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Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação – RESAFE

A ATUALIDADE DE MONTAIGNE
Márcio Silveira Lemgruber*

Resumo: Este artigo tem por objetivo Dizem que no Brasil as pessoas só mor-
destacar e discutir ideias apresentadas rem de velhice.
pelo filósofo francês Michel de Mon-
taigne (1533-1592), em seus Ensaios.
Apesar dos séculos que nos separam, Pretendo, aqui, trazer algumas
a obra de Montaigne tem muito a nos das ideias expostas por Michel de
dizer em relação a diversos aspectos
como a reflexão sobre si mesmo, a Montaigne em seus Ensaios. Apesar
diversidade cultural e suas concep- de terem sido escritas há mais de qua-
ções epistemológicas e educacionais,
que soam, ainda hoje, avançadas e tro séculos, elas guardam uma insti-
originais. * gante atualidade e podem nos ajudar
Palavras-chave: Filosofia; Educação;
Filosofia da Educação; Montaigne, a refletir sobre algumas das principais
Ensaios. questões que se nos colocam hoje,

Resumen: El artículo tiene como obje- inclusive para a filosofia da educação.


tivo destacar y discutir ideas presen- Ao abordar uma obra tão vasta, é
tadas por el filósofo francés Michel de
Montaigne (1533-1592) en sus Ensa- necessário estabelecer recortes. As-
yos. A pesar de los siglos que nos se- sim, tenho a intenção de trazer quatro
paran, la obra de Montaigne es muy
significativa sobre diversos aspectos aspectos, a saber: a originalidade de
como la reflexión sobre sí mismo, la sua escrita; sua crítica à arrogância do
diversidad cultural y sus concepciones
epistemológicas y educacionales, que conhecimento humano; a ênfase na
suenan, aún hoy, avanzadas y origi- diversidade cultural; e, por fim, sua
nales.
Palabras claves: Filosofía, Educación, concepção de educação.
Filosofía de la Educación, Montaigne, Posso dizer que meu encontro
Ensayos.
com Montaigne é recente. Mesmo já
tendo um exemplar dos Ensaios há
muito tempo, na coleção Os Pensa-
dores, ler um livro de quase mil pági-
*
Professor do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Estácio de Sá.
nas é uma empreitada que, no ritmo
mslemgruber@gmail.com da vida atual, exige uma decisão que

LEMGRUBER, Márcio Silveira. A atualidade de Montaigne. Revista Sul-Americana de


Filosofia e Educação. Número 21: nov/2013-abr/2014, p. 72-88.
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envolve grande disponibilidade de sua paixão eram as letras. Pouco
tempo. Minha vontade de ler Mon- tempo depois, toma a decisão que
taigne era, constantemente, renovada mudará radicalmente sua vida: aban-
em estudos da teoria da argumenta- dona o cargo de magistrado em Bor-
ção, onde Chaïm Perelman e José deaux e passa a escrever sistematica-
Américo Pessanha destacam a impor- mente. É dessa atividade diária de
tância do renascimento e, especifica- escrita manifestando sua opinião pes-
mente, daquele autor como exemplo soal sobre qualquer assunto que re-
de exercício filosófico calcado na ra- solva tratar que vem, nos dias de ho-
cionalidade argumentativa. Além dis- je, a sua fama de precursor dos blo-
so, compartilhava a intenção de ler gueiros. Tal hábito resultou na obra
Montaigne com um amigo, escritor e Ensaios (inicialmente, livros I e II),
crítico literário, que me informou ser que editou em 1580 e na qual traba-
ele considerado o patrono dos escrito- lharia até a morte. Ao fim, compôs
res. Ao buscar essa referência na in- 107 ensaios ou capítulos, divididos
ternet, deparei-me com um traço mui- em três livros, sobre os mais variados
to forte de sua atualidade, pois ele é temas, desde reflexões éticas ou sobre
tido, igualmente, como o patrono dos a morte até a exposição de intimida-
blogueiros. É a partir dessa qualifica- des corriqueiras como sua doença
ção que introduzo o primeiro dos renal ou preferências culinárias. Po-
pontos que elenquei para abordar rém, não são propriamente os temas
aqui: a originalidade de sua escrita. que conferem o traço de originalidade
Convém, inicialmente, situar o autor. aos Ensaios, mas a maneira como os
aborda.
O que mais nos chama a aten-
O sujeito cindido
ção é o caráter de invenção dos En-
Michel Eyquem de Montaigne
saios. Sua escrita é fluida como uma
foi um francês do século XVI, mem-
conversa, realizando relações e di-
bro da nobreza, que, em 1568, com a
gressões ao seu bel prazer. Leitor, na
morte do pai, herdou as terras e o
infância, das Metamorfoses, de Oví-
castelo de Montaigne. Entretanto, não
dio, e, mais tarde, dos Opúsculos e
era afeito às coisas da vida do campo,
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Vidas, de Plutarco, herda desses auto- cionou ao assumir-se como sujeito
res o estilo fragmentário, ágil, que cindido: “somos, não sei como, dois
encantará o público por tantos sécu- seres em um só, o que faz que, em
los. uma mesma coisa, acreditemos e não
É difícil classificar o que ele faz: acreditemos, não podendo desfazer-
É filosofia? É literatura? São testemu- nos do que condenamos” (MON-
nhos, diários, confissões? Talvez um TAIGNE, 1996, vol. II, pág. 13). Tal
pouco disso tudo. O certo é que Mon- formulação ou, quando diz que “nun-
taigne se expõe como dificilmente um ca estamos em nós; estamos sempre
filósofo ou escritor já houvera feito. além” (Idem, vol. I, pág. 39), ainda
Escancara sua intimidade, expondo hoje, são impactantes.
desde as dificuldades na vida conju- Obviamente, não podemos ide-
gal, o declínio de sua vida sexual, até alizar o caráter precursor de Montaig-
manias e defeitos os mais comuns ne, sustentando, por exemplo, que ele
como a inveja dos vizinhos, ou sua tenha proposto o conceito de incons-
tão proclamada preguiça. Mas é exa- ciente, mais de trezentos anos antes
tamente com isso que ele nos cativa, de Sigmund Freud. Mas, ainda assim,
pois, no que ele escreve de si, identi- não resisto a registrar a semelhança
ficamos nossas próprias limitações e de expressões com que esses pensa-
dificuldades. Temos a sensação de dores apontaram as limitações do ser
estar em linha direta com alguém humano. Diz-nos Freud, em suas
que, apesar da imensa distância no Conferências Introdutórias à Psicaná-
tempo, parece estar se dirigindo parti- lise:
cularmente a cada um de nós. Mas a megalomania humana te-
rá sofrido seu terceiro golpe, o
Montaigne não inaugurou o gê- mais violento, a partir da pes-
nero de escrita pessoal, tipo Confis- quisa psicológica da época atu-
al, que procura provar ao ego
sões, Memórias, Diários, ou Ensaios. que ele não é senhor nem mes-
mo em sua própria casa, de-
Certamente, conhecia, a respeito, vendo, porém contentar-se com
bons exemplos: gregos, romanos, escassas informações acerca do
que acontece inconscientemente
além de franceses contemporâneos e em sua mente. (FREUD, s.d.,
vol.XVI, pág. 336).
seus vizinhos europeus. Mas o revolu-

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Já Montaigne fustigara: “Será se como objeto por se ver como uma
possível imaginar algo mais ridículo pessoa comum. Montaigne sabe que
do que essa miserável criatura, que seu discurso é falho, não por ser Mon-
nem sequer é dona de si mesma, que taigne, mas, tão somente, por ser
está exposta a todos os desastres e se humano. Para ele, falar de um ho-
proclama senhora do universo?” mem – no caso, de si mesmo - é falar
(MONTAIGNE, 1996, vol. I, pág. do Homem. “A vida de César não
379). nos oferece mais exemplos do que a
Do mesmo modo que ele des- nossa, porque tanto a de um impera-
confiava da capacidade de a humani- dor quanto a de um homem vulgar
dade atingir um conhecimento defini- são vidas humanas e sujeitas a todos
tivo sobre o mundo, ao voltar-se para os acidentes humanos”. (Idem, vol. II,
si mesmo, cada vez mais, ao longo pág. 362)
dos anos de elaboração dos Ensaios, Escrever sobre si mesmo, apre-
percebe as limitações de sua própria sentar o processo como se chegou a
razão em comandar seus pensamen- determinadas conclusões é, desde
tos e atos, pois “não me encontre on- muito, uma estratégia argumentativa
de me procuro” (Idem, vol. I, pág. bastante utilizada. Realmente, é de se
60). Ou, ainda, “Com o hábito e o supor a sinceridade do discurso de
tempo, familiarizamo-nos com tudo o quem, por exemplo, invoca Deus pa-
que é estranho; apesar disso, quanto ra garantir que só dirá a verdade. Isso
mais me analiso e conheço, tanto confere força aos argumentos. É a
mais minha deformidade me espanta deliberação consigo mesmo (PERE-
e menos eu me compreendo.” (Idem, LMAN e OLBRECHTS-TYTECA,
vol. II, pág. 326). 1996) como uma instância onde, pela
Seu campo de reflexão filosófica boa intenção dos propósitos, prome-
é, então, o estudo de si mesmo. Não te-se blindar a falsidade.
por se julgar especial, por uma pro- Nos Ensaios, porém, Montaigne,
messa de escrita sincera, ou por haver em seu acordo prévio com o leitor,
encontrado um método de pensar não promete um método para pensar
sem se enganar. Ao contrário, toma- sem erro, um sistema filosófico que dê

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conta da realidade. Não escreve para desempenhar o papel de ho-
mem em todos os seus aspectos.
explicar o mundo, para revelar o que Não há ciência mais árdua do
está “por trás” das coisas. O alvo de que a de saber viver natural-
mente; e a mais terrível das mo-
suas meditações é o que está “den- léstias é o desprezo pela vida.
(Idem, vol. II, pág. 392)
tro” da gente: “Os males da alma, ao Montaigne distingue territórios
contrário, tornam-se menos visíveis que suportam diferentes concepções
com a agravação; o mais doente é
de racionalidade. Entende que não se
quem menos os sente. Eis por que é pode construir uma ética more geo-
preciso não raro examiná-los de per-
metrico, que os conhecimentos dessa
to, arrancando-os sem dó do fundo ordem não resolvem os dilemas da
do coração”. (Idem, vol. II, pág. 187) conduta humana. A vida pode ser
tudo, menos exatidão. Nela, a lógica

Filosofia para a vida do falso ou verdadeiro não impera.

Quanto a sua filiação filosófica, Ela não tem gabarito, ao contrário

Montaigne é apontado como um dos dos sistemas formalizados ou das


principais representantes do huma- questões passíveis de cálculos: “a vir-

nismo renascentista, leitor apaixona- tude que as coisas deste mundo exi-

do de Sêneca e Plutarco. Sua atração gem é uma virtude flexível, capaz de

pelas escolas pragmáticas da antigui- se adaptar à fraqueza humana; não é

dade - estoicismo, epicurismo e o ce- pura nem simples; não é reta, cons-
ticismo – vinha do lugar elevado na tante, imaculada” (Idem, 1996, vol. II,

hierarquia dos valores que elas confe- pág. 298).

riam à atenção constante sobre a Conta que se tornou filósofo por


própria vida, através da ataraxia, isto acaso, sem um projeto predetermina-

é, a imperturbabilidade enquanto di- do:

minuição da ansiedade: Minhas ideias são o que as fez a


natureza. Para formá-las procu-
A grandeza da alma consiste rei não seguir nenhuma regra; e
menos em se elevar e avançar no entanto, por fracas que se-
do que em se ordenar e se cir- jam, quando as quis exprimir e
cunscrever. Grande é tudo o publicar nas melhores condições
que é suficiente; e há mais ele- possíveis, achei de meu dever
vação em amar as coisas co- apoiá-las em raciocínios e
muns do que as eminentes. Na- exemplos, e maravilhei-me com
da é tão legítimo e belo como perceber a que ponto se amol-
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dam a inúmeros raciocínios filo- ventes do mar de horizontes in-
sóficos. A que doutrina se li- finitos, foram criados e continu-
gam? Só o soube depois de as em a existir unicamente para
expor e julgar do resultado; per- sua comodidade e serviço?
tenço a uma nova espécie, sou (Idem, vol. I, pág. 379)
um filósofo que se tornou filóso- Por sinal, esse foi o ponto que
fo por acaso e sem premedita-
ção. (Idem, vol. I, pág. 457). levou os Ensaios ao Índex dos livros
O capítulo em que mais desen- proibidos de 1662 até 1854: a de-
volve suas ideias filosóficas é Apolo- núncia do influente bispo Boussuet de
gia de Raymond Sebond. Trata-se de que o livro de Montaigne, ao aproxi-
um capítulo atípico. Seu tamanho, mar o homem dos outros animais,
com mais de 100 páginas, contrasta não o destacava como criação espe-
com os demais, em geral, curtos. Foi cial de Deus.
decorrência de um trabalho feito de Chega a surpreender a atuali-
encomenda para seu pai, a tradução dade de sua concepção epistemológi-
da Teologia Natural ou Livro das Cri- ca, a clareza com que percebia as
aturas, de Raymond Sebond. Ao es- limitações das teorias científicas e filo-
crever sobre essa obra, na verdade, sóficas de maior prestígio, o caráter
faz uma estranha apologia, digna da de transitoriedade de seus modelos, o
expressão “com amigos assim, você recurso a “licenças poéticas” para
não precisa de inimigos”. Isso porque, encobrir suas limitações:
efetivamente, o que faz é um contun- Duvido que Epicuro, Platão e
Pitágoras tenham acreditado se-
de ataque ao que Sebond se preten-
riamente em suas teorias dos
de, a saber, à possibilidade de se fun- átomos, das ideias e dos núme-
ros; eram demasiado sábios e
damentar uma teologia na razão. Esse prudentes para crerem em coi-
é o pretexto para Montaigne exercitar sas tão pouco assentadas e tão
discutíveis. O que na realidade
seu tema preferido: ironizar a arro- pode assegurar-se é que, dada a
obscuridade das coisas do mun-
gância do conhecimento humano. do, cada um desses grandes
Que me explique pelo raciocínio homens procurou encontrar
em que consiste a grande supe- uma imagem luminosa delas.
rioridade que pretende ter sobre Seus espíritos acharam explica-
as demais criaturas. Quem o au- ções que tinham pelo menos
toriza a pensar que o movimen- uma certa verossimilhança e
to admirável da abóboda celes- que, embora não averiguada-
te, a luz eterna dessas tochas gi- mente verdadeiras, podiam ser
rando majestosamente sobre sustentadas contra as ideias
sua cabeça, as flutuações como- contrárias: “esses sistemas são
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ficções do gênio de cada filósofo novo conhecimento, mas se recusa a
e não o resultado de suas des-
cobertas”. (Sêneca). (Idem, vol. considerar que o homem, enfim, deci-
I, pág. 428) frara o cosmos. “Quem sabe daqui a
Critica os sistemas filosóficos
mil anos outro sistema não os destrui-
que se assentam em verdades primei-
rá a ambos?” (Idem, vol. I, pág. 477)
ras, fundamentais, para depois cons-
Também esta será a sua postura em
truírem o edifício à vontade sobre
relação ao descobrimento do Novo
esses alicerces sem incidir em contra-
Mundo, como etapa final do conhe-
dição alguma. “Com esse processo
cimento das fronteiras do planeta em
nossa razão marcha com segurança e
que vivemos:
nós discorremos sem necessidade de
E eis que nesse século se desco-
investigações mais aprofundadas” bre um continente de enorme
extensão, não uma ilha, mas
(Idem, vol. I, pág. 452)
uma região quase igual em su-
Desconfia da perenidade de perfície às que conhecíamos. Os
geógrafos de nosso tempo não
qualquer saber. Indaga que “carta de deixam de afirmar que agora
recomendação” trazem os ensina- tudo é conhecido. Pergunto en-
tão se, visto que Ptolomeu se
mentos de Aristóteles, para não serem enganou outrora acerca do que
constituía o ponto de partida de
superados por outros? Que privilégio seu raciocínio, não seria tolice
especial lhes garante que as nossas acreditar hoje resolutamente nas
ideias de seus sucessores, e se
invenções os preservarão eternamen- não é provável que esse grande
corpo denominado “mundo” se-
te?
ja bem diferente do que julga-
Montaigne viveu em uma época mos? (Idem,vol.I, pág. 478)

de grande mudança na ideia que se


Diversidade cultural
fazia quanto ao tamanho do mundo.
Apesar de sua inquestionável fé
Tanto da Terra em relação ao univer-
católica e de ter vivido no período das
so, quanto do próprio planeta. A as-
guerras religiosas em França, jamais
tronomia passava por uma revolução,
sucumbiu à intolerância. Isto porque
com o movimento das esferas celestes
compreendia sua opção religiosa de-
do geocentrismo de Ptolomeu sendo
terminada não por uma verdade
superado pela explicação a partir da
transcendental, mas, sobretudo, pelas
rotação da Terra, no heliocentrismo
contingências culturais: “outras regi-
de Copérnico. Montaigne saúda o
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ões, outras influências, promessas e Montaigne se interessou sobre-
ameaças poderiam igualmente impor- maneira pelos relatos sobre o Novo
nos outras crenças. Somos cristãos Mundo. Teve em sua propriedade um
como somos perigordinos ou ale- empregado que vivera uns dez anos
mães.” (Idem, vol. I, pág. 375). É sig- na França Antártica, fundada pelo
nificativo que, ao longo de mil pági- almirante Villegaignon, no Brasil.
nas, não haja qualquer alusão a Jesus Gostava de conversar sobre os índios
Cristo. Mesmo quando vai tratar de com esse homem que tinha a seu ser-
exemplos de atitude diante da morte, viço, pois era simples e grosseiro de
recorre a Catão ou Sócrates, mas espírito, o que dava mais valor a seu
omite a crucificação. Transparece que testemunho. Assim como a propósito
sua verdadeira religião é o legado dos historiadores, lamentava as pes-
humanista greco-romano, em especial soas refinadas que acham que devem
as tradições do estoicismo, do epicu- valorizar seus relatos com comentá-
rismo e do ceticismo. rios e acabam por deformar e ampliar
o que viram. Defendia que a informa-
Já no século XVIII, a descoberta
ção objetiva nós a temos das pessoas
de mais um Novo Mundo, ao sul do
muito escrupulosas ou muito simples.
Pacífico, contribuiu para que o tema
E assim era o seu informante, que lhe
dos indígenas voltasse à moda. Inte-
apresentou marinheiros e comercian-
lectuais como Diderot e Rousseau
tes que conhecera na viagem.
buscaram inspiração para a idealiza-
Dedicava muito tempo à leitura
ção do “bom selvagem” no ensaio Os
das obras sobre os povos recém-
canibais, onde Montaigne apresenta
descobertos. Gostava sobretudo da
sua visão simpática aos costumes
primitivos e estrangeiros. “Nada vejo Histoire d’um Voyage fait em terre Du

de bárbaro ou selvagem no que di- Brésil (1578), de Jean de Léry, cronis-


ta protestante que descrevia a socie-
zem daqueles povos; e, na verdade,
dade tupinambá com simpatia; e da
cada qual considera bárbaro o que
não se pratica em sua terra.” (Idem, Brevisima relación de la destruccion

vol. 1, pág. 195) de las Indias, de Bartolomé de Las

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Casas, que defendia a causa da hu- mens suportem tanta injustiça
sem se revoltarem e incendia-
manidade dos silvícolas. rem as casas dos demais. (Idem,
Montaigne valorizava as diver- vol. I, pág. 203)

sas culturas, na medida em que con-


Educação para a vida
seguia descentrar o seu olhar, desna-
Como último aspecto a ser
turalizar os próprios costumes, perce-
abordado, após um breve resumo de
bendo-os como construções culturais.
sua formação, apresento algumas de
Isso não era só uma postura teórica,
suas reflexões sobre educação, consi-
mas uma curiosidade que levava para
derada por ele a maior e mais impor-
o dia a dia: “Em lugar de pão, co-
tante dificuldade da ciência humana.
mem uma substância branca parecida
Mesmo sendo um homem pou-
com o coentro cozido. Experimentei,
co culto, Pierre de Montaigne investiu
é doce e algo insosso.” (Idem, vol. I,
original e ousadamente na educação
pág. 197)
do filho. Em vez de mandar vir uma
Um episódio que ficou famoso
ama de leite ao castelo, enviou seu
em Os Canibais é quando narra o
filho para uma aldeia pobre. Mon-
encontro, em Rouen, na corte do rei
taigne relata que se a intenção do seu
Carlos IX, com três índios tupinambás
pai era aproximá-lo do povo, foi bem
trazidos do Brasil (lastima que se te-
sucedida, pois sempre se ocupou com
nham deixado tentar pela novidade e
prazer dos pequenos.
abandonado seu clima suave). Ven-
Mais ousada ainda foi a iniciati-
do-os como um espelho, o que mais
va seguinte, agora já em sua casa.
chamou a atenção de Montaigne foi a
Logo que desmamou, antes que des-
percepção dos índios quanto à desi-
travasse a língua, foi confiado a um
gualdade na sociedade francesa:
preceptor alemão que ignorava com-
observaram que há entre nós
gente bem alimentada, gozando pletamente o francês. Ele e mais dois
as comodidades da vida, en-
ajudantes, só se dirigiam ao pequeno
quanto metades de homens
emagrecidos, esfaimados, mise- Michel em latim. “Excelente foi o re-
ráveis, mendigam às portas dos
outros (em sua linguagem meta- sultado. Sem método, sem livros, sem
fórica a tais infelizes chamam gramática, sem regras, sem chicote,
“metades”); e acham extraordi-
nário que essas metades de ho- sem lágrimas, aprendera um latim tão
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puro quanto o de meu professor, por- to que, em 1547, o diretor, um portu-
quanto nenhuma noção de uma outra guês progressista chamado André
língua o podia perturbar.” (Idem, vol. Gouvéa, foi demitido pelos conserva-
I, pág. 170) Assim, ele conheceu o dores. Montaigne escreveria que saiu
Capitólio antes do Louvre, o Tibre de lá sem qualquer fruto que lhe fosse
antes do Sena. de utilidade, mas foi ali que desen-
Aos seis anos foi para o Colégio volveu uma capacidade de expressão
de Guyenne, em Bordeaux, um dos e argumentação de que se valeria por
melhores, então, em França, de onde toda a vida.
saiu aos treze, sem levar maiores sau- Mesmo não chegando a siste-
dades. Entretanto, reconhece que ali matizar suas concepções educacionais
conheceu o prazer da leitura. Sua como Rousseau, que o fez no roman-
cartilha foram as fábulas das Meta- ce pedagógico Emílio ou da Educa-
morfoses de Ovídio, o livro mais fácil ção, Montaigne é apontado nos livros
que conhecia e o mais adequado pelo de História da Educação, como um
assunto à sua idade. Depois, devorou crítico mordaz das práticas pedagógi-
de fio a pavio a Eneida, Terêncio e cas de memorização e da disciplina
Plauto, e as comédias italianas, sem- rígida e violenta que imperavam em
pre buscando uma leitura agradável. seu tempo. Além de observações es-
Nesse aspecto, elogia alguns professo- parsas ao longo de sua obra, dedicou
res: “Se tivessem tido a mania de mo dois capítulos especificamente sobre a
impedir, creio que só houvera trazido educação: Pedantismo e Da educa-
do colégio ódio aos livros, como ção das crianças.
acontece com quase toda a nossa Para trazer aqui algumas destas
nobreza.” (Idem, vol. I, pág. 172) É ideias vamos partir de uma história
inevitável pensar que, ainda hoje, com que ilustra um aspecto ao qual
tantas escolas ou faculdades fracas- dá grande ênfase: o aluno não deve
sam na sedução para a literatura, to- receber um saber pronto para tão
mando-a como exercício escolar. somente memorizar, mas que seja
Na verdade, a filosofia do instigado a buscar o conhecimento e
Collège era relativamente aberta, tan- realizar uma produção própria.

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Conta-nos (Idem, vol. I pág. usados nos Ensaios, com que critica
427) que Demócrito, tendo comido os conteúdos escolares lançados goe-
figos que sabiam a mel, pôs-se imedi- la abaixo nos alunos: “Assim como os
atamente a procurar, na memória, de pássaros vão às vezes em busca de
que provinha tão inesperada doçura. grão que trazem aos filhotes sem se-
A fim de verificá-lo, já se levantava quer sentir-lhe o gosto, vão nossos
para ir examinar o lugar onde os fru- mestres pilhando a ciência nos livros
tos haviam sido colhidos, quando sua e a trazendo na ponta da língua tão
criada, que percebera o motivo da somente para vomitá-la e lançá-la ao
inquietação, lhe disse rindo que não vento.” (Idem, vol. I, pág. 140) Cha-
se preocupasse mais, pois fora ela ma-os de “Lettreferus” (ferido pelas
que os colocara em um recipiente em letras), isto é, indivíduos que as letras
que havia mel. Ele se irritou por lhe atordoaram à maneira de uma marte-
sonegarem a oportunidade de pesqui- lada.
sas e de exercitar sua curiosidade: Em contrapartida, é uma con-
“não é um prazer que me dás”, ob- cepção autoral de conhecimento que
servou, “mas nem por isso deixarei de o estimula a advogar o ensino da filo-
verificar como isso ocorreu, tal qual sofia para as crianças: “Visto que a
tivesse resultado de um efeito da na- filosofia é a ciência que nos ensina a
tureza”. E naturalmente houvera en- viver e que a infância como as outras
contrado uma razão com aparência idades dela pode tirar ensinamentos,
de verdadeira, a fim de explicar algo por que motivo não lha comunicare-
que só existia em seu espírito. E con- mos?” (Idem, vol. I, pág. 162) Desse
clui que essa narrativa acerca de um modo, as crianças deveriam ser habi-
grande filósofo exemplifica bem a tuadas às dúvidas e não às afirma-
paixão pelo estudo, capaz de nos in- ções. É melhor que se pareçam
duzir ao desespero por termos alcan- aprendizes aos sessenta anos do que
çado o conhecimento das coisas que doutores aos dez, julga o ensaísta, ele
procurávamos conhecer. próprio perto daquela idade.
É também esse o teor da analo- Em outra analogia, aproxima
gia, recurso argumentativo dos mais abelhas e alunos, pois, assim como

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aquelas passam por flores de toda A disciplina rigorosa da maior
parte de nossos colégios sempre
espécie, mas fazem o mel que é uni- me desagradou. São verdadei-
camente seu, os alunos devem traba- ras prisões para cativeiro da ju-
ventude... Ide ver esses colégios
lhar nos elementos tirados de outrem nas horas de estudo: só ouvireis
gritos de crianças martirizadas e
para com eles tecer um conhecimento de mestres furibundos. Linda
seu, isto é, forjar a sua inteligência. maneira de acrodar o interesse
pelas lições nessas almas tenras
Montaigne levou à prática seu e tímidas, essa de ministrá-las
carrancudo e de chicote nas
ideal pedagógico de produzir um co-
mãos! Que método iníquo e
nhecimento autoral, de produzir seu pernicioso! Como seriam me-
lhores as classes se juncadas de
próprio mel. E como foi autoral em flores e folhas e não de varas
sanguinolentas! (Idem,vol. I,
sua escrita. Sua verve argumentativa
pág. 164)
não se deixou conformar ao modelo O segundo é o ideal de educa-
retórico imperante. Desprezava o ção calcado na memorização, a ideia
formalismo, a artificialidade das esco- de que saber é ter muita informação
las de retórica. Sua escrita foi ga- armazenada na cabeça, o que levava
nhando vida própria ao longo de à decoreba de trechos enormes de
quase vinte anos. Seu estilo foi se livros, mesmo que não compreendi-
tornando cada vez mais pessoal, lite- dos. São os “cabeça de pote”, como
rário. Transparece que há uma pes- ridicularizou.
soa que escreve e ela é o personagem Em oposição a esta triste ciência
principal. Montaigne transita por cen- puramente livresca, preconiza que se
tenas de pensadores, mas a sua pala- criem situações onde as discípulos
vra é a que aparece. “Não me inspiro possam fazer escolhas, defender pon-
nas citações; valho-me delas para tos de vista, em suma, desenvolver
corroborar o que digo e que não sei um saber próprio. No sentido de dar
tão bem expressar” (Idem, vol. II, voz aos estudantes, quer que o ensi-
pág. 349) no, além das lições de leituras, se faça
Suas ideias pedagógicas visam por conversas. Lembra que Sócrates
dois grandes alvos. O primeiro deles é obrigava os discípulos a falarem pri-
a disciplina rígida, por meio de casti- meiro e somente depois falava ele
gos físicos: próprio. Percebe que um dos pontos

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mais importantes e difíceis da arte da suma, quero que seja esse o livro de
didática é o adulto saber conectar-se nosso aluno. A infinidade de costu-
com o espírito infantil e dele retirar mes, seitas, juízos, opiniões e leis en-
seus saberes próprios, intuindo a rele- sina-nos a apreciar sadiamente os
vância que será conferida, séculos nossos, a reconhecer suas imperfei-
depois, aos saberes prévios dos alu- ções e fraquezas naturais, o que já
nos. Sobre o ensino da história, outra não é pouco.”
de suas paixões intelectuais, adverte:
Mas que o guia desse menino se Conclusão
lembre do objetivo de sua mis-
são e que procure gravar menos À guisa de conclusão, retomo,
no seu discípulo a data da des- sistematizando, traços que considero
truição de Cartago que os cos-
tumes de Aníbal ou Cipião. Que marcantes da atualidade do filósofo
lhe ensine a apreciar os fatos
mais do que os registrar. Uns es- francês. Com sua escrita fluida e assis-
tudam a história decorando, ou- temática, assumindo-se como sujeito
tros como um filósofo que anali-
sa. (Idem, vol. I, pág. 156) de um conhecimento ambíguo, Mon-
taigne leva essa postura pessoal para
Dava grande valor, na formação
sua concepção epistemológica, mar-
do estudante, aos exercícios físicos e
cadamente histórica e setorial. Pelo
às artes, tais como: corrida, luta, mú-
que lemos e trouxemos dos Ensaios,
sica, dança, caça, equitação, esgrima,
percebemos sua influência na con-
visto que não é uma alma somente
cepção proposta, no século XX, por
que se educa, nem um corpo, é um
Bachelard de uma filosofia regressiva,
homem: cabe não separar as duas
no sentido de que se volta permanen-
parcelas do todo.
temente sobre seus fundamentos. Não
Enfim, Montaigne trouxe para a
há verdades primeiras, mas primeiros
educação a marca de um mundo em
erros; a filosofia, em consonância
expansão, assombrado com as novi-
com a ciência, passa a ser também a
dades encontradas em continentes
reforma de uma ilusão, pois as intui-
distantes (Idem, vol. I, pág. 158): “Es-
ções primeiras são sempre intuições a
te mundo tão grande é o espelho em
retificar.
que devemos nos mirar para nos co-
nhecermos de maneira exata. Em
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Na época de Montaigne, a hu- Quanto à diversidade cultural,
manidade iniciava a saída de um podemos dizer que Montaigne é atua-
mundo fechado. Como citamos aqui, líssimo. Se há algo de que não pode
ele compreendeu a radicalidade da ser acusado, como vimos, é de natu-
nova teoria de Copérnico, mas atacou ralizar o cultural. Seu legado é um
fortemente a pretensão de se haver exemplo de não aceitação da discri-
chagado ao modelo definitivo de uni- minação e da intolerância. Basta-nos
verso. Recorro a Umberto Eco lembrar da imensa coragem que teve
(2013), quando afirma que o helio- em assumir uma atitude de indepen-
centrismo levou o universo do saber a dência e denunciar, no auge dos ba-
se esforçar por imitar a forma do uni- nhos de sangue das guerras religiosas
verso planetário. Mas, suspeito que, em França, os massacres de seus par-
em Montaigne, se deu o inverso: sua tidários – os católicos – contra os hu-
concepção aberta do saber é que o guenotes. Escreve com todas as letras
levou a apostar em uma concepção que aqueles eram muito mais intran-
aberta do cosmo. sigentes e violentos do que os protes-
Assim, vejo sua atualidade tantes. Apesar de não colocar em dú-
quando leio o astrofísico Marcelo vida a sua filiação católica, tem-na
Gleiser (2010) sustentar que o univer- como subordinada ao contexto cultu-
so será sempre uma construção hu- ral. Com isso, assume uma postura
mana, “pois ao aprimorarmos os nos- pluralista, difícil de imaginar em seu
sos instrumentos e, com ele, apren- tempo, de achar que os costumes e
dermos mais sobre o mundo, aumen- crenças dos outros são tão legítimos
tamos também a nossa ignorância: como os seus. Em nome desse ideal,
quanto mais longe enxergamos, mais escreve um libelo contra o genocídio
existe por enxergar” (p. 147). Penso que os espanhóis – para ele, os ver-
que o filósofo francês sentiria afinida- dadeiros bárbaros - praticavam contra
de com as metáforas fundantes epis- os astecas, em nome de Deus. Como
temológicas que prevalecem hoje: uma mensagem lançada dentro de
rede, teia, rizoma, labirinto aberto, uma garrafa no mar do tempo, chega
etc. a nós uma secular denúncia da intole-

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rância religiosa (para focar somente Penso, a seguir, na afinidade de
neste aspecto) que, ainda hoje, faz algumas das proposições de Montaig-
milhões de vítimas pelo mundo. Para ne com o ideário do mais influente
nós, educadores, essa mensagem, educador brasileiro: Paulo Freire. Seu
que emana da torre de seu castelo e livro Pedagogia da autonomia, lança-
atravessa os séculos, reforça a dispo- do em 1996, é um recordista, com
sição na luta por uma escola pública mais de um milhão de exemplares
laica. vendidos. Se acrescentarmos as có-
Finalmente, quanto à atualidade pias xerocadas pelos alunos em facul-
de suas ideias pedagógicas, busquei dades e cursos de magistério, teremos
levantar índices da influência que um número significativamente maior.
exerce entre nós. Mas, não se trata somente de influên-
Pude constatar que três dos li- cia quantitativa. Paulo Freire é reco-
vros sobre a história do pensamento nhecido como a principal referência
pedagógico de autores nacionais dos do pensamento pedagógico progres-
mais utilizadas em cursos de forma- sista, no Brasil.
ção de professores (ARANHA, 2011; A tese principal de Pedagogia
GADOTI, 2011; PILETTI e PILETTI, da autonomia no sentido de que “en-
2006) destacam a contribuição mon- sinar não é transferir conhecimento,
taigniana, enfatizando sua crítica à mas criar as possibilidades para a sua
memorização, defendendo uma edu- produção ou a sua construção”
cação voltada para a vida. Em espe- (FREIRE, 1999, p. 25), guarda forte
cial Gadoti, que reproduz um longo sintonia com a crítica de Montaigne
texto do ensaio Da educação das cri- às práticas pedagógicas calcadas na
anças e propõe a elaboração de uma memorização, ironizando os nelas
dissertação sobre suas concepções envolvidos com as alcunhas de “pa-
educacionais. Por sua vez, Maria Lu- pagaios”, “cabeças de pote”, “lettrefe-
cia Aranha apresenta um trecho do rus”.
capítulo Pedantismo e, a partir dele, Percebo, igualmente, sintonia
também propõe problematizações. entre eles no que diz respeito à defesa
de uma postura pluralista. Como já
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citamos a posição do filósofo francês, apreço ao saber do educando. Talvez
destaco, a seguir, um trecho que sin- seja esse o traço mais marcante de
tetiza a opinião do educador brasilei- toda uma linhagem de críticas ao arti-
ro: ficialismo e descontextualização das
Quem observa o faz de um de- chamadas pedagogias da transmissão.
terminado ponto de vista, o que
não situa o observador em erro. A valorização dos saberes prévios dos
O erro na verdade não é ter um educandos, característica do ideário
certo ponto de vista, mas abso-
lutizá-lo e desconhecer que, educacional de Paulo Freire, dos
mesmo do acerto do seu ponto
de vista é possível que a razão construtivismos, do escolanovismo,
nem sempre esteja com ele. tem raízes seculares, remontando a
(FREIRE, 1999, p. 15/16)
Rousseau, mas, antes ainda, a Michel
Sabemos que um dos aspectos de Montaigne com sua filosofia e
mais caros à pedagogia freiriana é seu educação para a vida.

Referências
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia – Geral e
Brasil. Ed. Moderna, 3ª. Ed. Revista e ampliada, 2011.
BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Lisboa: Edições 70, 1986.
BAKEWELL, Sarah. Como Viver ou Uma biografia de Montaigne em uma pergun-
ta e vinte tentativas de resposta. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
CHATELET, François. Uma história da razão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2004.
CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e Obra. In. MONTAIGNE Col.: Os Pensadores,
São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
DESCARTES, René. Meditações. Col.: Os Pensadores. São Paulo: Editora Nova
Cultural, 1996.
ECO, Umberto. Da árvore ao labirinto. Rio de Janeiro: Record, 2013.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa .
São Paulo, Paz e Terra, 1999.
FREUD, Sigmund. Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas - vols. XV e XVI, Rio de Janeiro, Imago,
s.d.
GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. SP: Ática, 1999. 319 págs. 8ª.
edição em 2011.

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GLEISER, Marcelo. Criação imperfeita. Rio de Janeiro: Record, 2010.
LEMGRUBER, Márcio e OLIVEIRA, Renato José de. “Argumentação e Educação:
da ágora às nuvens”. In. LEMGRUBER, Márcio e OLIVEIRA, Renato José de.
(Orgs.) Teoria da Argumentação e Educação. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2011.
MONTAIGNE, Michel. – Ensaios. Vol. 1 e 2. Col.: Os Pensadores. Tradução de
Sérgio Milliet. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação -
a nova retórica. São Paulo, ed. Martins Fontes, 1996. Trad. de Maria Ermantina
Galvão G. Pereira.
PILETTI, Nelson e PILETTI, Claudino. História da Educação. SP: Ática, 2006.
ROUSSEAU Emilio ou da Educação . Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Difu-
são Européia do Livro, 1968.

Recebido em 10/01/2013
Aprovado em 19/08/2013

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