O conto “As caridades odiosas” faz parte do livro A
Descoberta do Mundo, de Clarice Lispector, publicado no período de 1967 a 1973 no Jornal do Brasil onde a autora reuniu várias outras crônicas de sua autoria.
Como o próprio título sugere, o conto As caridades odiosas tem o intuito
de fazer uma crítica à sociedade e dos problemas relacionados às crianças de rua. A narradora mostra, por meio do personagem de um menino abandonado, os problemas que remetem acontecimentos recorrentes na época. A crônica retrata esse problema, através da experiência vivida pela narradora-personagem e como a sociedade reage quando se depara com essa realidade. ENREDO DE CARIDADES ODIOSAS A narrativa se dá em uma tarde. A personagem caminha apressada por uma rua e sente-se detida por uma mão, que a segura pelo vestido, pedindo que lhe compre um doce. Ela percebe que a mão que a segurara é de um menino, de aparência suja e pele negra que se encontra em pé em frente a uma grande confeitaria. Trata-se de um menino que pede porque está com fome, ela não se nega a ajudá-lo. Compra doce para a criança, e ao mesmo tempo em que o está ajudando, sente-se envergonhada por estar ao lado de um menino sujo de rua. O menino que provoca um misto de piedade, vergonha e revolta na personagem, também a faz refletir sobre os problemas sociais que a maioria das pessoas não consegue e não querem enxergar. Logo após deparar-se com a realidade das ruas, a personagem sente um peso na consciência por fazer parte de um grupo social que não se importa com o bem-estar do próximo ou que fingem não enxergar os problemas precários daquele momento. Após sentir-se odiada por si mesma e, ao mesmo tempo, caridosa, o ato leva a personagem a refletir sobre problemas vivenciados a partir de então. TEMPO DA NARRATIVA O tempo histórico de “As caridades odiosas” se passa no período da ditadura, onde o número de crianças abandonadas cresce sendo retratado em textos críticos e literários, para tentar descrever os problemas sociais da realidade na época. Os problemas sociais da época são retratados para denunciar a forma como eram vistos e ignorados pela sociedade. O tempo que predomina no conto é o tempo cronológico. A história é construída com começo, meio e fim e organizado linearmente. Mantém as relações de causa e consequência nas ações dos acontecimentos. Além disso, a narradora faz menção ao período do dia em que ocorre o desenvolvimento da história: “Foi uma tarde de sensibilidade ou de suscetibilidade?”. Nesta passagem, pode-se observar que o tempo é determinado por horas já que o dia praticamente já estava no fim. ESPAÇO O espaço principal para o desenvolvimento da história é a rua e a grande confeitaria. PERSONAGENS - A narradora - personagem. Que não faz menções sobre suas próprias características físicas. - A caixeirinha. Que remete a ideia de descaso com o próximo, sendo um personagem-tipo. - O menino. Que pode ser classificado, igualmente, como um personagem -tipo também, o qual ela refere-se apenas como “um menino a que a sujeira e o sangue interno davam um tom quente de pele”, pode representar o abandono, a falta de oportunidades para crianças abandonadas, que viviam a mercê dos perigos da rua, da violência e da pobreza, fazendo assim, um retrato da realidade da época. NARRADOR Autodiegético. A narradora de “As caridades odiosas” narra a história em 1ª pessoa e a ação da diegese, gira em torno de si própria, ou seja, ela narra as suas próprias experiências como personagem central. O CONFLITO DRAMÁTICO Caridade x Odiosidade O NÓ Na crônica de Clarice Lispector, o nó ocorre no começo da narrativa, quando a narradora-personagem sente-se segurada. Nesse momento, ela se dá conta que existem problemas maiores que os seus e que se as pessoas se importassem mais com o outro, o menino poderia não estar ali pedindo um doce com fome, e o pior, que ninguém queria dar a ele. Seu fluxo de pensamento é interrompido, e ela passa a lidar com a problemática da criança de rua com fome, e os sentimentos que a situação lhe provocara. O CLÍMAX O clímax ocorre no momento em que o menino foge e a narradora- personagem sente um misto de sentimentos que a relação com o menino a fizera sentir. O misto de sentimentos que o menino causou na personagem, a faz refletir sobre a individualidade e o egoísmo existente no ser humano. O DESFECHO DE AS CARIDADES ODIOSAS O desfecho ocorre quando a personagem percebe o quanto seus problemas tornam-se pequenos diante dos problemas do garoto. O menino proporcionou a personagem um momento de reflexão, acerca dos valores humanos. A forma como cada um se importa com o sofrimento do outro. Há aqui uma própria crítica da caridade. As pessoas vivem alheadas em relação aos outros, e de certa forma, usam a pobreza delas para fazer algo “bom” apenas para se sentirem melhor. Um tipo de ação que disfarça a crueldade do sistema e a exploração que lhe é intrínseca. Uma das reflexões da personagem põe em destaque também, a ideia de exibicionismo relacionado à caridade. A caridade como um procedimento que confere status social.