizar a colonização constitui a base sobre a qual se ergue a interpretação da
história do Brasil em seu conjunto. Em outras palavras, é sua pedra de toque.
A segunda parte trata do presente, da época do autor, explicado,
fundamentalmente, pelo passado colonial. Os problemas do presente e que deveriam
ser solucionados são considerados heranças do passado, isto é, apesar das
mudanças verificadas, os problemas criados no passado ainda persistem.
Por fim, a terceira parte trata do futuro, que se desenha a partir da solução dos
problemas do presente. É verdade que, muitas vezes, ela se encontra subentendida. É
o caso de Formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado. Pelo título, percebe-
se que seu objetivo era expor como o Brasil contemporâneo, ou seja, da época em
que o livro foi publicado (1942), havia se constituído. Em função disso, estudou a
colonização e o que ela produziu ao longo de três séculos. Assinalou que, depois, ao
longo do período compreendido entre a Independência e a data da publicação do livro,
o Brasil havia se modificado. Em virtude disso, definiu o Brasil contemporâneo dessa
maneira: “O Brasil contemporâneo se define assim: o passado colonial que se
91
Furtado dedica boa parte do seu estudo relativo ao período colonial à análise
da economia açucareira após a invasão e expulsão dos holandeses do Nordeste
brasileiro. Estes, de posse de conhecimentos de todos os aspectos técnicos e
organizacionais da indústria açucareira, implantaram e desenvolveram na região do
Caribe, aliados aos ingleses e franceses, uma indústria açucareira de grande escala
concorrente da brasileira. Os produtores brasileiros perderam sua condição de quase
monopólio no fornecimento de açúcar no mercado internacional. Os preços reduziram-
se à metade e persistiram neste patamar relativamente baixo durante todo o século
XVIII (FURTADO, 1982, p. 17).
Apesar da redução dos preços do açúcar, os empresários brasileiros fizeram o
possível para manter um nível de produção relativamente elevado. A empresa
açucareira, todavia, veria sua rentabilidade diminuir ainda mais com o surgimento da
economia mineira, que fez os preços dos escravos e demais produtos se elevar. O
sistema açucareiro entrou, então, em uma letargia secular. Todavia, ainda assim, sua
estrutura foi preservada, mantendo-se intacta. Quando novas condições favoráveis
surgiram, no começo do século XIX, a economia açucareira voltaria a funcionar com
plena atividade (FURTADO, 1982, p. 53).
Para Furtado, o Brasil somente começa a ingressar numa nova era com a
economia cafeeira. Sua acumulação e demanda por manufaturados teria dado início à
industrialização do Brasil. A abolição da escravatura e a utilização de mão-de-obra
livre teriam contribuído para a formação de um mercado interno, até aquele momento
de pouca expressão. As necessidades de consumo das fazendas eram, então,
atendidas pelas atividades de subsistência localizadas nelas e pela importação. Com a
mão de obra livre verifica-se uma monetarização das atividades econômicas, dando
início ao mercado interno que, aos poucos, foi sendo atendido pela industrialização.
Não vamos acompanhar sua análise desse processo. Cabe apenas indicar que, do
seu ponto de vista, a condição primeira para se promover o desenvolvimento
econômico do país seria a intervenção do Estado. Era necessário um Estado que
orientasse, regulasse e, sobretudo, planejasse a economia.
Bielschowsky, em obra relativa ao pensamento econômico brasileiro, assinalou
algumas das linhas gerais que norteavam o pensamento de Furtado. Entre outras
coisas, destacou que seu pensamento se pautava pela
CONCLUSÃO
3. Aliada a esta tendência, temos o fato de que esta historiografia alia o estudo de
caso, a biografia, a situação particular, com formulações de cunho geral. Alguns textos
iniciam com uma questão particular, uma biografia, para, em seguida, alçar para uma
formulação de caráter mais geral.
5. A quinta característica é que se trata de análises que são feitas rentes aos
documentos, assumindo, por isso mesmo, um caráter bastante descritivo. Há, mesmo,
uma valorização dos documentos e da pesquisa em arquivos. Trata-se de uma história
baseada em farta documentação com o intuito de contrapor-se aos ensaios, acusados
de generalistas e de serem realizados, muitas vezes, sem base em uma
documentação suficientemente ampla para fundamentar as formulações feitas.
REFERÊNCIAS
FRAGOSO, João e GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das redes. Política e
negócios no Império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 18ª edição. São Paulo: Nacional,
1982.
_______ O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial. In: MOTA, Carlos
Guilherme (org.). Brasil em perspectiva. 2ª edição. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1969.
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. Colônia. 17ª edição. São
Paulo: Brasiliense, 1981.