Professional Documents
Culture Documents
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Domingo, 11 de Fevereiro de 2018 ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL PÚBLICO N.º 10.158 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
Casas comigo?
Sim, mas só se
for em Portugal
Noivos estrangeiros
dão fôlego ao negócio
dos casamentos
P4 a 9
MIGUEL FERASO CABRAL
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Índice
4 10 12 18
Tema de capa Noam Chomsky, Entrevista Portfólio
“Will you marry a consciência de uma José Graziano da Silva Carnaval é
me... in Portugal?” América que por vezes “Erradicar a fome sátira? Aqui vai
lhe vira as costas é muito barato” a minha
Ficha técnica Director David Dinis Directora de Arte Sónia Matos Editor Sérgio B. Gomes Designers Marco Ferreira e Sandra Silva Email: sgomes@publico.pt
22 24 30 31
Entrevista Beth Singler Televisão O criador de Sete Estar bem Crónica
“Trabalhamos para que Palmos de Terra tem uma série O açúcar é mesmo Pedras
as máquinas não nos sobre o aqui e agora tão viciante como são
venham a fazer mal” Tecnologia Viciante e sem culpa a cocaína? pedras
Instagramar @kiliiiyuyan
A cidade de Utqiagviq (ou Kiliii Yüyan ao P2, em entrevista. que caçam de forma comunitária. nos Estados Unidos, separado
Barrow), no extremo norte Como consequência, “os jovens Não existe, para os baleeiros, da minha terra natal e da sua
do Alasca — apenas a dois deixaram de ter orgulho na qualquer conflito entre o acto de comunidade”, explica. “Graças
quilómetros de distância da ocupação dos seus pais”, o que caça da baleia e o respeito que à minha avó, sempre nutri um
fronteira com o Pólo Norte — é se traduz numa lacuna identitária. se nutre por ela. “Acreditam que interesse especial por estilos de
a casa de cinco mil habitantes, “Felizmente, a tradição baleeira, para se respeitar um animal é vida tradicionais. Posso dizer
na sua maioria pertencentes que é um elemento forte da sua necessário conhecê-lo — e que que passei a minha vida inteira
ao grupo ético inupiat, nativo identidade, mantém-se.” para conhecê-lo é necessário à procura de uma parte de mim
da região, há mais de 1500
anos. Seminómadas, os inupiat
dedicam-se, há vários séculos,
“A ligação espiritual com a
baleia desempenha um papel
fulcral na vida dos inupiat”,
depender dele. Da perspectiva
indígena, os ambientalistas
ocidentais travam uma batalha
que sinto ausente.” O mantra de
Kiliii, “que é o mantra da maior
parte das culturas indígenas”, é
A seguir
à baleação. A legislação de explica. “Os meus amigos perdida porque se consideram um terra é vida. “Para os nativos, tudo
protecção da fauna marítima e a baleeiros dizem que é a baleia que elemento à parte do ecossistema.” tem princípio na terra e quando A “formiguinha”
modernização das ferramentas escolhe a quem se entrega, que a Se, por um lado “as regiões voltamos a ela tornamo-nos ao poder?
de caça trouxeram, no entanto, baleação não se trata de caçar a dominadas por povos indígenas apenas mais saudáveis e fortes.
mudanças consideráveis ao baleia ou de vencê-la, mas sim de se mantêm em equilíbrio durante Ser parte da natureza não é bom Tornou-se presença diária nos
estilo de vida desta população. um sacrifício voluntário do animal. milénios”, áreas de exploração apenas para os indígenas: é bom ecrãs com a campanha para
“No espaço temporal de uma Acreditam que os baleeiros que não nativa “sofrem abuso e para todos os seres humanos.” as autonómicas de Dezembro,
geração, os inupiat passaram de não seguem a tradição ou que destruição”. Kiliii Yüyan é de etnia as eleições convocadas por
caçadores-recolectores auto- não respeitem as baleias não nanai, originária da Sibéria, motivo Ana Marques Maia Mariano Rajoy depois de
suficientes a cidadãos modernos são escolhidos.” A maioria das por que se interessa por temas destituir o governo e dissolver
que têm acesso a televisão e canções dos inupiat é dedicada à relacionados com estilos de vida Ver mais em o parlamento da Catalunha.
Internet”, explicou o fotógrafo baleia-da-gronelândia, a espécie ancestrais. “Cresci sobretudo p3.publico.pt Poucos sabiam quem era,
mas Carles Puigdemont,
em Bruxelas desde o fim
de Outubro, tinha absoluta
confiança em Elsa Artadi. A
economista (doutorada em
Harvard, ex-assessora do
Fórum Económico de Davos e
do Banco Mundial) coordenava
os departamentos (ministérios)
do seu governo, um trabalho
invisível mas duro, numa
coligação entre a direita de
Puigdemont e a Esquerda
Republicana. Na sombra,
como uma “formiguinha”,
assim fazia o que tinha a fazer,
dizem colegas. Em Barcelona,
os líderes soberanistas que
(para azar de Rajoy) renovaram
a maioria, insistem que o
único candidato à liderança é
Puigdemont. Na prática, já se
sabe que é impossível investi-
lo à distância — e ele não está
disponível para regressar se
o preço for a cadeia. Assim
surgiu um plano original,
à altura da actual situação
catalã: investir Artadi president
mantendo o poder nas mãos
do ex-líder. Nada que esta
praticante diária de ioga tenha
planeado, ela que chegou há
política em 2012 um pouco
por acaso. Por Puigdemont
dirigiu uma campanha
vencedora. Aceitará por ele
ser uma marioneta no Palau da
Generalitat? Sofia Lorena
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
“Will you
marry
me... in
Portugal?”
O
s olhos verdes da irlan- do uma tendência de turismo e de negócio. de 36 e 37 anos, respectivamente, fizeram há de casamento levaram consigo à feira de ca-
desa Gillian Marshall não Só no ano passado, o Ministério da Justi- três anos, num hotel em Albufeira, no Algarve. samentos. Paula Grade e Karina Sousa orga-
descolam da entrada da ça registou 1131 casamentos de estrangeiros, Primeiro casaram na Irlanda e depois fizeram nizam este encontro há uma década, numa
sala, à procura do noivo. mais do dobro dos 530 ocorridos em 2008. viajar cerca de uma centena de convidados até sala de hotel, na capital irlandesa, durante
Está a ser maquilhada e Em 2016, houve 890. São precisamente os ir- Portugal para uma cerimónia concebida pelas dois dias. Foi ali que o casal as encontrou, há
os seus cabelos ruivos são landeses que surgem em segundo lugar no top organizadoras de casamentos (wedding plan- alguns anos, no mesmo espaço onde conhece-
penteados como se fosse 10 das nacionalidades de noivos que casaram ners, em inglês) Paula Grade e Karina Sousa ram dezenas de fornecedores que viajam com
casar dentro de poucas em Portugal, em 2017, depois dos brasileiros. e que custou 25 mil euros. as wedding planners — de grupos hoteleiros a
horas. Ainda falta meio ano, no entanto, já Seguem-se os alemães, ucranianos, ingleses, Déborah e David Ryan nem sequer conhe- agência de viagens, passando por profissio-
fez as provas no White Impact Wedding Show, russos, polacos, italianos, cabo-verdianos e ciam o país, só tinham visto fotografias. “Te- nais de fotografia e vídeo, catering, decora-
em Dublin, Irlanda, numa iniciativa das por- franceses — estes dados também incluem es- mos um amigo que casou em Vilamoura e ção, entretenimento, assim como de cabelos
tuguesas Paula Grade e Karina Sousa para trangeiros residentes em Portugal, mas ex- disse maravilhas, de como o país era bonito e maquilhagem. Só em finais de Janeiro deste
acertar todos os pormenores do casamento cluem, por exemplo, os que assinam os papéis e o tempo maravilhoso!”, conta David ao P2, ano, a dupla levou 32 fornecedores e pela pri-
no Algarve. O casal irlandês não é o único nos seus países de origem e chegam a Portugal encostado ao balcão de um bar de Dublin, meira vez o designer de vestidos de noivas Gio
a escolher Portugal para casar. Nos últimos para fazer as chamadas “cerimónias simbóli- enquanto espera pela actuação de duas das Rodrigues. Durante dois dias, a dupla de orga-
nove anos, o número duplicou, confirman- cas” ou bênçãos, como Déborah e David Ryan, bandas portuguesas que as organizadoras nizadoras de casamentos recebeu 180 c
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
TANIAAFONSOPHOTOGRAPHY.PIXIESET.COM
que conheceu o futuro marido na universida- das noivas inglesas, brasileiras e angolanas.
de há uma década e são ambos médicos num Também Cathy Brady, 32 anos, e Gene Mur-
hospital de Dublin. “Vão ser umas grandes ray, 36, foram ao White Impact Wedding Show
férias para nós e para os 140 convidados”, ultimar os preparativos para o seu casamen-
antecipa o noivo. to, que será em Maio, no Algarve, e nada po-
Se Katherine e David conhecem o Algarve, de falhar. Depois de terem escolhido quase
Gillian e Brian só conhecem o que viram na tudo, ficaram indecisos quanto à banda que
Internet e nas imagens partilhadas por Pau- vai animar a festa. “O irlandês gosta muito
la Grade e a Karina Sousa. Só de pensar que de festas até tarde, muita música e também
o casamento está para breve, Gillian não se de bar aberto”, descreve Paula Grade. Já os
contém de felicidade, enquanto a cabeleireira ingleses são mais formais. “Para um inglês, é
lhe dá mais um jeito nos cabelos. A noiva esco- muito importante a decoração e o ambiente
lheu um penteado mais solto mas, por norma, do casamento. Procuram muito as Pousadas
conta Manuela Gamboa, uma das cabeleireiras de Portugal e quintas em Lisboa e no Algarve,
que voaram do Algarve para Dublin, “pedem enquanto os irlandeses procuram mais hotéis
os cabelos apanhados”. Depois da noiva, Ma- à beira-mar e restaurantes”, acrescenta.
nuela costuma arranjar o cabelo da mãe da O casal deixou a decisão para depois do
noiva e das damas de honor. jantar, quando forem assistir à actuação dos
grupos num pub de Dublin. É no bar que o
Escolher o que vestir e o que ouvir P2 os conhece, num ambiente animado en-
quanto esperam que Mafalda Castro, 27 anos,
Sem saírem da sala do hotel, Gillian e Brian dos Sun Lovers Algarve Band, ou Tiago Ro-
escolheram o fotógrafo, o hotel e o catering. drigues, 25 anos, vocalista do 5EX Band, lhes
O vestido já está tratado, a noiva comprou-o conquistem o ouvido. A eles e a outros noivos
em Boston, EUA, por intermédio do irmão que mais indecisos.
lá vive, mas não resiste a olhar para a dezena As bandas têm o bar cheio, a torcer por elas.
de vestidos que Gio Rodrigues levou e que são Mafalda foi a primeira a agarrar o microfone
“perfeitos para casar à beira-mar”, descreve com um à-vontade de quem já anda nestas
o designer, que levou uma linha “romântica, andanças há muito. Trocou uma carreira na
mais inocente, mas provocante e sensual”. Para área das análises clínicas e saúde pública, em
os noivos, Gio Rodrigues levou fatos em tons que se licenciou, pela animação de casamen-
bege e azul. O designer já tem agendadas pro- tos, sobretudo de irlandeses, além de eventos
vas em Portugal com alguns noivos irlandeses e de empresas. E vale a pena? “Então não vale?
lembra que tem tido alguma procura por parte É muito trabalhoso, mas é tão especial, c
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Wedding planner,
nosso espaço, alojamento e catering”, revela
Susana Alvarinho. “Os irlandeses e os ingle-
ses privilegiam o bar aberto e gostam muito
de festa. Os indianos, por sua vez, têm de ter
um catering próprio.
Há pousadas que chegam a fechar só para
os noivos e convidados. Já os brasileiros dão
extrema importância à decoração com flores
o organizador de sonhos
e investem muito dinheiro, e também querem
na mesa de doces muita decoração. Na Quin-
O
ta da Pacheca, no Douro, por exemplo, há s wedding planners ou orga- gos dos noivos” por altura do casamento. casado em Angola, teríamos gasto o dobro.”
noivos brasileiros que chegam a gastar dez nizadores de casamentos “Nunca há um casamento igual”, defende Cé- “Uma wedding planner facilita muito a orga-
mil euros só em flores, conta Adérito Mar- concretizam os sonhos dos lia Pratas. São todos personalizados e espelham nização do casamento”, defende a irlandesa
ques, director de eventos sociais daquela noivos, tratam de todos os a história do casal com muitos pormenores e Cathy Brady, que escolheu Paula Grade e Kari-
unidade hoteleira. Os brasileiros são preci- pormenores do casamento requinte para que seja um dia inesquecível. “Ar- na Sousa para planear tudo ao pormenor. “Elas
samente os que mais procuram a quinta para sem que aqueles se preo- risco a dizer que os noivos procuram o conto de conhecem a língua, organizam e põem tudo em
casar pelo registo civil ou para cerimónias cupem com quase nada, fadas, os casamentos de princesa, com o cam- ordem”, continua o noivo Gene Murray. Tam-
simbólicas. “Só em 2017 fizemos 14 casa- mesmo estando a quilóme- po com vista fantástica, os castelos, palácios e bém Brian McMahon, que casará com Gillian
mentos de brasileiros”, conta, explicando tros de distância. Tornam possível o impossí- casamentos na areia da praia”, continua. Marshall dentro de meio ano, só vê vantagens
que procuram o clima, as vinhas, a nature- vel, ainda que seja preciso um elefante ou um E a função das organizadoras é apresentar o em contratar as duas organizadoras. “Tratam
za, a gastronomia e o facto de o Douro ser cavalo branco para o noivo indiano chegar à local de sonho para casar. Os noivos só têm de de tudo sem termos de nos preocupar com
património mundial da UNESCO. Em geral, cerimónia; ou terem de levar todos os apetre- decidir o que querem, fazer as provas do ves- quase nada”, conclui, dando as mãos à noiva,
trazem uma centena de convidados e ficam chos do casamento em barcos pequenos para tido, do fato, cabelo, maquilhagem, catering, para se reunirem, noutra sala, no hotel de Du-
dois ou três dias. os noivos selarem o seu casamento numa ilha etc. Por norma, os estrangeiros vêm uma a duas blin, com a dupla portuguesa.
O director de eventos sociais da Quinta da deserta algarvia. vezes a Portugal durante o ano de preparação
Pacheca já testemunhou os mais diversos ti- Foi o que aconteceu às wedding planners Pau- do casamento para reverem todos os detalhes. Casamentos que vão dar um livro
pos de casamentos, como um mais radical la Grade e Karina Sousa que, há uma década, Jussara Serrão e Edilson Coelho conhece-
com “o noivo inglês que alugou um helicóp- criaram a empresa de organização de casa- ram Célia Pratas pela Internet. “Procurávamos A relação entre noivos e os organizadores não
tero e caiu de pára-quedas na cerimónia”, ou mentos White Impact, no Algarve. Os noivos uma wedding planner que nos orientasse na termina depois de dito o “sim”. Sempre que
um casamento civil num barco, no Douro. A pediram uma praia deserta. “Foi uma aventura organização do casamento à distância. Fomos podem, os casais apresentam-lhes os filhos e
quinta é ainda muito procurada por noivos colocar 70 pessoas num barco e os materiais trocando mensagens e através da Célia chegá- vão dando notícias, assim como recomendam
da Austrália, Nova Zelândia, Índia, EUA, Ca- noutros mais pequenos, e, com ondas, atracar- mos ao designer Gio Rodrigues, que foi logo o serviço a amigos. O casal Déborah e David
nadá e Europa ocidental, que preferem ceri- mos na praia deserta e fazer a cerimónia”, con- uma simpatia desde o início e desenhou um Ryan, que há três anos casaram em Albufeira,
mónias ao ar livre, junto à vinha, com mesas ta Karina. “Estamos aqui para realizar sonhos. vestido de propósito para mim com uma cauda foram até ao hotel onde Paula Grade e Karina
de madeira sem toalhas. Só para este ano, a Só se não pudermos é que não o fazemos”, de quatro metros, com um laço na cintura”, Sousa fazem o seu evento para as cumprimen-
quinta já tem agendados 16 casamentos de assegura Paula Grade. conta Jussara ao P2, por telefone, a partir da tar. “A Paula e a Karina fizeram tudo por nós,
noivos vindos do Brasil, a grande maioria, A função do wedding planner é ser criativo. sua casa em Angola. Era mesmo aquele que desde a decoração às flores, toda a organização
do Canadá, EUA, Holanda, Suíça, Austrália Pode ser preciso acalmar as noivas, estar a tinha idealizado. “Também fez o vestido da e entretenimento para as crianças até ao DJ
e Índia. Podem gastar entre 20 mil e 25 mil postos para qualquer eventualidade, resolver minha mãe”, acrescenta, entusiasmada por para animar a festa”, conta David. “Transfor-
euros com a decoração, buffet, cocktails, problemas de última hora. Célia Pratas, de Lis- toda a preparação do casamento ter corrido maram o meu dia de casamento no mais bonito
ceia e alojamento. A quinta tem um roteiro boa, que é uma profissional certificada e tirou tão bem, mesmo a milhares de quilómetros de da minha vida”, garante Déborah.
programado para os noivos e convidados, o curso em Londres, teve de improvisar no ca- distância. Casaram em Julho de 2017, depois de Paula Grade e Karina Sousa são amigas de
desde participar na vindima a fazer provas samento de um casal de Macau, ela macaense um ano a organizar tudo detalhadamente, com longa data que sempre trabalharam na área do
de vinho, showcooking ou passeios de barco e ele dominicano. Começou a chover muito 250 convidados, em que mais de metade via- turismo. Um dia foram desafiadas a organizar
entre a Régua e o Pinhão. por altura da cerimónia que seria na vinha da jou de Angola. Os noivos, com dupla naciona- um casamento estrangeiro e a partir daí nunca
Katherine Edwards e David Tansey tencio- Quinta de Sant’Ana, em Mafra. “Calçaram umas lidade, já conheciam Portugal e escolheram o mais pararam. No primeiro ano, organizaram
nam gastar 40 mil euros no casamento em botas de borracha mesmo com vestido de noi- país porque queriam “algo diferente”, como as 37, grande maioria irlandeses, e viram logo que
Tavira. “A melhor comida, excelentes fotó- va e fato de cerimónia vestidos. Divertiram-se quintas com “paisagens lindíssimas” e também tinham ali um nicho de mercado a explorar.
grafos, banda a tocar, o hotel, etc”, enume- imenso!”, lembra. E se é preciso um elefante, pela relação preço/qualidade. “Se tivéssemos Começaram a organizar um evento em Dublin
ra o noivo, enquanto a noiva está a testar a lá estará no casamento. “Pede-se ao circo”, des- NUNO FERREIRA SANTOS
e outro em Londres.
maquilhagem com Marisa Francisco, que tem venda Paula Grade, que já organizou alguns Célia Pratas (na fotografia), que chegou a
no seu currículo algumas estrelas da música casamentos indianos. ser professora universitária e tirou mestrado e
como Diana Krall e Bryan Adams. “A maqui- “Ser wedding planner é uma profissão que doutoramento em Comunicação e Literatura
lhagem transmite-lhes segurança num dia em exige muito tempo e muito de nós. É preciso Comparada, organiza casamentos desde 2009 e
que estão mais nervosas”, explica. “Temos ter uma grande dedicação e saber lidar com o trabalha com o mercado angolano. Foi nos EUA
um amigo cujo casamento foi organizado por stress”, descreve Carla Valentim, que criou, em que se apercebeu “da moda das wedding plan-
Paula Grade e Karina Sousa e recomendou- 2010, com Noélia Jacinto a empresa Sonho a ners” e decidiu tirar um curso em Londres, onde
as”, continua David. Dois — Algarve Weddings & Events, em Faro, até aprendeu a celebrar uma cerimónia simbó-
E porquê Portugal? Katherine: “Adoramos depois de terem ficado desempregadas. Desde lica. Para este ano, a organizadora já tem o ano
o sol, as paisagens, as praias. As nossas famí- então, já organizaram meia centena de casa- fechado com 14 casamentos do Haiti, Angola,
lias tinham de viajar.” mentos, incluindo o do jogador da selecção Brasil, Suíça, México e alguns portugueses. Por
nacional Éder. Este ano já têm programados 115 estes dias, anda a ultimar a publicação de um li-
O PÚBLICO viajou até Dublin casamentos. Os organizadores de casamentos, vro com as histórias de 13 casais que escolheram
a convite da White Impact continua Carla Valentim, “são os melhores ami- Portugal como cenário para casar. S.P.
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
PEDRO ELIAS/ARQUIVO
Noam Chomsky
A consciência de uma América
que por vezes lhe vira as costas
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
O anarco-sindicalista
socialista libertário
Noam Chomsky é um
dos académicos mais
citados da actualidade.
É considerado o
fundador da linguística
moderna. Tem uma
posição forte sobre
quase tudo e é atacado
à direita e à esquerda.
Define-se como
anarco-sindicalista e
socialista libertário
“D
urante a Grande académico acredita inclusive ser “possível” tos militantes do “movimento ‘Antifa’”: uma apoiam — este é, de resto, um dos dez princí-
Depressão, que te- a realização de outro referendo. “Assumindo amálgama de grupos que combatem o fascismo pios da concentração da riqueza e do poder
nho idade suficien- que [o ‘Brexit’] avança, o Reino Unido tende- através de tácticas de acção directa. A história que o livro/filme atrás citado aborda.
te para recordar, era rá a ficar ainda mais subordinado aos EUA”, do “movimento” remonta à década de 30 do A ocupação indonésia de Timor-Leste, entre
mau... muito pior, enquanto “a Europa poderá ser estimulada a século passado e a participação activa no con- 1975 e 1999, foi um dos primeiros casos em que
subjectivamente, do desempenhar um papel mais independente fronto, tantas vezes corpo a corpo, com supre- denunciou as estreitas relações entre os media
que hoje. Mas havia nos assuntos mundiais”. macistas, nacionalistas e membros de milícias e o poder. Segundo Chomsky, as sucessivas ad-
uma expectativa de Mas essa maior margem de manobra eu- neonazis tem-lhe dado grande notoriedade. ministrações americanas deram apoio militar,
que as coisas iam melhorar. Havia um autên- ropeia só acontecerá se o Velho Continente Cinco dias após os acontecimentos trágicos, financeiro e diplomático ao regime de Suharto,
tico sentimento de esperança. Hoje, não há.” “conseguir ultrapassar problemas internos se- Chomsky dizia à revista Washington Examiner a começar pelo Presidente Gerald Ford, que,
É assim que abre Requiem for the American veros”. E Portugal faz parte desses problemas tratar-se de uma franja minúscula da esquerda com Henry Kissinger como secretário de Esta-
Dream (2015), que reúne as últimas entrevis- que é preciso ultrapassar? Ressalvando não ter e um grande presente para a direita, incluindo do, teria dado luz verde à invasão do Exército
tas de fundo a Noam Chomsky, feitas ao longo um entendimento detalhado da política portu- a direita militante, que estaria exuberante. Na indonésio. Antes da invasão, 90% do arma-
de quatro anos. O filme de Peter Hutchison, guesa, Noam Chomsky afirma que a solução go- opinião do académico, os activistas “Antifa” mento teria sido fornecido pelos EUA. Dois
Kelly Nyks e Jared P. Scott está disponível na vernativa encontrada com a união das esquer- estão mal organizados e o que fazem é muitas anos mais tarde, conta o académico, o Exérci-
plataforma de streaming Netflix e deu origem das, vulgo “geringonça”, “parece estar a correr vezes errado — como quando bloqueiam con- to indonésio já se encontrava numa situação
ao livro Requiem para o Sonho Americano - Os razoavelmente bem, contrastando com muito versações, destroem propriedade ou recorrem de escassez de armas, o que mostra a escala
10 Princípios da Concentração da Riqueza e do do que vai acontecendo no resto da Europa”. à violência física — e genericamente autodestru- dos ataques contra a resistência timorense. O
Poder, que a Editorial Presença lançou em tivo. Quando a confrontação passa à violência, Presidente Jimmy Carter acelerou a circulação
Portugal na última semana. Chomsky, o “antiamericano” continua Chomsky, é sempre o mais duro e o do armamento, processo a que se juntaram
A premissa do documentário-livro é contun- mais brutal a vencer. Grã-Bretanha e França. Outros países lucraram
dente: o sonho americano esfumou-se, já não é Foi na avaliação, quase sempre adversativa, da Apesar de se demarcar das posições de com o assassinato e a tortura dos timorenses,
possível começar do zero e ascender na escala política externa americana que Chomsky mais Donald Trump, que reiteradamente fez equi- acrescenta Chomsky, que, em 1978 e em 1979,
social por via do mérito e do trabalho, e isto se notabilizou. Polemista prolífico, escreveu valer supremacistas brancos a antifascistas, reportou à Assembleia Geral das Nações Unidas
acontece porque nunca antes as desigualdades mais de uma centena de livros. Uma das suas Chomsky passou os dias seguintes à entrevista a situação de Timor-Leste e a falta de cobertura
foram tão profundas. No requiem de Chomsky, teses fundamentais tem mais de meio século: à Examiner debaixo de fogo. Foi comparado ao mediática do genocídio em curso.
a América já não é a terra das oportunidades, o apoio contínuo dos Estados Unidos a regimes Presidente americano e houve quem defendes- Quando, em 1999, a maioria dos timorenses
estando a riqueza e o poder concentrados nas antidemocráticos e a hostilidade perante mo- se que Mitt Romney, empresário e candidato se preparava para votar a favor da independên-
mãos das elites dominantes que representam vimentos populares está em desacordo com republicano às eleições de 2012, era agora mais cia num referendo apoiado pela ONU, Chomsky
1% da população. Resta, pois, aos outros 99% a reivindicação, proclamada pelas sucessivas de esquerda do que Noam Chomsky. “Li muitas voltaria a sacudir a consciência da América.
interpretar este toque de finados como toque administrações americanas, de espalhar a de- críticas delirantes. A algumas delas respondi. A Lembrou que desde a invasão indonésia, em
de despertar das consciências, através de pe- mocracia e a liberdade. Sobre a viragem neoli- essas não vou responder”, confidenciou ao P2. Dezembro de 1975, Timor-Leste tinha sido
quenas acções. beral do capitalismo global, Noam Chomsky diz Depois de ser uma das vozes mais críticas palco de algumas das piores atrocidades da
Chomsky esclarece que as entrevistas reuni- tratar-se de uma guerra de classes, decretada da participação dos EUA na Guerra do Vietna- era moderna e que era tempo de Washington
das no livro e no filme foram as suas últimas a partir do topo, contra as necessidades e os me, de ser preso várias vezes e de constar da retirar o seu apoio a Jacarta. Na sequência da
conversas longas com jornalistas. Quando foi interesses da grande maioria. lista de inimigos do Presidente Richard Nixon, votação pela independência, o Exército indo-
exibido nos EUA, o filme foi muito bem rece- Noam Chomsky é um dos académicos mais mais recentemente Chomsky foi um assumido nésio destruiu grande parte daquela que viria
bido, com salas cheias, críticas favoráveis e citados da actualidade. Professor emérito do apoiante do movimento Occupy Wall Street. a tornar-se a mais jovem nação do mundo e,
ovações públicas. Seguiu-se uma pequena di- MIT — Massachusetts Institute of Technology Em 2012, no mesmo ano em que enaltecia os pela primeira vez, as atrocidades seriam ampla-
gressão em universidades antes da edição em e da Universidade do Arizona, é muitas vezes feitos deste movimento, também apontava o mente divulgadas nos EUA. Mas se as acções de
livro, o que atesta a relevância e o impacto que considerado o fundador da linguística moder- dedo à Presidência Obama, que, para ele, terá consciencialização, levadas a cabo desde muito
este homem de 89 anos continua a ter. na, tendo revolucionado a forma como pensa- atacado liberdades civis numa escala superior cedo por Chomsky, são bem conhecidas, o seu
Feito o diagnóstico do sonho americano, o mos a linguagem, mas também o mundo. Tem à de George W. Bush. Além de Chomsky, os ma- envolvimento financeiro no processo continua
P2 desafiou o académico a olhar para o que se uma posição forte sobre quase tudo e as suas nifestantes que ocuparam o centro financeiro por explicar. Clinton Fernandes, professor aus-
passa do lado de cá do Atlântico, com enfoque perspectivas são atacadas da direita à esquerda. de Nova Iorque tiveram em Gene Sharp outro traliano de estudos políticos e internacionais,
no “Brexit”, na Catalunha e na “geringonça” Chomsky define-se como anarco-sindicalista e intelectual inspirador. com vários livros sobre Timor-Leste e o papel
portuguesa. Numa curta entrevista por email, socialista libertário, é um feroz opositor da po- Nascidos ambos em 1928, um ano antes da Austrália no conflito, lembra que os media
Chomsky sentenciou que é “pouco provável que lítica internacional dos EUA desde a Guerra do do crash bolsista, os pontos de contacto são americanos receberam, na altura, uma ajuda
o referendo na Catalunha conduza a grandes Vietname, o que lhe valeu várias acusações de muitos. Em jeito de elegia — Sharp morreu no inesperada. Chomsky terá pago pessoalmente
mudanças, pelo menos no curto prazo”. De fac- “antiamericanismo”. Muitos dos que sempre se passado dia 28 de Janeiro —, Chomsky contou as passagens de Lisboa para os EUA de vários
to, no início da semana, a viagem de uma delega- reviram nele não lhe perdoam as aparentes (e ao P2 que “Gene Sharp deu contributos funda- refugiados timorenses para que fossem rece-
ção da Esquerda Republicana da Catalunha até mais recentes) guinadas ideológicas. Os enun- mentais e originais para a teoria e a prática da bidos pelos media de grande circulação. Este
Bruxelas, onde se encontra Carles Puigdemont, ciados atrás transcritos poderão encontrar-se não-violência”. O pensamento do antigo profes- envolvimento directo na questão timorense
saldou-se, segundo a imprensa espanhola, em facilmente na cartilha de qualquer movimento sor de ciência política assume “um significado continua envolto em mistério e, quando ques-
tímidos progressos e ainda sem acordo à vista. de esquerda ou de extrema-esquerda. Sendo impressionante e de extrema importância na tionado pelo P2 sobre o assunto, Chomsky vol-
Quanto ao “Brexit”, a situação é ainda muito assim, como se explica a animosidade muitas era perigosa em que vivemos”, acrescenta. tou a não querer desfazê-lo.
nebulosa. O Governo britânico manifestou von- vezes dirigida a Chomsky por alguns dos que Também Gene Sharp, que inspirou a Prima-
tade de abandonar também a União Aduanei- se identificam com aquelas posições? Pouco Os media e o caso de Timor-Leste vera Árabe e os activistas angolanos — que aca-
ra, o que levou o negociador europeu, Michel antes das duas da tarde de 12 de Agosto de 2017, bariam presos por discutirem uma adaptação
Barnier, a avisar que, fora do mercado único em Charlottesville, nos EUA, um supremacista Sobre os meios de comunicação social, Noam de um livro seu sobre transição pacífica para a
europeu, “as barreiras ao comércio, aos bens branco avançou com o carro sobre uma multi- Chomsky tem também um pensamento profun- democracia —, não escapou a suspeitas sobre
e aos serviços são inevitáveis”. Para Chomsky, dão de activistas anti-racismo, matando Hea- damente negativo: são corporações que fabri- as suas verdadeiras motivações e apoio finan-
“ainda está tudo no ar e vai tudo depender ther Heyer, de 32 anos, e provocando dezenas cam consentimento ao serviço dos caprichos ceiro, tendo sido repetidamente acusado de
da forma que o ‘Brexit’ venha a assumir”. O de feridos. Entre os activistas, contavam-se mui- do capitalismo e dos poderes políticos que o pertencer à CIA.
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Entrevista José Graziano da Silva Produzir mais alimentos “não é a prioridade” num
planeta em que a fome “está circunscrita” e a obesidade começa a ser um problema.
O director-geral da FAO e o responsável pelo programa Fome Zero, no Brasil, esteve
em Portugal e deixou uma mensagem: quem alimenta o mundo são as grandes
agro-indústrias e “temos de mudar isso”. A resposta está na agricultura familiar
Por Alexandra Prado Coelho texto e Nuno Ferreira Santos fotografia
“Erradicar
a fome é
muito barato”
O
director-geral da fome está bem circunscrito em três grandes décadas acreditámos que essas respostas
Organização das áreas: os países em conflito, guerra civil, estavam na revolução verde, na agro-
Nações Unidas para etc., como é o caso Iémen e de alguns países indústria, nos avanços tecnológicos.
a Alimentação e a africanos; está localizado em áreas afectadas Neste momento, a FAO alterou a forma
Agricultura (FAO), o pelos impactos do clima, particularmente de olhar para o problema?
brasileiro José Graziano secas prolongadas, como no Leste de África, É verdade. Desde a revolução verde,
da Silva, esteve em muito afectada nos últimos três anos em nos anos 60 e 70 do século passado,
Lisboa para participar regiões como a Somália ou o Quénia; e que o problema da produção tem sido
na reunião de alto nível da Comunidade dos está localizado em bolsões de pobreza, de equacionado de melhor forma que o do
Países de Expressão Portuguesa (CPLP), no miséria extrema, típicos de países não só consumo. Neste momento, a fome não se
final da qual foi assinada a Carta de Lisboa em desenvolvimento, mas também com um explica pela falta de produção de alimentos
pelo Fortalecimento da Agricultura Familiar. desenvolvimento muito desigual. mas sim pela falta de acesso aos alimentos.
É nos agricultores familiares que está a Fora isso, há uma epidemia geral de Não é que não haja produto, não há dinheiro
resposta para os problemas da alimentação obesidade. Por vezes, até na mesma família para comprar o que comer. As pessoas
no mundo, defende José Graziano, que em que há um subnutrido, há um obeso. não têm emprego, têm rendimentos muito
foi o responsável pela implantação do Afecta ricos e pobres e é um problema que baixos, não conseguem ter uma dieta
programa Fome Zero no Brasil. A fome vem da mudança de hábitos alimentares que saudável. Mas sobram alimentos. O mundo
está hoje circunscrita a zonas de conflito tivemos nos últimos 40, 50 anos. Passámos hoje deita fora um terço do que produz,
e de alterações climáticas profundas, pelo da comida feita pela avó ou pela mãe para aproximadamente.
que a obesidade é cada vez mais uma uma comida terceirizada, feita pelos outros, A ideia de que temos de multiplicar a
preocupação. É preciso alimentar uma que não sabemos o que tem. Não sabemos o produção de alimentos não é correcta?
população crescente, sim, mas aumentar a que comemos e isso leva-nos a ingerir muito Não é a prioridade do momento. Sou muito
produção de alimentos “não é a prioridade”, mais sal, açúcares, muito mais gorduras cauteloso ao dizer que não há um problema
afirma o responsável da FAO. O mundo saturadas do que necessitamos. de oferta, porque há. Em lugares muito
alimenta-se mal. “Não sabemos o que Precisamos de recuperar o domínio da localizados, na África subsariana, por
comemos.” alimentação, saber o que comemos, é exemplo, vários países têm um problema
Durante a sua visita referiu-se ao um problema de educação alimentar, de conseguir produzir a quantidade
aumento da obesidade no mundo. É um mas também um esforço por comer de de alimentos de que necessitam para a
problema começa a preocupar a FAO uma maneira mais saudável, mais frutas, sua população, mas não é uma situação
mais que o da fome? verduras, mais produtos frescos e comer generalizada, são problemas localizados em
Eu não diria que preocupa mais. Ele ilustra o mais o que estamos acostumados a comer regiões muito particulares.
problema da má alimentação, que vai desde da nossa cultura, a comida nacional, e não o Temos a tecnologia dominada para
o não comer até ao comer demais. Neste fazer apenas em dias de festa. permitir a produção dos alimentos de que
momento, nos países de renda média e alta A população mundial continua a crescer precisamos, e de alimentos saudáveis. A
preocupa-nos muito mais o problema da e é preciso respostas para alimentar situação hoje é completamente diferente
obesidade do que o da fome. O problema da esse número de pessoas. Nas últimas da dos anos 60 e 70. A revolução c
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
verde cumpriu esse papel de equacionar o Sente que há vontade política para isso?
problema da produção de alimentos. Mas Sendo que ela passa possivelmente
sempre que a gente resolve um problema, por alterações na PAC ou nas políticas
em geral causa outros. e legislações de outros países para
A revolução verde trouxe impactos no meio acomodar esta nova visão?
ambiente, o excessivo uso de químicos, e, Há interesses muito fortes consolidados
sobretudo, essa concentração da produção em torno do actual sistema agro-alimentar.
em alguns alimentos. Hoje temos quatro, Mas também há contradições tão evidentes,
cinco, seis produtos que respondem por como é o caso da obesidade, que se vão
80% do que nós consumimos: o arroz, o impondo a esse poder existente. Já vemos
milho, o trigo, a soja e a batata. Não pode contestações várias, médicos, advogados,
ser. Nós temos 36 mil plantas e animais que agrónomos, economistas que se juntam
fornecem alimentação ao Homem, não para pedir uma alteração desse sistema
podemos estar concentrados em cinco da agro-alimentar existente. Acredito que
maneira que estamos. isso comece a abrir oportunidades de
Hoje a FAO defende o reforço da novas legislações. Portugal está a criar um
agricultura familiar, o que choca com o estatuto da agricultura familiar, um estatuto
poder e os interesses da grande indústria do direito à alimentação, isso tudo são
alimentar. Como é que se consegue progressos que estamos a ver em várias
resolver esse dilema? partes do mundo.
Nós desenvolvemos sistemas alimentares
fortemente concentrados nas cadeias agro-
industriais. Agora quem alimenta o mundo
O caso brasileiro é um exemplo que
tem citado muitas vezes e ao qual está
profundamente ligado. Disse que há
Precisamos Estamos a falar do programa de compras
públicas [com o qual o Estado compra
a produtores locais para abastecer
são as grandes agro-indústrias. Temos de
mudar isso. E é um esforço de recuperação
medidas do programa Fome Zero que
estão a ser revertidas neste momento.
de recuperar cantinas públicas, por exemplo], da
Bolsa Família?
porque a alimentação é parte da nossa
identidade. Eu venho a Portugal e sei duas
coisas fundamentais: primeiro, que vou
Existe o risco de se voltar a situações
anteriores, eventualmente até do
regresso do Brasil do mapa da fome?
o domínio da Todos os programas, a reforma por
tempo de idade e não por tempo de
serviço, um conjunto de medidas que
falar português, segundo, que vou comer
bacalhau, que é parte da cultura e tradição
O Brasil está a passar por uma crise social
muito profunda, uma crise que tem muitas
alimentação, foram implementadas no Brasil e que
levaram à erradicação da fome. É muito
portuguesa mesmo não sendo um peixe
daqui. Alimentação é o que nós somos, o
que a nossa família é, o que a nossa aldeia,
dimensões. Uma delas é a regressão de
uma série de programas sociais que foram
implantados e que garantiram a erradicação
saber o que barato. A comida, de todos os elementos
fundamentais da vida, é a mais barata. Não
é um problema de custo, é um problema de
a nossa região é. Recuperar esse poder de
interiorizar de novo a alimentação, que foi
da fome em menos de uma década. A
persistir essa regressão, sem dúvida cria-
comemos, é prioridade política. Mesmo os mais pobres
dos países podem pôr em funcionamento
externalizada e banalizada, é parte desse
projecto de comer melhor e comer saudável.
Um exemplo bom é a questão das
se uma oportunidade de o Brasil voltar ao
mapa da fome. Mas não acredito que isso
seja uma fatalidade histórica.
um problema programas para erradicar a fome.
Voltando à questão da fome severa,
apesar de se dever sobretudo a conflitos
sementes — as directrizes da FAO
falam da importância das sementes
O Brasil foi o primeiro país nos tempos
modernos a erradicar a fome. Um país de
de educação ou alterações climáticas, ela cresceu nos
últimos dois anos. O que é que levou a
tradicionais, mas a legislação europeia
vai num sentido contrário. Não existe,
entre a Carta de Lisboa que acaba de
mais de 200 milhões de habitantes em
menos de dez anos ter tirado 40, 50 milhões
de pessoas da pobreza extrema, da miséria e
alimentar, mas essa inversão no caminho positivo que
se estava a conseguir fazer nos anos
anteriores?
ser assinada pelos países da CPLP, e as
regras da Política Agrícola Comum (PAC)
da fome. não se reverte isso com facilidade.
O Brasil vai voltar a crescer este ano, o que já
também um Os anos de 2015 e 2016 foram anos atípicos
na série histórica que a FAO trabalha. A
uma contradição?
Hoje já temos implantados em praticamente
todos os países do mundo bancos de
é um sintoma promissor, acredito que esses
direitos conquistados pelo cidadão brasileiro
de comer dignamente serão direitos
esforço por reversão veio sobretudo em África e pelos
conflitos que se multiplicaram, como a
guerra do Sudão do Sul, no Congo, mas
sementes tradicionais, que estão a ser
preservadas, não só localmente mas também
reclamados nas eleições que virão por todos
os movimentos sociais que o Brasil tem hoje comer de uma também na Somália, o impacto das secas na
Etiópia, na Somália, em toda a costa leste
em Svalbard, na Noruega, temos um silo
em que preservamos todas as espécies
do mundo. Há um esforço de recuperar
organizados. Acho difícil o país voltar ao
mapa da fome simplesmente por uma crise
conjuntural.
maneira mais africana em 2015. Em 2016 houve o acentuar
do problema, com o agravar das secas e dos
conflitos.
esse conhecimento ancestral, até porque
dependemos disso no futuro. Com todas
Mas o Brasil conseguiu implementar
todas essas medidas num momento saudável O que eu projecto é que em 2018 exista um
optimismo económico. O mundo deve voltar
as mudanças climáticas, vamos precisar de particularmente positivo da sua a crescer, tanto o mundo desenvolvido como
revisitar todas essas variedades para termos economia. Países mais pobres o mundo em desenvolvimento. Isso gera
sementes mais resistentes à seca, ao calor, conseguirão fazer isso? São medidas que emprego, oportunidades de trabalho, estou
ao excesso de água em algumas regiões. custam dinheiro. optimista que vamos ter um ano melhor
Esse esforço muitas vezes obriga a voltar à Custam muito pouco. Erradicar a fome é do ponto de vista climático, económico, e
origem genética dessas plantas e animais. muito barato. A estimativa no caso do Brasil, se tivermos um ano melhor do ponto de
Isso é parte do desenvolvimento científico que é o programa mais amplo que nós temos vista político, podemos resolver muitos
e a FAO defende que a preservação da hoje no mundo, é que ele custa meio por problemas.
biodiversidade é fundamental. cento do PIB. É muito pouco dinheiro. O que é que o leva a estar optimista
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
“É
minação positiva aos que organizadores, o festival Sangue na Guelra (que mais facilmente um produto em Espanha ou
sofrem uma discrimina- em 2017 lançou o Manifesto para o Futuro da em Itália do que em Portugal porque essa pla-
ção negativa.” Durante Cozinha Portuguesa), a Actuar e a Plataforma de taforma não existe.”
os três dias da sua visita Camponeses da CPLP — no restaurante Prado,
a Portugal, José Graziano em Lisboa, onde estiveram também agriculto- Alguém chamou os consumidores?
da Silva, director-geral da res e chefs de cozinha, que aproveitaram para
Organização das Nações trocar ideias. O tema, provocatório, era “juntar Alexandre Silva, do Loco, também em Lisboa,
Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) a fome com a vontade de comer”. sublinhou a importância da educação nas es-
em relação ao clima? não perdeu uma oportunidade para fazer passar colas e a preocupação com o que as crianças
Temos uma capacidade de projecção até seis a sua mensagem: é preciso ajudar os agricultores Lembrar a Maria Papoila comem. “Quando vivemos num país em que
meses e este ano, por enquanto, os sinais familiares, é preciso alterar a maneira como nos os nutricionistas me dizem que devo comer
do El Niño em África, por exemplo, não são alimentamos. “Flash Gordon tinha uma pílula Cada um pôde falar dos problemas com que fiambre de peru, que é um alimento proces-
tão fortes quanto os do ano passado. Se que o alimentava quando ele viajava. Mas ali- se debate para pôr em prática esta visão da sado, alguma coisa está mal. Eu sei como se
ocorrer, o El Niño não será da magnitude mento não é a pílula de Flash Gordon.” agricultura e da alimentação que é a mesma fabrica fiambre, seja de peru, frango, porco,
e intensidade que tivemos nos dois, três Na quarta-feira de manhã, na Reitoria da Uni- que a FAO defende. Alfredo Cunhal Sendim, fumado ou não, em fornos a lenha como eles
anos anteriores. E também porque os países versidade de Lisboa, no seminário AlimentA- da Herdade do Freixo do Meio, em Montemor, dizem, mas a maior parte das pessoas não sa-
aprenderam. Não é preciso ter uma seca ção, dedicado ao “direito humano a uma ali- lembrou a Maria Papoila. “A Maria Papoila é be.” Quanto ao papel dos restaurantes, frisou
e ter fome. Não se pode evitar a seca, mas mentação adequada através de compras pú- um fenómeno que celebra o abandono deter- a importância de se ser coerente e não se dizer
pode evitar-se que a seca seja transformada blicas e de cadeias curtas agro-alimentares”, minado deste tipo de agricultura. Nós saímos que se tem um restaurante tradicional que faz
em fome se houver políticas sociais falou da sua experiência enquanto ministro da província a cantar ‘não mais voltarei à mi- cozinha portuguesa e depois “fazer carne de
contracíclicas para enfrentar o problema. extraordinário de Segurança Alimentar e Com- nha terra, não mais voltarei àquela miséria’. porco à alentejana em que a carne vem de Es-
Os países aprenderam isso, existe já um bate à Fome no Governo de Lula da Silva, e Havendo muitos elementos de miséria naquela panha e as amêijoas são vietnamitas”.
financiamento do Fundo do Clima que está homem por trás do programa Fome Zero no realidade, a forma como fazíamos agricultura Hugo Brigo, do restaurante Boi Cavalo, le-
acessível a muitos países. Brasil. E deixou algumas pistas. era, no entanto, muito mais assertiva naquele vantou outro problema: “Não estão aqui os
Em Portugal, além dos efeitos das Uma das políticas fundamentais é a das tempo do que a que veio a impor-se depois.” consumidores, não resolve nada estarmos a
alterações climáticas, há a questão da compras públicas, através das quais o Gover- O que o agricultor lamenta é que, com “a sub- falar para um conjunto de pessoas já predis-
desertificação do interior. Acredita que é no passa a abastecer as cantinas escolares, dos jugação da agricultura à indústria”, tenhamos postas a ouvir o que temos a dizer.” O que os
possível reverter esse cenário? hospitais e outras instituições públicas com ali- passado de uma “atitude com 200 mil anos de chefs sentem muitas vezes, disse, é que “falta
Portugal é um bom exemplo, que agora mentos comprados aos agricultores familiares cooperação, de entendimento com a natureza, massa crítica”. E deixou perguntas: “Como é
começa a legislar e a monitorizar. Nós e de proximidade. “Cria-se renda que circula para um domínio, passámos de maestros da que se passa a ideia de que o que temos, em
estamos a furar o planeta em muitos lugares no município e que leva a um circuito virtuoso natureza para carrascos da natureza”. Segundo termos de produção agrícola, paisagem agrí-
para tirar água, mas isso não pode acontecer. de desenvolvimento local.” Cunhal Sendim, foi esta mudança de modelo cola e cultura gastronómica, é estimável e vale
Um dia essa água armazenada no subsolo Contou também como, a certa altura, quis que levou a que hoje “dois terços do nosso país um pequeno aumento de preço? Como é que
acaba, precisamos fazer um melhor uso dela. perceber como se elaborava a informação nu- esteja abandonado, a criar cargas combustíveis se volta a seduzir o público para ideias de sa-
As tecnologias hoje existem, pode-se irrigar tricional que vem nas embalagens e descobriu — e ele arde, e vai arder, não tem outra hipótese zonalidade, dizendo que é melhor comer bons
com muito mais eficiência, existe a técnica algo que o surpreendeu: “A análise nutricional enquanto não mudarmos isso”. Com o abando- morangos em menos ocasiões quando nos ha-
gota a gota, que usa mil vezes menos água do nosso feijão era feita a partir de um feijão no da agro-ecologia, concluiu, deixámos de ter bituámos a ter tudo, todo o ano a toda a hora? E
que a de inundação. É uma tecnologia que do México. Então, fiz um contrato com uma “um jardim à beira-mar plantado” para ter “um como se faz isso sem parecer que moralmente
está disponível e tem de ser implementada, universidade para analisar todos os produtos pinhal meio ardido à beira-mar plantado”. estamos num plano superior, sem hostilizar
tem de se proibir a rega por inundação. do Brasil porque o conteúdo calórico e nutri- Os cozinheiros e chefs de cozinha têm um este público? Porque o que nós vemos é que
Para isso, é preciso financiar os agricultores, cional varia de região para região.” É muito papel importante aqui porque podem comprar ninguém quer que lhe digam como deve viver
principalmente os mais pobres, os importante que exista uma “política da dieta aos produtores de proximidade, podem valo- ou fazer as coisas.”
familiares, para que possam aceder a essas saudável”, sublinhou. “Há refrigerantes em rizar alimentos que eram desvalorizados (por Precisamente porque as perguntas são mui-
tecnologias. É aí que estamos, um passo que 40% da composição é açúcar e que eram exemplo, a bolota que Cunhal Sendim come- tas, os pontos de vista diferentes e os desencon-
pede outro, mas estamos caminhando distribuídos na merenda escolar.” çou a recuperar no Freixo do Meio, dando-lhe tros frequentes, Francisco Sarmento, responsá-
na direcção certa. Portugal é um grande “Juntar a fome com a vontade de comer” diferentes utilizações). vel pelo gabinete de FAO em Portugal, deixou
exemplo, hoje, de como usar as directivas Para que as políticas funcionem, o debate tem O problema, explicou Henrique Sá Pessoa, uma sugestão: que os chefs se sentem à mesa
da PAC para ajudar os menos favorecidos, de ser alargado (no Brasil são muitos os grupos chef do restaurante lisboeta Alma, é a falta de que o Ministério da Agricultura está a organi-
os mais pobres, fazendo uma discriminação da sociedade civil que fazem parte). Por isso, redes de contacto. Como é que se estabelecem zar com representantes de outros ministérios
positiva para superar a diferença que existe. na sua agenda muito apertada, José Graziano essas redes, em que o chef sabe onde procurar e da sociedade civil (através da organização
da Silva ainda encontrou tempo para, segun- o produtor que tem o que ele precisa e o pro- Realimentar) e se juntem ao debate que está
apc@publico.pt da-feira à noite, participar num jantar — uma dutor sabe como fazer chegar os seus produtos agora a começar. A.P.C.
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Infograma
Raquitismo
Milhões de pessoas
14,7%
900
154,8 milhões de crianças com menos
de 5 anos sofrem de “crescimento
atrofiado” 14,2%
777 815
22,9% das crianças com mesma idade Prevalência
da subnutrição
41
1 milhões de
11%
crianças com
11,5%
em menos de 5 anos 10,8%
têm excesso
4 de peso
2000 2015 2016 2016 2016 2000 2004 2008 2012 2016
Fonte: The State of FoodSecurity and Nutrition in the World 2017, FAO. Nota: Os números relativos a 2016 são estimativas da FAO
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Um continente
em guerra
Tipo de conflito:
Milícias comunitárias Conflitos
Insegurança alimentar Forças governamentais reportados
grave Rebeldes
por sub-região
Milícias políticas 800
600
12,2% 400
Norte de África 200
1
12,6%
Ásia Central
29,4% e Sudoeste
Asiático
África
Subsariana
PÚBLICO
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Carnaval é sátira?
Aqui vai a minha
Brincadeira
Naquele Carnaval,
o tio Manuel fez-se
à estrada com o
sobrinho Adriano
e foi passar o fim-de-
-semana largo a casa
do irmão, na zona
de Aveiro. Acabou
a servir de modelo,
ao projecto pessoal
do fotojornalista do
PÚBLICO
A
driano nunca gostou do ficiente para as birras ainda fazerem parte do desculpa para apontar a máquina. “Andava
Carnaval. “Já temos muitas seu leque de reacções aceitáveis. “Quando me sempre a cravar a família e os amigos para os
máscaras todos os dias”, de- tentaram enfiar aquilo, peguei o touro de caras: fotografar”, conta. Naquele fim-de-semana
sabafa. A antipatia do foto- fiz uma birra tal que não conseguiram pôr- grande de Carnaval, de visita a casa dos pais,
jornalista do PÚBLICO por me dentro do fato. Nunca gostei do Carnaval, comprou uma série de máscaras e lá começou
esta data não é de hoje, nem nunca.” a pedinchice do costume. A mãe, o pai, a avó,
sequer de ontem. Lembra- Mas do que Adriano Miranda gosta (e gos- o amigo Rui, a prima Alexandra deixaram que
se de, lá em casa, na zona de tava já muito em 1994, quando estas imagens ele os guiasse por esta sátira privada em que
Aveiro, a família lhe alugar um fato de toureiro foram feitas) é de fotografar. Há 24 anos, ain- estão e não estão mascarados.
que seria a sua primeira máscara. Não sabe da estudante do Ar.Co — Centro de Arte e Co- É só um ocultar do rosto, que muda tudo.
quantos anos tinha, mas era pequenino o su- municação Visual, em Lisboa, tudo servia de Não sabemos se, por baixo daquelas caranto-
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Verão no Inverno
Mas tu tens a
certezade que as
fotografias foram
tiradas no Carnaval?
A tua mãe está de
fato de banho em
pleno Fevereiro,
devia estar frio... “Fui
eu que lhe pedi”,
ri-se Adriano. E ela
acedeu, como fazia
sempre
nhas de plástico, há sorrisos ou a vontade de uma — desde que Adriano não se esquecesse a ser uma sátira agora. Mas é também um bi-
que aquilo acabe depressa. “Ó mãe, veste lá de rodar o filme, caso contrário, estava sempre zarro e algo melancólico álbum de família,
um fato de banho. Ó pai, põe-te aí em cima a fotografar em cima do mesmo fotograma. E povoado, aqui e ali, pelos que já morreram. É
da Vespa. Rui, pára de trabalhar no carro que há uma sobreposição de três imagens neste um Carnaval sem o ser, sem lantejoulas nem
ambos estamos a desmontar e põe esta más- trabalho de 1994 que é a prova disso mesmo. colorido. A antifesta privada de um estudante
cara. Ó Preto, que bom que decidiste passar Não foi qualquer tentativa de criação artística. de Fotografia com uma máquina perfeita para
mesmo em frente à senhora Conceição quan- “Esqueci-me de rodar o filme”, ri-se Adriano. explorar. É uma parvoíce. É Carnaval. É uma
do disparei.” E as imagens quadradas da Lu- Como tantos outros trabalhos, este esteve recordação. Tal qual como a Lubitel que foi
bitel, uma máquina russa que era vista quase esquecido numa gaveta até ter sido agora to- emprestada a um colega e ainda não voltou
como um objecto de culto entre os estudantes cado pela lembrança (e renovado interesse) a casa. Já agora, importas-te de a devolver? É
de Fotografia de então, iam surgindo. Uma a do autor. Era uma sátira há 24 anos, continua Carnaval, não leves a mal.
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
A Morte que ri
• Praticamente todos os retratados neste conjunto de
imagens participaram em mais do que uma pose ou uma
paródia. Conceição, que também já morreu, aparece
aqui com a máscara que na fotografia favorita de
Adriano está no rosto da irmã, Rosa. Pá na mão, máscara
de uma Morte sorridente, é difícil imaginar a expressão
que terá por trás da máscara. Tivesse o gato Preto
saltado à frente dela e teria feito as delícias do fotógrafo
S
e na frenética corrida da
invenção de mecanismos
dotados de uma cada vez
mais sofisticada inteligência
artificial não se tiver em conta
“a compaixão e a empatia
pelas pessoas”, “a coisa pode
correr muito mal”. O alerta é
de Beth Singler, antropóloga e investigadora
associada do projecto Human Identity in
an Age of Nearly-Human Machines, no
Instituto Faraday para a Ciência e Religião
da Universidade de Cambridge, onde
explora as implicações sociais e religiosas da
inteligência artificial e da robótica.
No processo de conceber inteligência
artificial, aprendemos sobre a nossa
própria inteligência?
Claro que sim. Por vezes instala-se uma
imensa estranheza quando nos deparamos
com um robô, um ser sintético ou um
avatar virtual. Parece humano, não o sendo
exactamente. Nesses momentos, é como
se olhássemos do outro lado do espelho
e conseguíssemos perceber onde estes
modelos falham. Quando nos comparamos
com os fracassos das máquinas que tentam
ser humanas, a nossa dimensão humana
adquire outros significados. Vimos isso com
Sophia, uma robô da Hanson. Este andróide,
uma recriação do ser humano, não foi bem-
sucedido por vários motivos. Mas só o facto
de existir diz-nos muito sobre o que achamos
que significa ser-se humano.
E qual é a sua opinião sobre Sophia?
É um exemplo interessante de uma
manobra publicitária. Muitas vezes a
imprensa trata-a como sendo uma pessoa
— e podemos chegar a um ponto em que
“Trabalhamos para
teremos de pensar nestas identidades como
pessoas e ter de incluir no nosso círculo
social formas de vida sintéticas. Ainda não
chegámos a esse ponto, mas a forma como
Sophia fala faz com que assumamos que
ela é como uma pessoa. Recentemente, foi
considerada cidadã da Arábia Saudita, o
que as máquinas
que é problemático por vários motivos. Em
parte por causa da forma como as mulheres
são tratadas na Arábia Saudita. Sendo ela
um robô de aspecto feminino, está a ter
mais reconhecimento e mais autoridade do
que as mulheres que já lá vivem. Por outro
a fazer mal”
entrar nos EUA. Ela chegou numa caixa.
O pedido de direitos para os robôs surgiu
agora, com gente a perguntar se este robô
devia ter direitos associados à sua cidadania.
E esta questão só se levantou por causa de
uma tecnologia de conversação que permite
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
a Sophia entrar em diálogo com os humanos. muito debatido na comunidade científica. armas autónomas letais, os drones com arqueóloga e ‘ela’ parte em aventuras”
Isso não significa que ela tenha o mesmo Não existe consenso sobre a criação de inteligência artificial independente dos e todos compreendemos. Mas também
nível de identidade, cognição ou inteligência máquinas conscientes, mas há quem queira humanos ou as questões relacionadas com temos a noção de que “ela” é uma coisa,
do que algumas espécies de animais, às quais que a pesquisa em inteligência artificial siga vigilância e privacidade. A quem pertencem um personagem num jogo de computador,
ainda não concedemos quaisquer direitos. nesse sentido. E aí a questão da dor terá de os dados de que a inteligência artificial não possui género, a não ser no contexto
É uma situação complexa, mas, resumindo, ser pensada. necessita? Será que aceitamos cedê-los? da narrativa. Penso que será possível falar
diria que Sophia não passa de uma manobra Qual é a sua posição? Temos aqui um mundo de questões éticas. informalmente sobre Sophia e dizer “ela
publicitária. Sobre desenvolver máquinas conscientes? E, por outro lado, queremos perceber foi a Las Vegas, esteve aqui e falou com um
É autora de uma série de curtas- Creio que o maior problema é parecer que como podemos fazer máquinas “boas”, no repórter”. O que terá mais que ver com o
metragens. A primeira, Pain in the lá chegámos antes de efectivamente termos sentido de máquinas que optam pelo bem. nosso à-vontade com a linguagem ou como se
Machine, pergunta se as máquinas chegado. A ficção científica aborda isto Pensamos em modos de fazer “alinhamento sentíssemos que é indelicado referirmo-nos
podem ou devem sentir dor. Será que de várias formas: o teste da empatia em de valores”, um termo técnico na área da a uma entidade que se apresenta com forma
devem? Blade Runner (1982), por exemplo. Coloca- Inteligência Artificial, para garantir que os humana, como sendo uma coisa, apesar de,
Foi uma questão com que me deparei no se o mesmo problema na série televisiva objectivos de uma qualquer inteligência tecnicamente, ela ser uma “coisa”. Essa foi
início da minha abordagem a estas matérias. Humans (2015). Mas nós nem sabemos ao artificial não entram em linha de conflito a minha posição no debate. Outros foram
Pensei que uma curta-metragem seria uma certo se os humanos têm consciência, ou com os seres humanos. Trabalhamos para muito assertivos: “Tem de se tratá-la por
boa forma de a analisar, porque não só nos o que é a consciência humana. Podemos que as máquinas, num cenário em que se ‘coisa’.” Isto porque assim que começarmos a
permitiria entrevistar especialistas com cair no solipsismo de assumir que só nós tornem agentes independentes, não nos pensar nela como “ela”, estaremos a permitir
um vasto conhecimento sobre a dor e a temos consciência e todos os demais são venham a fazer mal de maneira intencional. que as máquinas nos convençam de que são
tecnologia, como também incluir elementos apenas zombies convincentes que fazem a Quando fala sobre “máquinas aquilo que não são realmente.
da ficção científica, que representa este tema sua vidinha. Se não podemos ter a certeza empáticas” ou “máquinas boas”, Bom, para começar têm uma voz, que é
com frequência. Usámos várias passagens de de que os humanos são conscientes, não sei podemos também falar de “anjos” ou ou masculina ou feminina.
filmes, entre elas, uma de O Exterminador se algum dia viremos a saber se as máquinas “seres” compassivos? É verdade. As que falam connosco têm,
(1984) que refere a dor emocional. (“Dói-te têm ou não consciência. A aparência de Podemos traçar paralelismos interessantes normalmente, uma voz aguda. Mas há uma
quando levas um tiro?”, pergunta o jovem consciência — como foi o caso de Sophia, com a forma como os anjos e os demónios linha ténue entre a voz de mulher e a voz de
John Connor. “Sinto ferimentos, os dados capaz de ter uma conversa e de dizer coisas eram vistos no século XVII. John De era criança. Não é claro o que se pretende, mas
podem ser chamados ‘dor’”, responde espontâneas que soam relevantes — leva- um mago na Inglaterra e pessoas como penso que se aposta mais na voz de criança,
o Terminator.) Este tema é provocador nos a pensar que ela já tem uma identidade ele criaram tecnologias para convocar que é fofa, do que na de mulher. Mas há
e, na altura, as pessoas envolveram-se, que se assemelha a uma consciência. Esta anjos e demónios que cumprissem a sua formas andróides com géneros bem definidos
deram opiniões. Obtivemos não só os questão surge antes de estarmos preparados vontade. Naturalmente, nada aconteceu. e que têm um aspecto muito feminino.
dados demográficos de quem viu o filme, para ela. Mas eles acreditavam que, se o código E frequentemente as representações de
mas também as respostas por escrito a um Se fosse programadora e tivesse não fosse bem escrito, as coisas poderiam inteligência artificial na ficção científica e na
inquérito que o acompanhou, informação ferramentas para implementar uma correr mal. É assim que vemos também um cultura popular têm uma forma feminina.
que tem sido muito útil para perceber o emoção relacional num ser sintético, pouco a inteligência artificial (IA). Se não A assistência por inteligência artificial tem,
que as pessoas comuns, fora do meio da a que daria prioridade: paixão ou escrevermos o código de maneira adequada, regra geral, uma voz feminina.
tecnologia, pensam sobre estes temas. compaixão? se criarmos a IA de modo a que esta aprenda Como a Siri, da Apple, e a Alexa, da
Existe uma diferença entre dor Compaixão. Sem dúvida. Paixão pode as coisas erradas, esta poderá destruir-nos. Amazon.
emocional e dor física. Sentimos dor ser um sinónimo de ambição, o que, sem Existem exemplos históricos e mitológicos ... ou a Cortana, da Microsoft. Há motivos
física e aprendemos a proteger-nos, compaixão, pode ser perigoso. É o que disso: Vulcano ou Hefesto, o deus grego que claros para que assim seja. No fundo, é voltar
mas qual é o papel formativo da dor verificamos nos avanços tecnológicos, criou uma enorme estátua de um homem de ao conceito de que as mulheres são servis
emocional, se existe algum? sobretudo em grandes empresas que ferro que se podia mover, chamada Talos. E e fornecem o tipo de auxílio gentil que os
Um dos entrevistados em Pain in The começaram por se esforçar por ser éticas, existia o conceito dos oráculos e das cabeças clientes desejam. Na realidade, alguns destes
Machine foi Ewan St. John Smith, um mas que se desviaram desse caminho de bronze que respondiam a perguntas, mas assistentes possuem diferentes tipos de voz,
neurofarmacologista especializado em quando o capitalismo entrou em cena. Creio que eram artificiais, tal como o Golem da incluindo vozes de homem, mas por defeito
dor do Departamento de Farmacêutica que o lema original do Google é Do No Harm mitologia judaica. Estas ideias regressaram apresentam a voz feminina ao cliente. E tudo
da Universidade de Cambridge. Uma das (“Não fazer mal”), mas temos visto práticas agora e assumiram formas diferentes, mas isto diz muito sobre os conceitos de género.
questões que surgiram nas nossas conversas bastante questionáveis, sobretudo por parte moldaram a maneira como encaramos a Como define a relação entre ciência e
foi a de que a dor imediata nem sempre das empresas por detrás das redes sociais. tecnologia moderna. O impacto destas ideias religião?
leva à emoção imediata, mas a dor crónica Se não tivermos compaixão e empatia pelas é muito importante no nosso imaginário. A Ambos os campos definem a maneira
está, sem dúvida, ligada a uma experiência pessoas — levarmos adiante ideias que as não analogia com os anjos e os demónios surge como existimos enquanto humanos. Não
emocional. Se criássemos robôs capazes de têm em conta —, a coisa pode correr muito frequentemente na imprensa, como quando tenho a certeza se algum dia viveremos
reagir a estímulos negativos rapidamente — o mal. A seguir, depois de implementada a se refere que Elon Musk investiu imenso num futuro totalmente secular, como hoje
que seria benéfico —, abriríamos caminho a compaixão, passaria à alegria. A prioridade dinheiro para enfrentar o “demónio” da se anuncia. Mas creio que a maneira como
situações de dor crónica. Se qualquer coisa seria não fazer mal e, a seguir, se essa inteligência artificial. historicamente temos visto ciência e religião,
ficar danificada, quanto tempo demora máquina fosse capaz de passar por estados E quanto ao género? Como devemos como compatíveis ou como antagónicas, é
a ser reparada para que essa sensação emocionais, seria fundamental que fosse tratar estes robôs/andróides? Ele, ela, muito significativa. Estamos numa fase em
desapareça? A vivência da dor crónica capaz de sentir alegria e entusiasmo perante “coisa”? que cada vez mais as entendemos como
implicaria forçosamente uma emoção? as maravilhas do mundo. Participei recentemente num debate em forças opostas. Penso que estabelecer um
Há quem argumente que a consciência O seu terceiro filme será sobre o conceito que se discutiram muito as questões de diálogo entre estas duas áreas de interesse e
tem por base tanto a capacidade de sofrer de “bem” nas máquinas... género. A minha posição é a de que existe de relato histórico humano — a ciência tem
como a de estar livre de sofrimento, donde, Perguntamo-nos como podemos usar as uma diferença entre a natureza física da as suas histórias e a religião também — é
se seguirmos em direcção a máquinas máquinas positivamente. Começando máquina e a narrativa à volta da mesma. muito necessário.
hipoteticamente conscientes, será inevitável pelas questões éticas mais óbvias que são Se falarmos sobre o jogo de computador
considerar a questão da dor. Este ponto é suscitadas pela inteligência artificial, as Tomb Raider, diria “Lara Croft é uma Realizadora
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Media&Tecnologia
Televisão Tecnologia
Viciante e sem culpa
O criador de Sete Palmos Da minha janela em Alfama (Lis-
Semana de lazer
Música
Linda num ringue só seu
Acabados de sair do ringue de concertos-duelos que foi a digressão Rumble in LISBOA Lux Frágil
the Jungle, partilhada com The Legendary Tigerman, os Linda Martini fazem-se Dias 15 e 16 de Fevereiro, às 23h.
à estrada sozinhos para exibir o recém-lançado álbum homónimo. Servido pelo Bilhetes a 12€
single Gravidade, contrasta pela crueza com a relativa polidez do antecessor,
Sirumba. Estão esgotados os bilhetes para a data dupla de arranque, em Lisboa,a,
mas ainda os há para as próximas paragens: Arcos de Valdevez (17), Porto (23),
Lousada (24), Ílhavo (3 de Março), Loulé (9) e Castro Verde (10).
lazer@publico.pt
Dia de ficar
Dia de sair
Sombras Livre M16. 15h, 17h30, 22h 19h10, 21h30 Maze Runner: A Cura Mortal M12. 18h50 12h40, 15h30, 18h20, 21h, 24h; Verónica
Jogos
Quem terá liquidado o rei dos queijos? Figueiredo, Ldª - R. de Cedofeita, 132 - Tel. 223395330
Dinis - R. de Matias de Albuquerque, 247 - Tel.
225899680
Vila Nova de Gaia - Serviço Permanente
Vamos concluir a primeira prova conseguir acabar o nome, ou o que ele
Desafios desta época, publicando a parte II, um
problema de escolha múltipla:
queria escrever era mesmo aquilo? Ou
seria o caso de estar a dar uma resposta
Avenida - Av. da República, 294 - Tel. 223754761
Ferreira - R. do Barão do Corvo, 270 (Coimbrões) - Tel.
223750271 Paes Moreira (Canelas) - R. da Rechousa,
Partilha desequilibrada Original de RUI LOPO todos eles e nada de significativo foi B (Celas) - Tel. 239482067 Paiva - Rua Luis A. Duarte
Santos, Lote 9 Loja 3 - Vale das Flores - Tel. 239781044
Assim que o agente da polícia entrou revelado. Todos eles estavam chateados Braga - Serviço Permanente
na sala, viu em cima da mesa uma folha com o empresário, cada qual com os Lima (São João do Souto) - R. dos Chãos, 162/6 - Tel.
Quatro irmãos receberam, de uma de papel virada para uma cadeira vazia, 253262384
seus motivos, mas nenhum parecia ter Outras Localidades - Serviço Permanente
visita que lá foi a casa, um pacote de com uma palavra: SIM. motivos para o matar. Afinal, cada um Águeda - Amaral Aguiar da Beira - Dornelas , Portugal
rebuçados. No outro lado da mesa estreita, estava Albergaria-a-Velha - Oliveira (Ribeira de Fráguas)
deles precisava que a vítima estivesse
– Vou tirar um quarto dos rebuçados o corpo da vítima, um industrial de
Alfandega da Fé - Trigo Alijó - de Favaios (Favaios)
cá para obter aquilo que queria! Até , Espirito Santo Ldª (Sanfins do Douro), das Tílias
mas, como sou a mais velha, fico queijos e manteigas, muito conhecido (Vilar de Maçada) Almeida - Cunha , Moderna (Vilar
o “camone” que veio para sacar um
com mais três – disse a Ana. também por ter grandes rebanhos que Formoso) Amarante - São Gonçalo Amares - Marques
segredo “milagroso” ao seu antigo Rego (Ferreiros) Anadia - Central (Ancas/Paredes do
– Sendo assim – avançou lhe davam as matérias-primas para colega, não adiantava nada com a sua Bairro) Arcos de Valdevez - Torres Arganil - Moderna
logo o Bruno, – como sou o fabricar produtos que todos diziam Armamar - Batista Ramalho , Lúcio Arouca - Santo
morte… António (Stª Eulália - Arouca) Aveiro - Saúde (Glória)
segundo, vou tirar um terço únicos e especiais. Estava sentado na Para si, agente experiente, era nova a Baião - Queirós Cunha (Campelo) , Rocha Barros
dos restantes e mais dois. cadeira oposta à vazia e o seu tronco (Eiriz) Barcelos - Oliveira Boticas - S. Cristovão
situação. Sempre tivera um suspeito
– Ah, bom – disse o estava caído sobre o tampo, com o Bragança - Confiança Cabeceiras de Basto - Moutinho
mais ou menos óbvio, mas agora não Caminha - Beirão Rendeiro , Brito (Vila Praia de Âncora)
Carlos. – Nesse braço estendido na direcção da folha Cantanhede - Marialva Carrazeda de Ansiães - Rainha
tinha nada. Certamente que o seu
caso fico com de papel. Entre os dedos, um pequeno Carregal do Sal - Abreu , Ramos (Cabanas de Viriato)
amigo de longa data e inspector da Castelo de Paiva - Adriano Moreira , Pinho Lopes
metade dos lápis, com o qual (confirmou-se Judiciária, ia deslindar a situação, (Oliveira do Arda), Marques Lopes (Santa Maria de
que sobram e posteriormente) escrevera a estranha Sardoura) Castro Daire - Gastão Fonseca , Matias
rapidamente. Era nestes pormenores Pereira (Mões), Costa (Parada de Ester) Celorico
mais um. anuência. que sentia as suas deficiências de da Beira - Barreiros Celorico de Basto - Alves Dias
A Diana, O agente fez a análise de todos Chaves - Barroso Condeixa-a-Nova - Conimbriga (Ega)
investigação, que sempre impediram a
que é a os elementos que constavam na Espinho - Conceição Esposende - Gomes Estarreja
sua entrada na polícia dos seus sonhos - Campos Fafe - Moura Felgueiras - Sta. Quitéria
mais nova, pequena divisão, não encontrando Figueira da Foz - Saúde (Buarcos) Figueira de Castelo
e o mantiveram onde está…
não teve nada de significativo. Aparentemente Rodrigo - Bordalo Fornos de Algodres - Central
O seu amigo inspector sorriu durante Freixo de Espada à Cinta - Guerra Góis - da Serra
hipóteses o “queijeiro americano”, como era um momento breve e não perdeu (Alvares) , Coroa, Frota Carvalho (Vila Nova do Ceira)
de escolha, conhecido por ter vivido emigrado Gondomar - Sousa Reis (Pedouços) Gouveia - Patrício
tempo em lhe dizer: , Central (Melo - Gouveia), Albuquerque (Moimenta
ficou com durante décadas nos Estados Unidos, - Meu caro, andas à procura de um da Serra), Pedroso (Vila Nova de Tazem) Guarda -
os oito que no Estado que mais produzia manteiga Teixeira Guimarães - Vitória Ílhavo - Branco (Gafanha
bom motivo, mas não o saberás se o
restavam. e queijos, teria morrido de ataque da Nazaré) Lamego - Senhora dos Remédios Lousã -
responsável pela morte to não disser! Torres Padilha (Serpins) Lousada - Ribeiro S.A Macedo
Quantos cardíaco, mas a autópsia veio mostrar de Cavaleiros - Moderna Maia - Agra (Milheirós)
Andas à procura de uma prova, mas
rebuçados tinha que tinha marca de uma picada no Mangualde - Beirão (Chãs de Tavares) , Nogueira
pode não haver nada para descobrires. (Santiago de Cassurrães) Manteigas - Bráulio Monteiro
o pacote? braço direito e que um veneno lhe tinha
Sá tens um morto, envenenado, Marco de Canavezes - Cabanelas (Fornos) Mealhada
sido ministrado, que lhe foi paralisando - Miranda, Suc. Meda - Pereira Melgaço - Gonçalves
uma folha de papel com três letras (Castro Laboreiro) , Durães, Vale do Mouro Mesão Frio -
os movimentos até á sua morte.
apenas e uma decisão para tomar… O Ferreira Mira - Pisco Miranda do Corvo - Lima Natário ,
Interrogou a empregada que fazia Borges (Semide - Miranda do Corvo) Miranda do Douro
responsável pela morte foi:
as tarefas da casa e cozinhava para a - Miranda (Mirando do Douro) Mirandela - Central
A- SIMMER; Mogadouro - Nova Moimenta da Beira - Ferreira ,
O desafio proposto na semana passada foi o seguinte vítima. Ela não se apercebeu de nada César (Leomil) Monção - São Pedro Mondim de Basto
B- SIMAS
de anormal nesse dia e referiu que - Oliveira Montalegre - Canedo Montemor-o-Velho
Jogos
Disposição regular e metódica. VERTICAIS: 1. Ovo, Memorar. 2. Leitor, Lema. 3. Irra, Atacar. 4.
Existes. 8. Ocasião. Linguagem. 9. Porto Santo
Atar com nós. Aparelho com que Olaia, Iole, 9. Recato, Zero, 10. Ama, Olé, Mar, 11. Raro, Áspero.
13º 17º
se dirige embarcação ou avião. 10. Ervoso. 4. Tara, Dedal. 5. Mo, Reza. 6. Era, Hum, Rio, 7. Tlim, Tu, 8. 18º
Banca. Repetir. 11. Amachucou. HORIZONTAIS: 1. Olimpo, Gema. 2. Ver, Ido, Nem. 3. Oira,
Discurso. Solução
Funchal
2-3m
1m 18º 13º 19º
Estar bem
Crónica
Para aqueles
C
hamava-se para reencaminhar a conversa. aplicações muito recomendadas
Teresa e nascera “Pois, são umas pedritas depois, estava confirmado que
em Espanha,
portanto ele
empilhadas, são”, concordou
o seu homem. Estavam dois velhos, ela a inaptidão tecnológica não lhe
permitiria cumprir a operação
imaginou-a
Teresa
factualmente correctos. Pedras.
Restos gastos e indefinidos do espanhola já com sucesso. Largou o telemóvel
espertalhão e olhou novamente.
sibilada com que ficou de um há muito, muito Viajou para o tempo em que as
“s” feito “z”. distante. Marcas do tempo que alentejana, ele pedras e curraizitos da Teresa
Rapidamente percebeu o engano. a humanidade deixou antes de com “s” eram casa de pessoas
Por Mário Lopes Como o sotaque era alentejano,
sem mácula e sem qualquer
seguir em frente. Para aqueles
dois velhos, ela espanhola já
português com muito vivas e invejou-as por,
ao contrário de nós, tornados
vestígio de castelhano, ficou
mesmo Teresa (com “s”). Foi
alentejana, ele português com
muita Espanha vivida e galgada,
muita Espanha míopes pelas maravilhas
eléctricas da civilização, terem
ela que lhe disse, apontando
o caminho perdido entre a
nada significavam. Para eles,
o tempo era o tempo e aquele
vivida, nada podido contemplar um céu cheio
e completo, estrela a estrela,
vegetação, que, sim senhor, já
tinha ido ver aquilo. Não fazia
passado não tinha futuro. Afinal,
pedras são pedras e, ali, havia
significavam. noite após noite.
A seu lado, num corpo de
sentido que, de há uns anos para
cá, tanto caminhante turista
delas por todo o lado. Despediu-
se o caminhante e, jovem como
Para eles, o mulher, uma barriga crescia com
vida dentro. Recordou os velhos
vindo sabe-se lá de onde falasse
daquilo e ela não o conhecesse -
os velhos, não subiu para ver
o castro.
tempo era o e as pedras que eram só pedras.
Quando olhou novamente aquele
assim sendo, há uns tempos lá se
metera a caminho.
Muitos anos depois, lembrou-se
dos velhos enquanto contemplava tempo e aquele céu que é o dele, o das estrelas
possíveis neste presente com
Era precisamente “aquilo” o
que ele queria ver. Um castro do
um céu nocturno. De telemóvel
inteligente nas mãos, todo passado não futuro, já não invejava os antigos.
Desde lá longe no tempo, no
tempo dos celtiberos, portal para
os imaginar a eles, para sonhar
armado em modernaço,
apontava-o ao firmamento, tinha futuro. castro, um homem contemplava
o céu completo enquanto, a seu
comerciantes fenícios a subir o
rio para lhes revelar mais mundo,
tentando ler numa aplicação
muito recomendada online os Afinal, pedras lado, uma barriga crescia com
vida dentro. Mais abaixo, não
para imaginar os romanos que planetas, estrelas e constelações muito longe, dois velhos curiosos
chegariam depois com a sua
civilizada globalização. “Aquilo”
agrupados no tecto celeste. Três são pedras vinham subindo o monte.
JON NAZCA/REUTERS
era o que procurava.
“Eu só vi lá umas pedras,
uns curraizitos”, exclamou a
Teresa, amparando a mão na
anca para que o peso do corpo
não caísse sobre o joelho que já
não lhe permitia as caminhadas
de outrora, nem a que fez para
descobrir o que raio andavam os
passeantes a procurar na serra lá
em cima, nem certamente as do
tempo em que o contrabando era
o arriscado sustento da família.
“Mas olha que há quem goste de
ver as pedras”, atalhou o homem
dela, enxada ao ombro, o mesmo
ombro que, quando ele era
novo, aguentava sem dificuldade
carregar 40 quilos até bem para
lá da fronteira, caminho feito
serpenteando entre as árvores,
ele em bando com os irmãos de
Teresa de forma a camuflar dos
olhos da polícia o ilícito legal,
mas moralmente inatacável.
Enquanto o seu homem
contava as peripécias de outrora,
Teresa, agitada, interrompeu-o.
Aquilo afligia-a, não lhe entrava
na cabeça. “Umas pedras, uns
curraizitos”, repetiu então,
mlopes@publico.pt num sussurro forte o suficiente
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.