You are on page 1of 8

A SABEDORIA DIVINATÓRIA

Tarso Ferreira Alves


Doutorando em Filosofia e História da Educação
Unicamp e professor do Instituto Federal Fluminense – Campos dos Goytacazes-RJ.
tarsofalves@gmail.com

RESUMO
Existe uma concepção originária do saber, anterior ao próprio discurso filosófico e
científico no ocidente, que serve de fundamento para o homem pensar a si mesmo e a
própria existência. É sobre a natureza e importância desta sabedoria originária, que é
divinatória, que se pretende discutir como um primeiro grande legado. A constituição de
uma cultura do saber têm as suas raízes numa linguagem literária, mítica e, ao mesmo
tempo, místico-religiosa. Esta cultura, de natureza divinatória, transcende à razão
comum por seu caráter enigmático, de adivinhação e previsão do futuro, e se encontra
originariamente no culto aos deuses Apolo e Dioniso.

Palavras chave
Filosofia, Sabedoria, conhecimento mítico e místico-religioso.

Existe uma concepção originária do saber, anterior ao próprio discurso filosófico


e científico no ocidente, que serve de fundamento para o homem pensar a si mesmo e a
própria existência. É sobre a natureza e importância desta sabedoria originária, que é
divinatória, que se pretende discutir como um primeiro grande legado.
A constituição de uma cultura do saber tem as suas raízes numa linguagem
literária, mítica e, ao mesmo tempo, místico-religiosa. Esta cultura, de natureza
divinatória, transcende à razão comum por seu caráter enigmático, de adivinhação e
previsão do futuro, e se encontra originariamente no culto aos deuses Apolo e Dioniso.
Apolo é o deus que transmite sua sabedoria aos homens através do Oráculo, o
elo de comunicação entre o mundo divino e o mundo humano. Dentre todos os
Oráculos existentes na antiguidade, o mais importante é o Oráculo de Delfos (COLLI,
1998, p.14) mensageiro de Apolo e importante portal da relação entre o homem, o
universo e os deuses. Apolo é o deus que conhece profundamente a alma humana e
tudo que dela decorre. Conhece todas as decisões humanas antes que elas aconteçam.
É o deus que conhece mais sobre o homem do que ele próprio. A palavra do coro, no
Édipo Rei de Sófocles (2003, p.37), atesta a sabedoria da palavra divina no seu
completo domínio sobre os desígnios humanos, através do seu dom natural da
clarividência: “E, se Zeus e Apolo são por certo clarividentes e conhecedores do destino
dos mortais, será que, entre os homens, um advinho possui dons superiores aos meus?
Nada o atesta verdadeiramente”. A visão do oráculo é uma visão de longo alcance. É
uma visão que está na dimensão daquilo que é invisível para o homem. Como Édipo e
Jocasta poderiam ver o seu próprio destino antes mesmo que ele ocorresse? É
justamente esta capacidade de previsão que o oráculo tem, por ver além do que pode
ser visto por qualquer homem: “...verás que jamais criatura humana possuiu a arte de
predizer” (SÓFOCLES. Édipo Rei 2003, p.52). Mas, ao mesmo tempo, Apolo dá a
prerrogativa ao homem de conhecer o seu futuro através do oráculo e, por isto, é
implacável quando seus avisos são ignorados… No caso do rei Édipo, como falhara a
educação apolínea provinda da instrução dos oráculos, a dor toma o lugar como castigo
e remédio. Édipo arrancou os seus próprios olhos ao saber que casara com a mãe.
Consciente da transgressão à sabedoria e lei divina, o próprio Édipo impõe a si mesmo
o castigo: “...Apolo, meus amigos! Sim, é Apolo que me inflige nesta hora as desgraças
atrozes que são doravante meu quinhão. Mas nenhuma mão me golpeia senão a minha
(SÓFOCLES. Édipo Rei 2003, p.94)”. Num cenário teatral de teor profundamente
trágico, Édipo permitiu que seu orgulho e vaidade o cegasse perante os avisos dados
pela divindade. A perda da visão já havia ocorrido antes mesmo que ele arrancasse os
próprios olhos. Assim, ignorando não só o conteúdo da mensagem oracular como
também a própria visão que deveria ter de si mesmo, não conseguiu perceber que ele
próprio era a causa de todas as suas desgraças.
O próprio Platão é um encomiasta da sabedoria divinatória e oracular em seus
diálogos. Na Apologia, ele nos apresenta o cenário em que Sócrates, durante sua
defesa diante do tribunal ateniense, recorre a figura de Querofonte quando este vai ao
Oráculo de Delfos e pergunta para a Pitonisa: “qual é o mais sábio de todos os
homens”? O oráculo responde: “o mais sábio de todos os homens é Sócrates”. Mas o
filósofo, ao invés de exaltar a si mesmo e julgar-se sábio, argumenta que sempre se
colocou na postura de nada saber e, por isto, sempre inquiriu aos seus interlocutores
sobre o que julgavam saber quando, na verdade, não sabiam. Sócrates colocava a
sabedoria humana como limitada e finita diante da sabedoria divina. Por isto, demonstra
uma certa consciência de si mesmo ao rejeitar a titularidade de sábio. O oráculo acerta
ao dizer que Sócrates é o mais sábio entre os homens pois, ao falar por enigmas, toma
o homem sábio como aquele que têm a consciência da sua própria ignorância.
É impossível, portanto, falar em sabedoria humana sem estar nessa fronteira
entre a ignorância e o conhecimento. O homem está sempre no meio do caminho, pois
o conhecimento nunca será, para ele, pleno. O saber humano é sempre um saber pela
metade, parcial, oposto à sabedoria divina. O conhecimento humano traz ao mesmo
tempo consigo o que ele desconhece. Sócrates retrata, através de si mesmo, a
existência dessa fronteira entre o saber e o não saber: “Que quererá dizer a divindade e
que pretende insinuar? Tenho plena consciência de não ser nem muito sábio nem
pouco” (PLATÃO, Apologia de Sócrates, 2003, 21b). É justamente aí que reside a
grandeza e superioridade da cultura divinatória enquanto cultura da verdadeira
sabedoria: ser sábio representa ter um completo domínio sobre o passado, o presente e
o futuro. É ser capaz de conhecer tudo que já está escrito no livro do tempo. De ser
prévio conhecedor do destino dos homens1 . Este é o poder de Apolo, transmitido aos
homens através da função medianeira do Oráculo. O próprio Sócrates já exaltava a
sabedoria do deus: “Mas o que eu penso, senhores, é que em verdade só o deus é
sábio, e que com esse oráculo queria ele significar que a sabedoria humana vale muito
pouco ou nada​” (PLATÃO, Apologia de Sócrates, 2003, 23a). Sócrates exalta a
sabedoria divina através da filosofia ao mesmo tempo em que chama a atenção para a
necessidade do homem em reconhecer a ignorância que ele tem de si mesmo e das
coisas2 . Quando o Oráculo diz: “conhece-te a ti mesmo”, em outras palavras, ele afirma:

1
A sabedoria de Apolo, o deus de Delfos, nos mostra que o sábio é aquele que possui os requisitos assinalados
por COLLI (1998, p.11) na seguinte afirmação: “sábio é quem lança luz na obscuridade, desfaz os nós, manifesta
o desconhecido, determina o incerto”.
2
Em toda esta passagem do texto, cabe a observação feita por CORNFORD F. M. (1953, p.133-134): “Nenhum
deus é apaixonado pela sabedoria, nem deseja tornar-se sábio, pois sábio já ele é; nem tão-pouco a sabedoria é
procurada por aqueles que já a tem. Por outro lado, a sabedoria não é desejada pelos ignorantes, que são
demasiado estúpidos para se aperceberem de que lhes falta sabedoria ou bondade. O amor pela sabedoria
homens, vocês não sabem o que são. No homem, o verdadeiro saber só lhe é revelado
enquanto concedido por Apolo. Este deus então pode conceder sabedoria aos homens
através da adivinhação (COLLI​ ​1998, p.12).
É preciso observar que Sócrates é tomado por uma inspiração divina e, desta
forma, portador de uma sabedoria oracular que remonta à origem de uma cultura dos
sábios. Na Apologia, ele adverte aos juízes que o condenaram que, a chegada da sua
morte, o faria entrar num estado em que os homens são mais proféticos. Além do mais,
aqueles que são os responsáveis por sua condenação, após sua morte, seriam
atingidos por um castigo maior (PLATÃO, Apologia de Sócrates, 2003, 39c). Sócrates
incorpora o poder de Apolo, expresso pela palavra e sua irrevogável realização. Ele se
torna uma “divindade humana”, visto que não é guiado apenas por si mesmo, mas pelo
próprio deus3 .
Sócrates, o mais apolíneo4 de todos os filósofos, renunciou ao seu próprio saber
por não exaltar a si mesmo e não extrapolar os limites de sua condição enquanto
mortal. Incorporou a ética de Apolo em sua filosofia e a transformou num instrumento de
educação dos homens através da dialética.
Ao fazer da divindade o maior guia do seu pensamento, Sócrates é um filósofo
que toma a filosofia e a dialética como um dom divino, assim como um instrumento
endereçado aos homens para decifrar os enigmas5 provenientes da divindade. Ao ser
inspirado por Apolo, Sócrates se torna um filósofo com o dom da profecia6 .
O Oráculo tem uma característica emblemática: falar por enigmas. O próprio
Heráclito de Éfeso afirma: “o senhor, de quem é o oráculo em Delfos, nem diz nem

reside naqueles que não são nem sábios nem ignorantes mas estão entre os dois extremos; e Eros é um deles.
3
O fato de que, a beira da morte, os homens se tornam mais proféticos, encontra reforço também na própria
argumentação de CORNFORD F. M. (1953, p.119). Este autor se respalda não só na Apologia de Sócrates de
Platão como também na Apologia de Xenofonte, quando é citado os exemplos clássicos das profecias de
Pátroclo a Heitor e de Heitor a Aquiles.
4
Segundo DODDS E. R. (1988, p.80), Platão fez de Apolo o seu patrono. Além do mais, o autor mostra que Platão
fez uma clara distinção entre uma “mediunidade apolínea, que aspira o conhecimento” daquela proveniente de
Dioniso, que é essencialmente coletiva. Pode-se pensar que, a “mediunidade apolínea” é justamente esta de
Sócrates pois, ao aspirar o conhecimento, é, conforme os argumentos do próprio autor, “um dom raro de
indivíduos escolhidos”.
CORNFORD F. M. (1953, p.119) aponta para uma questão presente no Fédon, que diz respeito ao fato de
Sócrates ser portador de uma “sabedoria mântica” “que vê para além dos limites da disputa racional, e ele atribui
esse poder a Apolo”.
5
COLLI (2012, p.55) coloca o enigma como um “fenômeno arquetípico da sabedoria grega”. Além do mais, de que
“na formação do enigma esconde-se a origem remota da dialética”.
6
CORNFORD F. M. (1953, p.140) afirma: “O filósofo perfeito, enquanto inspirado por Apolo é o profeta da
imortalidade, enquanto inspirado pelas Ninfas, o profeta de Eros”.
oculta, mas dá sinais”. (OS PRÉ-SOCRÁTICOS, 1973, fr. 93) O Oráculo fala por
enigmas porque parece exigir do homem uma percepção mais apurada para desvelar a
sua mensagem. O oráculo incita o homem a retirar de dentro de si o sentido das coisas
que observa. O enigma então parecer ser necessário, por levar o homem ao exercício
da observação, da intuição e do raciocínio. Através do enigma, parece que o oráculo
está testando a conduta do homem, tanto quanto o mérito necessário para alcançar o
conteúdo e a essência da mensagem oracular. É preciso então se destituir dos
preconceitos mundanos para não distorcer o sentido abrangente e universal do que é
comunicado pelo deus.
Ao se retratar as qualidades de Apolo como protagonista de uma cultura dos
sábios, não se pode deixar de lado a figura de Dioniso. Este também é um protagonista
tão relevante quanto Apolo. O próprio NIETZSCHE (2015, p.38) chega a afirmar: “Apolo
não podia viver sem Dioniso! O titânico e o bárbaro eram, no fim de contas,
precisamente uma necessidade tal como o apolíneo!” Ambos os deuses são as duas
faces de um mesmo saber. Faces que se complementam, que se completam. Tanto
quanto Apolo, Dioniso também é um deus da sabedoria. Uma sabedoria que retrata a
real condição existencial humana. Ele é a exaltação dos sentimentos humanos mais
primitivos, associado ao culto dos prazeres e das paixões. Mas que retrata, da mesma
forma que Apolo, uma sabedoria que transcende à condição humana. Transcende
através do culto orgiástico que manifesta a sabedoria através da dança, da música, do
jogo de uma forma alucinatória. De uma sabedoria que foge aos padrões comuns de
racionalidade. Pelo contrário, a sabedoria de Dioniso é irracional, pois age diretamente
nas emoções levando-as ao estado de êxtase. Dioniso leva o homem ao limite de suas
emoções e, por isto, promove uma katársis, uma transformação7.
Dioniso é um deus repleto de sabedoria por colocar o homem diante da sua
própria finitude e imperfeição. Ele mostra ao homem a necessidade de observar a si
mesmo. Este é o primeiro passo para que eu possa me conhecer. Neste sentido, o

7
DODDS E. R. (1998, p.88) afirma: “Se bem compreendido o ritual dionisíaco, a sua função social era
essencialmente catártica, no sentido psicológico: purgava o indivíduo dos infecciosos impulsos irracionais que,
quando reprimidos, davam origem, como aconteceu noutras culturas, a ataques de loucura dançarina e
semelhantes manifestações de histeria coletiva. Assim aliviava-os por meio de um escape ritual. Se assim foi,
Doniso foi na época arcaica uma necessidade social tão grande como Apolo; cada um tratava à sua maneira as
ansiedades características de uma cultura de culpa”.
espelho se torna o símbolo do conhecimento (COLLI, 2012, p. 49), porque através dele
que eu me torno, ao mesmo tempo, o observador e o objeto a ser observado. O espelho
representa as vicissitudes da vida com todos os seus erros. Assim deve ser para que se
possa retirar a lição, o aprendizado e, por sua vez, o conhecimento. Dioniso convida
então o homem a viver, pois não há conhecimento sem a experiência vivida em toda a
sua idiossincrasia e radicalidade.
O caminho que leva à sabedoria e ao conhecimento se faz através dos conflitos
e contradições da vida, do pensamento e dos sentimentos humanos, pois ao promover
o conflito entre o prazer e a dor8 , a alma é instigada a uma superação de si mesma.
Dioniso faz do homem um ser mais imerso à sua condição mundana, com todas as
suas mazelas. Através deste deus o homem pode sair de si mesmo9 , explorar os limites
da sua sexualidade, os prazeres da comida e da bebida, para que, através do
enfrentamento das vicissitudes da vida, liberar de dentro de si o conhecimento10.
Dioniso é então o “deus da vida”. A força deste deus reside no fato de que os homens
são possuídos por ele, de modo a promover uma excitação, um estado de loucura. É
nesta condição que o homem libera o seus instintos primitivos e perde a sua
consciência. Dioniso desloca o homem do seu próprio eixo e faz com que ele, ao
romper com o seu estado de normalidade, entre num outro nível de consciência. O que
permite, através da katársis, Dioniso promover no homem a sua sabedoria11.
Nas Bacantes, a sabedoria de Dioniso encontra-se expressa através do culto,
que é a exaltação dos mistérios divinos e da alma. Na primeira estrofe desta peça
teatral, o bem aventurado é justamente aquele que participa dos ritos místicos e
celebra a Dioniso através da orgia (EURÍPEDES, 1976, p.79). Neste sentido, o que

8
As Bacantes, que são retratadas como aquelas que são encarceradas na masmorra e postas a ferros, são as
mesmas que andam soltas pelos bosques, cantando e dançando, clamando à divindade. Este é o cenário
descrito por EURÍPEDES (1976, p.90). Esta passagem retrata fielmente esta relação íntima entre o prazer e a
dor.
9
Este “sair de si” consiste num processo iniciático, no qual a alma é levada a um estado de êxtase, o que,
segundo COLLI (2012, p18) leva a liberação de um “excesso de conhecimento”. Segundo o mesmo autor: “o
êxtase não é o fim do orgíaco dionisíaco, mas somente o instrumento de uma liberação cognoscitiva: rompida
sua individualidade, o possuído por Dioniso vê aquilo que os iniciados não vêem”.
DODDS E. R. (1998, p.89) também contempla a mesma perspectiva de Giorgio Colli quando afirma: “O
objetivo do seu culto era o êxtase – que podia significar qualquer coisa como <<sair de si mesmo>> para uma
profunda alteração da personalidade”.
10
Segundo COLLI (2012, p18) o culto orgiástico é também dança, música, jogo, alucinação, estado contemplativo,
transfiguração artística. Neste sentido, eles são promotores do conhecimento.
11
Sobre a natureza desta discussão, ver o que diz Giorgio Colli (2012, p.19).
existe é um processo de sacralização da orgia e dos sentimentos e prazeres humanos,
na medida em que os mesmos se transfiguram sobre a influência do deus, que retira do
próprio homem o domínio sobre si mesmo12. A sabedoria de Dioniso emerge deste
descontrole no qual se é levado, pois permite que se atinja um estado de frenesi, onde
se encontra a loucura de Dioniso em seu poder divinatório13. Dioniso é um deus
contraditório. Nele, o conhecimento e a sabedoria surgem da transgressão e da loucura.
Ele é, em si mesmo, um deus louco e induz os homens a loucura14 .
A sabedoria divinatória convida o homem a ter uma maior visão de si mesmo.
Esta é uma lição proveniente tanto de Apolo como de Dioniso. Apolo é o deus, por
excelência, que lança luz na obscuridade. É o deus que tudo vê e torna as coisas
visíveis. Este desafio de ver a si mesmo é aceito por Sócrates e recusado por Édipo. É
justamente aí que reside a ignorância e a falta de conhecimento: na incapacidade de
ver. Mas não de ver com os órgãos do corpo e dos sentidos, mas sim com os olhos da
alma, tal como em Dioniso, quando retira da alma humana todas as suas afecções e as
tornam visíveis através do culto, dos ritos místicos e da celebração através das orgias.
Ver com os olhos da alma é procurar ver como sou e como devo ser. É estar dentro
deste universo dos pensamentos, sentimentos e valores que possuo e que os deuses
assinalam na forma do enigma.
Mas esta incapacidade de ver leva a uma ilusão que nos é apontada na Apologia
(2001, 29b): “imaginar alguém que sabe o que não sabe”. Este é um problema que não
se reporta somente ao outro, mas também a si mesmo”. Um exemplo clássico desta
dificuldade é o próprio Édipo. Privado da visão acerca de si mesmo e do destino que o
esperava, este personagem teve que retroceder no julgamento que fizera de Creonte,
quando desejou a morte deste, mas não o seu exílio. Não confiou nos dizeres do
oráculo e se precipitou ao achar que Creonte estava conspirando contra si e o seu

12
Segundo DODDS E. R. (1998, p.89), Dioniso reside nos prazeres singelos do homem simples, de modo que
habilita uma pessoa a “deixar de ser ela própria”. Nesse sentido, é como se Dioniso deslocasse o homem do seu
próprio eixo, ou seja, de retirar o homem do seu estado de “normalidade”.
13
Ver Eurípedes (1976, p.86).
14
COLLI (2012, p.27) afirma: “Dioniso induz os homens à loucura e ele mesmo é louco”. Ele também afirma:
“tornando-se louca, a bacante recebe em si mesma Dioniso, a chave da sabedoria”. “A mania é a sabedoria vista
desde fora, na sua primeira manifestação, no seu primeiro surgimento como visão, dança, contato, som
percebido, mas não ainda ouvido”.
DODDS E. R. (1998, p.89) também segue a mesma linha de raciocínio: “<<Dioniso leva o povo a
comportar-se loucamente>> – o que poderia significar qualquer coisa como <<deixar-se>> tornar <<possesso>>.
governo (SÓFOCLES. Édipo Rei 2003, p.44-45).
O dom transcendental da visão é, por excelência, o dom de Apolo, que é
transferido ao homem através do oráculo. O dom transcendental da visão é o dom de
ver antes, de prever. Dom este que influencia fortemente a filosofia de Platão e a sua
própria educação.
O legado desta cultura dos sábios à filosofia e as ciências deixa, como
importante lição, o fato de que o verdadeiro conhecimento não se reduz à nossa
percepção sensível. Existe um universo indismembrável do saber no qual a razão
humana é incapaz de sondar. Contudo, o caminho que leva à sabedoria, conforme a
instrução do Oráculo, passa pela necessidade do homem em abster-se de si mesmo, ou
seja, de negar o seu próprio “eu” e desfazer-se de suas certezas.

REFERÊNCIAS

COLLI, Giorgio. ​O Nascimento da Filosofia. Campinas-SP: Ed. da Unicamp, 1988.


______________ A Sabedoria Grega (I). São Paulo: Paulus, 2012.
CORNFORD F. M. ​Principium Sapientiae. ​As Origens do Pensamento Filosófico
Grego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1952.
DODDS, E. R. O​s Gregos e o Irracional. Lisboa: Gradiva, 1998.
EURÍPEDES. ​As Bacantes. São Paulo: Abril Cultural, 1976.
NIETZSCHE, F. ​O Nascimento da Tragédia.​ São Paulo: Companhia de Bolso, 2015.
OS PRÉ-SOCRÁTICOS. Heráclito de Éfeso.​ São Paulo: Abril S.A., 1973.
PLATÃO. ​Apologia de Sócrates. Belém-PA: Ed. UFPA, 2001.
SÓFOCLES. ​Édipo Rei.​ Porto Alegre-RS: L&PM, 2003.

You might also like