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DEOLI ...JIIu\. VI A*
,
• A versâo prelimin ar deste trabalho foi .ptesall.da no seminário sobre OIivei,. Vima organiudo pelo Instituto de FiIOldi. e
aêneiu Humanas da Unicamp mire 12 e 14 de: março de 1991.
Mas a grande obra da década, Instituições de Capanema. É certo que ele não só parti
pollticas brasileiras, só foi publicada em cipou do Estado Novo como também o
1949.O livro teve êxito, mas já não havia o justificou teoricamente. Mas é preciso en
entusiasmo de antes. Oliveira Viana ficara tender que o espírito da época era muito
marcado pela participação no governo Var menos liberal do que o de boje, o autorita
gas, pelo apoio à ditadura de 1937. Nos rismo pairava no ar, da direita A esquerda.
meios intelectuais de esquerda surgia uma A razão mais importante para uma visita
reação â sua obra que s6 faria crescer após desarmada é a inegável inlluência de Oli
sua morte em 1951. O regime militar agra veira Viana sobre quase todas as principais
vou a reação, pois, para muitos, sua ideolo obras de sociologia política produzidas no
gia fundava-se na visão de Brasil e na pro Brasil após a publicação de Popl/laç6es
posta política do sociólogo fluminense. meridionais. Dele há ecos mesmo nos auto
XingarOJiveira Viana tomou- se, então, um res que discordam de sua visão política. A
dos esportes prediletos dos intelectuais de lista é grande: Gilberto Freyre, Sérgio
esquerda ou mesmo liberais. Os rótulos Buarque, Nestor Duarte, Nelson Werneck
acumularam-se: racista, elitista, estatista, Sodré, Victor Nunes Leal, Guerreiro Ramos
corporativista, colonizado, nas críticas e Raymundo Faoro, para citar os mais no
mais anaHticas; reacionário, quando a emo táveis. Até mesmo Caio Prado lhe reconbe
ção tomava conta do crítico. Oliveira Viana cia o valor, ressalvando as críticas. Tal re
foi mandado aos infernos ? percussão indica a riqueza das análises de
Nos infernos ele ainda se encontra, ape Oliveira Viana e justifica o esforço de revi
sar de um ou outro ensaio tímido de rever a sitá-Ias.
condenação. É lá que pretendo fazer-Ibe Lasl and least, bá o lado pessoal que a
uma visita não diria amigável. mas desar mim me predispõe a uma análise menos
mada. Depois da longa condenação, parece raivosa. Amigos e inimigos, todos coinci
cbegado o tempo de um julgamento menos dem em afirmar queOliveira Viana era uma
marcado por circunstâncias políticas passa· figura íntegra, totalmente dedicada ao tra
das. Houve, sem dúvida, boas razões para a balbo e aos livros: nunca buscou posições
condenação.O racismo e o apoio à ditadura de poder. De bábitos quase monásticos, fu
foram pecados graves. Mas O julgamento gia do brilbo das exibições públicas, não
não considerou as atenuantes. Racista era aceitava convites para conferências, recu
quase toda a elite de sua �poca,embora nem sava empregos, como o de juiz do Supremo
sempre o confessasse. Até mesmo a Cons Tribunal e não freqUentav" rodas literárias
tituição de 1934, democraticamente elabo ou antecâmaras de palácios. Respondia aos
rada, pregava a eugenia. AJém disso. o pró críticos nos livros seguintes ou nas reedi
prio Oliveira Viana recuou das posições ções e mantinha uma postura de respeito
mais radicais expostas em Evolução do po pelo debate intelectual. TIo perto do poder
vo brasileiro. Mais ainda, em nenhum de por tanto tempo, e do poder arbitrário. nun
seus livros de política social o problema da ca disto tirou proveito em beneficio pes
raça é mencionado, tomando-se irrelevante soal. Foi aquilo que acusava os brasileiros
para a avaliação dessas obras. Quanto ao de não serem: um bomem público um re
",
apoio à ditadura, foram muitos os intelec pública, posto que a sua maneira.
tuais que aceitaram posições no governo e A visita lerá um objetivo preciso. Quero
de quem não se cobra a adesão com tanto examinar três temas relativos a sua obn.
rigor como de Oliveira Viana. Não se co Todos já foram, de uma maneira ou de
brou de Carlos Drummond, de Mário de outra, objeto da atenção dos críticos: sua
Andrade, de Sérgio Buarque, e nem mesmo concepção da natureza da investigação bis-
84 ESlllDOS J-USTÓRICOS -1991n
1órica, suas fontes intelectuais e sua utopia interpretá-los, era necessário o recurso à s
política. No caso de sua epistemologia, ou ciências, particulannente às ciências so
de sua meta-história, pretendo matizar o ciais. O conhecimento do p:assado exigia o
ó
cicntificismo positivista de que é acusado; conhecimento do presente.
no que se refere às fontes de inspiração, Esta a(imtação aiuda poderia ser inter
gostaria de ressaltar uma raiz brasileira até pretada como cientificista, na medida em
agora não levada em conta; quanto à utopia, que admite a possibilidade de elaborar leis
tcntarei distingui-lo de vlÍrios autores aos gerais para a história, da mesma natureza
S
quais é geralmente associado. das leis das ciências fisicas. Poderia reOetir
uma concepção naturalista da história. Mas,
na mesma conferência, Viana foi mais lon
ge. A história exigiria uma "indução con
jecturai", seria uma ciência conjecturaI.
A meta-história de Oliveira Viana Embora Viana acrescentasse que deveria
haver um esforço de reduzir o coeficiente
Oliveira Viana insistia no caráter objeti subjetivo da conjectura, pode-se deduzir
vo de suas análises, na ausência de prccoil que esta redução tinha seus limites, uma vez
ceitos, de preocupação com escolas. Repe que o conhecimento histórico exigiria iden
lia a receita de Rankc: ver os fatos corno tificação com o espírito do tempo presente
eles realmente se deram, Queria fazer ciên e não dispensaria a ficção. A história devia
cia com a objetividade dos sábios de Man ser escrita com o cérebro c com o coração.
guillhos, isto é, com a objetividade das ciên Na verdade, concluía, era o lado de ficção,
cias naturais (1923:40). A "objetividade" era o lado artístico, que conferia fascínio à
apareceu mesmo no título de um de seus história.
livros: Problemas de poillica objetivil. Mas O ponto foi reforçado na defesa contra
estas declarações não devem ser levadas as críticas de Batista Pereira. Este crítico,
muito a sério. Eram um tributo, talvez meio segundo ele, se teria apegado a minúcias e
automático, ao cientificismo do século filigranas sem importância. Quem usasse
XlX. Não é di!1cil mostrar que cle próprio microscópio para analisar sua obra não con
não acreditava nisso. seguiria entendê-Ia. Pois, "eu não sou um
Em várias ocasiôes deixou claro que sua puro historiógrafo (...). Eu não sou um pes
noçao de história era mais moderna do que quisadorde arquivos. Eu não sou um micro
'
sugere este positivismo estreito. Insistiu grafista de história. Não sou, não quero ser,
mais de uma vez que teorias e hipóteses uma autoridade de detalhes. (...) tenho a
eram indispensáveis ao conhecimento his paixão dos quadros geraiS"? Um livro co
tórico. Na introdução de Populações meri mo O idealismo da Conslilllição, criticado
dionais foi explícito quanto à contribuição por Batista Pereira, ncm mesmo poderia ser
prestada ao historiador por várias áreas de considerado obra histórica. Era obra de pu
conhecimento: a anlropogeografia, a antro blicista, de propagandista, de panfletário.
possociologia, a psicofisiologia, a psicolo Fica aí evidente que Oliveira Viana estava
gia coletiva c a ciência social. Foi ainda muito distante da prática historiográlica de
mais explícito na conferência que pronun seus colegas do Instituto Histórico.
ciou em 1924 ao ser recebido como sócio Além de depender de conjecturas, a his
do Instituto Histórico e Geográfico. Afir tória não seria um exercício ocioso. Ela
mou, então, que nâo bastavam os arquivos teria finalidade pragmática. Na confcrência
c documenlos. Eles eram limitados, par 110 instituto, esta finalidade foi descrita co
ciais c podiam ocultar o essencial. Para mo a busca do sentimento de nós mesmos,
A lITOPlA DE OUVEIRA VIANA 85
sas citações, de avaliar até que ponto elas autores é grande. Muitas das idéias de Oli
representam influência real sobre seu pen veira Viana podem ser rastreadas em Uru
samento. Os mesmos analistas já referidos guai. Para iniciar, lá está, em Uruguai, a
chamaram a atenção para a maneira pecu preocupação com o estudo do Brasil. No
liar que Oliveira Viana tinha de citar auto prefácio do Ensaio sobre O direÍlo adminis
res. Freqüentemente, pinçava pedaços da trativo, principal obra de Uruguai, está dito:
obra e desprezava outros, distorcendo o '" --
('Tive muitas vezes ocasião de deplorar o
pensamento do autor, numa indiCação dita desamor com que tratamos o que é nosso,
do caráte inítrumental OUJ)l�smo r.itua da deixando de estudá-lo, para somente ler
9
cita ·0. A citação de estrangeiros como ri superficialmente e citar coisas alheia�". O
tual de legitimação era, aliás, uma prática autor referia-se exatamente à experiência
generalizada no Brasil. O próprio Oliveira liberal que, segundo ele, teria pecado por
Viana a mencionou para explicar o êxito de excesso na c6pia de instituições estra��
- - -
Rui Barbosa e o fracasso de Alberto Torres. ras como a federação, o Júri popular, e a
- ..- -
-
'"- --
Outro ponto de contato entre os dois meira era indispensável, a segunda muito
autores está na concepção da relação entre prejudicial para os negócios locais. Da! •
os pólos
·
ucentralização combinação ideal para o Brasil seria a cen-
A UTOPIA DE OUVErRA VlANA 87
de, cria o espírito púbJico, molda a nação.. do fato de terem as reformas políticas pre
O Estado, poderíamos dizer, é o pedagogo cedido as reformas sociais.
da liberdade, cabe a ele educar o povo para Eis uma lista respeitável de sintonias
a participação na sociedade polílica (Uru entre os dois pensadores. Se nem sempre
guai, 1960:405-12). A tradição colonial era reconhecida a procedência "uruguaia"
portuguesa não preparara o povo para o de todas �ssas teses, não há d6vida de que
auto-governo. O Estado é que devia assu Oliveira Viana conhecia bem o Ensaio e o
mir a tarefa. Qualquer leitor de Oliveira citava com freqüência, especialmente
Viana identificará imediatamente aqui uma quando se tratava de interpretar a política
de suas teses favoritas. imperial. Em suas constantes acusações ao
Finalmenle, há em Uruguai oulra distin idealismo ulópico das elites, havia sempre
ção que foi totalmenle adotada por Oliveira lugar para exceções, para os idealistas oro
" Viana. Falo da distinção entre �Jreilos poli- gânicos, entre os quais se incluia. Os nomes
..
ticos e direitos civis. Não se trata, natural- desses idealistas estão registrados em Po
inente, de uma origmalidade de Uruguai. A pulaç6es meridionais, O idealismo da
distinção já constava da Conslituição fran Constituiçllo e Problemas de organizaçdo
cesa de 1791, que falava de cidadãos alivos e problemas de direçllo. São genle como
e cidadãos passivos, os primeiros detento Olinda, Feij6, Paraná, Vasconcelos, Uru
res dos direitos civis e polfticos, os segun guai, Euzébio, ltaboraí e Caxias. Com a
dos apenas dos direitos civis. O importante exceção de Feij6, que, no entanto, era um
em Uruguai é a ênfase nos direitos civis, na autoritário, temos aí a fina Oor do conser
garantia das liberdades. O visconde diz ler vadorismo imperial, dos construtores da or�
observado na França a possibilidade de dem monárquica. Oliveira Viana os cha
convivência de um governo fortemente mava de conservadores autoritários, de
cenlralizado com a plena garantia das liber reacionários audazes dotados de uma quase
dades dos cidadãos, de sua propriedade e de volúpia pela impopularidade (1952:133).
sua proteção conlra o arbítrio do próprio Uruguai é o mais cilado pela razão de ler
governo (Uruguai, 1960:417). Era esta uma sido o único a produzir obra sistemática.
.!Ose d2 Iiberalismç franc� 1'ós- revolucio- Mas o visconde citava extensamente Vas
•
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: io, estilo de,Gu�, autor freqüente concelos, a quem considerava seu mestre
" ::-;,
mente citado por Uruguai. Os direitos civis, em política. Era uma famma polftica, uma
ss ES11JDOS HlSTóRIros - 1991/7
corrente de idéias de longa duração na his autoritarismo não é um fim em si, não é um
tória brasileira. valor em si. Em todos eles há a
Poderlamos chamá-los de liberais con peJo liberalismo, especialmente em sua mo-
-
-:
i =�:
�reitos-civ i§ JRosanvaJlon, 1985).
imperial reu�idos no Conselho de Estado:2
Viana
ruguai era particulannente enfático na
defesa do autogoverno, que para ele se
materializava de modo perfeito no governo
local, nas towship s americanas. É na muni
com sua m-
•
çipalidade, diz ele...., ue reside a f rça...dol<
As instituições municipais
nesta corrente esgotado o conteúdo
de sua obra? Certamente que não. Se são a liberdade ao alcance do povo. Sem
muitos os pontos de contato, não são meno instituições municipais, um país poderá ter
Os liberais conservado um governo livre, mas não terá o espirito da
res eram exatamente isto, liberais conserva- liberdade (1960:405). Há aí ecos inconfun
dores. Seu conservadorismo não eliminava díveis de Tocqueville, autor que Uruguai
o liberalismo. Seu modelo de sociedade, ou estudou com cuidado quando, desiludido
sua utopia polltlca, continuava sendo a so- com a política, pôs-se a refletir sobre os
- .
!,!edade 1. eral e a polltica liber.!! . El�� problemas do país. Foi através de Tocque
dem ser apropnãaamente chamados de au- ville que aprofundou o conhecimento da
riÜrios instrumentais7 na medlda em que experiência americana. Antes dela, soubera
o autoritarismo para eles era apenas um apenas através das reformas liberais da Re
- .
meio que certas sociedades em determina gência, que lhe pareciam impróprias e ina
das circunstfincias históricas tinham que dequadas para o país. É sintomático que
empregar pao atingir o objetivo, a socieda Q1iveira Viana nunca cite Tocqueville, em
de liberal plenamente desenvolvida.ll O bora certamente conhecesse sua obra, nem
A lITQPIA DE OIJVEIRA VIANA ••
! . '
primeiro a VISão social de Lc Play, depois !ismo cristão deveria dispensar ditadores
•
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se como promotor harmonia social. Oli meridionais, foi enfático em apontar o con
veira Viana apoiou um governo ditatorial. flito político e social como fator fundamen-
mas insistiu o tempo todo em que se tratava tai no desenvolvimento do espírito cívico,
de uma democracia social. Não apoiava a da consciência dos direitos e da identidade
ditadura pela ditadura. social. Falou abertamente em luta de clas
-j Oliveira '>aana�laj):lbém nâo ses: "É, entretanto, a luta de classes não s6
uma das maiores forças de solidariedade
com as nos povos ocidentais, como a melhor escola
para a Comte deriva- da sua educação cívica e da sua cultura
ra boa parte de sua doutrina das tradições política" (1920:180). Nesta linha de racio
do catolicismo medieval e sua concepção cínio, a impossibilidade em que se achava
da futura humanidade tinha traços do co a população pobre de enfrentar o poder do
munitarismo cristão, pois era baseada no latifúndio seria uma das causas do pouco ou
altruísmo, versão leiga do amor ao próximo nulo desenvolvimento entre nós do espírito
cristão. Oliveira Viana falava dos positivis-
.
público.
tas com respeito mas sem qualquer sim pa- Com base em tal diagnóstico, devia-se
-
.
-
te, da paz social. Entre nós nâovalia a regra, ponto aparecia com clareza: .s�u,modçlo d�
a formação do cidadão devia passar não sociedade não era o do ca italismo indus
pelo conDito. mas por sua eliminação. pela trial. e verificava, ao final dos dolS volu-
, =
implantação de uma sociedade cooperativa, mes, que se pelo lado material e témico já
o corporativismo sendo um meio para tal havia capitalismo no Brasil, especialmente
fim. em São Paulo, pelo lado psicológico e cul-
Não há a menor referência a uma possí tural, 'pela ainda
vel diferença entre cidadãos fonnados por
métodos tão opostos. Aqui Oliveira Viana
cometeu outra incoerência gritante, de que
se deu conta, mas que não reconheceu como que nossa
tal. Um tema recorrente em sua obra era a pré-capitalista, que tanta no
acusação idealismo, alienação, marginalis breza, justiça e dignidade espalhou na vida
mo e ignorância das elites em relação à e nas tradições de nosso povo" sobreviveria
realidade nacional, era a denúncia da mania ao avanço capitalista (Viana, 1988:197).
de macaquear jdéias e instituições estran Quer dizer, ��
geiras. No entanto, quando ele próprio foi de
t chamado a colaborar na fonnulação e im
plementação da polftica social e sindical, mação um valor. Ao buscar clássicos da
co iou abertamente a legislação estrangei- fiteratura para descrever a mentalidade ca
I ra. O..gulliava-se mesmo de que nossa legis pitalista, como Sombart e Weber, ele carre
lação estivesse à altura da dos países mais gava nos tons negativos. O capitalismo era
avançados. Prevendo a crítica de estar co a obsessão monetária, o mamonismo deli
piando, argumentou que a industrialização rante, a submissão de tudo ao motivo do
gerava problemas que eram universais, que lucro, a instrumentalização da inteligência
se verificavam independentemente das ca e da cultura. Contra esta mentalidade, sus
racterísticas de cada-país, podendo, portan tentava, ainda prevaleciam, e deviam pre
to, a legislação social ter caráter também valecer, os valores que marcaram nossa he
\
universal. Desconsiderava que, neste caso, rança (e aqui não entrava distinção de classe
a legislação só se aplicaria ao setor indus ou raça). Eram valores da sociedade pré-ca
trial moderno, reconhecidamente minoritá pitalista, existentes também na sociedade
rio no Brasil. Ela era, no entanto, destinada baseada no latifúndio: a nobreza, a mode
também ao campo, embora a aplicação co ração, o desprendimento, a dignidade, a
meçasse pelas cidades. Quanto à pró�ria lealdade.
industrialização, ele argumentaria em seu Além da intluência católica, revelava-se
livro póstumo que ela possuía caracteristi aí o que me parece ter sido a outra fonte de
cas que lhe retiravam parte da natureza inspiração de Oliveira Viana: as raízes ru
,
capitalista (1988:193-7). rais. O ruralismo se manifestava com seus
Pode-se concluir que toda a sua análise .valores paternalistas, famil istas, pessoalis
do latifúndio simplificador e eliminador do tas. Oliveira Viana orgulhava-se de ser fa
contlito como responsável pela falta de ci zendeiro, de ter por trãs de si quatro gera
vismo podia ser sociologicamente verda ções de fazendeiros. Nunca vendeu a
deira, mas não era relevante para seus obje fazenda do Rio Seco, embora só lhe desse
tivos políticos, porque o conceito de
-
prejuízo, velho banguê decadente que era.
civism da boa sociedade, que ele tinba em•
Até o run da vida usava a velha casa para
mente não era o das sociedades anglo-saxô- receber amigos íntimos em jantares acom
l"nicas, No livro óstumo cita'do acima, é panhados de Iqngas discussões. A fascina-
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92 ES1UDOS HlSTORlCOS -1991/7
ção por valores rurais transbordava de vá lores, não têm aparato erudito. Neles talvez
rios textos. Um deles t. saudação a Alberto se revelasse com mais sinceridade o cora
de Oliveira, feita quando foi recebido na ção do autor, neles talvez emergissem seus
Academia Brasileira de Letras. Referiu-se valores mais caros. O que ar transparecia
em tennos quase líricos a Saquarema, terra não destoava, aliás, do que se sabe da per
natal de ambos. Exaltou tanto a patureza sonalidade de Oliveira Viana, um matuto \
quanto os valores da vida rural fluminense. !!!edioque raramente aceitava �nvites e.;: I
Em Alberto de Oliveira estariam personifi ra palestras; que ao falarem público era
cadas a tradição patriarcal, a nobreza, o quaseinaudlve1; que só por motivo dedoen
16 ça deixava o Rio de Janeiro, ou melhor, sua
bom gosto.
Não era apenas o chauvinismo flumi �sa de Niterói; que nunca saiu do país,
nense que o movia. Em outro texto, escrito embora tivesse uma biblioteca internacio
em 1918, quase simultaneamente a Popula- nal, que nunca fez parte dos cfrculos inte
çôes meridionais, ele descreveu com imen- lectuais do Rio, nem da vida mundana da
,
neuas em que vIVera por seiS meses por dente na cidade rande.
• • •
-- -
motivo de doença. A alma mineira seria, Creio que tocamos aqui no ponto central
"
segundo ele, feila do "bom metal antigo, o para o entendimento da obra e do pensa
metal da nossa antiga simplicidade patriar mento de Oliveira Viana, um ponto que
cal", Nela dominariam os valores domésti pode esclarecer o vínculo entre Populaç6es
cos patriarcais - o recato, a modéstia, a meridionais e os textos de política social e
hospitalidade -, valores que lhe souberam também a aparente quebra de perspectiva
à sensibilidade como ao paladar dos enten dentro de Populaç6es meridionais, além
dedores os vinhos caros: "quanto mais an das contradições já apontadas. Começando
tigos, tanto melhores no sabor, na limpidez, com Populaç6es, verifica-se neste texto
no perfume". Era a "Minas do lume e do uma guinada no tralamento dos proprieú
pão", título com que o artigo foi publicado rios rurais ao passannos da primeira e se
na Revista do Brasil, em 1920. gunda partes para a terceira.
Vale a pena citar outro texto referente à
realidade rural ainda mais distante da flu são defmidos ca-
minense. Em comentário 80 romance de mo aristocracia ,
em Evoluçl1o
Mário Selte, O vigia da casa grande, ele do povo brasileiro à dolicocefalia germâni
elogiou a descrição fma da "alma rude e ca): aristocracia audaciosa, altiva, em
bela dos nossos caboclos rurais". O roman preendedora, artlfice da ocupação do terri
ce teria mostrado que valores como nobre tório nacional, desdenhosa do poder
za, cavalheirismo, fidelidade, bonra,justiça público. Esta simpatia deu margem a que
e bondade não eram limitados à aristocra Astrogildo Pereira intitulasse sua critica de
cia, mas impregnavam também as classes 1929 de "Sociologia ou apologética?"
plebtias. Surpreendentemente para muitos
de seus leitores, confessava uma uinfInita
ternura" pela gente humilde que mourejava
A sombra nem sempre grata dos fazendei
ros. E conclula: "toda a minha obra ( ...) roa, os grandes estadislas que tentavam for
17
respira uma íntima simpatia por eI3". jar uma nação a partir do arquiptlago lati
Não há por que menosprezar esses tex fundiário que compunha a ex-colônia. ,Os
tos. Por não terem pretensão cientifica, eles �ristocratas ruraispassam a ser tratados c0-
são despojados, desarmados, não citam au- mo meros caudilhos territoriais, resistentes
, - ...
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A UTOPIA DE OUVElRA ViANA 93
à obra progressista da Coroa, que devem ser canos, estava claro que o federalismo.-.rçpu�
domados em seus excessos de privatismo. blicano �ão se prestava à tarefa. Ao retirar
Se estou correto na identificaç-ão de do centro o poder de arregimentação, ele
\ mundo de valores de Ol iveira Viana, 'a rç- l iberava a força desordenada do jogo dos
\
. viravolta é apenas aparcn�. q Estado cria interesses dos grupos, facções e clãs locais.
a naçlo, estabelece o predomínio do úbli Era u m mundo caótico que ameaçava a
co sobre o privado, mas de f�ô$a o Itera própria integridade da nação. A situaçao
valor�s fundamentais que pertencem à or agravava-se com o fato de terem surgido no
de;.: rur: 1 patriarca l . Da posição de distan
m.:, cenário político novas forç-as socia is que
; === � em que hoje nos colocamos, po
ciamento escapavam ao controle do mundo rural, co
deríamos dizer que, para Oliveira Viana,..Q.. nu;> os industriais, operários e imigrantes.
próprio Estado �ra patJ:iarcal e sua tutela Não me parece que Oliveira Viana lenha
s,?bre a nação tinha a marca do poder fami-- desenvolvido uma idéia clara sobre a forma
•
l
liar que buscava hannonizar a grande 31n1- que everia assumir a nova ordem, antes dS
-
na brasileira sob sua autoridade. Na cabeça ocupar a posição,que lhe .2er'lI\l 110 Minis
estã grande (amnia, ou desti grande clã, tério do Tr<palbo.:..,Em Pequenos estudos,
colocava-se o imperador, que, ao final do ' publicados em 1921, ele ainda acreditava
-
Lmpério, com suas longas barbas brancas, l1uma ;:0113 ao mundo rural, ao "velho culto ) (
era a própria figura do grande patriarra. A nacional da lerra opima e nutridora"; ainda
verdadcira dcscstruturação se teria verifica aerecJitava em ensinar a juventude a amar a
do en @ como conseqüência da Aboli terra, o campo, o arado, "símbolos loscos e
ção da Escravidão. Oliveira Viana Coi.inc- obscuros desse palriotismo civil, que é qua-
quívoco ao colocar essa data como marco se tudo" (1921:21 e 25). Em O idealismo,
•
un amcntal na história do país. Popula publicado pela primeira vez CIO 1924, des
ções meri dionais termina em 1888, exata- cria mesmo de soluções que fossem tenla
mente porque o período posterior lhe pare das por meios exclusivamente pol íticos. O
cia exigir estudo à parte. Em Pequenos problema nacional seria antes social e eco
esrudos de psicologia social foi repetida a nômico e exigiria medidas como a difusão
idéia do ugrande desmoronamento" que se da pequena propriedade (dara referência a
teria produzido com a Abolição (1921 :79). Alberto Torres).
O mesmo fo i dito em Evolllçdo do povo Em Problemas de política objetiva, de
brasileiro: o golpe d. Abol ição desarra njou ,1930, as reformas pro )ostas de naJ!l- C .)
a aristocracia rural, que, a partir daí, ou reza puramente IIlstitucioual e >olítica. In-
prosseguiu sua rota de decadência ou se sistia na re onna da Constituição de' 1891 ,
dirigiu às cidades em busca de alternativas no sentido de devolver ao poder central a
de vida. O corte devia parecer-Ihe . ter sido força que tinha no Império, talvez com a
tão violento que nunca cbegou a escrever o criaç-ão de um quarto poder. Lembrava o
livro sobre a República prometido em Po uso dos conselhos técnicos, já adotados em
pulações, promessa reiterada em O ocaso outros países. As leis sociais s6 apareciam
do Império. aí para serem criticadas pelo modo como
A Abolição, logo seguida da República, eram feitas: sem consulta a patrões e operá-
inaugurou um mundo novo em que a ordem rios, o que as fadava ao fracasso por falL a
imperial, politicamente centrali7..ada, mas da adesão moral do povo. Criticava também
al icerçada em valores rurais, deixou de ter as soluçõcs sociais dadas pelo nazismo,
condições de sobrevivência. Novo arranjo fascismo e comunismo. Chegou mesmo a
fazia-se necessário para substituí- la. Para propor soluçõcs individualistas, o que con
Oliveira Viana, como para muitos republi- tradizia tudo que escrevera antes e escreve·
•
ria depois. O ue dizia da década de 20 - Estado caberia até mesmo forçar classes e
�ma época de in eclS , sem fISionomia - categorias sociais a se organizarem, pois a
'
podia aplicar-se a ele mesmo no que se organização seria a (mica maneira de se
!Creria não ao diagnóstico, mas A receita exercer a cidadania no mundo moderno.
ra os problemas do 1'!1s. ra a rase de Se antes a ênfase era nos direitos civis
ta amento. ' como condição para o exercicio dos direitos
A clareza na receita só parece ter surgido pollticos, agora os direitos sociais passa
após a nomeação para a consultoria jurídica vam a ocupar o primeiro plano. Através da
do Ministério do Trabalho, em 1932 Com incorporação do trabalhador e do patrão
a compulsão que o caracterizava, passou a pela estrutura sindical e pela legislação so
ler tudo sobre sindicalismo, corpotativis cial é que se criavam as condições para o
mo, direito do trabalho, e direito social. exercício das liberdades civis e políticas.
Muitos autores, antes ausentes, passaram a Operava-se completa inversão da seqüên
povoar sua bibliografia. Alguns são ainda cia clássica da evol ução dos direitos como
hoje lidos e respeitados, como Gurvitcb, vista pOr Marshall. Antes- de 30, Oliveira
Sombart, Tawney, Moreno, Mayo, G. Viana reclamava a mesma seqüência dos
Fried.man, MacIver, Tonnies, Sorokin, Ve países pioneiros da modernidade, isto é,
blen, PerroU){ e Lasswell. Leu também ju direitos civis antes dos poHticos, sem falar
ristas e teóricos do corporativismo e as en ainda nos sociais. Agora, os sociais é ue se
2
cíclicas sociais. Analisou'a experiência de tomavam pré-condição dos outros. 1
vários países europeus, dos Estados Unidos As novas concepções foram expostas
e do Japão. em Problemas de direito corporativo, onde
Oliveira Viana fez uma lúcida e convincel,l
te defesa do novo direito social contra a
A volta aopas visão individualista tradicional. Seu princi
;;odo, aopatriarcalismo rural, fo.i totalmente pal oponente era Waldemar Ferreira, pro
abandonada. Conformou-se com o fato de fessor da Faculdade de Direito da USP e
que o mundo moderno era o da indústria, do relator da Comissão de Justiça da Câmara.
operariado, das classes sociais. A pergunta O debate girou em tomo do projeto de or
agora era ganização da justiça do trabalho, redigido
por comissão do Ministério. de que Oliveira
Viana fIZera parte. Contra o individualismo
jurídico defendido por Waldemar Ferreira,
essas assentado na idéia de contrato do Código
a vantagem de poupar ao Civil, Oliveira Viana insistia em afinnar a
país os dramas causados pela industriali.za natureza coletiva da realidade social mo
ção capitalista, ainda incipiente, e de lan derna que pedia novos princípios de direito,
çar- nos na direção de uma nova sociedade nova exegese, novos órgãos. novos proces
hannoniosa t, segundo ele, democrática, sos, novos ritos, nova jurisprudência. Os
pois envolveria, através de sindicatos e cor conflitos do trabalho, argumentava, eram
porações, o grosso da população na direção coletivos, exigiam convenções coletivas,
política do país. A regência da orquestra sentenças coletivas com poder normativo.
continuava sendo tarefa do Estado, com a Era dele, sem dúvida, a ostura moderna
diferença de que agora sua ação ordenadora nesse e ate.
e educadora Dão se exercia sobre os irre Olado político da nova visão foi exposto
quietos clãs rurais, mas sobre os sindicatos, em Direito do trabalho e democracia so
corporações e outras organizações civis. Ao cial, onde foi defendida I política social do
A lITOPIA DE OUVEIRA VIANA 95
A comparação com outros autores tam quanto mais melhor; mobilização, luta po-
bém considerados autoritários ajuda a res lítica, conDito, não, pois eram forças desa
saltar o específico da posição de Oliveira gregadoras como desagrega dores eram o
Viana. Embora haja traços comuns ao pen latifúndio e o federalismo. Em sua utopia
samento dos chamados autoritários das dé �ocial também não havia lugàr para lideran-
cadas de 20 e 30, ponto tão bem desenvol ças carismáticas. Admirava, é certo,algun-s
vido por Bolivar Lamounicr (Lamounier, estadistas do Império, os homens de mil. e
1977), há também importantes distinções. o papel do Imperador. Mas na fase social e
A postura de Oliveira Viana não é, por trabalhista de sua obra, na rase utópica, os
exemplo, a mesma de Azevedo Arnaral, um atores eram coletivos, eram o governo, as
•
inspirada na lei posilivista dos três estados por lideranças funcionais que o pcnneariam
e valorizava tudo que apontasse para a so de alto a baixo.
ciedade industrial moderna. ti- Ainda dentro do exercício comparativo, �
parece-me que, além das origens rurais, do
banguê do Rio Seco, e da innuência católi-
•
um caminho para países como o Brasil che mente. Ignorou-o mesmo quando, em sua
garem ao moderno capitalismo. A ele cabia segunda fase, iniciada em 1924, a temática
com propriedade a definição de autoritário do nacionalismo, do brasileirismo, se tor-
instrumental. •
nou cen!raI.Há declarações de escritores da
Não se trata também do integralismo de antropofagia e do verde-amarelismo, refe-
flínio Salgadp. autor que 'Oliveira viana rentes à necessidade de rundar o nacional,
96 ESTUDOS msTóRI<DS -199l/1
o brasileiro, em oposição, pelo menos pro destruir o mundo rural tão caro a Olivein
visória, ao internacional ou universal, que Viana. A mesma comparação talvez pudes-
poderiam ser facilmente subscritas por Oli se ser feita com Gilbertn Freyre. De novo,
veira Viana, que tinha até mesmo seu totem há muito em comum entre os dois, inclusive
animal, contrapartida do jabuti da antropo- a simpatia pelo mundo rural.
fagia e da anta verde-amarela. Sugeria, se- de 01 iveira Viãiia
•
era alienação, poderia ser confundido com nas relações sociais, inclusive as mais ínti
um partidário da antropofagia vociferando mas, com uma irreverência que escandali
contra o lado doutor de nossa cultura.19 zaria Oliveira Viana.
Em que o modernismo o separava de Regresso dos infernos sem trazer Olivei
pensadores de quem, de outro modo, estaria ra Viana de volta, nem lá fuj em missão de
muito mais próximo? Parece-me ue o tra Orfeu. Mas talvez tenha conseguido salien
ço modernista detenninante da diferença tar aspectos importantes de seu pensamento
oi o da cu rura, ou da retendida ru tura, que o colocam dentro de �ma tradição a um
.
com o passado. Aruptura era a marca regis �empo distinta e marcante de nossa cultura.
trada do modernismo, tanto em sua vertente Entre o liberalismo ortodoxo ou o america
,
so da famíl ia, das relações pessoa is, do 2. A crílica de Aslrogildo Pereira (1979),
publicada pela primeira vez em 1929, deu o tom
ruralismo, e mesmo da nacio-
de muitas das críticas posteriores . Centrava-se
nal para a democracia. Mas
em Populn ç&s meridionais e denunciava o viés
do
de classe dominante do autor. Batista Pereira
(1931), publicou originalmente sua critica em
1927 nolomal do Commercio. Seu alvo era "O
zação, exatamente as forças que idealismo da· Constituição" e focalizava espe-
. ,
A UfOPIA DE OUVEIRA VIANA 91
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