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JAN/JUN 2008 1

FORTALEZA — CE
ANO 1 – VOL. 1 – NO 1 – JAN-JUN – 2008
2 JAN/JUN 2008

AVAL
REVISTA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Ano 1 – vol. 1 – nº 1 – JAN-JUN – 2008

Publicação com o apoio do Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas – MAPP/UFC, do Núcleo Multidisciplinar de Avaliação de
Políticas Públicas – Numapp/UFC e do Banco do Nordeste do Brasil (BNB)

Editores (permanentes): Inácia Satiro Xavier de França-UEPB Produção editorial e gráfica


Lea Carvalho Rodrigues Joana Domingues Vargas-UFMG Editora Arte Escrita
Luiz Antônio Maciel de Paula Jose Borzacchiello Silva-UFC
Projeto Gráfico
Maria de Nazaré de Oliveira Fraga Jose Jackson Coelho Sampaio-UECE
Carlos Lamari
Jose Sydrião de Alencar-ETENE/BNB
Assessores científicos Juan Carlos Radovich-Universidade de Preparação/Revisão
Alcides Fernando Gussi Buenos Aires-UBA Katia Rossini
Catia Regina Muniz Lea Carvalho Rodrigues-UFC
Lia Carneiro Silveira-UECE CAPA
Conselho Editorial: Lucia Maria Alves Müller-PUC-RS Antonio Carlos Rodrigues
Alberto Oliveira-UFRJ Maria de Nazaré de Oliveira Fraga-UFC
Periodicidade
Alcides Fernando Gussi-UFC Maria do Livramento Clementino-UFRN
Semestral
Alicia Ferreira Gonçalves-UFPB/UFC Maria Josefina da Silva-UFC
Almir Farias Filho-UFC Maria Ozanira da S. e Silva-UFMA Tiragem
Ana Cláudia Farranha-OIT Marta Arretche-USP 1.000 exemplares (sob demanda)
Ana Maria Ferreira Menezes-UNEB Michel Misse-UFRJ
Antonio Jeovah Meireles-UFC Neusa Gusmão-UNICAMP Endereço
Ary Minella-UFSC Nilson Holanda-UnB Universidade Federal do Ceará
Arthur Silvers-Universidade do Arizona Paulo Marques-ENAP Mestrado em Avaliação de Políticas
Públicas — MAPP
Catia Muniz-UFC Raquel Maria Rigotto-UFC
Rua Marechal Deodoro, s/n, Bloco II Q
Christian Dennys Monteiro de Oliveira-UFC Sonia Maria Missagia Matos-UFES
FACED Prédio NUPER
Elza Maria Franco Braga-UFC Susana Soares-UFRGS CEP — Fortaleza-CE — Brasil
Francisca Silvânia Souza Monte-UFC Violante Augusta Batista Braga-UFC Fone: (85) 3366-7435
Horacio Frota-UECE Vitória de Cássia Felix de Almeida-URCA e-mail: public.mapp@ufc.br

AVAL – Revista Avaliação de Políticas Públicas. – v. 1 n. 1 jan./jun.


(2008). – Editora Arte Escrita/MAPP/UFC. Fortaleza, CE.

Semestral

ISSN 1984-3100

1. Políticas públicas – Periódica. I. Editora Arte Escrita/MAPP/


UFC.

CDD 361.43
Catalogação na publicação: Sonia Gomes Pereira – CRB8 7025

Rua Roxo Moreira, 709 – Cidade Universitária – Campinas – SP


CEP: 13083-590 – TEL.: (19) 3235-3441 – 3234-5353
www.editorartescrita.com.br
Correspondências para:
CAIXA POSTAL 6015 - CAMPINAS - SP - CEP: 13083-970
JAN/JUN 2008 3

SUMÁRIO CONTENTS
5 EDITORIAL EDITORIAL

ARTIGOS INÉDITOS ARTICLES


7 Propostas para uma avaliação em profundidade de políticas Proposed for a depth social public politics evaluation
públicas sociais Lea Carvalho Rodrigues
Lea Carvalho Rodrigues

17 Políticas públicas, etnografia e a construção dos Indicadores Public policy, ethnography and the construction of
sócioculturais sociocultural indicators
Alicia Ferreira Gonçalves Alicia Ferreira Gonçalves

29 Apontamentos teóricos e metodológicos para a avaliação de Pointers for the theoretical and methodological evaluation of
programas de microcrédito microcredit programmes
Alcides Fernando Gussi Alcides Fernando Gussi

39 Considerações críticas sobre Desenvolvimento econômico Critical considerations on economic local development and
local e economia social social economy
Susana R. Presta e Liliana S. Landaburu Susana R. Presta e Liliana S. Landaburu

49 Avaliação de políticas e programas governamentais: Politics and government programs evaluation: experiences in
experiências no Mestrado Profissional da UNEB the Professional Master´s degree
Maria de Fátima Hanaque Campos, Ana Maria Ferreira Maria de Fátima Hanaque Campos, Ana
Menezes, José Francisco Barreto Neto, Maria Auxiliadora Maria Ferreira Menezes, José Francisco Barreto Neto, Maria
Ornellas Farias Auxiliadora Ornellas Farias

59 Pesquisa de avaliação em serviços de saúde mental: uma Avaliative research in mental health services: a
proposta ético-estético-política ethics-aesthetic-political proposal
Lia Carneiro Silveira, Maria Lucilane Sales da Silva, Maria Lia Carneiro Silveira, Maria Lucilane Sales da Silva, Maria
Rocineide Ferreira da Silva, Monyk Neves de Alencar e Ariza Rocineide Ferreira da Silva, Monyk Neves de Alencar e Ariza
Nara Saldanha de Almeida Nara Saldanha de Almeida

71 Descentralização: análise da avaliação do Programa Saúde da Decentralization: analysis of the evaluation of Family Health
Família em Correia Pinto Program in Correia Pinto
Zenalda Martins Vanim de Moraes Zenalda Martins Vanim de Moraes

81 Como as pessoas com deficiência avaliam as políticas públicas Disabled people’s evaluation concerning the public policies
de saúde no Ceará on health in Ceará
Antonia Félix de Sousa Antonia Félix de Sousa
Maria de Nazaré de Oliveira Fraga Maria de Nazaré de Oliveira Fraga

REVISÃO DE LITERATURA LITERATURE REVISION


91 Reflexões sobre a criação e implementação do Programa Reflections on the creation and implementation of National
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Programme for Strengthening Family Farm
Cátia Regina Muniz Cátia Regina Muniz

RESUMOS DE DISSERTAÇÕES E TESES SUMMARIES OF DISSETATION AND THESES


101 Avaliação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil em Evaluation of the Eradication Infantile Work program in
Mossoró-RN Mossoró-RN
Fernanda Kallyne Rêgo de Oliveira Morais Fernanda Kallyne Rêgo de Oliveira Morais

INFORMES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS PUBLIC POLICIES REPORTS


105 Políticas Nacionais de Assistência Técnica e Extensão Rural – National Politics of Technical Attendance and Rural Extension –
Pnater Pnater
Maria do Socorro Santos Ferreira Maria do Socorro Santos Ferreira
Maria Vanderli Cavalcante Guedes Maria Vanderli Cavalcante Guedes
4 JAN/JUN 2008

TABLE INDICE
5 ÉDITORIAL EDITORIAL

ARTICLES INÉDITS ARTÍCULOS


7 Proposé pour une évaluation profond de politiques publiques Proposición para una evaluación en profundidad de políticas
sociaux públicas sociales
Lea Carvalho Rodrigues Lea Carvalho Rodrigues

17 Les politiques publiques, l’ethnographie et la construction du Políticas publicas, etnografia y la producción de los indicadores
Indicateurs du développement socio-culturels sócio-culturales
Alicia Ferreira Gonçalves Alicia Ferreira Gonçalves

29 Pointeurs pour l’enseignement théorique et méthodologique Notas teóricas y metodológicas para la evaluación de los
d’évaluation des programmes de microcrédit programas de microcrédito
Alcides Fernando Gussi Alcides Fernando Gussi

39 Considérations critiques sur éveloppement Économique local Consideraciones críticas sobre desarrollo económico local y
et d’économie sociale economia social
Susana R. Presta e Liliana S. Landaburu Susana R. Presta e Liliana S. Landaburu

49 Évaluation de politiques et programmes du gouvernement: Evaluación de políticas publicas y programas gubernamentales:


expériences dans le degré du Maître Professionnel experiencias del Mestrado Profissional
Maria de Fátima Hanaque Campos, Ana Maria Ferreira, Menezes, Maria de Fátima Hanaque Campos, Ana Maria Ferreira Menezes,
José Francisco, Barreto Neto, Maria Auxiliadora Ornellas Farias José Francisco Barreto Neto, Maria Auxiliadora Ornellas Farias

59 Recherche pour l’evaluation du services de santé mentale: un Investigación avaliativa en servicios de la salud mental: una oferta
projet esthétique-ethique-politique etica-estética-política
Lia Carneiro Silveira, Maria Lucilane Sales da Silva, Maria Lia Carneiro Silveira, Maria Lucilane Sales da Silva, Maria
Rocineide Ferreira da Silva, Monyk Neves de Alencar e Ariza Rocineide Ferreira da Silva, Monyk Neves de Alencar e Ariza Nara
Nara Saldanha de Almeida Saldanha de Almeida

71 Décentralization: l’analyse de l’évaluation du Programme Descentralización: un analisis de la evaluación del Programa de


Santé de la Famille à Correia Pinto Salud de la Familia en Correia Pinto
Zenalda Martins Vanim de Moraes Zenalda Martins Vanim de Moraes

81 Ce que pensent les handicapés en ce qui concerne les Como las personas minusvalidas evaluan las políticas públicas
politiques publiques de la santé au Ceará de salud en Ceará
Antonia Félix de Sousa Antonia Félix de Sousa
Maria de Nazaré de Oliveira Fraga Maria de Nazaré de Oliveira Fraga

EXAMEN DE LITTÉRATURE REVISIÓN DE LITERATURA


91 Réflexions sur la création et la mise en oeuvre du Programme Reflexiones acerca de la creación y puesta en marcha del
National Pour le Renforcement de l’agriculture Familière Programa Nacional de Fortalecimiento de Agricultura Familiar
Cátia Regina Muniz Cátia Regina Muniz

RESUMÉS DES DISSERTATION ET THÈSES RESÚMENES DE DISERTACIÓN Y TESES


101 Évaluation du Programme d’Éradication du Travail d’Enfant dans La evaluación del Programa de Erradicación del Trabajo Infantil
Mossoró-RN de Mossoró-RN
Fernanda Kallyne Rêgo de Oliveira Morais Fernanda Kallyne Rêgo de Oliveira Morais

RAPPORTS SUR LES POLITIQUES PUBLIQUES INFORMACIONES EN POLÍTICAS PÚBLICAS


105 Politique Nationale d’Assistance Technique et Extension Política Nacional de Asistencia Técnica y Extensión Rural – Pnater
Agricole – Pnater Maria do Socorro Santos Ferreira
Maria do Socorro Santos Ferreira Maria Vanderli Cavalcante Guedes
Maria Vanderli Cavalcante Guedes
EDITORIAL JAN/JUN 2008 5

A forma como está portanto, como importante meio de divulga-


Editorial estruturada a pós-gra- ção de pesquisas sobre a temática que vêm
duação stricto sensu sendo efetuadas na região Nordeste, em diá-
no Brasil, bem como as exigências que re- logo com aquelas realizadas em outras regiões
caem sobre os pesquisadores quanto à pu- do país, e mesmo em outros países, possibi-
blicação de sua produção científica, são ele- litando, assim, a socialização dos resultados
mentos de peso no cenário dos periódicos dessas produções científicas, a realização
científicos que circulam no país. Por outro de análises comparativas e a interlocução
lado, neste mesmo cenário, os cursos de entre pesquisadores de diferentes perspec-
mestrado profissional, enfrentam dificulda- tivas teórico-metodológicas. Uma vez que a
des adicionais para sua consolidação, em AVAL tem edição eletrônica, o acesso livre a
comparação com os cursos da modalidade seu conteúdo representa um esforço de de-
acadêmica. mocratização do conhecimento e de abertu-
O Curso de Mestrado em Avaliação de Po- ra de canais para o diálogo interinstitucional.
líticas Públicas – MAPP da Universidade Fe- A revista AVAL também se apresenta como
deral do Ceará, modalidade profissional, ini- uma estratégia do MAPP, que põe em circula-
ciou suas atividades no ano de 2002. Entre ção no Brasil um veículo agregador da produ-
as estratégias definidas para consolidação ção científica nacional na área de avaliação
do curso foi formalizada a criação de sua de políticas públicas, o que, até o presente
linha de publicações, que tem como propó- momento, vem ocorrendo de forma fragmen-
sito geral dar visibilidade ao curso e à pro- tada. Tal iniciativa, portanto, coloca a pro-
dução de seus docentes e discentes, além dução acadêmica do país em sintonia com o
de servir de meio de divulgação sobre a que vem ocorrendo há décadas em países
temática avaliação de políticas públicas para como Estados Unidos, Inglaterra e França: a
pesquisadores de outras instituições. A li- profissionalização da avaliação por meio da
nha de publicações compreende três produ- criação de cursos, do desenvolvimento de
tos: banco de dados na Website do curso; pesquisas em metodologias, e da publicação
Coleção Políticas Públicas: Teoria e Méto- de periódicos científicos para a divulgação
dos; Revista de Avaliação de Políticas Públi- da produção de pesquisa e estabelecimento
cas, cujo primeiro número ora lançamos sob de formas de intercâmbio e interlocução teó-
o título AVAL. rica nos planos nacional e internacional.
A Revista Avaliação de Políticas Públicas – Destacamos que a aceitação de nossa pro-
AVAL, sob a chancela do MAPP/UFC, volta-se posta por intelectuais de diferentes áreas
primordialmente para: publicação de análises do conhecimento, de diferentes regiões do
e resultados de pesquisas em avaliação de país e mesmo do exterior, está materializada
políticas públicas; reflexões teórico-meto- nesta primeira edição, que mantém a fideli-
dológicas sobre avaliação; desenvolvimento de dade aos propósitos da linha editorial da AVAL,
ferramentas e estratégias metodológicas que centrada na reflexão teórica sobre avalia-
contribuam para a avaliação de políticas pú- ção e metodologias de avaliação, na riqueza
blicas e reflexões sobre o exercício da multi e e na diversidade do material empírico e na
da interdisciplinaridade. contribuição que os artigos aqui apresenta-
Tal como consta das suas Normas de Pu- dos representa para os estudiosos das polí-
blicação, o objetivo central da AVAL é, além ticas públicas no Brasil.
de divulgar resultados de pesquisas nacio- Por fim, cabe-nos ressaltar que o lança-
nais e internacionais sobre a temática avali- mento do primeiro número da AVAL em meio
ação de programas e políticas sociais, na à comunidade acadêmica e a todos aqueles
forma de artigos e ensaios, constituir-se em interessados no tema é um momento de in-
um veículo que, especialmente voltado à ava- tenso júbilo e satisfação para todos os que
liação, possa aglutinar resultados de pes- se envolveram em seu processo de elabora-
quisas e reflexões teórico-metodológicas pro- ção. Por isso, agradecemos imensamente a
duzidas por pesquisadores, de diferentes lo- todos eles, neste momento.
calidades e áreas do conhecimento, sobre Vale salientar que a formatação e lança-
uma grande diversidade de temas. Atuará, mento de um novo periódico científico de
6 JAN/JUN 2008 EDITORIAL

qualidade, no Brasil, é uma tarefa hercúlea. os autores que submetem manuscritos para
Os que militam nos bastidores da editoração avaliação e posterior publicação, são gran-
bem sabem o que isto significa. Seus edito- des pilares de um periódico científico.
res, o pessoal de Secretaria, os revisores Agradecemos de modo especial ao Banco
técnicos e os pareceristas vivenciam a so- do Nordeste do Brasil – BNB, que viabilizou a
brecarga daí decorrente. Por isso, agrade- obtenção dos recursos necessários à con-
cemos o trabalho de nossos consultores, que cretização desta empreitada.
aceitaram a sobrecarga de emitir pareceres
sobre os manuscritos. Agradecemos também Lea Carvalho Rodrigues
aos autores que confiaram em nossa pro- Luiz Antônio Maciel de Paula
posta e nos enviaram seus manuscritos para Maria de Nazaré de Oliveira Fraga
avaliação. Os pareceristas, juntamente com Editores
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 7

Propostas para uma avaliação em profundidade de políticas


públicas sociais
Proposed for a depth social public politics evaluation
Proposición para una evaluación en profundidad de políticas
públicas sociales
Proposé pour une évaluation profond de politiques publiques
sociaux

Lea Carvalho Rodrigues*

Resumo: O artigo apresenta um conjunto Abstract: This article presents some essential
de tópicos considerados essenciais à efe- points that enable an accurate evaluation of
tivação de uma avaliação em profundidade social public policies. Our research is motivated
de políticas públicas de caráter social. A pro- by the widely understood inadequacies of the
posta é motivada pela constatação da insu- classic models for the evaluation of public po-
ficiência dos modelos clássicos de análise e licies. It will address the urgent need to
da necessidade cada vez mais premente de undertake research that takes into account
se realizarem pesquisas que considerem o con- the social, economic, political, and cultural
texto social, econômico, político e cultural, context, as well as the importance of
bem como a importância da análise insti- institutional analysis, the relations of power,
tucional, das relações de poder, dos interes- and the interests and values that permeate
ses e valores que permeiam os processos de the process of formulation and implementation
formulação e implementação dessas políticas. of those policies. First of all we presented the
Primeiramente, são apresentadas as princi- main theoretical-methodological lines in public
pais linhas teórico-metodológicas no campo policies evaluation, at world level and in Brazil;
da avaliação das políticas públicas, em nível then we presented your limits, and finally some
mundial e no Brasil; em seguida, apontam-se propositions for a procedural approach, multidi-
seus limites e, por fim, apresentam-se pro- mensional and interdisciplinar. A conclusion is
posições para uma abordagem processual, that a depth evaluation needs to accomplish
multidimensional e interdisciplinar. Conclui-se three analytic dimensions: content, context
que uma avaliação em profundidade precisa and institutional analysis of programs and
dar conta de quatro dimensões analíticas: politics, and both temporality and territoriality.
análise de conteúdo, de contexto e da traje-
tória institucional de programas e políticas, Keywords: public policies, evaluation, metho-
bem como do espectro temporal e territorial. dology.

Palavras-chave: políticas públicas, avalia-


ção, metodologia.

*Mestre em antropologia social e doutora em ciências sociais pela UNICAMP, atualmente é professora do De-
partamento de Ciências Sociais da UFC (área de antropologia) e coordenadora do Mestrado em Avalia-
ção de Políticas Públicas da mesma universidade. E-mail: lea@ufc.br
8 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Uma vez que a mandas para as políticas, tendo como base


Introdução proposta deste a definição de metodologias de avaliação, a
artigo é apresen- fim de aprovar políticas e programas sociais.
tar pontos e elementos considerados funda- Assim, tanto nos Estados Unidos como na
mentais para uma análise aprofundada de pro- França e Inglaterra, houve um crescimento
gramas e projetos constitutivos de políticas da área no campo governamental e também
públicas de caráter social, teremos que, pri- no campo científico. Surgiram associações
meiramente, compreender as principais linhas de avaliadores, definindo uma modalidade,
teórico-metodológicas que conformaram, ao uma subárea profissional científica chamada
longo do tempo, o campo da avaliação das Avaliação, dispondo de profissionais oriun-
políticas públicas em nível mundial. dos das mais diferentes áreas mas que es-
Em seguida, iremos abordar a especificidade tavam se especializando em avaliação, crian-
do caso brasileiro quanto às tendências que do associações científicas, organizando even-
têm dominado o campo da avaliação de polí- tos científicos e lançando revistas científi-
ticas públicas, dada a sua posição específica cas (Idem, op. cit.).
no cenário mundial e a dependência das exi- No Brasil, é apenas no final da década de
gências das agências multilaterais no atendi- 1980 e início da década de 1990 que a
mento à avaliação dos programas por elas temática da avaliação das políticas públicas
financiados. intensifica-se, assumindo um papel de des-
Finalmente, o último tópico apresentará os taque nas administrações públicas da Amé-
quesitos considerados essenciais para uma rica Latina, no contexto da reforma do Es-
avaliação mais aprofundada dessas políticas, tado, e direcionada a uma agenda neoliberal,
o que, com certeza, apresentar-se-á como sendo ainda reduzida a literatura sobre o
um questionamento aos parâmetros utilizados tema. Uma das mais recentes publicações
pelas agências multilaterais, bem como à for- no Brasil, que vem a suprir uma lacuna na
ma como, no campo acadêmico brasileiro, aca- abordagem das metodologias clássicas de
ba-se por reproduzir, sem uma perspectiva crí- avaliação, é a obra de Holanda (2006) que
tica, esses modelos formulados a partir de pers- apresenta uma visão geral e didática dos
pectivas generalizantes, tidos como aplicáveis conceitos, fundamentos, metodologias e prá-
a qualquer país ou situação – majoritariamen- ticas de avaliação de programas ex post,
te assentados em paradigmas positivistas de com ênfase nos programas e projetos de na-
análise e com o predomínio dos referenciais tureza social. Vale destacar, contudo, que a
economicistas. relevância dada ao tema a partir dos anos
1990 deveu-se, principalmente, à situação
de dependência do país frente às agências
Perspectivas teóricas e financiadoras internacionais, como o Banco
Internacional para a Reconstrução e o De-
metodológicas de avaliação senvolvimento – BIRD e Banco Interamericano
em retrospectiva de Desenvolvimento – BID, que passaram a
exigir, com mais critério, a elaboração de sis-
temas de monitoramento de avaliação dos
Como bem observa Paula (2001), a cons- projetos por eles financiados. Neste contex-
tituição de um campo acadêmico especial- to, sobressaem-se a abordagem gerencia-
mente voltado à avaliação das políticas pú- lista1 e uma concepção instrumental da ava-
blicas é relativamente recente, mas em cons- liação, cuja função é medir, acompanhar e
tante crescimento mundial, em particular nos “avaliar” o êxito das reformas administrati-
Estados Unidos e na Grã-Bretanha. vas norteadas pelos princípios e valores
Na França, nos anos 1990, diz o autor neoliberais (Farias, 2005:2). Como enfatiza
que esta área cresceu consideravelmente na o autor, isto era esperado em razão do “ca-
esfera governamental, quando foram formu- ráter eminentemente político do projeto de
lados modelos de acompanhamento do de- ‘modernização’ do Estado vinculado à revo-
sempenho de programas e o próprio Con- lução gerencialista que se desejava implan-
gresso Nacional passou a apreciar as de- tar, no qual o monitoramento e a avaliação
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 9

de políticas ocupam um papel de destaque”. e programas sociais, por exemplo, o Banco


As particularidades do caso brasileiro acima Mundial, em instrumentos de monitoramento
citadas, certamente, têm direcionado a prá- e avaliação e em palestras que organiza nos
tica da avaliação, bem como a reflexão in- países que se utilizam de seus recursos para
telectual sobre a mesma, já que há claros a execução desses programas, tem sido en-
constrangimentos colocados pelas agências fático quanto à exigência de utilização de
multilaterais. Como condição para a conces- grupo de controle para medir os resultados.
são de financiamentos, elas traçam as es- O grupo de controle é utilizado como medida
tratégias para aplicação dos recursos e “as- de comparação com a situação que se quer
sistência”, ou seja, constituem-se em parte estudar. Um dos exemplos citado pelo pró-
atuante na definição da agenda político-eco- prio banco2 refere-se à avaliação de impac-
nômica e das prioridades no direcionamento tos dos programas de microcrédito em
dos recursos públicos, e, em conseqüência, Bangladesh, quando as aldeias onde funcio-
da formulação de políticas, de seu acompa- navam os microcréditos foram comparadas
nhamento e avaliação. A chamada “assis- a aldeias idênticas onde inexistiam estes pro-
tência” envolve desde a formulação de pro- gramas de crédito. Ocorre que os efeitos,
jetos, avaliação de riscos e implementação muitas vezes, podem ser nefastos. No caso
das políticas até a formulação de indicado- brasileiro, uma das sugestões dadas pelo
res (Stephanou, 2005). A importância da pro- Banco Mundial para se medir o desempenho
posta aqui apresentada e seu caráter ino- de tomadores de microcrédito em um pro-
vador frente às abordagens sobre metodo- grama dessa natureza, implementado por um
logias de avaliação desenvolvidas no banco de desenvolvimento da região Nor-
paísficam mais claros se observarmos os cri- deste, foi que se dividissem os tomadores
térios de avaliação colocados por essas dos créditos em dois blocos, renovando, no
agências multilaterais. mesmo período, os créditos do grupo A e
Stephanou (op. cit.), ao apresentar uma não renovando os do grupo B. Ora, isto não
análise das estratégias de avaliação do BID é nem mais nem menos do que a lógica de
e do BIRD, mostra que estas seguem os pa- laboratório aplicada a grupos humanos, quan-
drões tradicionais de avaliação. No entanto, do, por exemplo, inoculam-se substâncias em
sustentadas por concepções e modelos posi- cobaias para medir os resultados. Apenas
tivistas [+], reduzem o conhecimento à aná- que, no caso aludido, os efeitos dão-se de
lise de dados coletados em formatos estan- forma indireta, sendo os indivíduos afetados
dardizados, abordagens lineares, testes de pela falta do crédito que esperavam reno-
hipóteses pela mensuração do objeto de es- var. Esta visão está, portanto, sendo aqui
tudo e, portanto, uma limitação da avalia- questionada, devido a seu caráter instru-
ção à percepção dos resultados frente aos mental e sua baixa capacidade de fornecer
objetivos formulados (eficácia), relação me- resultados de avaliação abrangentes e apro-
tas-resultados, relação custos-benefícios fundados.
(eficiência) e avaliação de impactos (efe- Do ponto de vista teórico-metodológico,
tividade em relação ao proposto/previsto). os pesquisadores da área da avaliação de
Como salienta Castro (1989), os limites co- políticas públicas, no âmbito internacional,
locados por este tipo de avaliação apre- tradicionalmente, voltaram-se mais para uma
sentam-se, principalmente, no fato de que análise de tomada de decisão ou de resulta-
ela se volta para efeitos esperados, muitas dos, bem como de conteúdos e gênese de
vezes desconsiderando ou minimizando o que desenvolvimento das políticas (GAPI–UNICAMP,
algumas abordagens denominam “efeitos não 2002). Entretanto, ao longo do processo de
previstos”, que são considerados, no mais sedimentação da área acadêmica de estu-
das vezes, como entraves a ser superados. dos sobre políticas públicas, novas aborda-
Neste tipo de abordagem, portanto, há pou- gens passaram a enfatizar a importância da
co espaço para a crítica à própria política análise de contexto – social, econômico, polí-
desde sua formulação e menos ainda aos tico, cultural – e da análise organizacional –
princípios nos quais ela se alicerça. estrutura de funcionamento, dinâmica, rela-
Para a avaliação do impacto de projetos ções de poder, interesses e valores que
10 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

permeiam as instituições envolvidas na ela-


boração e implementação de políticas – como Avaliação em profundidade:
bem demonstram Shadish et al. (1991) e
Belloni et al. (2003). propostas iniciais
A proposta de Chelimsky (1997), após um
exame das experiências em avaliação de po-
líticas públicas nas três últimas décadas do Ainda que falar em avaliação em profundi-
século XX, considera a avaliação um “em- dade possa expressar, num sentido metafóri-
co, a imersão em uma particularidade do cam-
preendimento eclético” que agrupa perspec-
po de investigação, saliento que o sentido
tivas e métodos diversos; comporta o de-
aqui referido é o de abarcar a um só tempo
senvolvimento de estudos prospectivos e re-
as dimensões dadas tanto no sentido longi-
trospectivos, o recurso a métodos quanti-
tudinal – extensão no comprimento – como
tativos e qualitativos, o desenvolvimento da
latitudinal – extensão na largura, amplidão.
interdisciplinaridade, a credibilidade (como
Assim, desta perspectiva, quanto mais mer-
condição do conhecimento e da objetivida-
gulhamos na situação estudada, mais amplia-
de) e o fortalecimento das instituições.
mos o campo de investigação. Olhamos à fren-
Já o método interpretativo considera que
te e para os lados, acima e abaixo, porque a
o conhecimento produzido tem múltiplas di-
compreensão focada, direcionada, certamente
mensões e é construído a partir de diferen-
a mais fácil, com certeza será sempre limita-
tes tipos de informações. Do ponto de vista
da. Ou, mesmo, poderíamos correr o risco de,
analítico, busca a integração das diferentes na busca de análises tão aprofundadas, per-
dimensões contempladas, permitindo uma me- dermos o contato com a superfície, numa alu-
lhor apreensão do programa como um todo são à feliz observação de Geertz (1978:40)
(Yanow, 2003, 2004). A natureza múltipla sobre a falácia de esforços na busca inces-
dos modelos experienciais expõe os elemen- sante por modelos inquestionáveis e verda-
tos de integração e de articulação com a des absolutas.
ação (Lejano, 2006). Um modo possível de Certamente não é esta a proposta aqui
integração dos dados é a triangulação, de focada. A perspectiva aqui apresentada, ao
forma que estes possam ser sobrepostos e contrário, é de cautela e mesmo ceticismo
evidenciarem-se pontos comuns sobre o fe- quanto aos modelos de análise que buscam
nômeno. Tal opção fornece muito mais pos- avaliar políticas públicas tomando como ques-
sibilidades de ação, uma vez que permite tões centrais, que orientam os instrumentos
reflexões e modificações continuadas e uma de coleta de dados, aquelas que dizem res-
compreensão muito mais ampla da dinâmica peito única e exclusivamente ao que foi o fio
da política em processo (Lejano, 2006; Mark, condutor da formulação dessas políticas. É
Henry e Julnes, 2000). ainda mais cética em relação aos modelos
Essa linha de abordagem interpretativa universais, quando aplicados a contextos par-
vem ganhando relevância entre os estudio- ticulares, com total desconsideração das
sos do tema, sobretudo após a década de especificidades atinentes a cada situação e
1990, e coloca uma série de questões sobre aos locais sobre os quais incidem políticas
como os significados das políticas são co- públicas formuladas nos longínquos centros
municados e percebidos por diferentes audi- de decisão, o que considero a ocorrência de
ências; sobre os diferentes tipos de conhe- um duplo distanciamento, cujo resultado são
cimento que orientam organizações na sua fortes omissões e/ou deslizes analíticos.
prática (Yanow, 2004), bem como sobre o Desta perspectiva, a proposta ora apre-
caráter dialógico da avaliação, entendida sentada considera que as ciências sociais, a
esta sob uma perspectiva relacional (Greene, antropologia em particular, têm uma impor-
2001) e com espaços necessários de parti- tância especial para a área de estudos sobre
cipação (Mark e Shotland, 2003), o que, evi- políticas públicas, no que se refere seja à
dentemente, remete à ordem dos valores e visão crítica sobre a formulação e imple-
coloca as análises qualitativas, a antropolo- mentação das políticas, seja ao fornecimen-
gia em especial, em posição privilegiada. to de instrumentais teórico-metodológicos
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 11

para a realização de estudos avaliativos so- ter clara a definição de avaliação que acom-
bre essas políticas. As abordagens inter- panha a pesquisa. As diferentes abordagens
pretativas da avaliação de políticas, por exem- podem ser agrupadas, basicamente, em duas
plo, têm no método etnográfico um instru- propostas distintas: uma que entende avalia-
mento privilegiado de análise (Greene, 2001; ção como “medida” e outra que privilegia o
Lejano, 2006). Mas, é bom enfatizar, existem sentido de avaliação como “compreensão”4.
na antropologia um campo de discussões e Identificar-se com uma ou outra concepção
divergências e uma vasta literatura sobre o faz toda a diferença na condução da avalia-
estatuto da etnografia, sua abrangência ana- ção.
lítica, formas menos ou mais legítimas de apre- A proposta de uma avaliação em profundi-
sentação dos resultados e as especificidades dade implica, ainda, considerá-la como exten-
da aplicação desse instrumental em situa- sa, detalhada, densa, ampla e multidimensional,
ções diversas daquelas que foram vivenciadas o que, por si só, coloca a multi e a interdis-
pelos antropólogos clássicos, o que, eviden- ciplinaridade como condição primeira da tare-
temente, não deve ser desconsiderado. Ou fa de pesquisa.
seja, as ciências sociais, ao entrarem nesse A seguir, discriminam-se alguns tópicos aqui
debate e nessa prática relativos à avaliação considerados essenciais para a efetivação de
de políticas públicas, podem contribuir, não uma proposta de avaliação em profundidade
apenas com o fornecimento de instrumentais de políticas públicas de caráter social, sendo
metodológicos, mas também com a reflexão imprescindível que os trabalhos estejam a cargo
continuada sobre técnicas, conceitos e de uma equipe multidisciplinar de pesquisa:
paradigmas de interpretação e análise que se
dão no âmbito das disciplinas que compõem 1. Análise de conteúdo do programa
este campo do conhecimento. com atenção a três aspectos:
Concordando com a ênfase dos interpreta- formulação: objetivos, critérios, dinâ-
tivistas no lócus empírico como fonte de co- mica de implantação, acompanhamen-
nhecimentos a orientar os processos de to e avaliação;
implementação de programas, bem como sua bases conceituais: paradigmas orienta-
avaliação; na noção de processo como dores e as concepções e valores que
balizadora de toda avaliação, em contra- os informam, bem como os conceitos e
posição à lógica linear presente nos modelos noções centrais que sustentam essas
positivistas de análise; e na assertiva de que políticas;
o conhecimento produzido tem múltiplas di- coerência interna: não-contradição en-
mensões, conclui-se, portanto, que o esfor- tre as bases conceituais que informam
ço para desenvolver uma avaliação em pro- o programa, a formulação de sua imple-
fundidade das políticas públicas deve ser em- mentação e os itens priorizados para
preendido a partir de diferentes tipos de da- seu acompanhamento, monitoramento
dos e informações: questionários em novos e avaliação.
e variados formatos; grupos focais que ino- Esses três aspectos dizem respeito à
vem em relação às propostas tradicionais; análise do material institucional sob for-
entrevistas de profundidade aliadas às ob- ma de leis, portarias, documentos in-
servações de campo; análise de conteúdo ternos, projetos, relatórios, atas de reu-
do material institucional com atenção ao su- niões, fichas de acompanhamento, da-
porte conceitual e às formas discursivas nele dos estatísticos e outros.
expressas3; abordagem cultural, com com-
preensão dos sentidos formulados, em dife- 2. Análise de contexto da formulação
rentes contextos, sobre um mesmo progra- da política:
ma; etc. Levantamento de dados sobre o momen-
A partir destes pressupostos, considera- to político e as condições socioeconô-
se ainda que, tomando como premissa que micas em que foi formulada a política em
toda proposta de avaliação está informada estudo, com atenção para a articulação
por pressupostos e concepções sobre ciên- entre as instâncias local, regional, nacio-
cia e sobre a prática científica, é importante nal internacional e transnacional.
12 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Apreensão do modelo político, econô- com as especificidades locais e sua


mico e social que sustentou a política historicidade. A apreensão dessa con-
à época de sua formulação. figuração coloca algumas questões em
Levantamento de outras políticas e pro- destaque: i) as possibilidades de arti-
gramas correlacionados à política em cular, na avaliação, as perspectivas e
foco. objetivos de propostas generalizantes
Atenção ao marco legal que ampara a às particularidades locais; ii) as possi-
política, articulando-o ao contexto re- bilidades de implementação de políticas,
ferido nos itens anteriores. de forma localizada, que levem em conta
seu percurso temporal e territorial.
É importante observar que o conjunto de
itens acima elencados demandará um levan- Esta etapa da pesquisa corresponde a um
tamento de dados primários e secundários cuja momento mais avançado de sistematização
extensão será ditada pelas especificidades dos dados já coletados e está aberta à ma-
contextuais e históricas da própria política nipulação de uma série de instrumentos
em foco e das políticas a ela relacionadas. metodológico-analíticos que possibilitem atin-
gir um maior nível de abstração, síntese e
3. Trajetória institucional de um pro- criatividade. Poderão ser formulados esque-
grama: mas, desenvolvidos gráficos, experimenta-
Esta dimensão analítica pretender dar dos modelos estatísticos variados, aliados a
a perceber o grau de coerência/dis- técnicas qualitativas de análise. Seria o
persão do programa ao longo do seu caso, por exemplo, de aliar o mapeamento
trânsito pelas vias institucionais. Des- da distribuição espacial da população aten-
ta perspectiva, um programa gestado dida por determinada política – de acordo
na esfera federal, para ser avaliado,
com o recorte empírico formulado –, aos ín-
dices socioeconômicos e às redes de inte-
necessita a reconstituição de sua tra-
resses e relações de poder detectadas na
jetória5, percebendo o pesquisador as
pesquisa de campo.
mudanças nos sentidos dados aos ob-
jetivos do programa e à sua dinâmica
conforme vai adentrando espaços di-
ferenciados e, ao mesmo tempo, des-
Considerações sobre a
cendo nas hierarquias institucionais até presente proposta
chegar à base, que corresponde ao con-
tato direto entre agentes institucionais
e sujeitos receptores da política. Espera-se que a atenção aos pontos aci-
Para a apreensão da trajetória institu- ma referidos permita detectar alguns mo-
cional é fundamental a realização de mentos da trajetória de uma política ou pro-
pesquisa de campo com a realização grama, considerados cruciais para seu bom
de entrevistas com diferentes agentes desempenho e continuidade, a saber: i) mo-
e representantes de instituições envol- mentos em que ocorrem quebras na conti-
vidas na formulação e implementação nuidade do fluxo entre concepção e ação,
de uma mesma política. Ao recompor ou seja, a interrupção ou redirecionamento
esta trajetória, é importante que se daquilo que foi inicialmente planejado. De-
atente para os aspectos culturais ine- ter-se sobre esses momentos é importante
rentes a esses espaços institucionais porque, ao analisá-los, pode-se compreen-
e organizacionais6. der melhor a natureza do que eu chamaria
fatores de entrave: políticos, econômicos,
4. Espectro temporal e territorial: sociais, culturais, burocráticos ou legais; dos
Por meio desta dimensão analítica, pro- pontos de inflexão, entendidos aqui como
cura-se apreender a configuração tem- mudanças de direção em relação aos objeti-
poral e territorial do percurso da políti- vos perseguidos originalmente pela política;
ca estudada de forma a confrontar as dos fatores de interferência, relativos, mui-
propostas/objetivos gerais da política tas vezes, a aspectos imprevistos ou que
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 13

denotam falta de coerência entre a formula- analítica para além da política em si, seu marco
ção e a realização da proposta; ou, ainda, legal e seu conteúdo, e para além do recorte
dos pontos de fusão, referindo-me aqui, em empírico, de forma que se possam realizar
especial, à sobreposição de programas e à inferências mais gerais a partir de resultados
dificuldade de precisar, na avaliação, os re- localizados. Para tal, priorizam-se as noções
sultados da política específica que se quer de contexto, processo, trajetória, pluralidade,
avaliar7; e, finalmente, e talvez o mais im- interação e multidimensionalidade.
portante, a distância entre os sentidos atri- Evidentemente, estas proposições fazem
buídos pelos agentes institucionais às políti- parte de um esforço ainda inicial de obter
cas formuladas e aqueles percebidos pelos melhores ferramentas teóricas, conceituais e
supostos beneficiários, o que poderíamos metodológicas que orientem a avaliação de
classificar como discrepâncias semânticas. projetos sociais de uma perspectiva mais
Mais ainda, tratar uma política pública ou ampla, que possam, ao longo do tempo, com-
programa a ela vinculado, da forma aqui pro- por um conjunto de conhecimentos renovado
posta, implica considerar que sua avaliação e crítico em relação aos modelos dominantes
só fará jus ao termo se operar a abrangência de avaliação.

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ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 15

Résumé: Cet article présente des sujets Resumen: Este artículo presenta un conjun-
essentiels à une évaluation profonde des to de tópicos esenciales a la efetivación de
politiques publiques sociales. Notre travail est una evaluación en profundidad de políticas
motivé par l’inadaptation des modèles públicas de caracter social. La proposición se
classiques d’évaluation des politiques publiques dá por la constatación de la insuficencia de
et par le besoin urgent des recherches qui los modelos clasicos de analisis y de la
prennent en considération le contexte social, necesidad aún más premente de realización
économique, politique et culturel, sans négliger de investigaciones que consideren el contex-
l’importance de l’analyse institutionnelle, des to social, económico, político y cultural, así
relations de pouvoir et des intérêts et valeurs como la importancia del analisis institucional,
qui font partie du processus de formulation et de las relaciones de poder, de los intereses y
implémentation de ces politiques. valores involucrados en los procesos de
En premier de tout, nous avons présenter les formulación y implementación de esas políti-
principaux lignes théorique méthodologiques cas. Primeramente presentamos las principa-
dans évaluation des politiques publiques, à les lineas teórico-metodologicas, al nivel mun-
niveau du monde et au Brésil; alors nous avons dial y en Brasil; en seguida presentamos sus
presenter ses limites, et finalement quelques limites y, por fin, algunas proposiciones para
propositions pour une approche multidimen- un abordaje multidimensional y interdisicpli-
sionnelle et interdisciplinaire. Une conclusion naria. Una conclusión es que una evaluación
est qu’une évaluation profonde a besoin en profundidad necesita cumplir tres dimen-
d’accomplir quatre dimensions analytiques: siones analíticas: contenido, contexto y el
contenu, contexte et analyse institutionnelle análisis institucional de programas y políti-
de programmes et politiques, bien que les cas, así como el espectro temporal y
dimensions temporelle et territorial. territorial.

Mots clés: politiques publiques, évaluation, Palabras-clave: políticas publicas, evaluación,


méthodologies metodología.

Notas

1
O paradigma gerencialista, no contexto da reforma do Estado, representa, em síntese, a subordinação do
Estado à racionalidade instrumental do mercado, sua lógica produtivista e de mensuração exclusiva-
mente econômica da relação custos/benefícios. Para uma crítica ao paradigma gerencialista, ver Costa
(2000).
2
Banco Mundial, 2004.
3
Para a apreciação de um excelente e inovador modelo de análise de formas discursivas institucionais, ver
Leitão (2005).
4
A respeito do conceito de avaliação, ver Holanda (2006) e Belloni et al. (2003).
5
Sobre a utilização da noção de trajetória, ver Gussi (2005).
6
Sobre uma perspectiva etnográfica de organizações e instituições, ver Gonçalves (1998, 2006); Gussi
(2005); Muniz (2006); Rodrigues (1997, 2004); Ruben (1995, 2004); Ruben et al. (2003).
7
Duas dissertações desenvolvidas no Programa de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da MAPP-UFC
apontaram dificuldades de percepção dos efeitos de políticas públicas sobre a qualidade de vida dos
seus beneficiários e, portanto, da avaliação de impacto, devido à sobreposição de programas referentes
a diferentes políticas (federais, estaduais e municipais) como PRONAF, Bolsa Família, aposentadorias,
Programa São José, Programa Luz para todos, Programa Cisternas e outros. Ver, a este respeito, Moroni
(2006) e Rolim (2005).
16 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 17

Políticas públicas, etnografia e a construção dos indicadores


socioculturais
Public policy, ethnography and the construction of socio-
cultural indicators
Políticas publicas, etnografia y la producción de los
indicadores sócio-culturales
Des politiques publiques, l’ethnographie et de la construction
socio-culturels

Alícia Ferreira Gonçalves*

Resumo: Este artigo tem como finalidade Abstract: This article aims to launch a
lançar uma reflexão de natureza epistemo- reflection of nature epistemological on the
lógica sobre a construção de indicadores construction of socio-cultural indicators from
socioculturais, a partir de uma perspectiva an ethnographic perspective in the process of
etnográfica, no processo de avaliação ex post ex-post evaluation of public policies.
das políticas públicas baseado na formula-
ção de indicadores socioculturais. Keywords: public policies; socio-cultural
indicators; ethnography
Palavras-chave: políticas públicas; indica-
dores socioculturais; etnografia

*Mestre em política científica e tecnológica e doutora em ciências sociais pela U NICAMP , é professora do
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e professora do Programa
de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da UFC. E-mail: aliciafg1@gmail.com
18 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Este artigo Amazônia), as políticas públicas de saúde


Introdução tem como fina- são ressignificadas a partir de sua cosmologia
lidade iniciar uma e tais mediações de ordem simbólica têm im-
reflexão de natureza epistemológica sobre a pactos no desempenho de tal política3. Ora,
construção de indicadores socioculturais a mediações de ordem simbólica remetem-nos
partir de uma perspectiva etnográfica no ao universo temático das classificações so-
processo de avaliação ex post das políticas ciais e da cognição, tão caros à escola so-
públicas1. A linha de argumentação a ser de- ciológica francesa desde Émile Durkheim.
senvolvida no escopo deste artigo comunga Émile Durkheim e Marcel Mauss, no artigo
com os pressupostos empíricos e teóricos “Algumas formas primitivas de classificação”,
expostos no Projeto Temático que parte da publicado em 1903, já haviam afirmado que
seguinte problemática2: a insuficiência das o sistema classificatório local é constituído
abordagens quantitativas (inspiradas em con- nas relações que se tecem entre indivíduo e
ceitos abstratos e universais) aplicadas aos sociedade e pressupõe consenso sobre ca-
processos de avaliação das políticas públi- tegorias básicas que permitem a inteligência
cas, assim como de seus programas sociais sobre o mundo social e natural e, em última
correlatos, a exemplo do PRONAF ou do Bol- instância, remetem à coesão social. Jack
sa Família. Tal insuficiência deriva do fato Goody (1971 e 1968), em Tecnology, tradi-
destas abordagens desconhecerem ou não tion and the State in África e Literacy in
levarem em consideração as mediações tradicional society, demonstra que a intro-
socioculturais e políticas que limitam ou dução da escrita pressupôs na sociedade
potencializam o desenvolvimento de uma lo- africana sua (re)significação segundo suas
calidade, região ou nação, como dizia Celso próprias categorias simbólicas. O próprio
Furtado (1984), e, neste sentido, limitam ou Yunus, quando criou o Grameen Bank (Ban-
potencializam a performance das políticas co das Vilas), em 1983 (a partir de um pro-
públicas. Celso Furtado (1984) argumenta, jeto de pesquisa iniciado sete anos antes na
em Cultura e desenvolvimento, que o cres- aldeia de Jobra/Bangladesh), concedeu o
cimento econômico e aumento do Produto crédito às pessoas abaixo da linha de pobre-
Interno Bruto (PIB) não se revertem auto- za de acordo com as especificidades cultu-
maticamente em desenvolvimento social e rais de seu país recém-independente, que
todo desenvolvimento social pressupõe um vivenciara anos de colonização inglesa; de
vínculo com a cultura e a tradição local. Nes- base econômica predominantemente agríco-
te sentido é que Brandão (2005) afirma que la, particularmente a monocultura do arroz;
não há um modelo analítico abstrato e geral com grande defasagem tecnológica, inser-
de desenvolvimento válido para toda a socie- ção periférica na economia mundial; e apre-
dade. Sendo assim, o desenvolvimento deve sentando graves conflitos religiosos, étni-
ser compreendido como uma manifestação cos e políticos. Neste contexto, a grande
concreta em um determinado espaço-tem- questão que se apresentava a Yunus no ano
po. Portanto, devemos levar em considera- de 1974 era como diminuir a pobreza 4.
ção as condições histórico-sociais e cultu- Bangladesh, país de maioria muçulmana ou-
rais do processo de desenvolvimento e da trora sob o domínio da colonização inglesa,
execução das políticas públicas. O argumento tornou-se independente em 1974 e era uma
a ser defendido no escopo deste artigo é das regiões mais pobres, com densidade
que mediações socioculturais e políticas in- populacional de 830 habitantes por quilôme-
fluenciam a performance das políticas pú- tro quadrado e 90% de analfabetismo. A fome
blicas, ou seja, que o desempenho de tais de 1974 fez centenas de milhares de víti-
políticas é mediado por fatores de ordem sim- mas, o país ainda é alvo de epidemias como
bólica, porque tais políticas são ressigni- malária e outras doenças tropicais, classifi-
ficadas segundo a visão de mundo das po- cado como país de categoria 3 pela Organi-
pulações-alvo de tais políticas, e esta visão zação Mundial da Saúde (OMS). A interlo-
de mundo engendra-se nas relações que se cução de Yunnus, na época, era com o Ban-
tecem entre indivíduo e sociedade. Por exem- co Mundial, que atua a partir de conceitos e
plo, entre os Kurã-Bakairi (grupo indígena da pressupostos universais e abstratos. Na ver-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 19

dade, trata-se de um embate entre univer- crise da sociedade do trabalho5, a globa-


salismo e particularismo. O grande dilema lização da economia e a implementação das
para os atores sociais envolvidos na formu- políticas de corte neoliberal pelo mundo afo-
lação e gestão das políticas públicas é como ra6. Trata-se de fatores inter-relacionados
conciliar a necessidade de se estabelece- intimamente conectados aos interesses
rem conceitos universais – tais como pobre- sistêmicos do capital transnacional. A este
za, qualidade de vida e desenvolvimento –, respeito, Manuel Castells (1997) descreve
válidos para os grupos sociais, e ao mesmo transformações em curso na economia in-
tempo considerar, no desenho de tais políti- ternacional; no universo empresarial; nas re-
cas, as tradições culturais destes grupos e lações e no mercado de trabalho; no papel
seus próprios projetos de futuro. do Estado; nas configurações urbanas; no
Neste sentido, há mediações culturais e ramo das economias ilícitas como o tráfico
relações de poder locais que devem ser ana- de drogas; nas identidades e nas relações
lisadas quando propomos projetos, progra- de gênero.
mas e políticas públicas que visam promover Para este autor, são transformações
a mudança social. É, pois, neste horizonte desencadeadas por uma mudança na base
das políticas públicas analisadas a partir da material da sociedade – na infraestrutura
visão de mundo dos sujeitos sociais que a tecnológica, baseada em um novo paradigma
avaliação ex post das políticas e a etnografia tecnológico que emergiu no final da década
aproximam-se. de 1970 na Califórnia, Estados Unidos. Este
paradigma configurado por novas tecnologias
associadas à telemática estaria articulado
Políticas públicas, ao processo de reestruturação do modo de
produção capitalista no final do século XX,
universalismo e ou seja, teria sido desenvolvido para aten-
particularismo der, sobretudo, aos interesses da acumula-
ção capitalista em escala global.
Contudo, os interesses sistêmicos ex-
Les hommes des societés sauvages ou pressos na dinâmica da acumulação capita-
tradionnelles n´ignoraient pas l´intérêt lista em escala global têm engendrado efei-
matériel. Mais ils se refusaient à tos perversos e introduzido patologias no
légitimer son autonomisation (Caillé, “Mundo da Vida” – na esfera de ação res-
2003). ponsável pela produção e reprodução sim-
bólica –, como diria Habermas (1987).
A ênfase nas políticas públicas de caráter Neste sentido, Godelier (2001:310-14)
social como uma forma privilegiada para com- identifica o específico paradoxo das socie-
bate a exclusão social é um fenômeno rela- dades capitalistas: a própria dinâmica da
tivamente recente, pois, outrora, a ênfase acumulação do capital como principal fonte
foi posta no crescimento da economia e na de exclusão social. Para o autor, existe “[...]
geração sempre crescente de postos de tra- inegavelmente no coração do capitalismo
balho com carteira assinada articulada a to- uma fonte permanente de desigualdades so-
das as benesses do welfare-state à brasilei- ciais, e isso significa que nesse sistema, como
ra. Afinal, em que momento da história ocor- em todos os outros, há coisas a serem
reu a guinada em direção às políticas públi- recalcadas”, coisas sobre as quais “é preci-
cas como instrumento privilegiado de gover- so silenciar ou que é preciso travestir de
no no combate à pobreza, desigualdade de ‘interesse comum’”.
renda e exclusão social? Tendo em mente a desigualdade estrutu-
Podemos considerar que a ênfase posta ral produzida no seio do capitalismo, indaga
nas políticas públicas de caráter social tem o autor: “Que lugar resta para o dom em
seus marcos em processos gerais, tais como: nossas sociedades ocidentais”? Ocorre que
a falência do Estado de bem-estar social, os o dom, responde ele, está em vias de voltar
processos de reestruturação produtiva, a a ser uma condição socialmente necessária
transformação do paradigma tecnológico, a à reconstrução do tecido social7. Neste sen-
20 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

tido, o paradoxo é que a mesma economia viços como oficinas mecânicas; ou das mu-
que cria os excluídos em massa confia à so- lheres mães de família que confeccionam ar-
ciedade a tarefa de reincluí-los, não na eco- tesanato utilizando os recursos locais. Inse-
nomia, mas no tecido social, acrescento eu, rem-se também nestes programas de finan-
por meio das políticas públicas de caráter ciamento as cooperativas de pescadores, de
social institucionalizadas pelo Estado. mulheres artesãs, grupos quilombolas, gru-
Contudo, também é fato que emergem, pos indígenas, cooperativas de pessoas com
no final da década de 1980, movimentos so- necessidades sociais, cooperativas de soro-
ciais, forças de resistência anticapitalistas positivos, cooperativas formadas por jovens
em escala planetária, como os eventos que da periferia, dentre outros grupos sociais.
antecederam a constituição do Fórum So- São todos “empreendimentos” que, em sua
cial Mundial. grande parte, atuam na informalidade. Ocorre
Neste cenário em que afloram os movi- que tais políticas estão pautadas em con-
mentos sociais contrários à ordem hege- ceitos e valores universalistas e abstratos
mônica do capital, a recuperação de uma que não se coadunam com conceitos e va-
moral da solidariedade e de pertencimento lores que remetem às tradições culturais dos
social no campo dos movimentos sociais e, grupos sociais-alvo de tais políticas.
simultaneamente, no campo acadêmico. E, Alguns estudos etnográficos, em sua
ao longo deste processo, emergem novos interface com a temática das políticas pú-
atores sociais que vão constituir o campo blicas, sinalizam para a incongruência entre
da economia solidária e, ao mesmo tempo, a universalismo e particularismo, como, por
instituição das políticas públicas imple- exemplo, os estudos de Coelho de Souza
mentadas pelo Estado – algumas por pres- (2007), com base no caso etnográfico das
são dos movimentos sociais, a exemplo do sociedades de língua jê do Brasil Central, e
Programa Nacional de Agricultura Familiar de Edir Pina de Barros, no artigo “Saúde in-
(PRONAF), do microcrédito e da Secretaria dígena, cosmologias e políticas públicas”, a
Nacional de Economia Solidária (SENAES) no partir do caso dos Kurã-Bakairi (do cerrado
Brasil 8 . Particularmente, no campo do norte-mato-grossense), que são ribeirinhos,
microcrédito, surge a experiência contem- pescadores e agricultores. Diz o autor que
porânea conhecida mundialmente, a do no Brasil há mais de 200 línguas, 180 indíge-
Grameen Bank. nas, e que as políticas de saúde não levam
O governo federal, por meio do Ministério em consideração a diversidade sociocultural.
do Trabalho e do Emprego (MTE), pretende, Em sua visão, o grande desafio é fazer com
ao menos no nível do discurso institucional, que os direitos garantidos na Constituição
investir maciçamente em operações de sejam postos em prática. No entanto, afir-
microcrédito articuladas à perspectiva da de- ma ainda, é grande o abismo que separa a
nominada economia solidária (ES) como al- pensar biomédico e o pensar das populações
ternativa privilegiada de combate à exclu- indígenas que associam o processo saúde-
são social9. doença a sua cosmologia.
A ideia central dos agentes políticos que Marcela Coelho (2007) confronta catego-
atuam institucionalmente é que as opera- rias êmicas que designam a cultura material,
ções de microcrédito articuladas à denomi- imaterial, conhecimento, transmissão de co-
nada economia solidária estão se constitu- nhecimento, e também da distinção e iden-
indo como um mecanismo poderoso de gera- tidade, com a “sociedade envolvente”. O
ção de trabalho e renda – portanto, de com- caso etnográfico é o das sociedades de lín-
bate à pobreza – em nosso país. Neste sen- gua jê do Brasil Central. Neste sentido, a
tido, tais operações são direcionadas a seg- autora questiona: direitos universais ou re-
mentos específicos da sociedade brasileira, lações particulares? Muitos antropólogos
a exemplo dos catadores de material reci- apontam as limitações de se estabelecerem
clado que encontramos em várias capitais marcos legais ancorados em princípios
do país; dos vendedores ambulantes que cir- universalistas e abstratos. Contudo, a ques-
culam nas cidades; do pequeno comércio, tão de fundo é a universalidade parcial dos
como lojinhas, supermercados, padarias; ser- princípios civilizatórios que embasam as de-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 21

clarações e a formulação de direitos que se concebida contemporaneamente em sua di-


pretendem universais. Alguns autores de- mensão processual e histórica; tecida, por-
fendem a adoção do princípio denominado tanto, nas relações sociais e de poder, e
por eles de jusdiversidade: “a liberdade que assume dimensão crucial no contexto das
possibilita a cada povo viver segundo seus políticas públicas contemporâneas, quando
usos e costumes e transformá-los, quando o que está em jogo é a própria definição das
desejável e necessários, em constituições identidades, a reivindicação de recursos pú-
rígidas”. Trata-se de um ponto de partida
blicos e o acesso a direitos.
que apresenta limitações quando se trata
A questão central é como gerenciar a
de transações entre culturas, pois uma pode
reivindicar a formulação de direitos univer- diferença, como representar os múltiplos in-
sais e outra, privilegiar a constituição de re- teresses no aparelho do Estado. As críticas
lações particulares. O questionamento é an- dirigem-se ao próprio texto constitucional,
tropológico, político, jurídico e relevante so- que não estaria adequado às demandas dos
cialmente. vários grupos que compõem uma sociedade
Portanto, trata-se de se problematizar multicultural.
empiricamente as tensões subjacentes às po- Haveria um paradoxo no próprio texto
líticas públicas – entre individualismo e reci-
constitucional, fundamentado em princípios
procidade e universalismo e particularismo,
universalistas que garantem a igualdade de
ou seja, entre valores e conceitos que se
pretendem universais e que orientam as po- direitos a grupos que, originalmente, são he-
líticas públicas e as tradições culturais par- terogêneos do ponto de vista étnico, convi-
ticulares com categorias e princípios que vendo em bases desiguais e assimétricas em
derivam de seus respectivos sistemas classi- um mesmo território nacional.
ficatórios. Para Hall e Tambiah, a solução seria refor-
Esta última é a mesma tensão que está mular a regra constitucional e garantir de
presente em várias reivindicações das po- fato os direitos aos grupos minoritários, as-
pulações tradicionais e das minorias étnicas
sim como políticas públicas e igualdade de
no mundo todo.
condições.
Nos Estados Unidos, quando se fala em
direito das minorias étnicas, nos países No universo do indigenismo e da política
descolonizados da África, na Índia, na Amé- indigenista, o debate sobre políticas públi-
rica Latina, incluindo o Brasil, todos estes cas direcionadas aos grupos indígenas está
debates expressam a insuficiência e as limi- centrado na noção de etnodesenvolvimento,
tações do sistema jurídico estatal baseado que se refere ao desenvolvimento que man-
em noções, princípios e conceitos univer- tem o diferencial sociocultural de uma socie-
salistas (abstratos), que estabelece como dade ou grupo social. É uma noção de de-
finalidade proteger os direitos das minorias
senvolvimento desvinculada da perspectiva
étnicas em vários âmbitos. O que está em
economicista baseada na noção de progres-
questionamento é o próprio conceito de di-
reitos humanos, engendrado no Iluminismo so, aumento do PIB etc. Esta noção envol-
europeu e concebido como um valor univer- ve, segundo Roberto Cardoso de Oliveira, a
sal10. Esta seria uma das promessas não cum- constituição de uma comunidade de argu-
pridas do Iluminismo de que nos fala mentação interétnica baseada em uma ra-
Habermas (1987). zão comunicativa e pautada pela responsa-
Em sociedades multiétnicas, as identida- bilidade moral daqueles atores que atuam no
des assumem a sua dimensão política. Con- campo dos poderes públicos dominantes. O
tudo, se a identidade, em sua formulação
etnodesenvolvimento supõe: uma etnia au-
clássica que remonta ao romantismo alemão,
tóctone com poder decisório sobre o seu
e moderna, que remete às formulações de
Lévi-Strauss, estava associada a elemen- território, recursos naturais, culturais e li-
tos irredutíveis, ou seja, a uma essência que berdade para negociar com o Estado segun-
definiria o próprio grupo social, passa a ser do os próprios interesses. Segundo Roberto
22 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Cardoso de Oliveira, no artigo “O saber, a


ética e a ação social”, “[...] Isto significa Políticas públicas e
que o grupo étnico é a unidade político-ad- indicadores socioculturais
ministrativa com autoridade sobre o seu pro-
jeto de território e capacidade de decisão
no âmbito de seu projeto de desenvolvimen- No caso das avaliações das políticas pú-
blicas sociais, o debate que este artigo sus-
to, dentro de um processo crescente de au-
cita gira em torno da necessidade de cons-
tonomia e autogestão” (1990:17).
trução de indicadores socioculturais que ar-
Os seguintes indicadores do etnodesen- ticulem no tempo-espaço as dimensões das
volvimento foram formulados para as socie- comunidades listadas abaixo, sejam elas um
dades indígenas no Brasil: assentamento de reforma agrária na região
semiárida, um município ou um bairro na re-
1. aumento da população com segu- gião periférica das grandes metrópoles. A
rança alimentar;
grande questão para o gestor de políticas
2. aumento do nível de escolaridade
públicas é de natureza epistemológica. Tra-
na língua ou no português dos jo-
vens aldeados; ta-se de conhecer, para além dos indicado-
3. necessidades básicas de produtos res quantitativos de renda e de pobreza,
do mercado com recursos próprios; quem está recebendo a política pública e
4. domínio das relações com Estado e como a ressignifica? Em que contexto? Quais
demais órgãos do governo e outras as mediações de ordem simbólica e política
entidades, de modo que a socieda- que a atravessam?
de indígena possa definir essas rela- Neste sentido, é preciso mapear, nas co-
ções. munidades beneficiárias das políticas, as se-
guintes dimensões:
Tais indicadores pressupõem a situação
ideal descrita abaixo11: 1. economia (arranjos produtivos e ca-
deias produtivas locais, por exem-
a) usufruto exclusivo dos recursos na- plo, a cadeia produtiva do mel, no
turais; caso da apicultura);
b) segurança territorial; 2. relações de poder local e sua arti-
c) demanda por produtos manufatura- culação com as demais instâncias
dos e meios para atingi-los; (estadual e federal) – as políticas
d) internalização de recursos financei- públicas transitam nas três esferas
ros. de poder até chegar ao seu destino
(quando não são desviadas);
Ressalte-se que a geração de renda, a 3. cultura (valores, tradições e identi-
entrada de recursos financeiros para as ne- dades que remetem aos grupos so-
cessidades dos índios e a aquisição de pro- ciais beneficiários);
dutos comercializados no mercado pelos 4. geografia (condições físicas e cli-
brancos são fundamentais para qualquer pro- máticas);
jeto de etnodesenvolvimento. 5. rede de proteção social (políticas
O supracitado conceito está associado às públicas sociais existentes);
políticas públicas direcionadas principalmen- 6. concepções e projetos de desen-
te aos grupos indígenas, mas pode ser volvimento local; e
extrapolado para que se pensem outros gru- 7. sistema educacional local.
pos sociais, como uma comunidade de pes-
cadores ou de quilombolas, por exemplo, ou Contudo, a construção de tais indicadores
uma cooperativa de mulheres artesãs. Nes- pressupõe um olhar etnográfico focado em dois
te último caso, o diferencial remete às rela- pressupostos epistemológicos: ressignificação
ções de gênero, que se cruzam com as de e totalidade. Neste sentido, é fundamental
classe e de etnia. apreender a visão de mundo dos sujeitos so-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 23

ciais que são alvo das políticas públicas, além preciso observar as relações de poder, a eco-
do modo como as ressignificam. E uma das nomia, educação, condições ambientais, rede
dimensões centrais é a cultura como dimen- de proteção social das comunidades-alvo das
são simbólica que articula e media os aspec- políticas públicas, como instâncias que se
tos políticos, econômicos e sociais. articulam (e não são autonomizadas) na vi-
Em pesquisa anterior, na região semiárida são de mundo das pessoas
do estado do Ceará, pude constatar que, no Técnicos do Banco Central afirmam que
universo dos assentamentos de reforma agrá- uma consciência política reflexiva e um grau
ria, a economia solidária e o crédito solidário elevado de escolaridade são fatores que con-
são apreendidos a partir das categorias tribuem para o êxito das cooperativas de
classificatórias êmicas ancoradas na lógica crédito. Marcelo Néri, economista da Fun-
patrimonialista. Neste caso, o grupo social dação Getúlio Vargas (FGV), em seminário
não opõe solidariedade e patrimonialismo, mas no Banco do Nordeste do Brasil (BNB), afir-
articula ambas as categorias no plano sim- ma também que as comunidades com níveis
bólico; ou seja, ressignifica a economia soli- mais elevados de escolaridade são solo fértil
dária e o crédito a partir das relações para que as microfinanças promovam o de-
patrimonialistas constituídas historicamente senvolvimento local13. Neste sentido, grau
naquela região12. de consciência política, cultura política e
Essa visão de mundo ancorada em rela- educação local são três indicadores ou di-
ções clientelistas constitui-se num entrave mensões fundamentais para se avaliar a
ao desenvolvimento da economia solidária na performance das políticas públicas. Quanto
região. Assim, a partir do cruzamento de tais mais a cultura política de um grupo social
indicadores, poderemos apreender os limites aproximar-se do patrimonialismo, quanto
e as potencialidades das políticas públicas menor os anos de escolaridade formal e me-
como uma dimensão significativa a partir da nor o grau de reflexividade política, maiores
qual poderiam ser diminuídas a desigualdade os limites à atuação das políticas públicas.
social e a pobreza em nosso país. Podería- Refiro-me particularmente às baseadas nos
mos, por exemplo, perceber de que forma as laços de solidariedade e de reciprocidade.
relações de poder locais impedem ou esti- Neste sentido, tais indicadores “mensu-
mulam a formação de uma cultura política rariam”, a partir de um enfoque semiótico e
crítica, a autogestão, a solidariedade e a hermenêutico, graus de reflexividade, anos
reciprocidade, que são noções centrais para e qualidade de escolaridade e padrões de
a sustentabilidade dos empreendimentos di- cultura política. Obviamente que tais indica-
tos solidários. O pressuposto da ressigni- dores jamais poderiam ou teriam a preten-
ficação das políticas públicas remete-nos às são de abarcar toda a complexidade, a ri-
articulações entre as esferas local, regional queza e a dialética que são constitutivas do
e nacional e transnacional. Neste sentido, universo simbólico das pessoas que são des-
não podemos conceber o semiárido cearense tinatárias das políticas públicas.
como um universo simbólico autônomo e en- Contudo, o trabalho de construção de in-
cerrado em si mesmo, mas sim como um uni- dicadores socioculturais é artesanal, requer
verso simbólico constituído a partir da tradi- sensibilidade analítica, é denso (pois revela
ção cultural e das injunções do sistema fi- os significados) e, em princípio, microscópi-
nanceiro transnacional. Deste modo, a visão co; no entanto, remete-nos a problemáti-
de mundo dos sujeitos é constituída a partir cas mais amplas, como o desenvolvimento
do sistema cognitivo êmico, que por sua vez social, o combate à pobreza e a melhoria
engendra-se nas relações que se tecem en- das condições de vida das pessoas “que de-
tre indivíduo e sociedade. Neste sentido, é sejam formas distintas de felicidade”14.
24 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

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ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 27

Résumé: Cet article vise à lancer une réflexion Resumen: Este artículo presenta una reflexión
de nature épistémologique sur la construction epistemológica sobre la construcción de los
socio-culturelle des indicateurs d’une pers- indicadores sócio-culturales desde una pers-
pective ethnographique dans le processus pectiva etnográfica en los procesos de
d’évaluation ex post des politiques publiques. evaluación ex post de las políticas públicas
basados en la producción de los indicadores
Mots clés: politiques publiques; indicateurs sócio-culturales.
socio-culturelles; ethnographie
Palabras-clave: políticas publicas; indica-
dores sócio-culturales; etnografia

Notas

1
Adoto (apenas como ponto de partida) a definição de políticas públicas formulada no texto de Höfling
(2001). Segundo esta autora, a política pública é o “Estado em ação”. É o Estado implantando em um
determinado contexto histórico um projeto de governo por meio de programas e ações direcionados a
determinados segmentos da sociedade. A autora utiliza este conceito para pensar as políticas públicas
de caráter social na área da educação, mas penso que esta noção pode ser ampliada para pensar
também o microcrédito, a denominada economia solidária e outras políticas públicas. A perspectiva de
avaliação no presente texto coaduna-se com a proposta de Lejano (2006) e Rodrigues (2007), que se
inspiram em uma abordagem semiótica e hermenêutica.
2
Da perspectiva institucional, o referido projeto insere-se nos termos do convênio Fundeci/Bnb/UFC de 21
de março de 2006, que viabilizou uma turma do curso de mestrado em Avaliação de Políticas Públicas
com ênfase em desenvolvimento regional. O mestrado constituiu o Numapp–núcleo de pesquisa em
formato de projeto temático integrado de pesquisa que articula as pesquisas dos alunos direcionadas a
fornecer subsídios empíricos para a construção de uma metodologia de avaliação das políticas públicas
nas quais se mesclam as abordagens qualitativas e quantitativas, com ênfase no desenvolvimento
regional em articulação com as dimensões socioculturais. A primeira fase do projeto é a construção de
uma base de dados sobre programas e políticas públicas no estado do Ceará, a exemplo do Crediamigo,
Economia Solidária, Bolsa Família, Pronaf, Prodetur, dentre outros.
3
Cf. Barros, Edir Pina (2008).
4
Diz o professor: “Cada país deveria dispor de sua própria definição de pobreza (ter dez hectares de terra
coloca uma pessoa ao lado dos ricos num país fértil e do lado dos pobres num país desértico). Seria útil
que as organizações internacionais integrassem em suas análises os critérios de identificação da pobre-
za específicos de cada país, em vez de impor normas internacionais” (Yunus, 1997:97).
5
Sobre a crise da sociedade do trabalho, consultar Antunes (1995).
6
Sobre as várias dimensões e significados da globalização, ver Ianni (1996).
7
Godelier (2001:316-317) observa muito bem o paradoxo da sociedade capitalista que repousa no fato de
que a “sociedade só vive e prospera, portanto, ao preço de um déficit permanente de solidariedade”. O
autor conclui afirmando que não podemos esperar tudo do dom, “pois apenas os deuses dão tudo ou
tudo deram, precisamente, porém, porque não eram homens. O dom há de servir, mas esperando o
quê?”.
8
Sobre o processo de constituição do campo da economia solidária no Brasil, ver excelente tese de Lechat
(2004).
9
Sobre os vários sentidos que o termo economia solidária incorpora, cf. Noelle Lechat (2002), e sobre os
múltiplos sentidos da economia solidária no estado do Ceará, cf. Gonçalves (2006b e 2007).
10
Cf. Hall (2003); Tambiah (1997); Veena Das (1995); Hutchinson (1996).
11
Cf. Azanha (2002).
12
Cf. Gonçalves (2008).
13
Fórum BNB de Desenvolvimento realizado nos dias 17 e 18 de julho de 2008, em Fortaleza.
14
Malinowski (1978).
28 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 29

Apontamentos teórico-metodológicos para a avaliação de


programas de microcrédito1
Pointers for the theoretical and methodological evaluation of
microcredit programmes
Notas teóricas y metodológicas para la evaluación de
programas de microcrédito
Pointeurs pour l’enseignement théorique et méthodologique
d’évaluation des programmes de microcrédit

Alcides Fernando Gussi*

Resumo: Este artigo apresenta reflexões teó- Abstract: This article presents theoretical
rico-metodológicas iniciais para a avaliação and methodological considerations for the
de programas de microcrédito, especificamen- initial assessment of the microcredit
te o CrediAmigo do Banco do Nordeste – BNB. programmes, specifically the CrediAmigo of
Para tanto, este artigo: (i) expõe a discus- Banco do Nordeste – BNB. For both, this
são teórica que fundamenta as reflexões so- article (i) sets out the theoretical discussion
bre os programas de microcrédito, notada- that based on the reflections of microcredit
mente o CrediAmigo; e (ii) apresenta a pro- programmes, notably the CrediAmigo, (ii) and
posta metodológica que circunscreve uma submit the proposal methodological circums-
pesquisa etnográfica sobre o CrediAmigo com cribing an ethnographic research on the
base na trajetória institucional do programa, CrediAmigo based institutional trajectory of
desde sua elaboração entre os funcionários the program, since their development
do alto e médio escalão do banco nas depen- between the officials of high and medium
dências da Diretoria, das Áreas Operacionais grade in dependencies of the bank’s Board
e da Superintendência até sua execução fi- of Operating Areas and Superintendence until
nal pelos funcionários das Unidades CrediAmigo its final implementation by officials of
que atuam junto aos clientes de diversas co- CrediAmigo units that work closely with clients
munidades locais atendidas pelo programa. O from various local communities attended the
estudo da trajetória institucional do CrediAmigo programme. The study of institutional trajectory
visa verificar como vem sendo, de fato, imple- of CrediAmigo to verify and have been, in
mentado o microcrédito do BNB e, com isso, fact, implemented the microcredit the BNB
contribuir como um instrumento para sua ava- and thereby contribute as a tool for evaluation
liação, assim como a de outros programas de as well as from other programmes of
microcrédito. microcredit.

Palavras-chave: políticas públicas; avalia- Keywords: public policy; evaluation; metho-


ção; metodologia; microcrédito; Banco do dology; microcredit; Banco do Nordeste
Nordeste

* Historiador, mestre em antropologia social e doutor em educação pela UNICAMP, é professor do Departamen-
to de Economia Doméstica e do Curso de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da UFC. E-mail:
agussi@uol.com.br
30 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Contempora- sociais; ressalta-se, ainda, que o CrediAmigo


Introdução neamente, pro- foi alvo de uma recente avaliação financia-
gramas de micro- da pelo próprio BNB (Neri e Medrado, 2005).
crédito têm-se apresentado como alternati- Ainda que não caiba no escopo deste artigo
vas de políticas de geração de renda voltadas realizar uma revisão desses estudos, já dis-
para parcelas da população em situação de cutidos em Gonçalves e Gussi (2007), en-
exclusão do crédito e vêm alinhando-se às tendo que a proposta teórico-metodológica
políticas de desenvolvimento social de vários aqui apresentada dialoga com eles e consti-
países, dentre eles o Brasil. tui-se, em relação a esses estudos, em con-
Este artigo apresenta reflexões teóricas traponto, na medida em que toma como foco
e metodológicas iniciais para a avaliação de específico o estudo etnográfico da dimen-
programas de microcrédito, especificamente são institucional como ferramenta para sua
o Programa CrediAmigo do Banco do Nordes- avaliação.
te – BNB. Para tanto, parto da hipótese ana- Este artigo está dividido em duas partes:
lítica de que as experiências desses progra- a primeira, contendo a discussão teórica que
mas, inseridas nas políticas de desenvolvi- fundamenta as reflexões sobre o estudo dos
mento regional do BNB, seriam mediadas pela programas de microcrédito, notadamente o
cultura na medida em que revelam diferen- CrediAmigo do BNB; a segunda, constituída
tes significados acerca da ideia de desen- pela apresentação de uma proposta metodo-
volvimento atribuídos por distintos funcio- lógica para a avaliação desse programa.
nários do banco vinculados às ações do pro-
grama. Estreitamente relacionada a essa hi-
pótese, apresento uma proposta metodo- A discussão teórica
lógica que, sob a perspectiva da pesquisa
etnográfica, baseia-se no acompanhamento “O nosso negócio é o desenvolvimento”
da trajetória institucional do CrediAmigo, em (http://www.bnb.gov.br). Com esta chama-
que se verifica um percurso desde a elabo- da, o site oficial do BNB leva-nos a pensar o
ração do programa entre os funcionários do lugar que esse banco ocupa no contexto das
alto escalão do BNB nas dependências da políticas públicas de desenvolvimento no Nor-
Diretoria, Áreas Operacionais e Superinten- deste, o que permite situar seu programa de
dências até a sua execução final pelos fun- microcrédito, o CrediAmigo.
cionários das Unidades CrediAmigo junto aos Para tanto, é necessário problematizar o
clientes de diferentes comunidades locais contexto de reestruturação do capitalismo
atendidas. contemporâneo, brasileiro e mundial, e par-
Entendo que o estudo da trajetória ins- ticularmente o de reordenamento do siste-
titucional do CrediAmigo visa verificar como ma financeiro, para situar analiticamente o
vem sendo, de fato, implementado o pro- lugar institucional e histórico do BNB, como
grama de microcrédito do BNB e, com isso, agente político, na implementação dos pro-
contribuir como um instrumento para a sua gramas de microcrédito.
avaliação, assim como para a avaliação de A dinâmica das relações capitalistas con-
outros programas de microcrédito. temporâneas vem apontando para um pro-
É necessário ressaltar que programas de cesso estrutural que Chesnais (1996, 1999)
microcrédito, implementados por distintas denominou “a mundialização do capital”, que
instituições em inúmeras localidades, no país é o resultado da mundialização dos merca-
e fora dele, vêm sendo estudados por pes- dos e serviços financeiros no âmbito global
quisadores em seus diferentes aspectos, e aponta para a tendência de diminuição do
como, por exemplo, aquele que se refere aos controle dos Estados nacionais sobre o fluxo
beneficiados por esses programas, revelan- de capitais. Porém o autor chama a atenção
do uma crescente necessidade de avaliação para o caráter seletivo deste movimento de
dos mesmos em consonância com demandas capitais que, controlado por quem está si-
das instituições e dos formuladores de polí- tuado em posição privilegiada no mercado,
ticas públicas em conhecer seus resultados seleciona ao mesmo tempo em que exclui
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 31

países e camadas sociais, de forma que nem ceiro nacional e o enfraquecimento dos ban-
todos participam igualmente do processo de cos públicos brasileiros. Quanto à diminui-
mundialização. O autor considera como ex- ção da participação dos bancos públicos no
cluídos deste os países que, impelidos pela conjunto do sistema bancário nacional, em
imposição das políticas de liberalização, par- que pese ainda a participação do Banco do
ticipam do movimento de forma marginal, do Brasil e da Caixa Econômica Federal, isso se
mesmo modo que, em cada país, camadas deveu principalmente à privatização dos ban-
da população são sistematicamente excluí- cos estaduais. Por tudo isso, os bancos pú-
das da participação nos benefícios auferidos blicos foram perdendo sua função de fomen-
pelo desenvolvimento do processo produti- tadores de políticas sociais de desenvolvi-
vo (Chesnais, 1996,1999). mento nos âmbitos federal e estadual (Gussi,
Apoiando-se nessas ideias, pode-se pen- 2001, 2004, 2007; Rodrigues, 2004).
sar que o Brasil, como parte da América La- Contudo, nesse cenário de mundialização
tina e ocupando posição de devedor no pla- do capital, retração do Estado-nação, imple-
no internacional, inclui-se no rol de países mentação das políticas neoliberais e rees-
marginalizados frente ao movimento de truturação do sistema financeiro, pode-se
mundialização do capital. Similarmente, considerar, analiticamente, a emergência de
quando se considera o território nacional, o embates políticos entre distintos atores
Nordeste brasileiro e parte significativa de quanto aos rumos desse processo no con-
sua população seriam duplamente excluídos texto das forças que atuam no Estado-na-
desse processo. cional, como indica Moraes (2004): “Mas os
Dentro deste quadro de mundialização do Estados nacionais são também arenas em
capital – excludente e seletiva – e comple- que conflitam outros sujeitos – grupos e clas-
mentar a ele, ganha força a política ideoló- ses, partidos e movimentos, novos atores
gica neoliberal que retoma e desenvolve os nessas relações. Mas, para fazê-lo, precisa
princípios de “mão invisível” do mercado como interagir não apenas com outros Estados,
orientadores da economia e redefine o ta- mas com forças que nesses Estados figu-
manho e a natureza do Estado-nação. As- ram, como sujeitos que disputam aquela are-
sim, ganham corpo políticas de desregula- na” (p. 4).
mentação, privatização e cortes no orça- Neste cenário de disputas e conflitos po-
mento do Estado, sobretudo o destinado às demos situar o BNB. Se o banco tem atrela-
políticas sociais. Ao mesmo tempo, aumenta do, de forma geral, suas políticas e seus pro-
o papel fiscalizador da implantação da políti- gramas às diretrizes gerais das políticas
ca neoliberal exercido por organismos eco- regidas pela mundialização do capital, ele
nômicos supranacionais – Banco Mundial, pode, contudo, ser posto como um agente
Fundo Monetário Internacional, Organização político regional, com um lugar diferenciado,
Mundial do Comércio –, novas autoridades pois permite a condução de outros proces-
políticas atuantes nos países periféricos como sos quanto aos rumos das políticas públicas
o Brasil, que muitas vezes orientam as dire- nacionais.
trizes de suas políticas sociais (Moraes, 2002, Tal argumento fundamenta-se, primeira-
2004). mente, no fato de que o BNB pensa-se como
Ainda neste contexto, quando se consi- uma instituição associada ao “desenvolvi-
dera especificamente o sistema financeiro mento do Nordeste”. Segundo Douglas
nacional e mundial, observa-se a ocorrência (1998), as instituições articulam sua legiti-
de um processo de reestruturação orienta- mação, que se dá no plano de uma ordem
da pela mundialização do capital. Essa rees- social equiparada às leis natureza, como se
truturação promoveu a abertura financeira a ordem social das instituições fizesse parte
da América Latina e, particularmente, do Bra- “de uma ordem natural das coisas”. Da mes-
sil, a partir do governo Fernando Henrique ma forma que Douglas (1998), podemos pen-
Cardoso, nos anos 1990 (Freitas, 1999; sar que o princípio de legitimação dos con-
Freitas e Prates, 1998, 2001). ceitos, regras, normas, valores e ações do
Disso resultaram a ampliação da presen- BNB, associado ao desenvolvimento, encon-
ça de bancos estrangeiros no sistema finan- tra-se “naturalizado” em seu pensamento
32 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

institucional, constituindo-se numa verdade menos público, trazendo como consequencias


que o legitima socialmente. Acrescente-se, mais imediatas a concentração bancária no
ainda, que tal pensamento institucional reve- centro-sul do país, principalmente na região
la-se no conjunto de representações e ações Sudeste, e o esvaziamento da presença e ofer-
de distintos atores socais sobre o banco acerca ta de serviços bancários nas regiões menos
do desenvolvimento. Tal legitimação é o que atrativas economicamente. Para o Nordeste,
permite situar o BNB como agente político re- ainda segundo Rodrigues (2004), este proces-
gional diferenciado, com o seu lugar próprio so traz a contenção do crédito e a expressiva
frente ao atual contexto das políticas públi- diminuição da presença de bancos públicos
cas nacionais. como, por exemplo, a do Banco do Brasil, no
Ainda, esse lugar próprio ocupado pelo BNB fomento às atividades agrícolas, resultando no
está fundamentado em sua própria história. A aumento das desigualdades regionais e inter-
origem do BNB, fundado em 1952, está asso- nas a cada região.
ciada a uma reorientação política do Estado Paralelamente a esse processo de concen-
quanto ao desenvolvimento do Nordeste du- tração de crédito, emergem, como alternati-
rante o período nacional-desenvolvimentista vas, programas de microcrédito oriundos de
da Era Vargas, momento de uma nova tomada instituições dos mais diferentes matizes (go-
de posição do Estado em relação ao desen- vernamentais, ONG’s, bancárias) que objetivam
volvimento econômico da região por meio de a concessão facilitada de crédito para viabilizar
ações planejadas pelo próprio Estado. Ainda, projetos econômicos de segmentos da popu-
no contexto do nacional-desenvolvimentismo, lação de baixa renda, focando justamente nos
o BNB associa-se, nos anos 1960, ao modelo grupos sociais e nas regiões excluídos pela
de desenvolvimento proposto pela Superin- concentração bancária. Assim, experiências
tendência de Desenvolvimento do Nordeste com programas de microcrédito têm crescido
(SUDENE), baseado no ideário de Celso Furta- ao longo da última década nos países periféri-
do (1983, 1984, 2001). Assim, no período em cos, como no Brasil, notadamente inspiradas
que a SUDENE foi perdendo sua força histórica no ideário do economista Muhammad Yunus e
no contexto regional, nos anos 1970 e 1980, sua instituição de microcrédito em Bangladesh,
o BNB tornou-se o reduto das políticas de de- o Grameen Bank (Yunus, 2000).
senvolvimento regional inspiradas por ela. Fi- Consideremos aqui o Programa CrediAmigo.
nalmente, a partir dos anos 1990, ocorreu a Segundo informações institucionais do BNB,
extinção da SUDENE, e o BNB tornou-se a úni- este programa iniciou-se com um projeto pi-
ca agência de fomento da região, focando sua loto em 1997, passando efetivamente a ope-
função como banco de desenvolvimento, em rar em 1998 com a abertura de 45 unidades,
que pesem as reformas neoliberais do Estado e atualmente está presente em 1.481 muni-
no período (Albuquerque e Veloso, 2003; cípios do Nordeste, norte de Minas Gerais e
Almeida, 1985; Barbosa, 1979; Cardoso, 2006; Espírito Santo. O programa tem por finalidade
Diamond, 1961; Pinto, 1997; Silva Neto, 1976; fornecer pequenos empréstimos (de R$ 800,00
Soares, 1977). a R$ 8.000,00), de forma não burocrática,
Considerando esta fundamentação institu- para que microempreendedores financiem seus
cional e histórica sobre o lugar diferenciado negócios em troca do chamado “aval solidá-
que BNB ocupa como agente político no con- rio”, uma garantia, oferecida pelo emprésti-
texto de políticas públicas voltadas ao desen- mo, em nome de um grupo formado para tan-
volvimento regional, pode-se, especificamen- to, de maneira que aquele não é fornecido
te, situar seu programa de microcrédito, o individualmente, mas sim a grupos de pesso-
CrediAmigo, diante do contexto de reordena- as que se responsabilizam solidariamente por
mento do sistema financeiro. seu pagamento. O seu público-alvo, sobre-
O estudo de Rodrigues (2004) sobre as tudo a população de baixa renda, é constitu-
transformações do sistema financeiro nacio- ído por autônomos, donos de pequenos ne-
nal, iniciadas na década de 1980 e intensifi- gócios e trabalhadores informais que neces-
cadas na de 1990, aponta para a formação de sitam de crédito para gerar fonte de renda,
um setor bancário com um segmento privado no setor da indústria (mercearias, sapatari-
nacional mais forte, mais internacionalizado e as, artesanato etc.), do comércio (merca-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 33

dinhos, armarinhos, farmácias etc.), ou de


serviços (salões de beleza, borracharias, ofi- A proposta metodológica
cinas mecânicas).
Segundo Relatório anual do CrediAmigo de
2007, os resultados do programa indicam: um Para a avaliação do CrediAmigo, utilizo uma
aumento crescente entre os anos de 2001 a metodologia centrada na etnografia. Este
2007 nas contratações (de 587.294 em 2001 procedimento metodológico de natureza qua-
a 4.538.755 em 2007) e nos clientes ativos litativa permite apreendermos as represen-
(de 85.309 em 2001 a 343.248 em 2007), am- tações, a visão de mundo e a perspectiva
bos com crescimento triplicado no período; que dos atores envolvidos nos programas soci-
42% e 34% são destinados respectivamente ais. Para tanto, realizo uma pesquisa entre
aos produtos “giro solidário” e “giro popular os agentes do CrediAmigo no contexto
solidário” de sua carteira ativa, ambos desti- institucional do programa, da perspectiva de
nados à aquisição de máquinas, equipamen- construção de uma etnografia na empresa
tos e realização de reformas, dentre outras (Ruben, 2004).
modalidades menores (giro individual, comuni- Trata-se de realizar, nos termos de Geertz
dade e investimento fixo); que a maior quan- (1989), uma “descrição densa” na empresa,
tidade do volume médio de empréstimos e nú- na qual se busca interpretar os diferentes
mero de operações (64%) é destinada às mu- significados acionados publicamente pelos
lheres; que 92% dos empréstimos destinam- atores à ideia de desenvolvimento, elabora-
se ao setor de comércio, 6% para o de servi- dos nas ações do Programa CrediAmigo. Com
ços e 2% para o setor industrial; e, finalmen- isso, realiza-se, ainda nos dizeres de Geertz
te, que o Ceará tem o maior número de clien- (1989), uma “interpretação da cultura” na ins-
tes (89.945, 26% do total) do CrediAmigo tituição, entendida como uma análise da es-
(http://www.bnb.gov.br.). O Relatório anual trutura de significados dados na ação social.
do BNB de 2007 destaca que o CrediAmigo Desta perspectiva etnográfica, acompa-
representa 86% das operações de microcrédito nho a trajetória institucional do Programa
no país. Estes dados são indicativos de que o CrediAmigo, inspirando-me na noção de tra-
microcrédito, desde sua implantação, alcan- jetória de Bourdieu (1986). Em seu ensaio A
çou uma projeção institucional significativa ilusão biográfica, este autor abandona o
dentro do próprio BNB e também fora dele, pressuposto de que uma vida é “como um
nos seus dez anos de existência. conjunto coerente e orientado que pode ser
Deste modo, podemos pensar que o apreendido como expressão unitária de uma
CrediAmigo, dentre as políticas de desenvol- intenção subjetiva e objetiva, de um proje-
vimento regional do BNB, está articulado ao to” (p. 184). Entendendo que uma vida não
lugar particular que o BNB ocupa, institucional é um fim em si mesmo e, portanto, não tem
e historicamente, como agente político de de- um sentido único, Bourdieu faz uma analogia
senvolvimento do Nordeste, na medida em entre a vida e o nome próprio. Diz o autor
que as linhas de ação do programa permitem que este último é o que carregamos ao lon-
reorientar o ordenamento geral da reestru- go da vida, o que lhe dá sentido, para, logo
turação financeira nacional que, como vimos, em seguida, rejeitar a ideia de que uma vida
resulta na exclusão ao crédito de grande par- possa ser explicada apenas pela associação
cela da população e de regiões no país. ao nome, considerando-a “tão absurda quan-
Contudo, considerando esse lugar históri- to tentar explicar a razão de um trajeto no
co e institucional do BNB neste cenário, pode- metrô sem levar em conta a estrutura da
se indagar em que medida, no conjunto das rede, isto é, a matriz das relações objetivas
representações e ações dos funcionários en- entre as diferentes estações” (idem, op. cit:
volvidos no CrediAmigo acerca do desenvol- 179-80).
vimento, vem sendo implementado esse pro- Assim, Bourdieu constrói sua noção de tra-
grama, permitindo que ele realize seu objeti- jetória “como uma série de posições sucessi-
vo, qual seja, gerar renda por meio do micro- vamente ocupadas por um mesmo agente (ou
crédito para grupos sociais e regiões menos um mesmo grupo) num espaço ele próprio um
favorecidos. devir submetido a incessantes transformações”
34 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

(idem, op. cit., p. 189). As trajetórias defi- nais; ressalta-se, como se verá adiante, que
nem-se como colocações e deslocamentos no essa investigação baseia-se na observação
espaço social, mais precisamente “nos esta- participante na instituição, a qual, dentre ou-
dos sucessivos da estrutura da distribuição tros procedimentos, vale-se da construção das
das diferentes espécies de capital que estão redes sociais nas quais os funcionários estão
colocados em jogo no campo considerado” (p. inseridos.
190). Essa noção de trajetória faz com que se Numa segunda fase, ainda de acordo com
abandone a ideia de que uma vida possa ser o organograma do banco e visando conhecer
compreendida como uma cadeia de aconteci- como se realiza operacionalização final do pro-
mentos, “sem outros vínculos que não a as- grama, a pesquisa foca os funcionários das
sociação a um sujeito” (idem, op. cit., p. 189). Unidades CrediAmigo, os responsáveis, enfim,
Similarmente ao que propõe Bourdieu para pela execução do programa em distintas loca-
pensar a trajetória de uma vida, a proposta lidades. Com a mesma finalidade proposta na
metodológica que ora apresento transpõe essa abordagem dos funcionários do alto e médio
noção para considerar um programa, ou, mais escalões, propõe-se conhecer como os funcio-
precisamente, a trajetória de um programa, o nários do pequeno escalão, que operacionalizam
CrediAmigo do BNB. Deste modo, parto da ideia o programa e atuam junto aos clientes, cons-
de que o programa não tem um sentido único troem suas representações sobre o BNB e o
e está circunscrito a ressignificações, segun- CrediAmigo no contexto de suas unidades.
do seus distintos posicionamentos nos vários Assim, investigam-se as trajetórias profissio-
espaços institucionais que percorre, ou seja, nais dos funcionários, a formação de distintos
de acordo com seus deslocamentos na insti- grupos, as relações sociais e de poder dentro
tuição. das unidades e fora delas, as relações com
A trajetória institucional do CrediAmigo bus- grupos de clientes do CrediAmigo nas comuni-
ca acompanhar as diferentes fases do pro- dades locais, além da margem de decisão que
grama: desde sua concepção, formulação e estes funcionários têm em relação à efetivação
implementação até sua operacionalização fi- do programa.
nal. Para construí-la, busca-se conhecer es- Finalmente, a pesquisa complementa-se
sas fases por meio da pesquisa entre os fun- com uma investigação que articula as duas
cionários inseridos nos diferentes níveis hie- fases anteriores, correspondentes, respectiva-
rárquicos nas dependências do BNB, de acor- mente, à elaboração e à execução do CrediAmi-
do com a estrutura organizacional. O conhe- go. Para tanto, buscam-se novamente os fun-
cimento empírico advindo deste procedimento cionários diretamente responsáveis pela ela-
corresponde às diferentes fases desse pro- boração do programa, sobretudo os do alto e
grama, detalhadas a seguir. médio escalões já identificados, para dialogar
Numa primeira fase, a pesquisa foca os fun- com alguns dados obtidos nas fases anterio-
cionários do alto e médio escalões, responsá- res da pesquisa, verificando em que medida
veis pela elaboração do programa – sua con- esses dados permitem modificar suas ideias
cepção, formulação e implementação – nas sobre a implementação do programa no âmbi-
diferentes esferas institucionais, a saber: a to institucional e considerar uma possível reela-
Diretoria, as Áreas Operacionais e a Superin- boração deste.
tendência. Com isso, pretende-se conhecer Esta proposta metodológica, da perspecti-
como os funcionários representam o programa va etnográfica, baseia-se, sobretudo, na ob-
no contexto de suas ações em sua área insti- servação participante entre os funcionários de
tucional, permitindo construir suas noções so- várias dependências do BNB. Para tanto, ob-
bre o BNB e o CrediAmigo. Para tanto, investi- servam-se, por um período de tempo, situa-
gam-se os perfis desses funcionários, suas tra- ções rotineiras envolvendo funcionários em sua
jetórias profissionais e afiliações teóricas, as área de trabalho, sobretudo as relacionadas
relações sociais dentro da organização, os di- ao programa, e outras situações extraordiná-
ferentes grupos profissionais e hierárquicos, rias, tais como treinamentos e reuniões admi-
suas múltiplas alianças, conflitos e embates, nistrativas, bem como ocasiões informais como
assim como as relações de poder entre as di- conversas esporádicas, encontros em inter-
ferentes hierarquias administrativas e funcio- valos de refeições, confraternizações etc. Es-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 35

pecificamente, entre os funcionários das Uni- Por fim, considero dois últimos pontos. Pri-
dades CrediAmigo, acompanham-se situações meiramente, que o estudo etnográfico da
de contato que estes realizam fora de suas trajetória institucional do CrediAmigo do BNB,
unidades com os grupos de clientes beneficia- ao pretender analisar as experiências dos
dos pelo crédito, nos loci dos empreendimen- programas de microcrédito a partir das múl-
tos econômicos destes últimos. tiplas significações de distintos atores em
Além disso, realizam-se: levantamento da seu contexto institucional, permite construir
documentação institucional sobre o progra- novos fundamentos teóricos e metodológicos
ma; aplicação de questionários semiestrutu- para a avaliação do CrediAmigo, assim como
rados entre os funcionários de diversos seto- dos demais programas do BNB.
res; entrevistas abertas com funcionários Outro ponto refere-se à importância de
estreitamente envolvidos nas ações do uma avaliação das políticas públicas de ca-
CrediAmigo, privilegiando como estratégia a ráter social destacar a trajetória institucional
construção de narrativas pessoais sobre sua de um programa, na medida em que, com
trajetória profissional a partir de histórias de essa estratégia metodológica, busca-se per-
vida (Gussi, 2005); formação de grupos focais ceber o grau de coerência e/ou dispersão
com funcionários de distintos setores. do programa ao longo do seu trânsito pelas
Apresento a seguir um quadro que condensa vias institucionais. Desta forma, por exem-
esta proposta metodológica: plo, a avaliação de um programa gestado na
esfera federal necessita da reconstituição
Quadro 1 – PROPOSTA METODOLÓGICA : A de sua trajetória, na qual o pesquisador per-
TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL DO P ROGRAMA ceba as mudanças nos sentidos dados aos
C REDIAMIGO DO B NB objetivos do programa e a sua dinâmica,
ALTA DIREÇÃO conforme adentra espaços institucionais di-
ferenciados e desce nas hierarquias até che-
ÁREAS OPERACIONAIS
gar à base, momento que corresponde ao
contato direto entre agente institucional e
sujeito receptor da política (Gussi; Gonçal-
SUPERINTENDÊNCIA
ves; Rodrigues, 2006).
S
Por tudo isso, acredito que essa esta pro-
posta metodológica venha também a servir
UNIDADE UNIDADE UNIDADE de ferramenta para a avaliação de outros pro-
CREDIAMIGO 1 CREDIAMIGO 2 CREDIAMIGO 3
gramas de microcrédito e de políticas públi-
cas de caráter social atualmente implemen-
GRUPO DE CLIENTES GRUPO DE CLIENTES GRUPO DE CLIENTES tados, permitindo refletir acerca dos seus li-
1 2 3 mites e possibilidades.

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Résumé: Cet article présente théoriques et Resumen: Este artículo presenta considera-
méthodologiques pour l’évaluation initiale des ciones teóricas y metodológicas para la
programmes de microcrédit, en particulier le evaluación inicial de los programas de
CrediAmigo de Banco do Nordeste – BNB. Dans microcrédito, especificamente el CrediAmigo
les deux cas, cet article (i) définit la dis- del Banco do Nordeste – BNB. Por tanto, este
cussion théorique que sur la base des artículo (i) establece la discusión teórica so-
réflexions de programmes de microcrédit, bre las bases de las reflexiones de los pro-
notamment la CrediAmigo, et (ii) soumettre gramas de microcrédito, en particular el
la proposition méthodologique de circonscrire CrediAmigo, y (ii) presentar la propuesta
une recherche ethnographique de CrediAmigo metodológica que circunscribe una investigación
fondée sur la trajectoire institutionnelle du etnográfica del CrediAmigo basado em La
programme, depuis leur développement entre trayectoria institucional del programa, des-
les hauts et moyens fonctionnaires de la ban- de su desarrollo entre los funcionarios de
que dans les dépendances du Conseil de zones alto y mediano grado en las dependencias
d’exploitation et de surveillance, jusqu’à son hasta la Diretoría y Superintendencia del ban-
final d’exécution par les fonctionnaires de co hasta su ejecución final por parte de los
CrediAmigo unités qui travaillent en colla- funcionarios de las Unidades CrediAmigo que
boration étroite avec les clients de différentes trabajan en estrecha colaboración con los
communautés locales qu’ont participé à ce clientes de diversas comunidades locales
programme. L’étude de trajectoire institutio- asistidas por el programa. El estudio de la
nnelle de CrediAmigo a pour but de vérifier trayectoria institucional de CrediAmigo tiene
comment a été, en fait, mis en œuvre le por finalidad verificar como ha sido, de hecho,
microcrédit de BNB et et de contribuer ainsi puesto em práctica microcrédito del BNB y
comme un outil d’évaluation ainsi que d’autres contribuir como una herramienta para su
programmes de microcrédit. evaluación, así como de otros programas de
microcrédito.
Mots clés: politique publique; évaluation;
méthodologie; microcrédit; Banco do Nordeste Palabras-clave: políticas públicas; evaluación;
metodologia; microcrédito; Banco do Nordeste

Notas

1
Trata-se das reflexões teórico-metodológicos que orientam o projeto de pesquisa “Cultura, desenvolvimen-
to regional e avaliação de políticas públicas: trajetória institucional dos programas de geração de em-
prego e renda (CrediAmigo) do Banco do Nordeste”, financiado pelo CNPq/Fundação Cearense de Apoio
à Pesquisa – FUNCAP.
38 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 39

Considerações críticas sobre desenvolvimento econômico local


e economia social
Critical considerations on economic local development and
social economy
Consideraciones críticas sobre desarrollo económico local y
economía social
Considérations critiques sur le développement économique
local et l’économie sociale

Susana R. Presta*
Liliana S. Landaburu**

Resumo: Neste artigo, tentamos rever criti- Abstract: In the present article we propose
camente as implicações dos planos locais de to check critically the implications of the plans
Desenvolvimento Econômico e de Economia of economic local Development and Social
Social (gerados pelo Ministério de Desenvol- Economy (generated by the Department of
vimento Social da Nação) em conexão com Social Development of the Nation) refering to
os agentes deles beneficiários. Neste senti- the agents beneficiaries of these plans. In
do, são relevantes para nossos objetivos de this sense, it is important, in our investigation
investigação o papel do Estado como insti- subjects, the place of the State as a habili-
tuição que promove e apóia o desenvolvi- tating institution of the local development,
mento local, as transformações em torno da the transformations concerning to the relation
relação capital-trabalho e a importância das capital/work and the importance of the
unidades domésticas, como fundamento da domestic units as fundament of the social
economia social e solidária. Para analisar esta and solidary economy. For the above
economia, fazemos referência ao caso da Sol mentioned, we refer to the case of the Sol
Foundation (Córdoba, Argentina), na qual fi- Foundation (Córdoba, Argentina) in which we
zemos nosso trabalho de campo com base have made our field work throught semi-
em entrevistas semiestruturadas e observa- structured interviews and remarks. Our
ções. Nossa análise permitiu-nos dar conta analysis allow us to understand more about
da existência de processos de subsunção do especifics subsumption processes of the work
trabalho ao capital invisibilizados nos planos to the capital that remain hidden on the plans
de desenvolvimento econômico local. of economic local development.

Palavras-chave: desenvolvimento econô- Keywords: economic local development;


mico local; economia social; subsunção do social economy; subsumption processes of
trabalho ao capital the work to the capital.

* Licenciada em ciencias antropológicas, FFyL, Universidade de Buenos Aires, UBA, becaria doctoral CONICET.
Correo eletrônico:spresta@hotmail.com.
** Licenciada em ciencias antropológicas, FFyL, Universidade de Buenos Aires, UBA. Miembro del NADAR
(Núcleo Argentino de Antropología Rural).
40 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

En Argenti- y recién graduados de instituciones de gra-


Introducción na, provincia do superior. Sus aliados son las empresas
de Córdoba, se Alcatel, ABN Ambro, Cadbury Schweppes,
encuentra el municipio de Capilla del Monte, DHL, Electrolux, Microsoft y Unilever, entre
al norte del Valle de Punilla, con una población otros. La encuesta fue llevada a cabo por
de 9.085 habitantes (según datos INDEC del una Licenciada en Finanzas, proveniente de
año 2001). Su economía está ligada, mayor- México, en carácter de voluntaria.
mente, a la actividad turística estacional. El El Proyecto Integral plantea la existencia
circuito económico se compone por actividades de un Fondo Rotatorio para invertir en
comerciales y de servicios. En la década del insumos y equipamiento estratégico, en el
’70, florecen industrias familiares de artículos cual cada unidad doméstica involucrada
regionales, tejidos y de alimentos e industrias deberá aportar cien pesos.
medianas que, además de emplear a un im- Teniendo como eje estructurador al Ban-
portante número de trabajadores, hacen co de Horas Comunitario se proponen dos
trascender el nombre de la localidad a través proyectos socio-económicos centrales3. Por
de los productos elaborados. Paralelamente, un lado, la conformación de una Empresa So-
se incrementa el personal en empresas cial de Jóvenes Jardineros. A partir de esta,
estatales. Sin embargo, en la década del ’90, se promoverán conceptos, valores y
a partir de las políticas neoliberales, la mayoría aplicaciones de la economía solidaria para
de las pequeñas y medianas industrias cierran sustentar proyectos comunitarios y mejorar
sus puertas, como así también, las empresas la calidad de vida de los sectores marginados.
estatales pasan a manos de capitales priva- Los participantes serán becados para asistir
dos generando una fuerte expulsión de fuerza a talleres de formación laboral que les per-
de trabajo. En consecuencia, desde entonces, mitirá conformar sus propias producciones
prevalece el subempleo, es decir, el trabajo familiares para satisfacer la demanda de los
precarizado. socios del Banco de Horas o del mercado
Nuestro trabajo de campo en dicha locali- local. Por el otro, la conformación de un Centro
dad se centra en una iniciativa enmarcada Educativo y Productivo de Hongos Comestibles
en la economía social y solidaria1, la cual se (girgolas), asociado al corredor de girgoleros
consolida en el año 2007 bajo el nombre de de la provincia de Córdoba y del país. La
Fundación SOL. En ese mismo año, la producción estará destinada al mercado local y
institución ha presentado, ante el Ministerio nacional.
de Desarrollo Social de la Nación, un Proyecto En el presente artículo, analizaremos la
Integral que propone distintos empren- propuesta del DEL, distinguiendo conceptos
dimientos socio-productivos con el fin de estratégicos que son definidos de una manera
obtener financiación para la puesta en mar- particular, lo cual nos permitirá avanzar
cha de los mismos. Intervienen en este críticamente en su formulación. En este sen-
proyecto distintas instituciones educativas, tido, analizaremos las relaciones sociales de
la Municipalidad de Capilla del Monte y la producción que se generan a partir de la
Fundación SOL en calidad de ejecutora de implementación de dichos proyectos, des-
los tres proyectos incluidos y como ente tacando el rol del Estado en tanto constructor
articulador/generador de contraprestaciones. de marcos normativos y, por lo tanto, habi-
Precisamente, tiempo antes de presentar litador de nuevos procesos de valorización
dicho Proyecto Integral, el presidente del del capital.
Banco de Horas solicitó un relevamiento de Según Albuquerque (2004), la iniciativa
las capacidades productivas de la población de Desarrollo Económico Local (DEL), requiere
de Capilla del Monte y de su interés en par- la movilización y actuación de agentes
ticipar del Banco de Horas Comunitario2, el locales, públicos y privados. De este modo,
cual recibió fondos de la Asociación Inter- junto a las relaciones económicas y técni-
nacional de Estudiantes en Ciencias cas resultan esenciales para el DEL las rela-
Económicas y Comerciales (AIESEC). Esta úl- ciones sociales y el fomento de la cultura
tima es una organización global, apolítica, emprendedora, la formación de redes
sin ánimo de lucro, manejada por estudiantes asociativas entre agentes locales y la cons-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 41

trucción del tan mentado “capital social”.


Podemos señalar que el autor considera que Producciones domésticas en el
para la implementación del desarrollo
marco del paradigma de
económico local deben confluir un complejo
conjunto de factores que trascienden el Desarrollo Económico Local
hecho de la descentralización de las estruc-
turas del Estado. De este modo, en el mismo
proceso se articulan la concertación institu- La Antropología Económica considera a la
unidad doméstica la forma organizativa en
cionalizada de agentes públicos y privados,
que la familia trasciende fronteras históricas
la coordinación interinstitucional, la cons-
como sociales; desde esta perspectiva fue
trucción de identidad regional y capital soci-
posible plantear modelos alternativos de
al, la creación de condiciones de infraestruc-
racionalidad, producción, intercambio, distri-
tura y servicios de desarrollo urbano, la
bución y consumo. Los estudios se centraron
generación de servicios de desarrollo em- fundamentalmente en la distinción entre la
presarial, la vinculación con las universida- racionalidad económica orientada a la
des regionales y los centros de investigación, reproducción de la vida de sus integrantes y a
la adecuación de los marcos jurídicos y la reproducción ampliada de sus relaciones
legales. interdomésticas y comunitarias, a diferencia
Esta definición se enmarca en el modelo de aquella orientada a la maximización de la
propuesto a partir del Consenso de Washing- ganancia, característica de la organización ca-
ton, desde donde se definieron líneas de pitalista de la producción. Los antecedentes
acción, las cuales impactaron tanto en el los encontramos en los modelos de Chayanov
ámbito urbano como rural. El modelo neoliberal (1974) y la escuela rusa de “la organización y
implementado y reforzado con el Consenso producción campesinas”, la relación con la
de Washington trajo consigo la reformulación dinámica demográfica en Fortes (1974), los
de políticas del Estado, privilegiando la lógi- vínculos entre unidad doméstica y política en
ca de la competencia, el mercado como re- Sahlins (1977). Partiendo desde otra perspec-
gulador de los distintos ordenes sociales, la tiva analítica encontramos trabajos que
concentración económica, el ajuste, la analizan las economías domésticas en relación
precarización del empleo, la caída del salario, con los procesos de acumulación capitalista
la exclusión y la desigualdad social. (Meillasoux, 1985; Stoler, 1987; Gordillo,
Paradójicamente en este contexto, ge- 1992).caracteristica de a maximizacientraron
neralizado para América Latina, aparece la fundamentalmente en la distincide racionalidad,
producci.
propuesta del DEL como paliativo a las
Alburquerque (2004) presenta como
condiciones de pobreza y desigualdad social
centrales para un enfoque del DEL la movi-
que el modelo profundizó. Ésta se construye
lización y participación de agentes locales,
a partir de categorías tales como: inclusión,
el cual incluye prioritariamente a las unida-
equidad, bienestar, desarrollo democrático.
des domésticas, dado su condición de vul-
Asimismo, presupone la articulación de los nerabilidad dentro de los sistemas locales,
agentes a partir del desarrollo de capacida- paralelamente son valoradas sus capacida-
des, la asistencia técnica y gestión del des y saberes. Aquí, tanto la identidad terri-
trabajo. torial como el capital social constituyen
Con el propósito de analizar críticamente activos intangibles que deben ser construi-
la relación entre el modelo de desarrollo, las dos a partir de la participación de los dife-
políticas públicas derivadas del mismo y los rentes agentes sociales en la discusión de
agentes involucrados, tomaremos el caso los problemas locales y la búsqueda de
antes mencionado. El presente artículo in- espacios de concertación público-privados.
tenta ahondar en algunas conclusiones de- En nuestro caso, el sector público (Munici-
rivadas de nuestro trabajo de campo, las palidad) y el sector privado (Fundación de la
cuales posibilitarán una reflexión teórica so- empresa Arcor) se presentan como dos agen-
bre la problemática abordada. tes centrales del proyecto, el primero como
42 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

habilitador del segundo, al cual le compete está incluida en el sistema formal, relacio-
una posición destacada debido a su calidad nado con la producción, el intercambio y la
de financiador/garante y “socio”. El interés circulación de bienes de uso como de cam-
tanto del Estado como de la empresa puesto bio, es decir, inserta en el circuito productivo
en las capacidades productivas de las uni- del sistema capitalista. Acordamos con
dades domésticas y en el desarrollo de la Trinchero (2000) que la heterogeneidad de
economía doméstica no son casuales, pues situaciones por la que atraviesa la unidad
se vinculan con la necesidad de ejercer una doméstica en la reproducción ampliada del
vigilancia minuciosa sobre las formas de capital implica considerar la subsunción del
producción y reproducción social de estos trabajo al capital, concepto acuñado por Marx
sectores con el propósito de soslayar (1981), como un proceso no lineal y sujeto
cualquier posibilidad de conflicto social que a múltiples determinaciones, como así
pueda atentar contra el desarrollo del capi- también contemplar los procesos de
talismo actual. subsunción indirecta formal y real, categorías
En este sentido, Atria, en Pobreza rural y desarrolladas por Gutierrez Perez y Trapaga
capital social (CEPAL, 2003), también hace Delfín (1992) que sostienen:
referencia al concepto de capital social como
la “capacidad racional” para obtener recur- La subsunción indirecta formal se ca-
sos con el modelo empresario como marco. racteriza por la separación del pro-
Sin embargo, estos elementos novedosos en ductor doméstico de la propiedad
el enfoque sobre el desarrollo local coexisten económica, mas no jurídica, de sus
con representaciones sobre la sociedad y el medios de producción (propiedad
individuo, características de las teorías económica que pasa a ser del capital
desarrollistas de mitad del siglo pasado, que en virtud de su control indirecto de la
supuestamente ya se creían superadas. La producción) y por el hecho de que aún
importancia de la educación, como estrategia no se altera el proceso de trabajo lo
disciplinadora, extensiva de las disciplinas que hace que la subsunción tenga un
imperantes del ámbito empresarial, que remite carácter extensivo. La susbunción
a una ética del autodisciplinamiento (Pres- indirecta real implica la transformación
ta, 2004), implica sobretodo una reconfi- tecnológica radical del proceso laboral
guración de los sentidos del trabajo. A partir domestico, la introducción de formas
de esta ética del autodisciplinamiento, los intensivas de producción y el pleno
sujetos hacen propia toda responsabilidad acceso del campesino a la modernidad
sobre su situación socioeconómica, y son capitalista (p. 60).
ellos mismos quienes deben hallar un camino
de salida para asegurar su “ciudadanía Los constantes monitoreos por parte de
económica”. El énfasis puesto en la los agentes del Estado apuntan a formas pre-
educación (bajo la forma de capacitaciones) cisas de control sobre las prácticas de los
incentivada y supervisada por agentes del sujetos, justamente para “aumentar la
Estado y de las empresas refieren a la efectividad”, pero también la eficacia de una
creación de nuevos valores en tanto estra- disciplina avocada a la construcción de este
tegias disciplinadoras de la fuerza de trabajo. nuevo “trabajador emprendedor” creyente de
En este sentido, la disciplina empresarial se brindar a los demás y a sí mismo un trabajo
traslada, una vez más, a todos los ámbitos emancipado, libre de condicionamientos que,
de vida hasta apropiarse y resignificar toda en definitiva, se auto convence de la exis-
iniciativa que escape a su dominio, suscep- tencia de un orden natural de la cosas y de
tible de ser incorporada a los procesos de la realidad orden en el cual está en sus
valorización del capital. manos toda posibilidad de integración
Los emprendimientos productivos del socioeconómica, aunque esta no sea más
Proyecto Integral orientan sus producciones que una inestable ficción, que apunta a la
(girgolas) y servicios (jardinería) tanto al in- incorporación del trabajo humano en los
terior del Banco de Horas como al mercado procesos de valorización del capital.
formal. En este sentido la unidad doméstica En el capitalismo mundial el trabajo exis-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 43

te actualmente, como hace 500 años, económica, es decir, la coexistencia de una


en todas y cada una de sus formas lógica del “don” al interior del mismo y una
históricamente conocidas (salario, escla- lógica “mercantil” fuera de él (Presta y
vitud, servidumbre, pequeña producción Landaburu, 2007). Dicha necesidad de
mercantil, reciprocidad), pero todas ellas traspasar los límites de los intercambios en
al servicio del capital [...] Es siempre el Banco de Horas, puede vincularse con el
una historia de necesidades, pero igual- carácter subordinado de lo que podemos
mente de intenciones, de deseos, de llamar una racionalidad del don a la
conocimientos o ignorancias, de opciones racionalidad instrumental propia del capita-
y preferencias, de decisiones certeras o lismo.
erróneas, de victorias y derrotas. De Los beneficiarios y socios del Proyecto In-
ningún modo, en consecuencia, de la tegral, además de lograr una ganancia deri-
acción de factores extrahistóricos vada de la venta de las girgolas o de su
(Quijano, 2000:348). trabajo en jardinería, también entran en los
circuitos de intercambio del Banco de Horas
Así, la coexistencia tanto de distintas for- a partir del cual el producto de su trabajo es
mas de trabajo, en nuestro caso, voluntario retribuido con moneda social. Resulta
y asalariado (precarizado o estable) y for- necesario detenernos por un momento para
mas de producción, distribución, intercambio considerar este concepto.
y consumo, como de distintas racionalidades,
resultado del devenir histórico de los sujetos, Por moneda social, en sentido lato, se
las cuales conviven en este sentido, plantean entiende el instrumento fiducidiario (de
un entramado de relaciones sociales de po- confianza), utilizado por una o más
der heterogéneo, conflictivo y contradictorio. personas y/o grupos(s) que ejerce(n)
En este contexto, los procesos de subsunción las funciones de unidad valorativa, que
del trabajo al capital también se presentarán puede circular libremente en una
bajo estas características. comunidad y es aceptada como forma
En este sentido, el concepto de subsunción de pago; su valor nominal no es igual al
indirecta del trabajo al capital, nos permite valor intrínseco, sino que depende de
dar un paso más en el análisis de las relacio- la confianza de los que la reciben o
nes del Banco de Horas con el mercado for- utilizan, por ello no puede ser usada
mal en el marco del DEL. La intervención del como instrumento de acumulación de
mercado formal en la fijación de los precios las riquezas producidas por los indivi-
de los productos y servicios, en la compra duos o la comunidad (Peixoto de
de insumos y equipamiento necesarios para Albuquerque, 2004: 319).
producir y la extensión de los intercambios
fuera del Banco de Horas, constituyen for- Ahora bien, la moneda social, en tanto
mas en que el trabajo de los socios queda equivalente general que mide el valor de otras
supeditado a los circuitos de acumulación mercancías, se construye en referencia a la
del capital. Mas, en este proceso, las unida- moneda oficial. Así, se pierden de vista las
des domésticas logran, asimismo, cierto grado relaciones sociales de producción específi-
de capitalización. Cabe notar que la economía cas en las que participa la fuerza de trabajo
solidaria provee ingresos a las unidades do- de los socios, en cambio, tanto el tiempo de
mésticas involucradas y mantiene su consu- trabajo como el producto de los trabajos par-
mo en el mercado formal sin el costo de una ticulares es medido según el sistema de
relación salarial, lo cual provoca un ahorro precios del mercado formal. La convención
en los costos de reproducción de la fuerza por la cual es creada la moneda social sigue
de trabajo para el capital. supeditada a la fetichización que rige en el
Como decíamos, la producción que originan sistema capitalista. No alcanzan los valores,
los emprendimientos del Proyecto Integral por distintos que sean respecto de aquellos
extiende su finalidad a la consecución de con los cuales funcionan los intercambios bajo
mayores beneficios más allá de los límites de la lógica capitalista, pues sería necesaria una
éste, a partir de la doble racionalidad auténtica autonomía en relación con esta
44 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

última, lo cual resulta improbable. Las organi- tinos para la fuerza de trabajo, crearemos
zaciones de la economía social y solidaria alternativas de salud y educación, lograre-
coexisten sin excepción con el sistema mos la equidad social y la participación
económico formal. De este modo, se garan- ciudadana. Lo anterior guarda relación con
tiza la continuidad y extensión de la discipli- los textos de los acuerdos internacionales
na y dominación del mercado capitalista. como la Declaración del Milenio (2000) y el
En este sentido, los productores asociados, Consenso de Monterrey (2002), entre otros,
a partir de los microemprendimientos que productos indiscutibles del ejercicio de las
genera el programa, tienen una doble parti- formas de poder del capital. Estos últimos
cipación tanto en los circuitos de intercambio mencionan la erradicación de la pobreza, la
del Banco de Horas como también en el mer- aplicación de estrategias que proporcionen
cado formal local y/o nacional. Así, la a los jóvenes de todo el mundo la posibilidad
subsunción del trabajo al capital, mediante el real de encontrar un trabajo digno y pro-
mercado formal, es garantizada por dicha doble ductivo, el fortalecimiento de las inversiones
participación de los trabajadores en ambas prioritarias en educación y salud, la equidad,
instancias de intercambio. Los riesgos del la participación, la justicia, la transparencia,
emprendimiento son equilibrados con la la responsabilidad e inclusión. Asimismo, se
posibilidad de compra (de los productos y insta a la colaboración entre el sector priva-
servicios que se ofrecen en los circuitos de do y las organizaciones de la sociedad civil
intercambio) y venta (de su producto/servicio) en pro del desarrollo a partir de una economía
en el Banco de Horas. Sumado a esto, las de las donaciones. De hecho, el paradigma
relaciones de producción, es decir, la forma de desarrollo neoestructuralista (finales de
concreta de los procesos de trabajo en la los ’80 y principios de los ’90) enfatiza en la
economía social y solidaria, generan una implicación de los sectores de la sociedad
fuerza de trabajo, en definitiva, precarizada civil que puedan actuar como socios en el
y flexible, es decir, regida por la inestabilidad
proceso del desarrollo económico (Kay, 2004).
económica sujeta a los cambiantes requeri-
Sin ningún ánimo de desmerecer los esfuerzos
mientos del mercado formal, lo cual también
de quienes participan de estas iniciativas co-
implica una transferencia de los costos de
operativas, si miramos desde una perspecti-
reproducción hacia los propios productores.
va más amplia, resulta casi irrisorio que las
Mediante la articulación de la microeconomía
mismas sean estudiadas como ajenas al sis-
en un sentido no disruptivo, con los linea-
tema socioeconómico capitalista, como una
mientos macroeconómicos de la región, los
alternativa que anuncia el fin de la enajena-
agentes locales deberán vincularse reciproca
ción del ser humano.
y dependientemente a nivel local para
Becker (1987), desde una perspectiva neo-
garantizar las nuevas infraestructuras a des-
clásica, sostiene que las dotaciones y las
plegar a nivel global.
recompensas del mercado son producto de
Podemos pensar que al interior de los
la suerte, de forma que las rentas están de-
espacios locales opera un sistema integrado
de relaciones sociales contradictorias, las terminadas por la interacción entre suerte y
cuales son invisibilizadas al considerar la po- conducta maximizadora. Si volvemos a Razeto
breza un problema emergente de los desarrollos (2004), encontramos que las donaciones, las
desiguales alcanzados en la región, y enten- cuales se realizan mayormente en el marco
dida esta como una “situación, un estado de de las relaciones familiares, también parecen
distribución” y no como una relación social depender de la suerte: los pobres recibirán
dialécticamente conformada. menos donaciones que los ricos, por lo tan-
Sin ir más lejos, Razeto (2004) enfatiza la to, deberán incorporarse tempranamente al
importancia de una economía de las mercado laboral. Como menciona el autor, la
donaciones y la necesidad de una creciente riqueza no se relaciona únicamente con
responsabilidad social por parte de las nuestra interacción individual con el merca-
corporaciones. Sostiene que, a través de la do sino que está también determinada por
economía de la solidaridad, podremos supe- las donaciones (dotaciones de suerte) que
rar la pobreza, encontraremos nuevos des- nos ofrecen. Nos queda la impresión de que
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 45

la desigualdad y las formas de explotación El Proyecto Integral, enmarcado en el Plan


de las relaciones sociales de producción ca- de Desarrollo Local y Economía Social finan-
pitalistas no tienen cabida en su análisis, ciado por el Estado, plantea la consideración
pues todo se limita y se reduce a las donacio- del ciudadano en tanto sujeto y no desti-
nes que alguien pueda recibir en su juventud. natario de dádivas. Estas últimas, definidas
Más aún, las relaciones de poder no sólo como “indignas”, desplazan las formas de
responden a la relación capital/trabajo sino asistencialismo social a favor de proyectos
que se vinculan también a una clasificación auto-sustentables, los cuales articulan sa-
de los sujetos, propiciada por los organis- beres y prácticas, recursos y personas a tra-
mos multilaterales y que impregna los pro- vés de recursos públicos y privados. En este
gramas estatales, en términos de “pobres”, sentido, se considera que el Estado tendrá
“vulnerables”, lo cual implica, a su vez, la un lugar estratégico en la generación de
necesidad de gestionar el riesgo que estos dichos planes, dado que este dota de ins-
sujetos implican. trumentos a los grupos respetando “su
autonomía” y transformándose en un socio
Se trata de un modo de gestión del riesgo para la implementación del DEL.
que impulsa la creación de instituciones
que motoricen o coordinen la innovación La ideología capitalista pretende sin
interrelacionando la familia, comunidad embargo, en sus momentos más filan-
y economía. Según este paradigma, el trópicos, proclamar una meta de la
pobre y el vulnerable deben equilibrar racionalidad que sería el bienestar. Pero
su derecho a la asistencia social con el su especificidad proviene del hecho de
ejercicio de obligaciones morales [...] que ella identifica este bienestar con un
Así surge junto a una política focaliza- valor económico máximo – u óptimo –,
da, una culpabilización moral individual o bien pretende que ese mismo bienestar
del pobre, el cual es responsabilizado provendrá, segura o muy probablemen-
por su situación (Murillo, 2006: 32). te, de la realización de ese máximo u
óptimo. De tal manera que, directa o
La naturalización de la desigualdad y su indirectamente, la racionalidad se ve
consiguiente inevitabilidad contribuyen a la reducida a la racionalidad económica
perpetuación de las relaciones de dominación [...] (Castoriadis, 2005: 67).
y a dicho imperativo de gestión y contención
– re encauzamiento de estos sectores “po- Consideramos que analizar la racionalidad
bres” o “vulnerables”. Esta moral, amparada implica dar cuenta de cómo los sujetos con-
bajo la “participación democrática” y la cretos crean una realidad racional en el
“equidad”, no hace más que extender el al- proceso histórico. Carácter racional que se
cance de la racionalidad institucionalizada del remite a la necesidad de crear un orden de
capital (Landaburu y Presta, 2007) concebida las cosas y de la realidad, impuesto de
como complemento ineludible para la preten- antemano por los supuestos constatados e
dida integración. Recordemos, nuevamente, indiscutibles de lo “racional” o de la “racio-
que los socios del Banco de Horas suponen nalidad” construidos por el capitalismo, cuyo
necesaria la existencia de la racionalidad ca- peso socio-histórico escapa a una crítica
pitalista, con su impronta de “empresarios contundente por parte de las iniciativas de
emprendedores”, para la continuidad de la la economía social y solidaria. Sin embargo,
organización y con el fin de no convertirse en nunca se tratará exclusivamente de una
“algo cerrado”. Sin embargo, no hay puras racionalidad económica pues, los deseos y
determinaciones (de clase, de estructura) también los afectos, constituyen la base de
aunque existen condicionantes objetivos. Hay, dicha racionalidad. No obstante, también re-
también, subjetividades (deseos, intenciones) cordemos que dichos deseos son resultado
contradictorias en tanto resultado de una del devenir histórico de los sujetos, por lo
historia heterogénea. De allí, la posibilidad de tanto, se encuentran atravesados por cir-
la articulación de distintas racionalidades en cunstancias concretas, las cuales aportan
un mismo sujeto o grupo social. significaciones socialmente construidas e
46 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

instituidas que subyacen a su propia existen- locales opera un sistema integrado de rela-
cia. ciones sociales contradictorias, las cuales
En definitiva, el DEL, en tanto política pú- estratégicamente son invisibilizadas. En este
blica, contribuye a la consecución de dos marco, el concepto de capital social, parti-
objetivos primordiales. En primer lugar, se tra- cularmente, refiere a una forma de relación
ta de una forma de “reciclar” las capacida- social-associativa –, en donde saberes y
des de trabajo que el capital ha expulsado prácticas de los sujetos son reapropiados
sistemáticamente desde la década del ’70 a por los diferentes programas, transfor-
partir de los procesos de reconversión pro- mándose en una estrategia socioeconómica
ductiva en el marco de los cambios en los para mantener la dominación del capital
procesos de acumulación de capital y, en sobre el trabajo.
segundo lugar, contribuye a garantizar la La construcción de sentido, en la cual la
continuidad del mercado capitalista en base doble racionalidad económica ocupa un lu-
a nuevas formas de subordinación de las pro- gar central, propicia un modelo que preten-
ducciones domésticas insertas en los planes de articular lo macro económico – promovi-
de desarrollo. En este sentido, los límites de do y logrado por estos organismos multi-
la economía social y solidaria, en el marco laterales, incluido también el Estado, con lo
del DEL, se vinculan a la consolidación de micro – donde se incluirían los “pendientes”
las políticas neoliberales y la mundialización del modelo. En este sentido, las desigualda-
del capital. des sociales, los agentes, las relaciones
sociales existentes y hasta cierta historicidad
en la construcción de las mismas se visualizan
Consideraciones finales solo en el nivel macro (regional) y las relaci-
ones conflictivas entre los sectores se
amortiguan mediante el armado de empren-
Sostenemos desde una perspectiva dife- dimientos socio-productivos, como pro-
rente que los procesos de desarrollo puestas para lograr contribuir a objetivos
productivo a partir del programa analizado comunes sin contradicción y a través del
no implican solamente una difusión de mercado.
conocimiento, tecnología y desarrollo de ca- Es destacable la relevancia que adquiere
pacidades, sino, también, nuevas perspec- el conocimiento de intereses, capacidades,
tivas de acumulación de capital a partir de valores y estrategias de los agentes en
la apropiación de estos saberes y donde la dichas construcciones. Presupone que el
pobreza se convierte en la justificación del carácter local de la propuesta propicia un
DEL en tanto una nueva forma de subor- acceso mayor al conocimiento de normas y
dinación del trabajo al capital. articulaciones entre los agentes con los re-
La articulación del Estado y los progra- cursos disponibles, evidenciando un presu-
mas propuestos por los diversos organis- puesto ideologizado del funcionamiento de
mos implica considerar la situación del la sociedad que se autorregula por la libre
primero, dado que en América Latina, en competencia y que propone una distribución
particular, estos son deudores financieros de lazos sociales, donde al Estado le com-
de dichos organismos. pete sólo generar el marco normativo
Asimismo, la consideración de la pobre- necesario que permita el mejor desarrollo del
za como un problema emergente de los mercado. En estos nuevos espacios la
desarrollos desiguales alcanzados en la valorización del capital requiere indefecti-
región, en lugar de una relación social blemente una construcción institucional
enmarcada y dialécticamente conformada, im- coherente con los objetivos del Desarrollo
plica no ver que al interior de los espacios Económico Local.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 47

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48 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Résumé: Dans cet article nous suggérons Resumen: En el presente artículo nos pro-
mettre en doute l’efficace des conséquences ponemos revisar críticamente las implicancias
des programmes sociaux de développement de los Planes de Desarrollo Económico Local
économique local et d’économie sociale (Pla- y Economía Social (generados por el Minis-
nes de Desarrollo Económico Local y Econo- terio de Desarrollo Social de la Nación) en
mía Social), octroyés par le Ministère National relación con los agentes beneficiarios de los
de Développement Social argentin, face au mismos. En este sentido, adquieren relevan-
point de vue des récepteurs bénéficiaires. cia, en nuestros objetivos de investigación,
Notre recherche soulève l’importance du rôle el rol del Estado en tanto institución habi-
de l’État comme institution qui gère les litadora del desarrollo local, las transfor-
relations locaux, les transformations autour maciones en torno a la relación capital-
de la relation capital-travail et l’importance trabajo y la importancia de las unidades do-
des unités domestiques comme fondement mésticas como fundamento de la economía
de l’économie sociale et solidaire. À ce sujet, social y solidaria. Para esto último, nos re-
nous ferons référence au cas de la Fundación ferimos al caso de la Fundación Sol (Córdo-
Sol (Córdoba, Argentine) dans laquelle nous ba, Argentina), en el cual hemos realizado
avons réalisé notre terrain à partir des nuestro trabajo de campo a partir de entre-
interviews ouvertes et des observations. vistas semi-estructuradas y observaciones.
Notre analyse rend compte de l’existence des Nuestro análisis nos permite dar cuenta de
processus de subordination (subsumption) du la existencia de procesos de subsunción del
travail au capital, lesquels ne sont pas visibles trabajo al capital invisibilizados en los planes
dans le développement économique local. de desarrollo económico local.

Mots clés: développement économique lo- Palabras-clave: Desarrollo Económico Lo-


cal ; économie sociale ; processus de cal; Economía Social; procesos de subsun-
subsumption du travail au capital. ción del trabajo al capital.

Notas

1
Economía Solidaria o de la Solidaridad, la cual se fundamenta sobre formas de solidaridad ancladas en el
trabajo de los beneficiarios, pero también se complementa con donaciones obtenidas a partir de proyectos
de promoción de la economía popular, depende principalmente de las donaciones y de una cultura de
valores alejados del consumismo y el lucro. La economía solidaria se vincula con el concepto de empre-
sa social, es decir, “los emprendimientos que no sólo producen mercancías sino que “producen sociedad”
o lo social (formas sociales, instituciones y pautas de comportamiento)” (Coraggio, 1992: 114).
2
El Banco de Horas, pilar de la fundación, es una organización socioeconómica que da lugar a distintos
circuitos de intercambio a los cuales los socios se incorporan a través de diversas formas de prestaciones
en trabajo. Estas prestaciones adquieren la forma de “certificados”, “compromisos” o “cheques” de
trabajo que los socios firman por anticipado y entregan, sujetos a un plazo de dos meses, para ser
vendidos en el “mercado” a través de los circuitos de circulación en los cuales utilizan su propia moneda
social llamada “sol”. Los socios, en su mayoría, poseen trabajos informales (“changas”) o ningún empleo.
3
Existen otros emprendimientos, los cuales no abarcaremos en el presente artículo, a saber: un taller de
costura, taller de hilado y tejido artesanal y producción de milanesas vegetarianas y pastas caseras.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 49

Avaliação de políticas e programas governamentais:


experiências no Mestrado Profissional
Politics and government programs evaluation: experiences in
the Professional Master´s Degree
Evaluación de políticas publicas y programas
gubernamentales: experiencias del Mestrado Profissional
Évaluation de politiques et programmes du gouvernement
expériences dans le degré du Maître Professionnel
Maria de Fátima Hanaque Campos*
Ana Maria Ferreira Menezes**
José Francisco Barreto Neto***
Maria Auxiliadora Ornellas Farias****

Resumo: Este trabalho tem como objetivo Abstract: The objective of this work as the
analisar as práticas de avaliação de políti- review of the practices of evaluations of po-
cas e programas governamentais, particu- licies and government programs, particularly
larmente aquelas que se constituem em ob- those are the object of study by some
jeto de estudo de alguns mestrandos no masters under the Mestrado de Políticas Pú-
âmbito do Curso de Mestrado em Políticas blicas, Gestão do Conhecimento e Desen-
Públicas, Gestão do Conhecimento e Desen- volvimento Regional (PGDR) da Universidade
volvimento Regional (PGDR) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), which can assist
do Estado da Bahia (UNEB), que podem au- in decision-making on the implementation and
xiliar no processo de tomada de decisões monitoring of policies and government
sobre a implementação e acompanhamento programs. To achieve this goal, first expose
de políticas e programas governamentais. the main reasons for the adoption of the
Para alcançar este objetivo, primeiramente practice of evaluation. Secondly, we present
expomos as principais razões para a adoção the concepts commonly used in the field of
da prática da avaliação. Em segundo, apre- evaluation. Thirdly, we discuss methodo-
sentamos os conceitos comumente utiliza- logical proposals adopted. And, finally, we
dos neste campo. Em terceiro, discutimos present the final considerations.
propostas metodológicas adotadas. E, por
fim, apresentamos as considerações finais. Keywords: practice of valuation; public po-
licies; methodological proposals.
Palavras-chave: práticas de avaliação; po-
líticas públicas; propostas metodológicas.

* Doutora em história da arte pela Universidade do Porto, Portugal, professora titular do Departamento de Ciências
Humanas e Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana e professora colaboradora do Programa de
Mestrado Profissional em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Univer-
sidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: fatimahanaque@hotmail.com
** Doutora em administração pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, com estágio de
pesquisa no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, professora titular
do departamento de Ciências Humanas da Universidade do estado da Bahia, UEBA, coordenadora do Pro-
grama de Mestrado Profissional em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regio-
nal da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: ammenezes@uneb.br
*** Mestrando do Programa de Mestrado Profissional em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desen-
volvimento Regional da Universidade Federal da Bahia (UFBA, graduado em Licenciatura em Filosofia e
assessor especial/ouvidor da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. E-mail: jfbneto@sec.ba.gov.br
**** Mestranda do Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), graduada em pedagogia e coordenadora I da Coordenação de Ensino Superior da
Secretaria de Educação do Estado da Bahia. E-mail:doraornellas1@yahoo.com.br, maofarias@sec.ba.gov.br
50 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

A Universida- formulação, implementação, divulgação e


Introdução de do Estado da controle de políticas públicas, com objetivo
Bahia (UNEB) tem de transformação social.
refletido sobre Neste contexto, o objetivo apresenta-se
suas condições atuais no que pese à amplia- como o de analisar as práticas de avalia-
ção de cursos de pós-graduação, assim como ções de políticas e programas governamen-
no que se refere a criar oportunidades em tais, particularmente aquelas que se consti-
que os mecanismos decisórios do Estado, ex- tuem objeto de estudo de alguns mestrandos
plícita e formalmente, abrem-se a sua parti- no âmbito do Curso de Mestrado de Políticas
cipação na elaboração de uma política públi- Públicas, Gestão do Conhecimento e Desen-
ca de impacto fundamental na conformação volvimento Regional (PGDR) da Universidade
socioeconômica do estado da Bahia. do Estado da Bahia (UNEB), as quais podem
A busca de medidas concretas e opera- auxiliar no processo de tomada de decisões
cionais, tendo por referência a acumulação sobre a implementação e acompanhamento
de conhecimentos e experiências existentes de políticas e programas governamentais.
no âmbito da comunidade universitária, tem Para alcançar este objetivo, primeiramente
possibilitado à universidade reconhecer-se
expomos as principais razões para a adoção
como um instrumento democrático de dis-
da prática da avaliação. Em segundo, apre-
cussão e de crescente interesse para a ci-
sentamos os conceitos comumente utiliza-
dadania.
dos no campo da avaliação. Em terceiro, dis-
Para tal, faz-se necessário investir em
cutimos propostas metodológicas adotadas.
pessoal qualificado. Entretanto, isto não é
E, por fim, apresentamos as considerações
suficiente, pois a universidade não pode man-
finais.
ter níveis de reprodução dos quadros liga-
dos a um ensino cada vez mais voltado à
mera operação de tecnologias convencio-
nais ou desconectadas de demandas sociais
Razões para a prática da
locais. As mudanças devem refletir também avaliação de políticas públicas
no método de trabalho através de enfoque
multidisciplinar, definição de objetos de pes-
quisa relacionados ao contexto socioeco- A avaliação das políticas públicas tornou-
nômico local, e não em função dos limites se um requisito de fundamental importância
disciplinares. Assim, o compromisso social da a partir, principalmente, dos anos 1970 e
universidade assume importância para a pro- 1980, quando o capitalismo vivenciou sua
dução do conhecimento, escolha dos diri- segunda grande crise. Esta pode ser carac-
gentes, estratégias políticas e pedagógicas. terizada pela elevação do nível dos preços
Dessa forma, a UNEB dá lugar a um pro- (inflação); baixo crescimento econômico; es-
cesso de democratização do saber que ten- tagflação; desemprego; desequilíbrio na con-
de a contribuir para aumentar a capacidade ta corrente da balança de pagamentos –
de setores da sociedade de intervir nas es- decorrente, principalmente da alta dos pre-
colhas e satisfação de suas necessidades ços do petróleo; e, crise fiscal norte-ameri-
sociais não atendidas, entre estas o ingres- cana/elevação das taxas de juros internacio-
so ao ensino superior nos cursos de gradua- nais.
ção e pós-graduação. Ao contrário do que ocorreu nos anos
A defesa dos interesses da universidade 1930, o processo não desencadeou uma re-
pública pressupõe parcerias com instituições volução científica, mas uma contrarrevolução
governamentais e não governamentais com monetarista, com a imposição do “retorno à
capacidade de pressão crescente e que ortodoxia” liberal, que passou a recomendar
apontem para a construção de uma socie- uma retomada do Estado clássico e do equi-
dade democrática e viável econômica, so- líbrio natural, bem como redução dos impos-
cial e ambientalmente. Neste sentido, a co- tos – com a eliminação do Estado arrecada-
munidade universitária poderá contribuir, jun- dor, redução dos gastos sociais, pela elimi-
tamente com grupos sociais interessados na nação do estado do bem-estar social, e eli-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 51

minação do Estado regulador (Villarreal, ciência. Segundo, a partir dos anos 1980,
1984). houve crescente processo de luta dos mo-
A visão neoliberal atribuiu como causa da vimentos sociais e de reivindicação pelos di-
crise a forte intervenção do Estado. Assim, reitos humanos e políticos junto aos gover-
o Estado provedor (Estado do Bem-Estar So- nos, que culminou com o processo de rede-
cial), o Estado arrecadador (carga tributária mocratização do país.
elevada), o Estado gastador (gastos maiores Armani (2004) ressalta que a crescente
do que as receitas), o Estado burocrático e o democratização política não foi acompanha-
Estado regulador (protecionismos) passaram da da redução da pobreza e das desigualda-
a ser sinônimos do “leviatã” que induziria a des sociais e o aumento das necessidades
uma economia ineficiente e ineficaz. de ações sociais proporcionou a transferên-
Assim, no bojo das transformações pelas cia de responsabilidades do governo federal
quais o Estado passou, decorrentes da im- para as organizações da sociedade civil –
possibilidade de ser substituído pelo Merca- cuja maioria não estava preparada para a
do, foi-lhe requerida uma atuação mais efi- atuação que delas se espera.
ciente, eficaz e efetiva. Desta forma, o Es- Segundo Costa e Castanhar (2003), à
tado assumiria uma função gerencialista, na medida que o poder público delega às agên-
qual o cidadão passaria a ser um cliente e, cias autônomas e empresas privadas a exe-
tal como todo cliente que paga por um pro- cução de serviços, cresce a necessidade de
duto, requer um serviço de qualidade. Para avaliação. A administração pública deve de-
atingir esses atributos, necessariamente, senvolver instrumentos e metodologias de
tem-se que atuar com um processo de ava- avaliação ágeis e de baixo custo, para a to-
liação. mada de decisão e para que a sociedade em
Esta surge, então, como uma ferramenta geral possa apreciar o desempenho dessas
gerencial útil, fornecendo aos formuladores agências.
de políticas públicas e aos gestores de pro- Neste sentido, cabem questionamentos
gramas condições para aumentar a eficiên- sobre o caráter econômico e técnico da ava-
cia e a eficácia dos programas governamen- liação restrita ao âmbito das instituições
tais. públicas ou privadas cuja preocupação está
Segundo Cunha (2006), na efetividade, ou seja, na aferição dos re-
sultados esperados e não esperados. Deve
O crescente interesse dos governos também ser percebida como geradora de me-
nos estudos de avaliação está relacio- canismos de informação para instrumentalizar
nado às questões de efetividade, efi- os movimentos sociais na luta pela amplia-
ciência, accountability e desempenho ção de direitos sociais. Assim, a avaliação
da gestão pública, já que estes estu- permite maior envolvimento dos interessa-
dos constituem-se em ferramenta para dos no ciclo das políticas públicas, isto é, na
gestores, formuladores e implementa- formulação, implementação e divulgação dos
dores de programas e políticas públi- resultados de programas e projetos sociais.
cas. As avaliações de políticas e pro- Segundo Silva (2001), na perspectiva da
gramas permitem que formuladores e avaliação, as políticas são geradas, sobretu-
implementadores tomem suas decisões do, a partir de decisões governamentais
com maior conhecimento, maximizando e,desde sua formação, envolvem alocação de
o resultado do gasto público, identifi- recursos, interesses diversos, divisão de tra-
cando êxitos e superando pontos de balho, riscos e incertezas sobre processos e
estrangulamento (p. 3). resultados, noção de sucesso e fracasso, fa-
zendo do desenvolvimento das políticas pú-
No caso brasileiro, podem-se identificar, blicas um processo contraditório e não linear.
ainda, outras razões para a utilização de pro- Na perspectiva do estado da Bahia, as
cessos avaliativos. Uma primeira razão rela- políticas centradas no setor educacional que
ciona-se à crise fiscal do Estado, que dimi- foram desenvolvidas na década de 1990, com
nuiu a capacidade dos governos de efetuar foco na tese da universalização e democra-
gastos e aumentou a pressão por maior efi- tização do ensino, implicaram uma tendên-
52 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

cia de aumento no atendimento e, conse- tenha o foco nas ciências sociais. Desta for-
quentemente, no número de matrículas; con- ma, inicialmente, faz-se necessário definir
cretizaram-se na forma de disponibilização alguns conceitos como programa e projeto.
de vagas e permanência de alunos na esco- Worthen; Sanders e Fitzpatrick (op. cit.) de-
la, o que correspondeu às diversas formas finem programa como uma intervenção pla-
de acesso ao ensino básico. nejada e constante que objetiva resultados
Com a descentralização governamental, específicos em resposta a um dado proble-
surge a oportunidade de novos programas em ma educacional, social ou comercial detecta-
nível estadual e municipal. A descentralização do previamente e que envolve equipe, cliente,
de recursos e novas competências na admi- organização, gestão e recursos na tentati-
nistração escolar buscaram avaliar o desem- va de atingir um objetivo.
penho dos sistemas escolares: eficiência da Ou seja, a ação planejada através de pro-
administração escolar, novos processos de gramas deve apresentar solução para um de-
aprendizagem relacionados ao domínio de terminado problema. Todavia, a noção do que
tecnologias da informação, repetência e eva- seja problema não é óbvia, apesar de povoar
são, domínio de competências e habilidades nosso cotidiano. Assim, faz-se necessário
no processo de aprendizagem etc. (memória, definir o que vem a ser problema. Segundo
2001). Garcia (2000), pode-se definir problema como
O programa PGDR, iniciado em 2006, teve uma desarmonia reconhecida como superá-
grande demanda da área de educação em vel ou evitável e determinados atores so-
virtude do estabelecimento de parcerias com ciais declaram-se dispostos a enfrentá-la.
a Secretaria de Educação do Estado da Esta situação está relacionada à argu-
Bahia. Desta forma, as pesquisas concen- mentação de Mitroff (apud Garcia, 2000: 25-
traram-se em estudos sistemáticos e avalia- 26):
ção de programas e projetos educacionais,
[...] muitas pessoas pensam que o ca-
com interesse na formulação e implemen-
minho pelo qual solucionamos os que-
tação das políticas educacionais baianas,
bra-cabeças (problemas estruturados)
medindo sua eficiência e eficácia, seus im-
deveria ser o padrão para medir o êxi-
pactos e benefícios.
to na resolução dos problemas sociais
(quase estruturados). Diferentemente
dos quebra-cabeças, os problemas so-
Avaliação de políticas
ciais não têm uma solução correta e
públicas: principais definições única, que é reconhecida e aceita como
tal por todas as partes afetadas pelo
problema [...]. As pessoas têm valores
A atividade de avaliação não é uma ação (e interesses) tão diferentes e partem
isolada, mas uma das etapas do processo de ideias tão diferentes sobre a socie-
de planejamento das políticas e programas dade desejada que o que é um proble-
governamentais; gera informações que pos- ma e uma boa solução para uma pes-
sibilitam novas escolhas e analisa resultados soa, em geral é irrelevante, estúpido,
que podem sugerir a necessidade de reorien- tolice e mesmo perverso para outra.
tação das ações para o alcance dos objeti-
vos traçados. Assim, segundo Worthen; Quanto a projeto social, Armani (2004)
Sanders; Fitzpatrick (2004), “avaliação é define-o como uma ação social planejada,
identificação, esclarecimento e aplicação de estruturada em objetivos, resultados e ati-
critérios defensáveis para determinar o va- vidades baseados em uma quantidade limi-
lor (valor ou mérito), a qualidade, a utilida- tada de recursos (humanos, materiais e fi-
de, a eficácia ou a importância do objeto nanceiros) e de tempo. E acrescenta que os
avaliado em relação a esses critérios” (p. projetos integram-se nos três níveis de for-
35).Salienta-se, assim, que o objetivo da mulação da ação social: no nível dos gran-
avaliação é determinar o valor de alguma des objetivos e eixos estratégicos de ação
ação, projeto ou programa que neste caso – a política; no nível intermediário em que as
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 53

políticas são desenhadas em linhas mestras cráticas, voltadas para o solicitador da ava-
de ações temáticas – programas; no nível liação.
da ação concreta delimitada por critérios pre- Cano (2006) avança nos estudos sobre
viamente determinados que possam realizar avaliação de programas educacionais consi-
as políticas e programas, isto é, os projetos. derando um novo foco em sua utilização, ou
Diante da diversidade de conceitos abor- seja, nos resultados práticos, que incluem
dados em avaliação de políticas públicas, os interesses dos usuários. Ademais, a ava-
Draibe (2001) coloca que é necessário o ava- liação pode não se limitar aos objetivos ini-
liador declarar, de início, suas preferências e ciais que a intervenção pretende melhorar e
escolhas sobre objetivos e natureza e tipo ampliar.
de avaliação para a realização da pesquisa, A diversidade de abordagens e concep-
assim como definir o terreno comum sobre o ções sobre avaliação traz variados tipos de
qual trabalhará a equipe. E mais, uma das métodos de coleta de dados e análise e téc-
decisões prévias do avaliador é identificar o nicas interpretativas baseados em métodos
recorte programático do seu objeto, poden- quantitativos e/ou qualitativos, como com-
do haver avaliações mais complexas e patíveis e complementares da avaliação de
abrangentes ou mais restritas (programas, programas educacionais.
projetos, ações).
Michel Scriven (apud Cano, 2006) esta-
beleceu a primeira distinção clássica entre Propostas metodológicas de
elas, sendo a somativa a que visa analisar
se o programa ou projeto “surte ou não o
avaliação de políticas
efeito desejado”, e, para tanto, é necessá- públicas: análise de
rio que o programa ou projeto social esteja
implementado. Produz informações sobre eta- experiências no PGDR
pas posteriores a sua implementação, verifi-
ca sua efetividade e faz o julgamento de
Visando atender a demanda dos diversos
seu valor geral. E a avaliação formativa
setores sociais e as necessidades do mundo
acompanha o programa ou projeto em de-
do trabalho do estado da Bahia, foi implan-
senvolvimento, visando melhorá-lo. Produz
tado em 2006 o PGDR, que privilegia o ensino
informações para os que estão diretamente
em nível profissional com forte relacionamen-
envolvidos com o objetivo de fornecer ele-
mentos para a realização de correções de to entre a teoria e a prática. O PGDR propõe
procedimentos, a fim de aperfeiçoar o pro- preparar profissionais conscientes para atua-
grama. rem como gestores públicos e profissões
Faria (2001) busca um lugar próprio para correlatas, de modo a preencher as neces-
a avaliação educacional no que concerne a sidades existentes nos diversos setores
metodologias adequadas e a fins específi- socioeconômicos regionais, vinculados às po-
cos. A partir de estudiosos do tema, cita líticas públicas e à gestão do conhecimento,
modelo desenvolvido que enfatiza a neces- voltados para o desenvolvimento regional.
sidade de análise dos objetivos e metas do As atividades desenvolvidas pelo PGDR têm
programa avaliado, comparando o desempe- fortalecido o compromisso social da UNEB por
nho com estes parâmetros, desenvolvendo meio do incremento da produção científica
uma pesquisa orientada para a decisão dos em âmbito local, com uma rede de investi-
formuladores e implementadores. Outro mo- gadores de natureza multidisciplinar, uma
delo citado trata de determinar o mérito do comunidade virtual de aprendizagem, bem
programa ou projeto educacional, enfatizando como o desenvolvimento de ações que pro-
a consistência cientifica do fenômeno estu- piciam o diálogo e a troca de conhecimentos
dado, levando a avaliação comparativa com entre a comunidade acadêmica, poder pú-
outros programas. Assim, o avaliador deve blico e sociedade civil; na gestão pública,
entender a lógica do programa, utilizando- tem propiciado a formação de servidores téc-
se de teorias sociais mais ampliadas. Estes nico-administrativos de instituições de ensi-
modelos visam análises detalhadas ou buro- no superior e órgãos públicos que atuam em
54 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

áreas de planejamento e finanças e na aca- cação: rendimento escolar (taxas de apro-


dêmica. vação, reprovação e abandono) e médias de
No mestrado profissional, espera-se que desempenho. As taxas de rendimento são
ocorra uma imersão na pesquisa, pela incor- aferidas pelo censo escolar da Educação
poração de valores e práticas que agreguem Básica e as médias de desempenho, pelo Sis-
esse processo à área profissional - com base tema de Avaliação da Educação Básica
em uma visão estratégica segundo a qual a (SAEB) e pela Prova Brasil, realizada pelo Ins-
universidade possa transferir seus conheci- tituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-
mentos, por meio de um corpo docente qua- cacionais (INEP) para diagnosticar a quali-
lificado. Que possa fomentar práticas, valo- dade dos sistemas educacionais.
res e saberes sociais e culturais na constru- Os dados produzidos pelo IDEB reiteram a
ção de propostas comunitárias para políti- constatação de que transformar a realidade
cas públicas no propósito do desenvolvimento brasileira implica um sistemático e bem orien-
local e regional. Também foi pensado na in- tado investimento na qualidade do ensino,
serção da universidade no campo da gestão considerando-se diversas dimensões, tais
do conhecimento. como: condições de funcionamento das es-
Desta forma, colocou-se como priorida- colas; capacitação e a valorização dos pro-
de, quer no processo de seleção quer no fissionais; desenvolvimento de sistemas para
processo de implementação do curso, o de- melhor gerenciamento das políticas educa-
senvolvimento de estratégias que visem à cionais; elaboração coletiva do projeto polí-
articulação entre teoria e prática e permi- tico-pedagógico; efetivação de práticas edu-
tam a análise e a reflexão constantes sobre cacionais eficientes na promoção do desen-
as práticas profissionais dos alunos e a inte- volvimento do conhecimento em sala de aula;
gração das competências dos professores e fortalecimento da cultura escolar das fa-
para resultados mais eficazes do programa. mílias brasileiras.
Alguns alunos escolheram como objeto de Mais da metade dos municípios brasileiros
estudo avaliar programas governamentais na tem avaliação menor do que 4, numa escala
área de educação, na qual estavam envol- de 0 a 10, no ensino público de 1ª a 4ª séries.
vidos, no sentido de contribuírem com um A média nacional no IDEB/2005 fica em torno
maior conhecimento da realidade e da expe- de 3,8 pontos. O Índice de Desenvolvimento
riência na busca de reorientação dos objeti- da Educação Básica mostra que, dentre as
vos a ser alcançados. A seguir, apresentam- 4.349 cidades avaliadas em 2005, 2.814
se duas pesquisas em andamento, as quais (64,57%) estão abaixo de 4. Entre as cida-
passamos a descrever e cujo desenho metodo- des com as piores notas, boa parte encon-
lógico analisamos. tra-se no Norte e Nordeste do país.
Assim, uma primeira pesquisa, intitulada Aqui se inserem os dois municípios baianos,
“Políticas públicas de desenvolvimento edu- objeto empírico desta análise, Barra da Estiva
cacional: uma análise dos resultados do Ín- e Maiquinique, localizados na mesorregião do
dice de Desenvolvimento da Educação Bási- centro-sul da Bahia, que participaram desse
ca (IDEB) em Barra da Estiva e Maiquinique – processo de avaliação e vivenciaram a im-
Bahia”, tem como objetivo analisar os fato- plantação de políticas públicas educacionais
res que interferem na efetivação de políti- delineadas pelo Ministério da Educação. Con-
cas públicas educacionais e geram resulta- tudo, destacam-se nesses municípios resul-
dos de desempenho diferenciados nos siste- tados distintos quanto ao Índice de Desen-
mas municipais de ensino da Bahia, impactan- volvimento da Educação Básica: em Barra
do no desenvolvimento local e regional. da Estiva, a média foi de 4,3 e em Maiqui-
Como estratégia de acompanhamento e nique, 0,3.
avaliação das políticas implementadas, o Mi- Assim, o problema tem o seguinte enun-
nistério da Educação (MEC) lançou, em 2005, ciado: Que fatores influenciaram as políticas
o Índice de Desenvolvimento da Educação públicas educacionais implementadas nos
Básica (IDEB). O novo indicador tem o mérito municípios de Barra da Estiva e Maiquinique,
de considerar direta e conjuntamente dois os quais favoreceram resultados tão distin-
fatores que interferem na qualidade da edu- tos no desempenho educacional e, conse-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 55

quentemente, no desenvolvimento local sus- cípios, respectivamente, o primeiro e o último


tentável dos municípios? do ranking baiano na referida avaliação, fa-
Para o desenvolvimento da pesquisa, op- zendo-se um recorte temporal de 1996 a 2005
tou-se pelo estudo exploratório-explicativo, para análise dos fatores que levaram a estes
dada a especificidade e a necessidade de resultados.
um maior aprofundamento acerca dos fato- Estão sendo entrevistados os gestores mu-
res que influenciaram na efetivação de polí- nicipais (prefeitos, secretários municipais de
ticas educacionais e que geraram resulta- educação e assessores educacionais), coor-
dos de desempenho distintos nos sistemas denadores, diretores, professores e, se ne-
municipais de ensino de Maiquinique e Barra cessário para o estudo, outros atores envol-
da Estiva. Sendo assim, o estudo de caso vidos com as escolas avaliadas no período da
mostrou-se ser o mais adequado. investigação.
Optou-se também pela adoção de proce- Assim, pretende-se analisar e interpretar
dimentos comparativos, visto que a escolha as informações coletadas à luz do referencial
de dois casos proporciona, segundo Gil teórico proposto, numa perspectiva de abor-
(1996), evidências inseridas em diferentes dagem qualitativa, esperando-se que, ao fim
contextos, concorrendo para uma pesquisa da investigação, os objetivos sejam contem-
de melhor qualidade. plados.
A pesquisa de campo está utilizando ins- A pesquisa mostra-se relevante diante da
trumentos de coleta de dados, como ques- necessidade de uma melhor compreensão dos
tionários e entrevistas semiestruturadas, se- resultados para a formulação de políticas pú-
guindo as etapas: blicas no âmbito educacional que tenham
efetividade social e busquem a superação
a) mapeamento do perfil sociopolítico, deste quadro desolador em que se encontra
econômico e educacional dos muni- a educação brasileira, em especial aquela da
cípios envolvidos; Bahia, bem como para as discussões sobre a
b) levantamento das políticas públicas democratização dos processos de elabora-
educacionais implementadas nos ção e implementação de políticas públicas para
municípios, bem como da legislação o desenvolvimento regional sustentável.
pertinente, no período entre 1996 e Espera-se também, com este estudo, com
2005; base nas reflexões e inferências sobre o tema
c) entrevistas com atores e unidades em tela, proporcionar aos municípios analisa-
de ensino avaliadas pelo I DEB nos dos um referencial para o aprimoramento de
municípios pesquisados. suas práticas e o fortalecimento de suas po-
líticas públicas no âmbito da educação e do
Para traçar o perfil sociopolítico, econô- desenvolvimento local.
mico e educacional dos municípios, utilizam- Uma segunda pesquisa, intitulada “O Pro-
se, além das informações coletadas com os jeto Universidade para Todos: uma política
atores locais, os indicadores disponíveis pública baiana para a democratização do
como: Índice de Desenvolvimento Humano acesso ao ensino superior”, objetiva
(IDH), Índice de Desenvolvimento Social (IDS), avaliar este projeto e salientar os fatores
Índice de Desenvolvimento Econômico (IDE) que, ao longo da implementação, facilitam ou
Produto Interno Bruto (PIB), PIB per capita e impedem que o projeto atinja seus resultados
Índice de Desenvolvimento da Educação Bá- da melhor maneira possível.
sica (IDEB), os quais balizarão a análise Na Síntese dos indicadores sociais 2006
relacional entre o desempenho educacional e divulgada pelo IBGE, os dados apontam um
o desenvolvimento local dos municípios índice no Nordeste bastante reduzido, de
pesquisados. 17,7% dos estudantes, na faixa etária de 18
No que se refere ao universo da pesquisa a 24 anos, que freqüentam o ensino superior;
de campo, definiram-se as escolas da segun- 43,4% o ensino médio; e 27,0% o ensino fun-
da fase do ensino fundamental da rede muni- damental. Neste contexto, entende-se que a
cipal, avaliadas pelo IDEB/2005 em Barra da universalização e gratuidade do ensino em
Estiva e Maiquinique, por serem esses muni- suas três instâncias, fundamental, médio e
56 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

superior, são meios importantes para atingir res-especialistas das licenciaturas das uni-
os objetivos da equidade social e da geração versidades e pela complementação da for-
de oportunidades, melhorando as condições mação continuada, programada pelas ativi-
de competitividade desses jovens. dades de capacitação.
O Plano Estadual de Educação da Bahia A parceria da Secretaria de Educação com
(PEE), que define diretrizes da educação su- as universidades estaduais (UNEB, UEFS, UESB,
perior (2006) e salienta o destacado papel UESC) permitiu a interiorização das ações do
reservado às instituições que a ministram, em projeto em 32 municípios sede/campi das uni-
especial às universidades e aos centros de versidades, além de estendê-las aos municí-
pesquisa, de propulsoras por excelência da pios vizinhos às sedes dessas universidades.
produção científica, tecnológica e cultural, No ano de 2007, foi atendido um total de
essenciais ao desenvolvimento do país. 25.280 estudantes, distribuídos em 73 muni-
Considerando a relevância do papel da uni- cípios do estado, e isso significa a presença
versidade, o Plano Estadual de Educação do projeto nas 15 regiões econômicas da
aponta que a conclusão do ensino médio é Bahia.
uma situação que traz pressão por mais va- Essa realidade social e institucional vem
gas, principalmente nas universidades públi- sendo tema de uma pesquisa de avaliação de
cas (PEE, 2006). Essa realidade fez com que processo na qual se possam analisar os fato-
o governo do Estado implementasse políticas res que, ao longo da implementação, facili-
de ações afirmativas, com foco na inclusão tam ou impedem que o programa atinja seus
social e pautadas na diretriz governamental resultados da melhor maneira possível.
de acesso e permanência dos estudantes da Draibe (2001:31-33) propõe um esboço
rede pública no ensino superior. de metodologia chamada anatomia do pro-
Numa ação conjunta entre Secretaria da cesso geral de implementação, identificando
Educação (SEC) e Secretaria da Fazenda seus principais subprocessos ou sistemas:
(SEFAZ) foi lançado, em 2001, o Programa Faz
Universitário, em parceria com instituições de a) sistema gerencial e decisório;
ensino superior (IES) privadas, oportunizando b) processos de divulgação e informa-
bolsas de estudo aos alunos da rede pública ção;
de ensino, por meio de processo seletivo. Em c) processos de seleção (de agentes
2003, dando continuidade à política de de- implementadores e ou beneficiários);
mocratização do acesso ao ensino superior, d) processos de capacitação (de agen-
foi implantado o curso pré-vestibular, projeto tes ou beneficiários);
denominado Universidade para Todos, em par- e) sistemas logísticos e operacionais;
ceria com as quatro universidades estaduais: f) processos de monitoramento e ava-
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Uni- liação internos.
versidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),
Universidade do Sudoeste do Estado da Bahia A partir dessa proposta metodológica, foi
(UESB) e Universidade Estadual de Santa Cruz feito um levantamento documental sobre a
(U ESC ). formulação e implementação do projeto. É
O Projeto Universidade para Todos nas- fato que a articulação da SEC com as uni-
ceu com o propósito de melhorar as condi- versidades estaduais determina um modelo
ções de competição dos estudantes da rede de gestão descentralizada e corresponsa-
pública no enfrentamento do processo sele- bilizada para o cumprimento das metas e ob-
tivo dos vestibulares das universidades pú- jetivos. Para isto, a equipe da UEFS elaborou
blicas e privadas, fazendo com que possam uma memória técnica e traçou o perfil dos
participar da seleção de forma menos desi- beneficiários; a avaliação de caráter formal
gual. O curso pré-vestibular tem modalidade foi realizada pela equipe da UNEB. Ambos os
presencial, com a carga horária de 800 ho- trabalhos datam de 2006 e buscam obter
ras, distribuídas em 11 disciplinas, lecionadas melhores resultados a cada ano. A partir dos
pelos graduandos das universidades, na con- indicadores: inserção dos estudantes no en-
dição de professores-monitores, supervisio- sino superior; resgate do estágio curricular
nados na prática pedagógica pelos professo- dos monitores-graduandos; material didáti-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 57

co específico; envolvimento de diversos lisar os limites e características importantes


agentes e profissionais na causa educacio- do objeto avaliado, e, no caso, os resulta-
nal; articulações internas e externas; recur- dos da maioria das avaliações educacionais
sos públicos provisionados; e envolvimento são específicas para determinado ambiente,
da comunidade, têm sido desenvolvidas aná- momento e conjunto de sujeitos envolvidos.
lises sobre uma das características funda- E mais, as informações geradas podem afe-
mentais – a dimensão social, o que tem ga- tar o bem-estar do grupo envolvido, obser-
rantido ao projeto manter-se como meta go- vando-se os cuidados necessários ao apre-
vernamental até 2011. sentar os resultados.
Espera-se que o resultado dessa pesqui- Segundo Minayo (2005), todas as inter-
sa também possa contribuir para promover o venções sociais visam a modificar o curso de
redimensionamento do projeto e a melhoria determinadas visões, ações ou problemas e
do ensino médio. provocam um fenômeno simultaneamente his-
tórico, coletivo, estrutural e relacional. As-
sim, as mudanças sociais constituem-se em
Considerações finais uma nova concepção de engajamento, flexi-
bilidade e responsabilidade pessoal.
Observa-se, assim, que, apesar dos es-
Segundo Draibe (2001), entre as decisões forços, a produção de informações úteis e
prévias do avaliador está a de identificar o re- utilizáveis para fins de revisão e correção de
corte programático do seu objeto. Teoricamen- rumos dos programas governamentais con-
te, pode-se avaliar tudo, desde a mais restrita tinua um desafio aberto, em que pesem os
até a mais abrangente das políticas, contanto esforços sucessivos de aprimoramento dos
que se disponha dos recursos intelectuais, ma- sistemas de controle, acompanhamento e
teriais e metodológicos para fazê-lo. avaliação. Espera-se que os pesquisadores
Desta forma, acredita-se que haja uma do PGDR alcancem novos caminhos, a ser tri-
competência necessária a quase todas as lhados com as experiências de avaliação das
avaliações educacionais, no sentido de ana- políticas públicas educacionais.

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cepções e práticas. São Paulo: Gente, 2004.

Résumé: Ce travail a pour but d’analyzer les Resumen: Este documento objetiva examinar
pratiques d’évaluations de politiques et les las prácticas de las evaluaciones de las políti-
programmes gouvernementaux, particulière- cas y programas gubernamentales, en parti-
ment ceux qui se constituent objet d’étude de cular las que son objeto de estudio, algunas
quelques mestrandos dans le contexte du Curso en el marco del Curso de Mestrado em Políti-
de Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do cas Públicas, Gestão do Conhecimento e De-
Conhecimento e Desenvolvimento Regional senvolvimento Regional (PGDR) de la Universi-
(PGDR) da Universidade do Estado da Bahia dade do Estado da Bahia (UNEB), que puede
(UNEB ), ils que peuvent assister dans la ayudar en la toma de decisiones sobre la
procédure de prise de décisions sur la mise en aplicación y el seguimiento de las políticas y
oeuvre et le suivi de politiques et les pro- programas gubernamentales. Para lograr este
grammes gouvernementaux. Pour atteindre cet objetivo, en primer lugar exponemos las
objectif, premièrement nous exposons les razones principales para la adopción de la
principales raisons pour l’adoption de la prati- práctica de la evaluación. En segundo lugar,
que de l’évaluation. Dans en second, nous presentamos los conceptos de uso común en
présentons les concepts comumente utilisés el ámbito de la evaluación. En tercer lugar, se
dans le champ de l’évaluation. Dans troisième, discuten las propuestas metodológicas
nous discutons des propositions méthodolo- adoptadas. Y, por último, presentamos las
giques adoptées. Et, finalement, nous consideraciones finales.
présentons les considérations finales.
Palabras-clave: práctica de la evaluación;
Mots clés: pratiques d’évaluation ; politiques políticas públicas, propuestas metodológicas.
publiques ; propositions méthodologiques.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 59

Pesquisa de avaliação em serviços de saúde mental: uma


proposta ético-estético-política
Avaliative research in mental health services: a ethics-
aesthetic-political proposal
Investigación en evaluación de servicios de salud mental:
una proposición ética-éstética-política
Recherche pour l’evaluation du services de santé mentale:
un projet esthétique-ethique-politique
Lia Carneiro Silveira*
Maria Lucilane Sales da Silva**
Maria Rocineide Ferreira da Silva***
Ariza Nara Saldanha de Almeida****
Monyk Neves de Alencar*****

Resumo: A atenção em saúde mental no Bra- Abstract: The mental health attention in Brazil,
sil, historicamente marcada por práticas historically marked by asylum practices, is
manicomiais, vem passando por intensas modi- undergoing intense changes since the 80 years,
ficações desde a década de 1980, com a pro- with the proposal of replacing the hospitalar
posta da substituição do modelo hospitalo- model by a network of alternative services.
cêntrico por uma rede de serviços alternati- However, to facilitate the deployment of a
vos. Entretanto, para viabilizar a implantação network really effective, we need to invest in
de uma rede realmente efetiva, precisamos in- the evaluation of what is already being done
vestir na avaliação do que já vem sendo feito
to support decision-making on future initiatives.
para subsidiar a tomada de decisões quanto às
On these assumptions, we present an eva-
iniciativas futuras. Partindo destes pressupos-
luative study based on the sociopoetic
tos, apresentamos uma avaliação baseada na
abordagem da sociopoética que, ao utilizar o approach that, by using the method of group-
método do grupo-pesquisador, considera o ca- researcher, considers the self-management
ráter autogestivo e a dimensão subjetiva dos character and the subjective dimension of the
atores envolvidos. Para apresentar o potencial involved actors. To display the potential of
desta abordagem em pesquisas avaliativas, this approach in evaluative research, we
descrevemos as etapas do método do grupo- describe the steps of the group-researcher
pesquisador e o exemplificamos com uma method and exemplify with a research
pesquisa desenvolvida em um Centro de Aten- developed in a Psychosocial Center of Forta-
ção Psicossocial do município de Fortaleza-CE. leza city.

Palavras-chave: avaliação; saúde mental; Keywords: evaluation; mental health;


métodos, política de saúde mental methods, policie on mental health

* Doutora em enfermagem, professora do Curso de Enfermagem e do Curso de Mestrado Acadêmico em


Cuidados Clínicos de Saúde da Universidade Estadual do Ceará (UECE ). E-mail: liasilveira@uece.br
** Doutora em enfermagem e professora do Curso de Enfermagem e do Mestrado Acadêmico em Cuidados
Clínicos de Saúde da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
*** Mestre em Saúde Pública pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), professor assistente da Universi-
dade Estadual do Ceará.
**** Graduada em Enfermagem e mestranda em Cuidados Clínicos de Saúde pela Universidade Estadual do
Ceará (UECE ). E-mail: arisinha2003@yahoo.com.br
***** Graduado em enfermagem pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: monykneves@yahoo.com.br
60 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

O atual contex- jetividade. Este processo não é apenas técni-


Introdução to histórico apre- co-administrativo, jurídico ou político; é, aci-
senta-se perpas- ma de tudo, um processo ético, que tenta
sado por intensas mudanças nos planos social, oferecer à pessoa em sofrimento psíquico um
econômico e cultural, relacionadas às inova- cuidado verdadeiro através de uma terapêuti-
ções tecnológicas, e pela reorganização polí- ca cidadã (Amarante et al., 1995). Busca, por-
tica em torno do paradigma da globalização. tanto, a desospitalização, a reabilitação psicos-
Entretanto, nem sempre estas mudanças tra- social e o fortalecimento da cidadania dos su-
duzem-se em ganhos qualitativos para as po- jeitos, por meio da formulação de campos de
pulações, principalmente para aquelas dos paí- práticas e saberes na qual haja uma preocu-
ses considerados “em desenvolvimento”. É pação com os aspectos subjetivos do pacien-
sabido que grande parte deste contingente te e que não se restrinja à medicina e aos
não só permanece à margem destes benefí- saberes psicológicos tradicionais. A reforma
cios como também sofre as consequências das é, sobretudo, um campo heterogêneo que en-
condições iatrogênicas do mundo moderno. volve a clínica, a política, o social, o cultural e
Com relação aos aspectos de saúde, assis- as relações com o jurídico. Ressalta ainda que
timos (principalmente em países desenvolvi- este projeto é obra de novos atores, entre
dos) ao surgimento de uma tendência de eles a família e o próprio portador de sofri-
declínio da incidência de patologias infecto- mento psíquico (Tenório et al., 2002).
contagiosas e ao aumento das chamadas Como resultado da construção da proposta
doenças crônico-degenerativas, estas últimas da reforma psiquiátrica, o movimento de trans-
geralmente associadas ao estilo de vida do formação no campo da saúde mental passa
homem moderno. Por outro lado, nos países por importantes mudanças, caracterizadas pela
em desenvolvimento como o Brasil, percebe- criação de novos serviços. Dentre as novas
se que os dois perfis epidemiológicos convi- experiências, destacamos o surgimento dos
vem lado a lado, dependendo da classe social Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que
que se observa (Lessa, 1998). Em meio a este vieram como base para a abertura de novas
quadro epidemiológico, os transtornos men- possibilidades para a saúde mental em nosso
tais apresentam relevante incidência. Segun- país.
do dados do Ministério da Saúde, 3% da po- O CAPS é um serviço de saúde aberto e
pulação brasileira sofrem com transtornos men- comunitário que serve de referência para tra-
tais severos e persistentes; 6% apresentam tamento de pessoas em sofrimento psíquico,
transtornos psiquiátricos graves decorrentes com psicoses, neuroses graves e demais qua-
do uso de álcool e outras drogas; e 12% ne- dros, cuja severidade e/ou persistência justi-
cessitam de algum atendimento de saúde men- fiquem sua permanência num dispositivo de
tal, seja contínuo seja eventual (Brasil, 2005). cuidado intensivo, comunitário, personalizado
As políticas de atenção às pessoas em so- e promotor de vida. Caracteriza-se como uma
frimento psíquico no Brasil têm sido, historica- “estrutura intermediária” entre o hospital e a
mente, marcadas pelo curativismo e pelas prá- comunidade, que oferece às pessoas um es-
ticas hospitalocêntricas. Em oposição a este paço institucional que permita entendê-las e
modelo, nasce na década de 1980 a proposta instrumentalizá-las para o exercício da vida
da Reforma Psiquiátrica. Esta pode ser enten- civil. Desta forma, torna-se possível o desen-
dida como um processo de reformulação críti- volvimento de laços sociais e interpessoais es-
ca e prática que busca o questionamento e a senciais para o estabelecimento de novas pos-
elaboração de propostas de transformação do sibilidades de vida, contribuindo, assim, para
modelo clássico e do paradigma da psiquiatria o processo de reinserção social do paciente.
considerado iatrogênico e excludente. A implementação dos CAPS enfrenta muitos
O objetivo da reforma psiquiátrica é a desafios, uma vez que o desenvolvimento dos
desinstitucionalização. Desinstitucionalizar vai serviços substitutivos só acontece de forma
além de desospitalizar e significa abordar o efetiva se houver uma mudança na forma de
sujeito em sua existência e em relação com encarar o processo saúde-doença mental pe-
suas condições concretas de vida, construin- los sujeitos envolvidos (trabalhadores de saú-
do novas possibilidades de sociabilidade e sub- de, usuários e sociedade). Desta forma, bus-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 61

ca-se o comprometimento destes para se con- tretanto, observa-se que, dependendo da


seguir a superação de antigas práticas na as- tendência seguida, estas visões podem ser
sistência à pessoa em sofrimento psíquico. complementares ou até mesmo antagônicas,
Concordamos com Lima et al. (1993) quando criando uma multiplicidade de sentidos acer-
destacam que a viabilização deste processo ca do que estaria envolvido no ato de avaliar
só será possível quando os profissionais en- (Tanaka e Melo, 2004).
volvidos romperem as barreiras de uma práti- Partindo deste princípio, entendemos ser
ca limitada e trabalharem a condição humana importante apresentar algumas destas visões,
dentro de seu real contexto político e social. tentando, por meio de um diálogo entre elas,
Para que isso aconteça, é necessária a imple- definir o conceito que estará sendo abordado
mentação de políticas de saúde eficientes, que neste estudo.
estimulem a participação da comunidade. Contandriopoulos (et al., 1997), em um
Desta perspectiva, percebemos que a im- clássico texto sobre avaliação em saúde, se-
plantação efetiva do CAPS é um processo ain- gue a visão de que avaliar é emitir julgamen-
da em andamento e passível de mudanças e tos com o objetivo de ajudar na tomada de
adaptações. Trata-se de um momento histó- decisões. Para o autor, este julgamento pode
rico de ruptura, cujas repercussões só pode- ser resultado da aplicação de critérios e de
rão ser avaliadas a partir da análise de dados normas (avaliação normativa) ou da elabora-
concretos a respeito do que já foi e continua ração a partir de um procedimento cientifico
sendo desenvolvido nos serviços já implanta- (pesquisa de avaliação).
dos. Na primeira alternativa, busca-se compa-
rar os recursos empregados e sua organiza-
ção (estrutura), os serviços ou bens produ-
Avaliação de serviços de zidos (processo) e os resultados obtidos, com
saúde mental: construção de critérios e normas. A finalidade principal da
avaliação normativa é ajudar no processo
uma nova proposta gerencial e, geralmente, ela é conduzida por
aqueles que são responsáveis pelo funciona-
mento e pela gestão da intervenção (idem,
O ato de avaliar faz parte da história da
op. cit.). À avaliação normativa, Contandrio-
humanidade desde seus primórdios, sendo ine-
poulos (op. cit.) contrapõe a pesquisa de
rente ao próprio processo de aprendizagem
avaliação, que seria caracterizada pela apli-
(Contandriopoulos et al., 1997). O interesse
cação de métodos científicos no processo de
em avaliar programas públicos manifestou-se
avaliação.
logo após a Segunda Guerra Mundial como
consequência da necessidade de planejar e Entretanto, pode-se contestar essa divi-
investir, eficazmente, os recursos destinados são conceitual, pois a análise de programas à
às áreas da educação, do social, do empre- luz de critérios e normas consiste, também,
go, da saúde etc. Esta visão do processo de em atividade científica que requer um rigor
avaliação segue uma ótica gerencial e está metodológico para sua implementação (Uchi-
voltada para a maximização da eficácia dos mura e Bosi, op. cit.).
programas e para a obtenção da eficiência Outra questão levantada nas discussões
na utilização dos recursos (Uchimura e Bosi, acerca da avaliação de programas e serviços
2004). é relativa à dicotomia quantidade–qualidade.
No Brasil, embora os estudos acerca do Historicamente, a construção deste campo
processo de avaliação só tenham se intensi- tem sido diretamente influenciada pelo rigor
ficado a partir da década de 1980, percebe- científico positivista. Esta vertente enfatiza
se que foram se desenvolvendo ao longo do a medição quantitativa dos fenômenos, ex-
tempo diversas visões teórico-conceituais cluindo os elementos que descrevem o con-
sobre o tema. Pode-se afirmar que existe texto local e sua influência nos resultados
consenso entre as diversas correntes ao per- finais da avaliação (Tanaka e Melo, op. cit.).
ceber a avaliação como o ato de emitir algum Além disso, a abordagem positivista valoriza
juízo de valor sobre determinada ação. En- a objetividade e a neutralidade do pesquisa-
62 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

dor, entendendo-o como um especialista ex- Neste contexto, o papel do avaliador afas-
terno (Furtado, 2001). ta-se da visão tradicional de um observador
A partir da década de 1980, percebe-se externo que vem apontar erros e estabelecer
no Brasil a constituição de um espaço propí- verdades. Dirige-se, antes, a propiciar um es-
cio à discussão de questões de teor qualita- paço autogestivo, no qual os sujeitos pos-
tivo, com ênfase em questões emancipa- sam, eles mesmos, identificar suas necessi-
tórias (Silveira et al., 2003). A abertura po- dades e dificuldades.
lítica após o período ditatorial, a entrada em Partindo destes pressupostos, apresenta-
cena de novos atores políticos preocupados mos um estudo de avaliação baseado na abor-
em discutir a participação social e a crítica dagem da sociopoética, que considera o ca-
às desigualdades (principalmente no setor ráter autogestivo e a dimensão subjetiva dos
saúde) exigem uma reflexão também acerca envolvidos no processo. Entendemos que,
dos processos de avaliação. Reconhece-se assim, pode-se possibilitar a reflexão sobre a
nesta corrente a necessidade premente de realidade das políticas de saúde mental, es-
avaliar para poder planejar e intervir, mas, ao pecialmente sobre as particularidades no
mesmo tempo, pode-se interrogar: Quem irá gerenciamento dos centros de atenção psicos-
avaliar? Como avaliar? E, acima de tudo, com social, e, ao mesmo tempo, proporcionar o sur-
que consequências? gimento de soluções para o enfrentamento das
Estas questões crescem em importância questões encontradas. Entendemos que, para
quando se percebe que avaliar não é apenas tanto, faz-se necessária a criação de espa-
um processo técnico, mas sim uma questão ços que facultem e estimulem a livre expres-
política na qual avaliador e avaliado sofrem são, a dinâmica do diálogo, o respeito à di-
mudanças qualitativas (Demo, 1999). A orien- versidade de opiniões e a tomada de deci-
tação qualitativa das pesquisas de avaliação sões coletivas.
enfatiza a dimensão subjetiva dos fenômenos, Entramos no espaço da produção de sub-
contextualizando-os historicamente. jetividades, uma realidade dinâmica e cons-
Para avançar neste sentido, precisamos tantemente construída. Sendo assim, não
incorporar às nossas discussões não só as podemos tentar cercá-la com instrumentos
preocupações com a qualidade formal (ins- estáticos e rígidos. Precisamos utilizar ferra-
trumentos e métodos), mas também a quali- mentas metodológicas que nos permitam rea-
dade política (processos e conteúdos) (idem, lizar a apreensão das questões produzidas
op. cit.). Entendemos que o primeiro passo sem, no entanto, congelá-las, e, por isso,
rumo a esta conquista é aquele que diz res- adotamos o método da sociopoética.
peito à participação ativa dos atores envol-
vidos nos serviços a ser avaliados, permitin-
do a multiplicação de visões acerca de suas Apresentando uma nova
práticas.
Se percebermos a avaliação como premis-
proposta para a pesquisa
sa básica para conduzir a tomada de deci- avaliativa
sões, não se pode admitir que se excluam
desta prática os sujeitos envolvidos direta-
mente em suas consequências. Quando tra- A sociopoética é uma prática e uma teo-
tamos de serviços de saúde, a avaliação en- ria da pesquisa que “[...] se propõe a uma
volve o resgate não só de profissionais de análise crítica da realidade social buscando
saúde, mas também de usuários do serviço, proporcionar a expressão da transversalidade
beneficiários últimos destas ações. Some-se dos desejos e poderes que agem, de manei-
ainda a importância de se resgatar a promo- ra inconsciente, na vida social” (Gauthier,
ção da saúde como conceito transversal a 1999:13).
todo este processo. Este tem sido definido Do ponto de vista epistemológico, a socio-
historicamente nas discussões de constru- poética foi gerada num encontro entre a pe-
ção do Sistema Único de Saúde como direta- dagogia do oprimido, a análise institucional
mente relacionado à participação social nas e a escuta mitopoética. Da pedagogia do
políticas de saúde. oprimido, herdou o método do grupo-pes-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 63

quisador, que proporciona a possibilidade de podem ir além de simples fornecedores de da-


uma produção autogestiva em que os sujei- dos e que a arte também pode atuar no pro-
tos da pesquisa são corresponsáveis pelo cesso de produção de conhecimento.
conhecimento produzido, participando ativa- Para abordar o potencial da sociopoética
mente de todo o processo de pesquisa. Da
no desenvolvimento de pesquisas avaliativas,
análise institucional, apropria-se do concei-
apresentamos o estudo que segue, em que
to de dispositivo entendido como montagens
objetivamos descrever as etapas do método
ou artifícios que propiciam o surgimento de
inovações, de diferenças, de singularidades. do grupo-pesquisador, exemplificando-o com
A escuta mitopoética de René Barbier tam- uma pesquisa desenvolvida em um Centro de
bém está presente para lembrar que o pes- Atenção Psicossocial do município de Forta-
quisador “[...] deve aprender a escutar as leza.
falas e os silêncios que ritmam os processos
de criação em cada ser. Pois estes ritmos
pertencem integralmente ao processo de pro- O método do grupo-
dução de conhecimento” (Gauthier, 1999:14). pesquisador
Além destes referenciais, a sociopoética
também mantém proximidade com a esquizoa-
nálise, pois ambas realizam uma crítica radical Na pesquisa científica convencional, a re-
a toda tendência homogeneizadora (Petit e lação do pesquisador com os sujeitos da pes-
Gauthier, 2005). Vários conceitos esquizoanalí- quisa é sabidamente bastante verticalizada.
O pesquisador recorre às pessoas para cole-
ticos, como o de “devir”, “afeto” e “linha de
tar os dados e, na verdade, sem este conhe-
fuga” servem como peças muito úteis no
cimento do qual os sujeitos da pesquisa são
maquinário da sociopoética. portadores, seria impossível pesquisar. Eles
Acreditamos que a sociopoética introduz são, portanto, a ponte entre o pesquisador e
no árido terreno da pesquisa um pouco da fer- a realidade que se quer conhecer. Entretan-
tilidade da arte. O importante é o cuidado que to, o que vai ser feito em seguida com esses
se deve ter ao fazer esta conexão. Se a arte dados quase sempre escapa completamente
entrar na pesquisa, que supere a função es- ao universo dos sujeitos da pesquisa. Em ou-
tética e atue como um verdadeiro dispositivo. tras palavras, o conhecimento que detêm é
É ele que abre caminho para o simbólico, para explorado e utilizado em proveito da manu-
tenção de um status quo do pesquisador, que
a superação das neuroses institucionais, per-
passa, de título em título, a ascender cada
mitindo a simbolização do que era proibido, vez mais na escala do saber/poder.
desconhecido. Assim, um grupo até agora su- Quanto aos sujeitos da pesquisa, quando
bordinado pode se tornar sujeito (Gauthier et muito, tomam conhecimento dos resultados
al., 1998). desta e, mesmo quando isso acontece, os
A sociopoética é a caixa de ferramentas que dados chegam até eles carregados de um sen-
nos possibilita construir os dispositivos neces- tido que lhes escapa completamente. Várias
sários para mergulhar neste espaço, sem, no perguntas que muitas vezes nem chegarão a
entanto, cristalizá-lo. Para isso, alguns pontos ser feitas, permanecem sem respostas: “A
precisam ser valorizados, como, por exemplo, a pesquisa terá efeitos favoráveis para eles?
Desfavoráveis? Dormirá em gavetas? A pes-
importância da participação dos sujeitos da
quisa, mesmo de intenções sociais, será pre-
pesquisa como copesquisadores, a percepção
sa na lógica individualista da carreira do pes-
do corpo todo como passível de desencadear
quisador? Ela terá um sentido partilhado, dis-
potências criadoras e a utilização da criatividade cutido entre ele e o grupo produtor dos da-
de tipo artístico no processo de pesquisa. dos?” (Gauthier, 1999:41).
Estes pressupostos rompem com outros já A sociopoética instaura-se dizendo não a
bastante arraigados na cultura ocidental, su- esta expropriação de maneira radical, crian-
gerindo que, além da mente, o corpo também do dispositivos que geram espaços e tem-
pensa; que os sujeitos de nossas pesquisas pos para que as pessoas-alvo da pesquisa
64 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

tomem poderes os mais amplos possíveis na sujeitos da pesquisa (autonomia); o compro-


produção de conhecimento e na realização misso com o máximo de benefícios e o mínimo
da pesquisa (idem, 1999). de danos e riscos (beneficência); a garantia
Sendo assim, no método do grupo-pes- de que danos previsíveis serão evitados (não-
quisador, os sujeitos da pesquisa têm voz maleficência); e a relevância social da pes-
ativa desde o início desta até o fim. A se- quisa (justiça e equidade). Ainda para garan-
guir, descrevemos e exemplificamos a utili- tir os preceitos éticos, a pesquisa foi subme-
zação do método apresentando dados de tida à apreciação de comitê de ética no qual
uma pesquisa realizada na avaliação de um recebeu parecer positivo.
centro de atenção psicossocial da rede pú-
blica do município de Fortaleza-CE. a) Primeira etapa: formação do grupo pes-
Consideramos que a própria elaboração de quisador – O primeiro momento da pesquisa
uma pesquisa sociopoética já traz consigo sociopoética é a aproximação com o campo
uma preocupação ética; entretanto, desta- da pesquisa. O método da sociopoética su-
camos que, com relação à ética normativa gere ainda que, nesse momento, seja feita
na pesquisa, preocupamo-nos em assegurar juntamente com o grupo a escolha do tema a
a observação dos princípios éticos descritos ser pesquisado. Em nosso caso, como se tra-
na Resolução nº 196/96, que trata da pes- ta de uma pesquisa já delimitada, detivemo-
quisa envolvendo seres humanos que asse- nos apenas a propor o tema. A esse momen-
gure o consentimento livre e esclarecido dos to chamamos “oficina de negociação”.

QUADRO 1 - EXEMPLO DA FORMAÇÃO DO GRUPO PESQUISADOR

Nesse estudo, o local escolhido foi um dos centros de atenção psicossocial do município de
Fortalezaii. Procuramos o serviço e solicitamos um momento com a equipe para apresentar
nossa proposta e convidar os que pretendessem dela participar. Neste momento, fizemos a
apresentação de toda a equipe envolvida na pesquisa, a exposição do projeto e a discussão
sobre a sua realização, juntamente com a negociação das oficinas de produção. Estavam
presentes na reunião três assistentes sociais, uma médica, uma pedagoga, um enfermeiro,
duas auxiliares de enfermagem e duas psicólogas. Os objetivos da pesquisa e sua metodologia
foram detalhados, por meio da explicação das oficinas de produção e do grupo-pesquisador.
Inicialmente, notamos os profissionais um pouco reticentes, mas, com as discussões que se
seguiram acerca do caráter autogestivo da pesquisa, percebemos que o grupo mostrava-se
mais seguro com relação à nossa proposta e que os profissionais foram se disponibilizando a
participar. Explicamos ao grupo que os usuários também fariam parte da pesquisa, pois são
elementos fundamentais na percepção acerca das ações oferecidas pelo CAPS. Pedimos que
os profissionais convidassem alguns usuários entre aqueles que tinham maior participação
no serviço (os que já fazem parte do Conselho de Saúde local, por exemplo), por entender-
mos que estes estão mais próximos do processo de gestão do CAPS. Solicitamos ainda que
todos os participantes assinassem o termo de consentimento e dessem permissão para que
as oficinas seguintes fossem gravadas e fotografadas. Em seguida, marcamos a primeira
oficina de produção dos dados.

Segunda etapa: oficinas de produção dos os princípios da sociopoética: a importân-


dados – Na pesquisa sociopoética, falamos cia da participação dos sujeitos da pesqui-
em “produção de dados”, não em “coleta sa como copesquisadores, valorização do
de dados”, pois partimos do princípio de que corpo na produção de conhecimento e a
o real está em constante produção, não utilização da criatividade de tipo artístico
existindo um mundo já dado que se possa no processo de pesquisa. Geralmente, a ofi-
coletar. A produção dá-se com a realização cina começa com uma atividade de prepa-
de oficinas nas quais utilizamos técnicas/ ração corporal; em seguida, tem início a pro-
dispositivos que permitam fazer funcionar dução dos dados.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 65

QUADRO 2 - EXEMPLO DE OFICINA DE PRODUÇÃO DOS DADOS

Utilizamos como referência na elaboração das oficinas os parâmetros de humanização da gestão


adaptados a partir do modelo proposto pelo Ministério da Saúde (2001), enfatizando os seguin-
tes pontos: condições de acesso e presteza dos serviços; clareza das informações oferecidas;
qualidade das instalações, equipamentos e condições ambientais; qualidade das relações entre
usuários e profissionais; gestão e participação dos profissionais e usuário. Foi desenvolvida uma
oficina para discussão de cada item; entretanto, para fins de ilustração, apresentaremos os
dados referentes às condições de acesso e presteza dos serviços. Estes foram compostos por
todo o material produzido no grupo, incluindo gravações das falas dos participantes e fotogra-
fias. A oficina aconteceu no dia 4 de agosto de 2005. Iniciamos com uma atividade de expres-
são. A fim de facilitar o envolvimento do grupo-pesquisador no momento seguinte, com exercí-
cios que estimulavam vários tipos de expressões: gritando, rindo, pulando, fazendo caretas. Em
seguida, formamos três grupos, sendo um de quatro pessoas e dois de três pessoas. Pedimos
que cada grupo discutisse a temática do acesso e presteza dos serviços e, após a conversa,
formulasse uma cena estática que representasse a ideia discutida de acordo com a proposta do
teatro-imagem. Este constitui-se de uma série de técnicas desenvolvida por Augusto Boal
(2004). Segundo o autor, o objetivo do teatro-imagem é ajudar os participantes a pensar com
imagens, a debaterem um problema sem o uso da palavra, usando apenas o próprio corpo e
objetos. Cada cena e suas respectivas mudanças foram fotografadas.

Análise dos dados – O método da so- tona os elementos que o constituem; tudo
ciopoética propõe três momentos de análise aquilo que foi capturado ao longo de sua vida
dos dados: a realização da análise dos dados e, agora, possa ser utilizado como referencial
pelo grupo-pesquisador, a análise realizada de análise. Segundo Gaulthier (1999), os
pelo pesquisador e a contra-análise dos da- facilitadores participam discretamente deste
dos. A análise do grupo-pesquisador é um momento, realizando uma escuta sensível à
momento da pesquisa em que o grupo traz à fala do grupo.

QUADRO 3 - EXEMPLO DE ANÁLISE DOS DADOS

A análise do grupo pesquisador aconteceu à medida que cada grupo apresentava suas
imagens e o restante do grupo-pesquisador analisava a cena apresentada. Em seguida,
aqueles que discordassem da imagem exposta refaziam a cena de outra forma, para que
novamente o grupo-pesquisador pudesse analisá-la. Após esta discussão, os grupos que
propuseram inicialmente as cenas apresentavam sua representação.

Em seguida, o facilitador da pesquisa tam- mos esta categorização levando em conta tan-
bém realiza sua análise, utilizando-se de ân- to os conteúdos semióticos como os semânti-
gulos diferentes. O primeiro tratamento dos cos; tanto os do afeto como os da razão.
dados é feito através da categorização das Podemos afirmar que, na lógica dos aconteci-
falas, procurando identificar palavras-chave, mentos, este momento é o que nos permite
cortando e classificando os dados de acordo identificar as séries, perceber como elas se
com suas relações de compossibilidade (“aná- distribuem, não esquecendo de garantir um
lise classificatória”). É importante que efetue- espaço também para o não-senso.

QUADRO 4 - EXEMPLO DA ANÁLISE CLASSIFICATÓRIA

Nesta etapa da análise, procuramos identificar, em cada relato do grupo, as divergências,


convergências, ambiguidades ou oposições, formando as seguintes categorias: tempo de
espera para atendimento; acolhimento na recepção; compreensão das necessidades do
outro; atendimento de urgência para pacientes em crise; e sugestões propostas.
66 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

O segundo momento de criação é chama- ses dados, procurando ligar aquilo que a
do “análise transversal”, em que se identifi- categorização separou, construindo um tex-
cam passagens, fluxos e relações entre es- to mais fluido (Gauthier, 2004).

QUADRO 5 - EXEMPLO DA ANÁLISE TRANSVERSAL

Ao se debruçar sobre as condições de acesso e presteza dos serviços, o grupo aponta como
principal problema a sistemática de organização do atendimento, principalmente a demora
no tempo de espera. O acolhimento do cliente deve iniciar-se ainda na recepção, e se
consegue com atenção, a mão no ombro, segurando, olhando nos olhos, transmitir uma
mensagem: “Eu estou te recebendo!”. Entretanto, nem sempre os profissionais têm interes-
se em facilitar esse acolhimento, são indiferentes ao sofrimento do outro. Além disso,
problemas como a alta demanda do serviço não permitem que ele ocorra: às vezes, fica um
único profissional na recepção, sem saber como ajudar, e 300 pessoas na fila, mostrando o
cartão, querendo ser atendidas ao mesmo tempo, pedindo, reclamando, brigando. Além
disso, existe também a necessidade de um atendimento diferenciado, de acordo com as
necessidades de cada um. Alguns sugerem uma preferência no atendimento para os pacien-
tes que participam de atividades grupais, para que estes não se atrasem nas atividades do
grupo, enquanto outras falas discordam desta organização preferencial de atendimento.
Outra questão a ser considerada são as necessidades do paciente idoso. Foi destacada a
necessidade de um atendimento diferenciado de acordo com as necessidades de cada
cliente desde que se explique isso aos outros que esperam para ser atendidos. Surge uma
discussão sobre a preferência no atendimento ao paciente idoso. Alguns o veem como
alguém que tem deficiências, enquanto outros afirmam que ele é alguém que já trabalhou
muito, que se trata de pessoas que já foram jovens como nós e, com o tempo, foram
perdendo alguma coisa, alguma força, alguma energia mesmo. Embora exista quem não
concorde com a preferência no atendimento ao idoso, precisamos lembrar que este é um
direito garantido por lei. No entanto, o grupo lembra que é preciso ter cuidado com a
banalização. Não se pode, por qualquer motivo, passar à frente da fila. Existem situações
reais de pessoas que estão em crise e de outras que precisam aprender a esperar como
todo mundo; afinal, cada um tem suas dores, seus problemas, seus motivos para querer ser
atendido antes. Além disso, as necessidades não são fixas: uma mesma pessoa pode estar
em situações diferentes, dependendo do período. Há fases em que ela vai precisar de
atendimento de urgência; outras em que tem condições de esperar, de colaborar, de deixar
o outro passar. Não é uma coisa definitiva. Existem ainda pessoas que marcam o atendimen-
to e não comparecem na data marcada, querendo ser atendidas fora do horário. Nesta
situação, cabe à equipe conversar com elas para informar como é o sistema. Mas existem
também outras que, realmente, encontram-se em situação de crise; neste caso, o atendi-
mento tem de ser diferenciado, pois, afinal, ninguém escolhe o dia para adoecer. Outra
situação a ser considerada é a da pessoa cuja medicação acabou antes do dia marcado
para a próxima consulta e ela vem procurar atendimento no serviço. Neste caso, o profissio-
nal tem de ter sensibilidade. Mesmo que não dê para atendê-la naquele dia, ele deve
agendar a consulta para o prazo mais rápido possível, porque aquela pessoa não pode ficar
sem a medicação. Todas estas necessidades acabam gerando desentendimentos, pois as
pessoas não entendem porque estão tendo que atrasar ainda mais seu atendimento. Talvez
a comunicação a este respeito não esteja muito boa: muitas vezes, simplesmente se
desloca a pessoa para a frente da fila, sem consultar os outros clientes, sem informar o que
está acontecendo. O grupo identifica problemas no acesso e na presteza do serviço e
elabora algumas sugestões para superá-los. Para as pessoas que ficam na fila esperando ser
atendidas, é preciso haver uma boa acomodação no serviço; o cliente não pode ficar jogado
em um banco, ou com a família andando pelo serviço atrás dele. Outra sugestão está
relacionada ao sistema de marcação de consultas, que poderia ser feito por horário marcado
e não com a obrigatoriedade de todos chegarem às 7 horas da manhã. Há também a
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 67

necessidade de os próprios clientes se organizarem, para facilitar o atendimento, chegando


à hora marcada, não faltando à consulta e respeitando a ordem da fila. Mas a organização
do atendimento também depende do diálogo e da comunicação profissional-cliente acerca
da necessidade de uma atenção diferenciada. Ressalta-se ainda a importância de os profis-
sionais da equipe se preocuparem não somente com as questões clínicas, mas também com
os aspectos relativos ao gerenciamento do serviço. Finalmente é preciso lembrar que o CAPS
é um local de “não-escolha”. Um lugar onde não existe “esse é melhor, aquele é pior”, “esse
é preto, esse é branco”. Precisamos aprender a dar mais chance a quem precisa mais; no
entanto, precisamos também fazer isso sem segregar. Afinal, estamos todos aqui em busca
de uma mesma coisa.

O terceiro momento, chamado “análise fi- rência aos conceitos produzidos pelo grupo-
losófica”, pretende buscar as relações entre pesquisador, os quais distinguem-se do sen-
os “confetos” produzidos pelo grupo e o pen- so comum por dar-se na composição de um
samento filosófico convencional, estabelecen- plano de consistência no qual conceitos e
do uma comunicação que nos permita perce- afetos misturam-se, traçando linhas de
ber suas convergências, complementaridades desterritorialização e configurando a realida-
ou oposições. O termo “confeto” faz refe- de de novos desejos (Gauthier, 2004).

QUATRO 6 - EXEMPLO DE ANÁLISE FILOSÓFICA

Neste estudo, escolhemos um dos confetos criados pelo grupo para exemplificar a análise
filosófica: a “não-escolha”. Entendemos que este confeto tenta dar conta de uma contradição,
percebida pelo grupo na organização do atendimento no CAPS, entre as necessidades individuais
e a grande demanda pelo atendimento. Entretanto, o confeto de não-escolha não propõe uma
superação dialética do conflito, mas aponta para a necessidade de lidarmos com o diferente,
sem soluções homogeneizadoras. A própria estrutura semântica do termo, na qual a partícula
negativa (não) soma-se a uma afirmação (escolha), abre espaço para uma proposição disjuntiva
(e...e), ao invés de uma designação na qual as coisas devam estar representadas submetidas
ao critério do verdadeiro ou falso (ou...ou). Não se trata mais de pensar a compatibilidade ou
incompatibilidade dos sentidos dependendo de suas contradições. Em vez disso, seguimos
aquilo que Deleuze chama de “compossibilidades” ou “incompossibilidades alógicas”. Desta pers-
pectiva, o que vai afirmar dois acontecimentos como compossíveis ou incompossíveis será a
convergência ou não das séries que formam suas singularidades. Entretanto, mesmo essa
distância assegurada pela incompossibilidade das séries não trata de uma separação negativa
ou de exclusão. Ao invés disso, ela vai propiciar uma afirmação simultânea de sua diferença,
pois se trata de uma distância positiva dos diferentes: não dois contrários ao mesmo, mas
afirmar sua distância como o que os relaciona um ao outro enquanto “diferentes” (Deleuze,
1974). O incompossível passa a ser mais um meio de comunicação diferenciador, ou seja,
produtor de uma diferença de potencial, que pode ser desejo, que pode ser amor ou ódio. Sendo
assim, percebemos que o confeto de “não-escolha” tenta aproximar o sofrimento urgente de
quem acorre aos serviços de saúde mental numa situação desesperadora, sem com isso criar
“privilégios” em nome desse mesmo sofrimento. Uma tentativa de potencializar a pessoa e não
remetê-la eternamente a um lugar de falta que justifique a sua distinção em relação aos outros.
Precisamos aprender a dar mais chance a quem precisa mais, mas sem criar esteriótipos que
caracterizam guetos: “Esse é melhor, aquele é pior”, “esse é preto, esse é branco”. Além disso,
como já foi dito, é preciso lembrar que essas necessidades não são fixas: uma mesma pessoa
pode estar em situações diferentes, dependendo do momento. Finalmente entendemos que o
confeto de não-escolha criado pelo grupo-pesquisdor aproxima-se do conceito de equidade
proposto pelo ideário da Reforma Sanitária Brasileira, que remete ao oferecimento de oportuni-
dades iguais para que todos possam desenvolver seus potenciais, sem que, no entanto, dissol-
vam-se as diferenças.
68 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Terminado o processo de análise, ocorre a mente está ainda mais presente devido ao
contra-análise dos dados. Nesta fase da pes- caráter inovador da rede de serviços proposto
quisa, apresentamos as análises realizadas pelo pela Reforma Psiquiátrica brasileira, que se vem
pesquisador ao grupo para que este possa tentando implementar desde a década de 1980.
avaliá-las, aceitando-as, alterando-as ou re-
É importante conhecermos como se tem dado
jeitando-as, e propondo sua contra-análise.
a implantação destes serviços, inclusive para
Aqui, acontece um movimento dialógico de
alianças, miscigenação ou bifurcação de sen- pensarmos as iniciativas futuras.
tidos, no qual os conflitos nem sempre en- Entretanto, precisamos levar em consi-
contram soluções. A divergência também é deração a necessidade de possibilitar pro-
produtiva. Esta etapa da pesquisa ainda se cessos de avaliação que não excluam desta
encontra em desenvolvimento. ação os sujeitos envolvidos diretamente em
suas consequências. Esta reflexão é de ex-
trema relevância no âmbito da atenção em
Considerações finais saúde mental, em que, historicamente, as
pessoas têm sido destituídas de seu poder
de contratualidade e do exercício de sua ci-
O interesse em avaliar os serviços de saú-
dadania.
de justifica-se, fundamentalmente, pela ne- Entendemos que a sociopoética pode co-
cessidade de estarmos identificando possibi- laborar nesta construção à medida que valo-
lidades e dificuldades ao longo do processo, riza os sujeitos da pesquisa como corres-
buscando a garantia do princípio constitucio- ponsáveis pelo conhecimento produzido, in-
nal da saúde como qualidade de vida, garan- citando a uma maior autonomia dos envolvi-
tida pelo Estado e considerada um direito de dos. Sugerimos que outros estudos sejam
todos os cidadãos. desenvolvidos nesta abordagem, a fim de se
Quando se trata de serviços de saúde men- ampliarem suas possibilidades de utilização em
tal, essa necessidade de avaliar processual- pesquisas de avaliação semelhantes.

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Résumé: L’attention sur la santé mentale au Resumen: La atención en salud mental en el


Brésil, historiquement marqué par asile prati- Brasil, marcado históricamente para los
manicomiais prácticos pasa por modificaciones
ques, a traversé d’intenses changements des
intensas desde la década de 80 con la oferta
les années 80 avec la proposition de remplacer
de la substitución del modelo del hospita-
le modèle hospitalier par un réseau de services
locêntrico para una red de servicios alternati-
alternatif. Toutefois, afin de faciliter le
vos. Sin embargo, para hacer posible la
déploiement d’un réseau vraiment efficace,
implantación de una red realmente eficaz,
nous devons investir dans l’évaluation de ce
necesitamos invertir en la evaluación de lo que
qui est déjà mis en oeuvre pour appuyer la ya ha sido hecho para subvencionar tomas de
prise de décision sur les futures initiatives. Sur decisiones cuánto a las iniciativas futuras. Des-
ces hypothèses, nous présentons une étude de estos presupuestos presentamos un estudio
d’évaluation d’approche fondée sur la basado en el abordaje de la sociopoética que,
sociopoétique, qu’en utilisant la méthode du al usar el método del grupo-investigador, con-
groupe-chercheur, estime que le caractère sidera el carácter auto-gestivo y la dimensión
auto-gestif et la dimension subjective des subjetiva de los agentes implicados. Para
acteurs concernés. Pour afficher le potentiel presentar el potencial de esto abordaje en
de cette approche dans la recherche investigaciones de evaluación, describimos las
évaluative, on décrit les étapes de la méthode etapas del método del grupo-investigador y lo
du groupe-chercheur et on donne des exemples exemplificamos con una investigación desarro-
de recherche développés dans un Centre de llada en un Centro de la Atención Psicossocial
Soins Psychosociaux à la ville de Fortaleza. de la ciudad de Fortaleza-CE.

Mots clés: évaluation; santé mentale; Palabras-clave: evaluación; salud mental;


méthode; politique sur la santé mental. métodos; la política sobre salud mental.
70 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 71

Descentralização: análise da avaliação do Programa Saúde da


Família em Correia Pinto

Decentralization: analysis of the evaluation of Family Health


Program in Correia Pinto

Descentralización: un analisis de la evaluación del Programa


de Salud de la Familia en Correia Pinto

Décentralization: l’analyse de l’évaluation du Programme


Santé de la Famille à Correia Pinto

Zenalda Martins Vanim de Moraes*

Resumo: O tema deste artigo concentra-se Abstract: The theme of this article focuses
na análise da descentralização das políticas on the social policies decentralization analysis,
sociais, procurando incorporar elementos à aiming to incorporate elements to reflection
reflexão sobre seus limites e potencialidades. about its limits and potentialities. The study
O estudo tomou como objeto empírico de pes- took as its empirical research objective the
quisa a verificação do cumprimento da res- verification of responsibilities evaluation
ponsabilidade de avaliação do Programa Saú- fulfillment of the family health program in Cor-
de da Família do município de Correia Pinto reia Pinto (SC) by the three state spheres.
(SC) pelas três esferas estatais. Os dados The data was collected in the City Health
foram colhidos na Secretaria Municipal de Saú- Department, dated 2006, from physical
de, referentes ao ano de 2006, através de documents, such as forms and reports,
documentos físicos, como fichas e relatórios, computerized documents, such as Sistema
documentos informatizados, como o Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB )
de Informação da Atenção Básica (SIAB) e (Basic Care Information System) and through
entrevistas individuais e em grupo. A pesqui- individual and group queries. The researched
sa demonstrou que inexiste avaliação do pro- showed that the program evaluation in the
grama nas esferas municipal e estadual, bem city and state spheres does not exist; as
como esta é restrita na esfera federal, em well it is restricted in a federal sphere, not
descumprimento à previsão de responsabili- fulfilling the legal responsibility provisions
dade comum entre as esferas, evidenciando common among the spheres, pointing out the
a necessidade de amadurecimento da estru- need for a decentralization structure
tura de descentralização, que não ocorre de maturation which does not occur in a com-
forma completa. plete way.

Palavras-chave: descentralização; políti- Keyords: decentralization; public policies;


cas públicas; Programa Saúde da Família. Family Health Program.

* Mestra em gestão de políticas públicas pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , procuradora-geral
município de Correia Pinto – SC. E-mail: zenaldavanim@hotmail.com
72 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Conquanto a do nível de saúde no território nacional (Car-


Introdução descentralização valho e Santos, 1995:85)”. Entretanto, a
das políticas pú- descentralização da saúde contém todos es-
blicas tenha sido uma das maiores reivindi- tes instrumentos de operacionalização?
cações democráticas dos anos 1970 e 1980, A presente pesquisa tem como foco verifi-
seguindo a trajetória do federalismo brasilei- car o cumprimento da responsabilidade de
ro, verifica-se que somente no final dos anos avaliação em cada esfera estatal, numa polí-
1980, com as deliberações da Constituição tica pública de saúde, o PSF, programa do
Federal de 1988, tornou-se tema importan- governo federal que envolve a cogestão es-
te, particularmente na área das políticas so- tadual e municipal, a fim de constatar a pre-
ciais, ou seja, a transferência de gestão de sença deste instrumento de operacionalização
serviços sociais, saúde, educação fundamen- da descentralização.
tal, habitação, saneamento básico e assis- O PSF surgiu para aprimorar o desenho do
tência social do governo federal para esta- modelo assistencial do SUS, vem funcionan-
dos e municípios. do como uma estratégia de organização da
Esperava-se da descentralização, segun- atenção básica e tem demonstrado resulta-
do Arretche (2002:26) “eficiência, participa- dos satisfatórios. É viabilizado por intermé-
ção, transparência, accountability”, dentre dio de equipes de saúde cujas característi-
outras coisas que se esperam das atividades cas do processo de trabalho estão previstas
da gestão pública. na Portaria no 648/2006. Ponto importante
No campo específico da saúde, a descen- contemplado pela referida portaria foi a rede-
tralização destaca-se na reestruturação dos finição das responsabilidades de cada nível
serviços e, em consequência, na transfe- de governo no PSF, porém mantendo con-
rência de decisões e competências em rela- junta a responsabilidade pela avaliação do
ção à assistência à saúde nos níveis esta- desenvolvimento e do desempenho do pro-
dual e municipal. Todavia, este processo não grama.
ocorreu de forma homogênea no Brasil; de Esta corresponsabilidade na avaliação do
acordo com Ortiz (2002), os resultados da programa, certamente, decorre do fato de que
descentralização também não são homogê- o PSF só funcionará bem em um sistema inte-
neos por diversas razões: dimensão conti- grado de serviços de saúde que envolva ações
nental do país, diferenças regionais e uma coordenadas nos três níveis de governo: “[...]
enorme quantidade de municípios existen- se a oferta dos serviços de atenção primária é
tes, mais de 5 mil, dos quais a maioria de de responsabilidade inequívoca dos municípios,
pequeno porte. as condições para que essa oferta se dê, com
Se, de um lado, o processo de descentra- oportunidade e com qualidade, deve ser com-
lização apresentou avanços para o sistema partilhada pelos governos federal, estaduais e
de saúde, de outro existem evidências de municipais” (Mendes, 2002:54).
que tenha afetado a qualidade dos serviços Somente por meio da institucionalização
de assistência à saúde. Analisando a biblio- da avaliação poder-se-ia ter um instrumen-
grafia pertinente, como Barreto Júnior e Sil- to importante para a tomada de decisão no
va (2005); Kleba (2005), em seus respecti- âmbito das políticas sociais. Thereza Lobo
vos estudos “Reforma do sistema de saúde (2001) esclarece que tal institucionalização
e as novas atribuições do gestor estadual”; vai demandar determinada capacidade
e Descentralização do sistema de saúde no institucional não totalmente disponível na
Brasil, pode-se perceber que as descrições administração pública:
dos pontos positivos do processo de descen-
tralização vêm sempre acompanhadas das [...] Está se falando da capacitação de
referidas evidências. pessoal, treinamento mesmo, para or-
A descentralização político-administrativa denar e utilizar resultados advindos da
do SUS requer “a interdependência das esfe- avaliação; do desenvolvimento de es-
ras estatais na formulação, coordenação, tratégias, métodos e técnicas específi-
execução, acompanhamento, avaliação, con- cas para atender a situações diferencia-
trole e divulgação das ações, dos serviços e das; da definição sobre quem faz o quê.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 73

Tem sido levantada a possibilidade de bliográfica e, como base metodológica, a


criação de unidades próprias dentro das pesquisa quantitativa e qualitativa na cons-
diversas estruturas organizacionais com trução e análise dos dados.
a função de coordenar o processo de O aporte metodológico quantitativo foi uti-
avaliação dos programas (p. 78). lizado para verificar a existência de supervi-
são e controle sobre os dados produzidos,
No caminho da institucionalização da ava- uma vez que a inexistência desta forma de
liação, o Ministério da Saúde, no ano de acompanhamento dos dados comprometeria
2005, através da Coordenação do Acompa- a própria confiabilidade das informações ge-
nhamento e Avaliação da Atenção Básica, radas e, em consequência, a avaliação do
almejando a superação do enfoque burocrá- programa. Esta análise foi realizada através
tico e punitivo dos processos avaliativos, re- dos dados constantes nos documentos físi-
alizou um estudo acerca da avaliação em cos como fichas e relatórios, bem como dos
saúde no Brasil, considerando o papel dos dados constantes nos documentos informati-
gestores federal, estadual e municipal. zados como o Sistema de Informação da Aten-
Entretanto, nas três esferas, constatou pro- ção Básica (SIAB).
cessos de avaliação incipientes; pouco incor- O aporte metodológico qualitativo foi uti-
porados às práticas dos serviços de saúde; lizado para analisar, através de entrevistas
com caráter mais prescritivo, burocrático e individuais e em grupo, a relação da política
punitivo que subsidiário do planejamento e de saúde entre as esferas estatais, bem
gestão; e que não se constituem, ainda, em como serviu de referência para leitura e aná-
instrumento de suporte ao processo decisório lise dos dados.
nem de formação dos sujeitos que deveriam Quanto às técnicas de pesquisa, realizou-
estar envolvidos (Ministério da Saúde, 2005). se um levantamento de dados que consistiu
Desta forma, mesmo com o desenvolvimento em pesquisa bibliográfica e de dados docu-
de novas metodologias de avaliação de políti- mentais do órgão público, bem como foi rea-
lizada entrevista em grupo com as enfermei-
cas e programas, objetivando não apenas de-
ras das equipes e digitadora do SIAB, para
monstrar a efetividade e os resultados, mas
verificar como se efetivam os trabalhos de
melhorar a qualidade dos serviços para aten-
rotina de preenchimento das fichas A (cadas-
der às necessidades do mercado, cada vez
tramento familiar), B (acompanhamento ges-
mais se torna imprescindível implementar ati-
tante, hipertensão, diabetes, tuberculose e
vidades de avaliação contínuas e intervir de
hanseníase), C (acompanhamento crianças),
forma específica para subsidiar os gerentes a
D (registro de atividades, procedimentos e
tomar decisões acertadas.
notificações); e relatórios SSA2, SSA4 (si-
tuação de saúde e acompanhamento das
famílias), PMA2 e PMA4 (produção e marca-
Objetivo dores para avaliação) do SIAB no PSF, com o
fim de analisar os aspectos decorrentes da
Analisar a descentralização das políticas so- forma como ocorrem os cadastramentos, o
ciais com base na verificação do cumprimento preenchimento de todas as fichas e relató-
da responsabilidade de avaliação pelas esfe- rios e a existência de supervisão e controle
ras estatais de uma política pública de saúde sobre os dados produzidos.
de nível federal que envolve a cogestão esta- Ainda, foram realizadas entrevistas indi-
dual e municipal, tendo como foco o PSF no viduais com os responsáveis pela avaliação
município de Correia Pinto (SC), em 2006. do programa nas três esferas estatais. No
município, com a coordenadora do PSF; no
estado, com a coordenadora da Secretaria
Método Regional de Saúde e com o gerente do De-
partamento da Atenção Básica da Secreta-
ria Estadual de Saúde; e na esfera federal,
Para atingir os objetivos propostos, ado- com a coordenadora de Acompanhamento e
tou-se como metodologia de pesquisa a bi- Avaliação do Departamento de Atenção à
74 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Saúde do Ministério da Saúde, para verificar preenchidos pelos profissionais das equipes
como os dados do SIAB são avaliados pelas nas fichas e relatórios físicos e aqueles cons-
esferas estatais e quais foram suas inter- tantes dos documentos emitidos por inter-
venções, a fim de confirmar ou corrigir as médio do SIAB.
ações. A informação prestada pelas enfermeiras,
Tais atores foram escolhidos porque têm de que as agentes comunitárias de Saúde
a responsabilidade de conduzir a avaliação (ACS) não utilizam as fichas B e C de acordo
dos programas nas esferas que se pretende com a orientação do manual do SIAB, por en-
estudar, o que torna possível apreender a tenderem “que se trata de muito papel”, con-
visão dos atores envolvidos diretamente no traria recomendação do Ministério da Saúde.
processo de avaliação do Programa PSF. Ade- Outra informação colhida na entrevista em
mais, as entrevistas permitiram complemen- grupo foi a de que a ficha A é entregue pelo
tar e esclarecer as características e discre- ACS diretamente para a digitadora do pro-
pâncias observadas nos dados do programa grama para alimentação do SIAB, antes de
lançados por intermédio do SIAB. ser encaminhada para sua coordenadora para
As perguntas referiram-se, diretamente, análise, evidenciando que é possível que os
tanto ao processo de avaliação como ao dados do instrumento alimentem o SIAB sem
que a coordenadora os analise.
acompanhamento/monitoramento e à coo-
Pesquisa similar realizada por Laprega e
peração técnica, requisitos essenciais para
Silva (2005), apresentada no artigo “Avalia-
o exercício da avaliação. Fundamentaram-
ção crítica do Sistema de Informação da
se no disposto na Lei no 8.080/90 e na Por-
Atenção Básica (SIAB) e sua implantação na
taria nº 648/2006, sendo adaptadas de acor-
região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil”,
do com o nível de responsabilidade de cada
traz resultados semelhantes, especificamente
esfera estatal no âmbito da política da saú-
a constatação de que a maioria dos profissio-
de, levando em consideração que as três
nais das equipes reclama do excesso de fi-
esferas têm responsabilidade conjunta pela chas usadas em sua rotina de trabalho e
avaliação. que os dados do relatório PMA2 são digitados
Respeitaram-se os preceitos éticos de diretamente no programa de computador.
pesquisa envolvendo seres humanos, uma vez Neste sentido, diante das evidências, ca-
que foram elaborados termos de autoriza- beria uma discussão acerca de possíveis
ção para divulgação do inteiro teor das in- reformulações no sistema, para uma melhor
formações coletadas, os quais foram assi- adaptação ao trabalho das equipes.
nados de livre-concordância pelos partici- Constata-se, ainda, na análise dos dados
pantes. As entrevistas foram previamente referentes ao relatório PMA2 e dos dados
agendadas, devidamente gravadas e ocor- lançados no SIAB, no ano de 2006, quanto
reram nos ambientes de trabalho dos atores ao número de atendimentos médicos e de
escolhidos, que foram identificados apenas enfermagem, nas prioridades diabetes, hi-
pelo cargo que ocupam. pertensão, puericultura e pré-natal, que es-
tas são as prioridades de maior prevalência
nas áreas de abrangência e, de acordo com
Análise e discussão dos o programa, apresentam grupos e segmen-
resultados tos populacionais em situação de maior
vulnerabilidade; que a prioridade pré-natal,
no mês de abril de 2006, apresentou 98 aten-
Preenchimento das fichas e relatórios e dimentos médicos e de enfermagem, segun-
lançamento no SIAB do o relatório PMA2; todavia, a mesma prio-
ridade apresentou 68 atendimentos no lan-
Os dados obtidos com a entrevista em çamento do SIAB.
grupo e com a análise dos documentos físi- Da mesma forma, as prioridades puericul-
cos e informatizados revelam a falta de su- tura e pré-natal apresentaram no mês de
pervisão e controle dos dados produzidos no agosto, respectivamente, 61 e 104 atendi-
município. Uma das evidências constatadas mentos no relatório PMA2, e 92 e 82 atendi-
refere-se à disparidade entre os dados mentos no lançamento do SIAB. Ainda, to-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 75

das as prioridades elencadas no parágrafo É preciso que se criem condições favorá-


anterior apresentaram, no mês de setem- veis para a qualificação dos dados na com-
bro, respectivamente, 16, 43, 35 e 69 aten- posição do sistema de monitoramento. Con-
dimentos no relatório PMA2, e 14, 31, 23 e dições que simplifiquem e proporcionem a or-
102 atendimentos no lançamento do SIAB. ganização dos procedimentos de coleta e tra-
Considerando que os dados informados no tamento dos dados em todos os ciclos da
SIAB referem-se à consolidação dos dados implementação.
constantes do Relatório PMA2, eles deve-
riam coincidir, cumprindo-nos ressaltar uma
deficiência no sistema de monitoramento do Relações intergovernamentais
programa no que se refere à conferência dos
dados, o que, por sua vez, dificulta a confia-
bilidade das informações obtidas. Quanto à relação existente entre os ní-
Esta deficiência pode ainda ser verificada veis de governo, pode-se começar pela
se analisarmos os dados informados à Se- constatação que diz respeito aos dados de
cretaria Regional de Saúde no ano de 2006, acompanhamento dos ACS em relação aos
referentes ao número de cadastrados no pro- cadastrados no programa. Analisando os da-
grama nas mesmas prioridades, nos meses dos informados à Secretaria Regional de Saú-
de outubro a dezembro. Constatou-se que o de no ano de 2006, referentes ao número de
mês de novembro, se comparado ao mês de cadastrados, número de acompanhamentos
outubro, apresentou uma considerável que- realizados pelos ACS e número de atendi-
da em todas as prioridades, equivalente a mento médico e de enfermagem nas mesmas
25,1%. Chama a atenção o fato de que os prioridades, pode-se perceber que o número
dados voltaram ao mesmo parâmetro no mês de cadastrados e acompanhados pelos ACS
de dezembro. repetiram-se em todos os meses do ano,
A constatação da não-intervenção - di- cabendo-nos ressaltar que é muito difícil –
ante de uma considerável queda de 25,1% embora, obviamente, não seja impossível –
no número de cadastrados no mês de no- que tais dados correspondam à realidade.
vembro em relação aos cadastrados do mês Uma das razões para uma cobertura de
de outubro em todas as prioridades analisa- acompanhamento em 100%, talvez esteja no
das - leva-nos a questionar como seria pos- fato de que, além da composição das equi-
sível, por exemplo, que pessoas diabéticas, pes e do preenchimento de todos os dados,
repentinamente, deixassem de ser diabéticas, é a cobertura através da consolidação da
ou simplesmente desaparecessem. Certamen- ficha A o dado analisado pelo Ministério da
te, a resposta estaria num erro de registro. Saúde para liberação dos recursos. A preo-
Pode-se dizer, então, que a falta de super- cupação reside no fato de os municípios bus-
visão e controle dos dados produzidos, devi- carem, prioritariamente, atingir a cobertura
damente demonstrada na constatação de exigida para recebimento do recurso em de-
não-preenchimento das fichas de acordo com trimento da qualidade do programa. Esta si-
a determinação do manual de orientação do tuação pode ser verificada se analisarmos
SIAB; encaminhamento de fichas para alimen- um dado que não é requisito para liberação
tação do SIAB sem a devida análise da coor- dos recursos, que é o caso do número de
denadora do programa; erro de digitação dos atendimentos médicos e de enfermagem, em
dados previstos no relatório PMA2 no momen- relação ao número de cadastrados no pro-
to da alimentação do SIAB; e erro no registro grama.
dos cadastrados, compromete a própria Analisando o número de atendimentos mé-
confiabilidade das informações geradas, razão dicos e de enfermagem, verifica-se que, em
pela qual merece maior atenção por parte dos algumas prioridades, os atendimentos são rea-
responsáveis pelo monitoramento dos dados lizados em número muito inferior ao de ca-
no município, uma vez que somente uma dastrados no programa, demonstrando que
melhoria na fidelidade da produção dos dados os atendimentos não correspondem às reco-
permitirá a avaliação da efetividade do pro- mendações dos órgãos competentes. De
grama. acordo com as condições clínicas do pacien-
76 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

te, a Sociedade Brasileira de Hipertensão re- Correia Pinto encontra-se abaixo do espera-
comenda seu seguimento conforme o valor do, no mínimo em relação à prioridade diabe-
de pressão arterial encontrado, variando da tes, demonstrando que os atendimentos não
intervenção imediata (hipertensão grave) à correspondem às recomendações dos órgãos
intervenção anual (pressão arterial normal). competentes. Sobre esta realidade, ou as
Em relação a diabetes mellitus, a Sociedade consultas não estão sendo feitas ou não es-
Brasileira de Diabetes recomenda avaliação a tão sendo registradas corretamente, cumprin-
cada três ou quatro meses para pacientes do-nos ressaltar séria omissão e a necessi-
estáveis e com controle satisfatório. dade de ações que induzam a realização dos
No que se refere à prioridade diabetes, atendimentos.
temos que, em 2006, foram realizados 533 De acordo com a coordenadora do PSF no
atendimentos para uma média de 295,6 pes- município, a estratégia adotada quando os re-
soas cadastradas. Matematicamente: 533/ gistros apontam acompanhamento menor que
295,6 = 1,8 atendimentos/cadastro. Assim, o número recomendado é a realização de con-
comparando-se este número com a referên- sultas de enfermagem. No entanto, conside-
cia estabelecida pela Associação Brasileira rando que as consultas de enfermagem não
de Diabetes, pode-se dizer que este se en- substituem as consultas médicas, resta demons-
contra, praticamente, 50% abaixo do que trada uma inadequada forma de controle.
representaria a melhor hipótese, ou seja, de Quanto às demais esferas, constatou-se que
3 a 4 consultas. Cabe salientar que, por se não realiza análise em relação ao número de
tratar de um dado estatístico médio, pode atendimento médico e de enfermagem, ante o
existir cadastrado que tenha sido acompa- entendimento de que a competência desta aná-
nhado em 3 ou 4 consultas/ano. lise seria do gestor municipal.
Quanto à prioridade hipertensão, tem-se Cabe salientar a colocação do gerente es-
que, em 2006, foram realizados 1.116 aten- tadual no sentido de que o acompanhamento
dimentos para uma média de 1.065,3 pesso- dos dados de produção não está sendo feito
as cadastradas. Matematicamente: 1.116/ pelo estado em razão de “demandar muito
1.065,3 = 1,1 atendimentos/cadastro. Assim, trabalho”, bem como do fato de o sistema
se considerarmos que todos os casos de aten- não apresentar nenhuma crítica sobre o nú-
dimento foram de pressão arterial normal, po- mero de atendimentos, “não importa se num
deríamos de forma mediana ponderar que, mês há uma consulta e no outro há mil con-
nesta prioridade, o município estaria dentro sultas”. A coordenadora de Acompanhamen-
dos padrões estabelecidos pela Associação to e Avaliação do Departamento de Atenção
Brasileira de Hipertensão. No entanto, é mui- à Saúde do Ministério da Saúde, para justifi-
to difícil – embora, obviamente, não seja im- car a ausência desta análise por parte da
possível – que todos os cadastrados na prio- esfera federal, fez menção ao conceito de
ridade hipertensão tenham pressão arterial autonomia de esfera de gestão no SUS,
normal. regionalização e falta de estrutura e de re-
Estudos realizados com o intuito de subsi- cursos humanos, referindo que “o monitora-
diar a melhoria da cobertura e da adesão dos mento e a avaliação do Brasil inteiro cabiam
pacientes com diabetes e hipertensão como em uma sala”, evidenciando a necessidade
“Avaliação da assistência ao paciente com de uma melhora na estrutura e no quadro
diabetes e/ou hipertensão pelo Programa Saú- técnico.
de da Família do Município de Francisco Assim, no que se refere ao cumprimento
Morato, São Paulo, Brasil”, desenvolvido no da responsabilidade de avaliação do progra-
Núcleo de Investigação e Estudos em ma pelas esferas de governo, objetivo princi-
Epidemiologia de São Paulo (2006), mostram pal do presente trabalho, a análise dos dados
que não é suficiente divulgar o nome e o en- demonstrou que não há avaliação na esfera
dereço da equipe de saúde, sendo necessá- municipal – primeiro, ante a confirmação de
rio um esforço agressivo para aumentar a uti- que não há monitoramento nem intervenção
lização dos serviços. adequados; segundo, porque, ao descrever
Como vimos, o número de atendimentos como é feita a avaliação do programa, a coor-
médicos e de enfermagem no município de denadora deste no município referiu como a
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 77

avaliação “deveria” ser feita; terceiro, pela Na segunda representação da esfera es-
inexistência de dados físicos e informatizados tadual, Departamento da Atenção Básica,
na Secretaria de Saúde do Município; e quar- constatou-se que os procedimentos adotados
to, porque o município não cumpriu o que ha- são referentes ao monitoramento e, ainda,
via proposto no projeto de implantação do como o próprio coordenador declarou, “pou-
programa nem no Plano Municipal de Saúde cas são as ações de monitoramento.” Sobre
para desenvolvimento do processo de avalia- a avaliação, tem-se que não houve nenhuma
ção, ou seja, não existem relatórios de pes- do PSF, constatação esta corroborada pelas
quisa com os usuários, bem como não há reu- palavras do gerente: “o Estado ainda não fez
niões entre as equipes do PSF da região, nem nenhuma avaliação do PSF”.
avaliações do sistema de informação. No que se refere à esfera federal, ficou
Na esfera estadual, representada primei- evidenciada a existência de avaliações que
ramente pela Secretaria Regional de Saúde, demonstraram, de acordo com a coordena-
pode-se verificar que a descrição da avalia- dora, principalmente, que o modelo de Saúde
ção é a mesma do monitoramento, razão pela da Família é mais eficaz que o modelo de Aten-
qual se evidencia a falta de avaliação dos ção Comum, razão pela qual restou indicado
dados, havendo mesmo confusão entre que se deve continuar. Todavia, esta avalia-
monitoramento e avaliação. ção foi realizada em municípios com mais de
Em decorrência de a atividade de monitora- 100 mil habitantes, o que não é o caso do
mento ser considerada atividade de avalia- município de Correia Pinto e da maioria dos
ção, “a correção ad-hoc dos rumos de um municípios brasileiros, que são de pequeno
plano acaba sendo considerada como ativi- porte e não possuem capacidade de gerir
dades de aprimoramento do próprio progra- suas políticas sociais.
ma, mesmo quando não ocorrem modifica- Portanto, diante desta situação e da de-
ções de conteúdo, metodologia e adequação claração da coordenadora, de que “o Minis-
(Faria, 2001:47)”, o que, por sua vez, pode tério da Saúde se baseia na capacidade de
resultar em prejuízo ao andamento do pro- gestão dos estados e municípios”, pode-se
grama. entender por que o processo de avaliação
Outra constatação refere-se ao modo de não está acontecendo. O município não pos-
realização das supervisões, citadas como for- sui condições de gerir sua própria política so-
ma de avaliação, realizada semestralmente. cial, o Ministério da Saúde baseia-se na ca-
Analisando os registros do município junto à pacidade de gestão dos municípios, a conse-
Secretaria Regional de Saúde, atestou-se que, qüência, é a delegação de competência en-
durante o período em que a coordenadora tre as esferas ocasionando a não-realização
estava respondendo pelos trabalhos, somen- do instrumento de operacionalização da
te duas supervisões foram feitas. Portanto, descentralização político-administrativa do
as supervisões não ocorrem, nem ocorreram SUS, no caso, a avaliação do programa.
semestralmente, bem como há equipes que Enfim, como se pôde perceber, nas esfe-
não receberam nenhuma supervisão. Ainda, ras municipal e estadual, o programa não foi
observou-se falta de comprometimento da Se- avaliado de nenhuma forma, ficando o resul-
cretaria Regional de Saúde com a qualidade tado da avaliação por conta daquela realiza-
do programa no fato de a coordenadora refe- da pelo Ministério da Saúde, embora não
rir que tem conhecimento de que “muitas ve- abrangesse o município estudado. Portanto,
zes os dados são jogados no sistema”, porém considerando a declaração da coordenadora
“não pode interferir”. do município de que não existe retorno dos
Ademais, a utilização das secretarias regio- dados, pode-se dizer que ela afirma que no
nais não se tem mostrado efetiva em outras município de Correia Pinto não se sabe como
regiões, como no oeste catarinense: “as Re- o programa está se desenvolvendo, se as
gionais têm sido utilizadas muitas vezes como ações estão dando bons ou maus resultados.
um instrumento de negociação política, de Outra questão é a do papel das esferas
acordo com os interesses do partido que está regional/estadual e federal como indutoras da
no poder, inviabilizando a condução de saúde operacionalização da avaliação nas esferas
da região” (Kleba, 2005:329). municipais. Neste trabalho, buscou-se iden-
78 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

tificar quais as medidas adotadas pelas refe- Diante destas constatações, pode-se di-
ridas esferas para induzir a existência da ava- zer que a descentralização político-adminis-
liação na esfera municipal. trativa do SUS, no que se refere à respon-
Na esfera regional/estadual não foi encon- sabilidade de avaliação das ações e servi-
trada nenhuma medida para induzir a operacio- ços de saúde, não tem acontecido com inter-
nalização da avaliação no município. Já na es- dependência entre as esferas estatais, bem
fera federal, notou-se um aspecto positivo, como não contém todos os seus instrumen-
a existência dos projetos: Planos Estaduais tos de operacionalização.
Em nossa avaliação, a esfera federal deve
de Monitoramento e Avaliação e Avaliação
fortalecer sua capacidade institucional e ad-
da Melhoria da Qualidade junto ao município
ministrativa, suas estratégias de indução, sua
(AMQ). No entanto, considerando que o Pro- função regulatória e de acompanhamento, a
jeto AMQ foi colocado à disposição em 2005 transferência de cooperação técnica, a fim
e que até a presente data o município não de dotar o município de capacidade institu-
aderiu a ele, compete-nos questionar a sufi- cional.
ciência da capacidade de indução. Da esfera estadual, esperam-se um maior
comprometimento com a melhoria na qualida-
de dos serviços prestados, um maior empenho
Considerações finais na organização e no desenvolvimento das áreas
municipais de saúde e, principalmente, que
garanta o suporte necessário para sustentar
A pesquisa evidenciou, como ponto princi- o processo de descentralização.
pal, a clara delegação de competências en- Da mesma forma, é chegada a hora do com-
tre as esferas, no sentido de se atribuir a
parecimento efetivo do poder público munici-
responsabilidade pelo acompanhamento e ava-
pal na implementação de um Sistema de Con-
liação dos dados de produção e do programa
trole e Avaliação, através da criação de uma
à esfera municipal, ocasião em que nenhuma
unidade própria no âmbito da Secretaria Muni-
delas realizou a avaliação. Suas atividades
cipal de Saúde, com a função de coordenar o
pautaram-se na consolidação dos dados, aná-
processo de avaliação dos programas e com
lise da cobertura, correção de erros de digi-
pessoal capacitado e treinado para monitorar,
tação ou de composição das equipes, ou seja,
avaliar e utilizar os resultados advindos da
ações de monitoramento, prejudicando so-
avaliação. Ainda, o município deve aderir a
bremaneira o processo de tomada de deci-
são. De modo que, além da necessidade da projetos de autoavaliação, como o Avaliação
realização de um planejamento estratégico para Melhoria da Qualidade – AMQ, do Minis-
nacional do SUS por todas as esferas, é pre- tério da Saúde.
ciso que se clarifique a divisão de competên- Sem estas decisões, que se impõem aos
cias, a fim de que cada esfera entenda qual gestores públicos, é pouco provável que a
seja sua real atribuição. descentralização alcance resultados positivos
Cabe lembrar que, embora, caiba ao mu- e que se consiga eficiência nas atividades da
nicípio a responsabilidade de prestar atendi- gestão pública. O caminho para que a descen-
mento à população, e à União e aos estados tralização seja reconhecida como uma estra-
a cooperação técnica e financeira necessá- tégia necessária para garantia da melhoria na
ria ao desempenho desta função, na reali- assistência às demandas locais depende de
dade, estas não prestaram o suporte ne- uma atuação conjunta das esferas, da ela-
cessário, em descumprimento à previsão de boração de políticas públicas que produzam
corresponsabilidade entre as esferas. resultados reais para a sociedade.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 79

Referências bibliográficas

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80 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

Résumé: Le thème de cet article se concen- Resumen: El tema de este artículo se con-
tre sur l’analyse de la décentralisation des centra en el análisis de la descentralización
politiques sociales, en essayant d’incorporer de las políticas sociales, intentando incor-
des éléments à la réflexion au sujet de leurs porar elementos a la reflexión sobre sus
limites et potentialités. L’étude a pris comme límites y potencialidades. El estudio tomó
objet empirique de recherche la vérification como objeto empírico de investigación la
de l’exécution de la responsabilité d’évaluation verificación del cumplimiento de la respon-
du Programme Santé de La Famille du district sabilidad de evaluación del Programa Salud
municipal de Correia Pinto (SC) par les trois de la Familia del municipio de Correia Pinto
sphères de l’État. Les données ont été prises (SC) por las tres esferas estatales. Los datos
au Bureau Municipal de Santé, concernant fueron recolectados en la Secretaría Munici-
l’année 2006, dans les documents physiques, pal de Salud, referentes al año 2006, en los
comme par exemple des registres et des documentos físicos, como fichas e informes,
rapports, les documents informatisés, comme documentos informatizados como el Sistema
par exemple le Système d’Information de de Información de la Atención Básica (SIAB)
l’Attention de Base (SIAB) et à travers les y a través de entrevistas individuales y en
entrevues individuelles et dans le groupe. Les grupo. La investigación demostró que no exis-
recherches ont démontré qu’il inexiste te evaluación del programa en las esferas
l’évaluation du programme dans les sphères municipal y estatal, de la misma manera que
municipal et de l’état, aussi bien qu’il est es restringida en la esfera federal, no
restreint dans la sphère fédérale, dans le refus cumpliendo la previsión legal de responsa-
de consentement à la prévision légale de bilidad común entre las esferas, evidencian-
responsabilité commune parmi les sphères, ce do la necesidad de maduración de la
qui montre la nécessité d’amélioration de la estructura de la descentralización, que no
structure de la décentralisation, qui ne se ocurre de forma completa.
réalise pas de manière complete.
Palabras-clave: descentralización; políticas
Mots clés: décentralisation; politiques pu- públicas; Programa Salud de la Familia.
bliques; Programme Santé de la Famille.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 81

Como as pessoas com deficiência avaliam as políticas públicas


de saúde no Ceará1

Disabled people’s evaluation concerning the public policies on


health in Ceará

Como las personas minusvalidas evaluan las políticas públicas


de salud en Ceará

Ce que pensent les handicapés en ce qui concerne les


politiques publiques de la santé au Ceará

Antonia Félix de Sousa*


Maria de Nazaré de Oliveira Fraga**

Resumo: Nas décadas recentes, a situação Abstract: In recent decades the situation of
das pessoas com deficiência entrou em evi- the disabled people has been brought to light
dência no Brasil, exigindo respostas do Esta- in Brazil, which required from the government
do por meio da adoção de políticas públicas members the adoption of public policies towards
para este segmento. A pesquisa objetivou in- this segment. The research aimed to
vestigar como essas pessoas avaliam as ações investigate how these people evaluate the
que lhes dizem respeito no âmbito das políti- actions representing the public policies on
cas públicas de saúde no Ceará e se tais health in Ceará that apply to them, as well as
ações possibilitam sua autonomia e inclusão if such actions make possible their autonomy
social. Foi realizada em Fortaleza-CE, de ju- and social inclusion. It was developed in For-
lho de 2003 a janeiro de 2004, utilizando ques- taleza-CE from July 2003 to January 2004, and
tionário e entrevistas. A maioria dos sujeitos the material used were questionnaires and
diferencia-se do conjunto das pessoas com interviews. In Brazil, most individuals differ from
deficiência no Brasil, pois tem maior escolari- people with disability, since they study more
dade e trabalha. Os sujeitos avaliaram os ser- and work. The services provided to these
viços como precários, os espaços físicos ina- people were evaluated as precarious, the
cessíveis e os profissionais despreparados. physical spaces as inaccessible, and the
Ficou constatado que, no Ceará, ainda não professionals as unprepared. The research
se concretizaram os princípios preconizados found that in Ceará the aims established by
pela política nacional para este setor. Sendo the national policies to this segment have not
assim, as políticas públicas que lhes dizem yet been reached. Thus, the public policies
respeito adotam medidas pontuais e mais li- that apply to them suggest insufficient
mitam do que impulsionam sua autonomia e measures and create limits more than they
inclusão social. motivate their autonomy and social inclusion.

Palavras-chave: saúde do portador de defi- Keywords: health of people with disability;


ciência; avaliação; políticas públicas; saúde. evaluation; public policies; health.

* Historiadora, mestre em avaliação de políticas públicas, coordenadora do Programa de Educação do Pro-


jeto Dom Helder Camara - Sdt/Mda/Fida. E-mail: antonia@dom.gov.br
** Enfermeira, doutora em enfermagem, professora do Curso de Mestrado em Avaliação de Políticas Publi-
cas da UFC. E-mail: mnofraga@ufc.br
82 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

No Brasil, até como responsável pela provisão das ações e


Introdução meados do sécu- serviços necessários à garantia desse direito,
lo XX, não havia foram incorporados ao texto da Constituição
um modelo de saúde que atendesse a todos. de 1988 (Brasil, 2002).
Sempre predominou a precariedade dos servi- O artigo 198 da Constituição Federal, em
ços. Inicialmente, tudo que dizia respeito à seu parágrafo único, formaliza o novo modelo
população pobre ficou sob os cuidados de ins- de assistência à saúde que passa a denomi-
tituições filantrópicas. As demais pessoas con- nar-se Sistema Único de Saúde (SUS) (Bra-
tratavam serviços médicos existentes, ou en- sil, 1989).
tão recorriam a curandeiros, parteiros e ou- O processo enfatizava o respeito aos direi-
tros curiosos (Andrade, 2001). tos humanos, entre os quais se inclui o direito
No decorrer do século XX, o sistema de à assistência em saúde, os direitos de diver-
saúde brasileiro transitou do sanitarismo sos setores excluídos, entre outros aspectos
campanhista para o modelo médico assistencial que marcaram profundamente o final do sécu-
privatista, até chegar, nos anos 1980, ao pro- lo XX. Neste contexto, a situação vivenciada
jeto neoliberal (Mendes, 1995). pelas pessoas com deficiência emergiu como
Para substituir o modelo em vigor, com o um movimento que passou a problematizar suas
processo de industrialização, surgiu a assis- questões para inseri-las na arena política.
tência médica da previdência social, que visa- Este movimento específico representa um
va preservar intacta a capacidade produtiva esboço de modificação no modo como, histo-
do trabalhador. A iniciativa serviu de base para ricamente, a sociedade lida com as pessoas
a hegemonia do modelo médico privatista, na com deficiência, transitando da fase caritati-
década de 1970, com o Estado figurando como va ou tradicionalista para a reabilitatória, até
seu grande financiador através da previdência a atual, que está se consolidando como fase
(idem, op. cit.). de autonomia.
Com o início da abertura política, nos anos Ressalte-se que o que vem ocorrendo no
1980, ganhou espaço o movimento da refor- Brasil, de alguma forma, insere-se no contex-
ma sanitária, que se fortalecia liderado por to internacional, pois já em 1975 a Organiza-
intelectuais da saúde coletiva que, em con- ção das Nações Unidas (ONU) aprovou a De-
junto com os movimentos populares e sindi- claração dos direitos das pessoas deficientes
cais, propunha a transformação do sistema (São Paulo, 2004). Em 1997, a Organização
existente, que se encontrava em crise finan- Mundial de Saúde (OMS) fixou princípios
ceira e organizativa, por conta da recessão enfatizando o apoio aos contextos ambientais
econômica e da insatisfação dos trabalhado- e às potencialidades, ao invés de à valoriza-
res de saúde diante da irracionalidade do mo- ção das incapacidades e das limitações das
delo vigente, entre outras razões. pessoas com deficiência (Brasil, 2003).
Frente às demandas visibilizadas pelos no- O Brasil publicou em 1999 o Decreto no 3.298
vos atores do processo de democratização, que regulamenta a Lei no 7.853 de 23/10/89,
desencadeou-se forte movimento social pela formalizando a política nacional para integração
universalização do acesso e pelo reconheci- da pessoa portadora de deficiência (Brasil,
mento da saúde como direito universal e de- 1999). Tal política anuncia como propósito rea-
ver do Estado (Brasil, 2002a). bilitar a pessoa com deficiência em sua capa-
Como um dos pontos culminantes do gran- cidade funcional e de desempenho humano –
de processo de lutas e de organização popu- de modo a contribuir para sua inclusão plena
lar que se concentraram principalmente nas em todas as esferas da vida social – e prote-
décadas de 1980 e 1990, realizou-se a VIII ger a saúde deste segmento populacional, bem
Conferência Nacional de Saúde, em 1986 como prevenir agravos que determinam o apa-
(Andrade, 2001). Ela apontou para a necessi- recimento de deficiências. Este documento
dade de garantir os princípios da universalização indica a necessidade de articularem-se seto-
do acesso e da integralidade da atenção à res governamentais e não governamentais,
saúde (Brasil, 2002). visando igualdade de oportunidades entre as
Como consequência, os princípios ali defi- pessoas com deficiência e as demais pessoas
nidos, bem como a determinação do Estado (Brasil, 2002).
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 83

No âmbito nacional, no tocante à política contram-se com suas unidades de reabilita-


de saúde, estão dadas as condições consti- ção em processo de organização para cadastra-
tucionais e jurídicas para atender às pessoas mento e homologação junto ao Ministério da
com deficiência na perspectiva da inclusão Saúde. Foi informado que já havia oito unida-
social, embora, na prática, muito ainda esteja des de reabilitação autidiva em funcionamen-
a desejar. to no Ceará, sendo sete em Fortaleza, uma
No Ceará, até 2002, a Secretaria de Saúde em Cascavel e outra em Juazeiro do Norte.
dispunha de um programa de apoio à pessoa Através do Decreto Governamental no 29.150
com deficiência que desenvolvia algumas ações de janeiro de 2008, foi implantado Núcleo de
de caráter informativo e de humanização da Atenção Especializada – NUESP, que funciona
como um grupo de trabalho voltado para a
atenção dada a essas pessoas, como elabora-
atenção à pessoa com deficiência. Definem-
ção de cartilhas temáticas e treinamentos para
se como suas funções: elaborar, adequar e
supervisores de agentes comunitários de saú-
manter atualizadas normas e diretrizes para a
de e outros profissionais (Ceará, 1997b, s/p).
organização de atenção especializada em to-
Neste mesmo setor funcionava também um ser- dos os ciclos de vida; orientar e apoiar as
viço de dispensação de órteses, próteses e coordenadorias regionais de aúde nessa ques-
outros auxílios para essas pessoas (Ceará, 2002), tão específica; elaborar e acompanhar pro-
mas os recursos desta rubrica eram modestos gramações orçamentárias.
e não atendiam às necessidades existentes. Vale salientar que existe também em Forta-
Em 2002, um manual divulgou as diretrizes leza o Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek,
para a dispensação de órteses, próteses e que tem como gestora a Associação das Pio-
meios auxiliares de locomoção no Sistema neiras Sociais. A instituição, como as várias
Ambulatorial do Estado do Ceará (SAI) do Sis- outras existentes no Brasil integrantes da Rede
tema Único de Saúde (SUS) (Ceará, 2002). Sarah Kubitschek, mantém convênio de ges-
Embora no manual a Portaria no 818 de 2001 tão com a União. A julgar por nossa convivên-
seja referida como a norma que aponta para a cia com pessoas que dependem ou depende-
organização da assistência à pessoa com de- ram em algum momento da assistência pres-
ficiência em serviços hierarquizados e regio- tada no Centro Sarah de Fortaleza, as filas
nalizados, é necessário enfatizar que essa ini- são longas e a espera, também. Embora o ser-
ciativa da Secretaria de Saúde está longe de viço seja de excelente qualidade, aparente-
corresponder à complexidade do que está pre- mente o controle social das ações ali realiza-
visto na Lei no 7.853/89. das tem ínfimo significado.
Portanto, mesmo após três anos da lei que Assim, a pesquisa teve como objetivos:
regulamentou a Política Nacional para Integra- investigar como as ações que representam as
políticas públicas de saúde para as pessoas
ção da Pessoa Portadora de Deficiência, ainda
com deficiência no Ceará refletem-se na vida
não haviam sido implementados no Ceará ser-
dessas pessoas e se tais ações estão estrutu-
viços que garantissem o que está previsto na
radas de modo a possibilitar sua inclusão so-
legislação específica.
cial; traçar o perfil socioeconômico e de saú-
Outro indicador desta realidade problemá- de das pessoas com deficiência que militam
tica é o fato de que, por ocasião da coleta de nas respectivas entidades no Ceará; identifi-
dados desta pesquisa, a organização dos ser- car a percepção dessas pessoas acerca das
viços de reabilitação física se concentrava, e ações que consolidam a política de saúde para
ainda se concentra, em apenas dois municípi- as pessoas com deficiência no Ceará e anali-
os cearenses: Fortaleza e Iguatu. Apenas es- sar, com base em suas descrições, a tendên-
tes dispunham de unidades de referência em cia dessas ações.
reabilitação da pessoa com deficiência cadas-
tradas no SUS.
Vale ressaltar que, quando da submissão Metodologia
deste trabalho para publicação, em agosto de
2008, a Secretaria de Saúde do Ceará (SESA),
por intermédio da Coordenadoria de Políticas e A pesquisa realizou-se na cidade de For-
Atenção à Saúde, informou que os municípios taleza no período de julho/2004 a janeiro/
de Maracanaú, Juazeiro do Norte e Crato en- 2005. Ressalte-se que, em Fortaleza, locali-
84 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

zam-se a maioria dos equipamentos de assis- soas com deficiência, familiares e profissio-
tência às pessoas com deficiência e suas en- nais que integram as entidades que congre-
tidades. A limitação de recursos financeiros gam pessoas com deficiência ou que prestam
também inviabilizou uma maior abrangência serviços a estas; pessoas que estiveram ou
geográfica. Vale salientar que a realidade en- estavam à frente da gestão de entidades,
contrada na cidade de Fortaleza retrata, de órgãos públicos ou órgãos colegiados já refe-
alguma forma, a situação da atenção às pes- ridos no parágrafo anterior. Para o primeiro
soas com deficiência nos demais municípios grupo de sujeitos, foram definidos os seguin-
cearenses. tes critérios: pessoas adultas com deficiên-
Foram identificadas 20 entidades de pes- cia ou não, de ambos os sexos, integrantes
soas com deficiência. Como critérios de in- das respectivas entidades; profissionais que
clusão, optou-se por contemplar a pluralidade militam ou trabalham nestas entidades, ten-
no que se refere ao perfil das entidades e do ou não relações de parentesco. Para o
dos sujeitos, buscando-se incluir entidades segundo grupo prevaleceu como critério o fato
identificadas com as mais variadas concep- de estarem ocupando determinada posição
ções acerca das questões que envolvem a naquele momento de transição para a nova
pessoa com deficiência e as que congregam política nacional de saúde para as pessoas
pessoas com os mais diversos tipos de defi- com deficiência. Foram entrevistados 18 su-
ciência. Esta pretensão de contemplar a di- jeitos, sendo 2 gestores de órgãos públicos
versidade de entidades e de concepções fun- governamentais, 1 representante de órgão
damentou-se na argumentação de Bauer e colegiado, 2 técnicos de entidades que pres-
Gaskell (2002), ou seja, na pesquisa qualitati- tam serviços, 2 familiares e 11 pessoas com
va importa mais a variedade de opiniões sobre deficiência de ambos os sexos.
o tema. Deste modo, foram incluídas na pes- Aplicou-se um questionário para compor o
quisa sete entidades, sendo uma de pessoas perfil socioeconômico e de saúde das pessoas
com deficiência motora, duas de pessoas com com deficiência incluídas na pesquisa, além
deficiência auditiva, uma de pessoas com de- da realização de entrevista semiestruturada.
ficiência visual e três de pessoas com qual- Para conduzir a entrevista, foi organizado um
quer tipo de deficiência. “tópico guia”, instrumento composto por itens
Vale salientar que, tendo em vista as no- para subsidiar o entrevistador e favorecer um
vas diretrizes geradas pela Lei no 7.853 de melhor ordenamento do seu trabalho (Bauer
1989, pelo Decreto no 3.298/99 e pela Reso- e Gaskel, 2002).
lução no 1.060 de 2002, foram surgindo ques- As entrevistas foram gravadas com o con-
tões referentes à reorganização do atendi- sentimento dos sujeitos. Às pessoas com de-
mento, na área de saúde, às pessoas com ficiência auditiva solicitou-se que indicassem
deficiência. Era um momento de transição, o um intérprete da língua brasileira de sinais
que implicou a busca de outras pessoas e/ou (LIBRAS) para atuar no momento da realiza-
órgãos para obtenção de informações relati- ção da entrevista.
vas a como este processo vinha ocorrendo. Na pesquisa, foi adotada a perspectiva de
Sendo assim, também foram entrevista- avaliação, tendo o termo “avaliar” o sentido
dos: um representante do Setor de Serviço de apontar para o valor, reportar-se a um
Social da Secretaria de Saúde do Ceará, que perceber que distingue, que rompe com a in-
anteriormente respondia pelo atendimento às diferença, que estabelece pontos de refe-
pessoas com deficiência; um do Centro Carlos rência (Rios,1999). Partiu-se do princípio de
Ribeiro, da Secretaria Executiva Regional I da que, tendo em vista a concepção de saúde
Prefeitura Municipal de Fortaleza, que esta- que está expressa no Sistema Único de Saú-
va habilitado, naquele momento, para aten- de, toda política pública de saúde deve pro-
der as pessoas com deficiência na área da mover a inclusão social.
reabilitação; um da Comissão Interinstitucio- Foram seguidos os princípios definidos pela
nal para subsidiar as diretrizes da Política de Resolução no 196/96, que define os padrões
Saúde à pessoa com deficiência no Ceará. éticos para investigações que envolvem se-
Os sujeitos pertencem a dois grupos: pes- res humanos, principalmente quanto à bene-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 85

ficência, autonomia, relevância social da pes- como, em determinado contexto, elas cons-
quisa e assinatura do termo de consentimen- troem seus discursos sobre a realidade que
to livre e esclarecido. O projeto foi submeti- vivenciam e como, por exemplo, um gestor
do e aprovado pelo Comitê de Ética em Pes- ou um profissional vinculado a um órgão ou
quisa da Universidade Federal do Ceará. instituição constrói seu discurso a respeito
Os dados quantitativos coletados sofre- do mesmo tema.
ram análise percentual. As informações pro- Setenta por cento das pessoas entrevis-
tadas têm nível superior concluído; portanto,
venientes das entrevistas foram analisadas
enquanto integrantes de entidades que re-
recorrendo-se à análise crítica do discurso
presentam o segmento das pessoas com de-
(Iñiguez, 2004; Bauer; Gaskell, 2002 ), vi-
ficiência, fogem ao perfil comumente encon-
sando destacar as diferentes percepções dos
trado nele, em geral portadores com menor
sujeitos e a explicitar coerências e incoerên- escolaridade. No Brasil, apenas 2,0% das pes-
cias em relação a textos oficiais e outros as- soas com deficiência têm escolaridade de ní-
pectos da realidade estudada. A análise crí- vel médio acima, e a maioria dos que estão
tica do discurso foi adotada tendo em vista no ensino médio faz cursos profissionalizantes,
que a tarefa de avaliar uma política pública não universitários (Massiah, 2004).
demandava um dispositivo que permitisse uma Também 60% dos sujeitos são do sexo femi-
perspectiva de abordagem mais crítica e que nino e 40% são do sexo masculino. O resulta-
problematizasse mais as questões. do, quanto à relação de gênero, demonstra
Também se tomou como base o conceito certo predomínio da representação política das
de inclusão social, entendido como processo mulheres nessas entidades. A maioria é de diri-
composto de transformações simples e tam- gentes das entidades, sendo esta maioria fe-
bém complexas que devem acontecer nos am- minina, representando algo diverso do que acon-
bientes físicos e, essencialmente, na menta- tece na sociedade brasileira no tocante à ocu-
lidade das pessoas. Segundo Sassak (2003), pação de cargos de direção, nos quais os ho-
mens constituem quase o dobro, no que se
estas mudanças grandes e pequenas devem
refere a cargos superiores no poder público,
incluir as próprias pessoas com deficiência;
nos órgãos de interesse público e nas empre-
somente assim a sociedade prepara-se para
sas, em relação às mulheres (IBGE, 2001).
incluir todas as pessoas na condição de O grupo é composto por pessoas com fai-
cidadãos(Sassak, 2003). xa etária predominante de 35 a 40 anos (55%),
A inclusão social da pessoa com deficiên- seguido pela faixa etária de 30 a 35 anos
cia pode ser favorecida, também, por inicia- (30%) e de 20 a 25 (25%), sendo que todas
tivas cotidianas, decorrentes da contribuição elas têm até 40 anos de idade. No Brasil, é
que cada pessoa pode trazer, independente- de 12% a prevalência da deficiência até 36
mente do lugar que ocupa na sociedade anos, aumentando para 20% aos 42 anos,
(Senac, 2003). Neste sentido, uma atenção para 37% aos 60 anos e para 70% a partir
especial deve ser dada à vigilância, para evi- dos 75 anos (Massiah, 2004).
tar a reafirmação ou reprodução de modelos Isto pode ser um indicador de que pessoas
que reforcem estigmas e desrespeitem as di- com idade mais elevada não integram as en-
ferenças como condição humana. tidades compostas por pessoas com deficiên-
cia, já que, tendo em vista as barreiras arqui-
tetônicas e outras, são exigidos significati-
Resultados e discussão vos esforços para militar em torno dessa cau-
sa. Além do mais, a presença de pessoas re-
lativamente jovens pode estar relacionada ao
Perfil dos sujeitos fato de que, no Brasil, só em meados da dé-
cada de 1980 é que surgiram entidades de
As informações coletadas constituem par- pessoas com deficiência, criadas e dirigidas
te dos elementos que permitiram caracterizar por elas mesmas (Sassaki, 2003).
o perfil das pessoas com deficiência que fo- Quanto ao estado civil, 88% das pessoas
ram sujeitos da pesquisa e indicam também entrevistadas são solteiras e somente 12%
86 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

estão casadas. Isto representa uma dife- utilizam outros equipamentos para auxiliar na
rença em relação à população em geral, na leitura, respiração ou na comunicação.
qual se pode identificar que a maioria das As informações acima mostram que as pes-
pessoas entre 35 e 40 anos estão casadas soas com deficiência que foram entrevista-
ou já constituíram família. Como a maioria das encontram-se em um patamar diferen-
dos sujeitos é composta por mulheres, é for- ciado em relação à maioria daquelas na mes-
çoso destacar que, se fossem casadas, ti- ma situação, já que têm média de escolari-
vessem filhos e trabalhando (como já o fa- dade elevada, trabalham e têm relativa au-
zem) fora de casa, provavelmente disporiam tonomia financeira.
de menos tempo para se dedicar a causas
tão específicas. Os dados podem estar dire- Avaliação das políticas públicas de saúde
tamente relacionados a barreiras sociais e
culturais que precisam ser cotidianamente Como característica comum, os sujeitos
enfrentadas por estas pessoas, que tentam avaliam as ações da política pública de saú-
estabelecer laços sociais e buscam sua rea- de no Ceará como insuficientes para aten-
lização afetiva em geral e uma vida amorosa der às demandas das pessoas com deficiên-
em particular. cia. Mesmo assim, foi possível observar
No tocante à vida social e profissional, nuanças que distinguem, de algum modo, os
80% das pessoas trabalham e 20% estu- discursos de um grupo em relação ao outro.
dam. Das que trabalham, 80% têm vínculo Conforme mostram os dados do Quadro 1,
empregatício e 20% são autônomas. Entre os discursos das pessoas com deficiência,
as que trabalham, 80% ganham entre um e familiares e militantes das respectivas enti-
três salários mínimos e 20% ganham entre dades, bem como o discurso da integrante
quatro e seis salários mínimos. No Brasil, a da Comissão Interinstitucional para subsidiar
renda mensal é de R$ 350,00 para as pesso- a política pública de saúde para as pesso-
as que não apresentam deficiência e de R$ as com deficiência no Ceará, praticamente
300,00 para as pessoas com deficiência não referem a ocorrência de avanços signi-
(Massiah, op. cit.).
ficativos ou abrangentes nos serviços que
Ficou constatado que 90% dos sujeitos
desenvolvem a política pública de saúde no
têm renda familiar de até cinco salários mí-
Ceará. Elas ressaltam a falta de acessibili-
nimos e somente 10% têm renda familiar su-
dade, agravada pela discriminação e pelo
perior a isso. Considerando este indicador,
não-cumprimento ou morosidade do que está
pode-se concluir que as pessoas entrevis-
tadas com deficiência têm renda baixa, o previsto na legislação. Identificam que ou-
que foi confirmado por outros indicadores: tros estados conseguiram avançar, enquan-
somente 18% possuem automóveis e ape- to no Ceará isto não ocorreu de modo signi-
nas 30% moram em casa própria, enquanto ficativo. Também advertem que, se em For-
os demais moram em casa alugada. taleza as dificuldades são tão marcantes,
Embora a maioria dos sujeitos tenha em- então em outros municípios cearenses as
prego, todos sejam adultos, com escolari- condições são ainda mais precárias.
dade de nível médio ou superior, todos mo- As pessoas com deficiência conseguem
ram com familiares, demonstrando a impor- identificar avanços, mas apenas no tocante
tância do vínculo familiar para garantir-lhes à ação das instituições da sociedade civil,
certa segurança. Mesmo assim, 90% deles entre as quais se incluem as entidades em
afirmaram ter autonomia integral na vida co- que elas se congregam. Portanto, este é mais
tidiana; portanto, apenas 10% precisam da um elemento a apontar: que a atenção a
ajuda de outra pessoa. esse segmento não se pauta pela integrali-
Todos os entrevistados necessitam de dade e equidade, mas por uma perspectiva
órtese, prótese ou outro tipo de equipamento desarticulada, marcada pela insuficiência de
para auxílio na locomoção e autonomia, in- recursos, o que repercute negativamente
cluindo cadeiras de rodas, sendo que 40% entre os interessados.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 87

QUADRO 1 - AVALIAÇÃO DOS SUJEITOS QUANTO A ABRANGÊNCIA E IMPACTO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE
NO CEARÁ SOBRE A VIDA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

GRUPO I Fortaleza é assim [...] a gente procura e nada. É a quinta cidade do país e
ainda tem um lado social muito precário, muito atrasado [E2]. Aqui no Ceará
eu não consigo ver avanço [...]) nem um hospital público acessível tem [E4].
O serviço público deixa muito a desejar [...]. Existe a discriminação [E5]. A lei
assegura que nós temos direito, mas isso de fato não funciona [E8]. O Ceará
ainda está muito aquém do que poderia ser feito [E9]. Eu já fui à Bahia e a
Belém: são totalmente mais avançados que o Ceará [E10]. É difícil em Forta-
leza, imagine no interior afora [E11]. No caso da instituição que eu trabalho,
considero um tendimento muito bom, dentro do limite que se pode oferecer.
A criança recebe um atendimento multidisciplinar [...] trabalhamos com mé-
todos especializados [E14]. Não se pode generalizar, mas eu acredito que o
processo de marcação, deslocamento e até se chegar ao profissional é muito
doloroso, mas, quando é atendido por este, compensa tudo, porque existe
profissional muito compromissado [E15].

GRUPO II Talvez o que mais tem tido êxito é a invenção da sociedade civil organizada...
nessa perspectiva de transformação cultural na área da deficiência. Todas as
conquistas relacionadas resultam dessas organizações. Agora, lentamente,
algumas coisas estão mudando, mas, efetivamente, ainda não existe nada
estruturado [E16].
A demora é o pedido, e o pessoal fica enchendo o saco. Mas é triste! Principal-
mente cadeira de rodas, dizemos: “Espere, é só passar este mês”, porque não
depende da gente [E12].
A preocupação da Secretaria e minha como técnica é que a gente vê que existe
uma deficiência grande, que não dá para atender todo mundo. Nós só estamos
com uma unidade em Fortaleza e em Iguatu que se habilitaram dentro da
exigência, e é insuficiente [E13].

Nos discursos das pessoas que exercem ções decisórias frente às políticas públicas e
cargos de gestão ou que têm função de téc- que, pensando e agindo desta forma, tendem
nicos, há contradições. Por um lado, falam de a manter a realidade mais do que mudá-la.
uma perspectiva teórica, como técnicos ou Este modo de compreender o processo de
gestores, que aparentemente entendem o al- reabilitação pode estar associado ao enten-
cance do que está preconizado quanto à in- dimento da deficiência como um problema
clusão social e autonomia das pessoas com da pessoa, o qual exige concentração de
deficiência e demais minorias. Por outro lado, serviços nessa pessoa. Tal percepção guar-
usam palavras que remetem à irritação e ao da semelhança com o modelo médico de
preconceito, com certo viés caritativo ou ro- abordagem da deficiência, anterior ao mode-
mântico. Isso indica que não apreendem toda lo de inclusão social. Esse modelo tem sido
a complexidade do problema, que exige um responsável pela resistência da sociedade em
atendimento de reabilitação na perspectiva de mudar suas estruturas e atitudes para incluir
inclusão social. Estas falas são representati- as pessoas portadoras de deficiência e/ou
vas do modo como a sociedade compreende e pessoas que sofrem outras formas de descri-
aborda, predominantemente, as pessoas com minação (Sassaki, 2003).
deficiência. Isso é grave, na medida em que De qualquer modo, os discursos, principal-
são discursos de pessoas que estão em posi- mente aqueles das pessoas com deficiência,
88 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS

indicam que a perspectiva de uma sociedade me recuperando [...] Toda a vida quando eu
inclusiva no Ceará quase inexiste em espaços vou ao hospital é muito bom o atendimento.
públicos e, quando se trata do espaço público Era a primeira pessoa a ser atendida. Foi mui-
estatal, ela não é perceptível. to bom. Não tenho a reclamar do atendimento
A modernização administrativa do Ceará não do governo, do hospital [E10].
resultou em avanços na qualidade nem na in-
tensidade dos serviços de saúde nos últimos A lei é só no papel. Tem várias leis aí com
dez anos, mas reduziu em 15% o número de mais acessibilidade e tudo, mas a gente não
leitos para atendimento a pacientes do SUS. vê isso na prática [E11].
Nas Unidades de Tratamento Intensivo, o caso
é ainda mais grave. Segundo os parâmetros É perceptível que as pessoas com deficiên-
da Organização Mundial de Saúde (OMS), de- cia têm um conhecimento relativo sobre seus
direitos e avaliam como inexistente ou precá-
vem existir de dois a quatro leitos hospitalares
ria a atenção que lhes é dispensada. A avalia-
para cada mil habitantes, com os leitos de UTI
ção em relação ao despreparo dos serviços e
representando entre 5% a 10% do total. As-
dos profissionais para prestar uma assistência
sim, o ideal era que Fortaleza tivesse 836 lei-
qualificada aparece como uma crítica recor-
tos de UTI. Na prática, a cidade só tem 158, rente.
em hospitais privados, e 168 em hospitais pú- Os discursos não indicam a existência de
blicos, pouco mais de um terço do necessário uma política que aponte para inclusão social.
(Bruno; Farias; Andrade, 2002:146). Ressalte-se que esta nunca deve ser confun-
Os discursos que seguem refletem o en- dida com assistência, segregação ou distin-
tendimento dos sujeitos sobre as iniciativas ção no atendimento, de acordo com alguma
recentes na área de saúde para as pessoas condição ou característica que a pessoa apre-
com deficiência no Ceará e áreas correlatas. sente (Massiah, 2004).
É necessário enfatizar que, na raiz dos pro-
Na verdade eu não sei como é, porque é blemas da ineficiência e da falta de qualidade
assim. Eu sei que isso é direito, quando o de- das políticas públicas, também está uns
ficiente não tem autonomia de pegar o dinhei- determinantes centrais, que é o modelo neo-
ro e comprar sua prótese, sua cadeira de roda, liberal. Neste contexto, as pessoas com defi-
muleta, o aparelho [E1]. ciência têm sido duplamente penalizadas, por-
que o processo de inclusão/exclusão social im-
Mas, eu vejo assim, não existe uma política plica um movimento mútuo. Cabe à pessoa
voltada para isso. Por exemplo, eu faço um com deficiência, assim como às demais, mani-
trabalho que eu não sei nem se o que eu faço festar-se com relação a suas necessidades. À
é certo. Eu não fui preparado para isso, mas sociedade, cabe a implementação de ajustes
eu vou atender uma pessoa que acabou de e providências necessárias para possibilitar o
ser deficiente, quer dizer, eu posso fazer um acesso imediato e definitivo à convivência em
comentário que eu posso ofender bastante espaço e equipamentos públicos estatais e não
aquela pessoa, pois eu não estou preparado estatais.
[E2]. Todavia, para que este movimento aconte-
ça, é necessário que se ocupem os espaços
públicos. Sob este aspecto, as pessoas com
Quanto ao Ceará, dentro do turismo, ne-
deficiência são penalizadas porque, não ha-
nhuma ação [E5].
vendo condições de acessibilidade física, elas
não podem exercer seu direito de ir e vir, in-
Sei que o serviço público deixa muito a de-
clusive para apresentar suas demandas en-
sejar [E6].
quanto cidadãos.
Só sei que é discriminatório e preconcei-
tuoso [E7].
Considerações finais
Então, eu vejo assim, até não é nem negli-
gência! Eu não vou dizer que seja uma culpa! Entre as pessoas com deficiência entrevis-
É um dolo mesmo! Ele propositalmente já está tadas, 70% têm escolaridade de nível supe-
prejudicando as nossas necessidades [E9]. rior, indicando que elas se encontram em van-
Adquiri com sete anos, ainda criança e fui tagem quanto ao nível de escolaridade em re-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 89

lação às demais com deficiência no Brasil. A são incipientes no tocante à acessibilidade. A


maioria delas tinha até 40 anos, retratando morosidade quanto ao enfrentamento das bar-
tanto a dificuldade de pessoas com mais ida- reiras tem relação com o fato de a inclusão
de de enfrentarem obstáculos de toda ordem social ser ainda uma preocupação recente.
que se interpõem em suas vidas como o fato Assim sendo, tanto a sociedade precisa apren-
de que as entidades de pessoas com defici- der muito com a pessoa com deficiência como
ência no Brasil constituem um evento relati- esta, por sua vez, precisa ensinar às demais
vamente recente. A grande maioria delas é
pessoas.
solteira, residindo com os familiares, mesmo
Os discursos dos que exercem cargos de
tendo emprego. A predominância de pessoas
solteiras com deficiência pode estar relacio- gestão pública ou que têm função de técni-
nada ao estigma que sofrem e a outras barrei- cos trazem argumentos contraditórios. Expres-
ras que se convertem em dificuldades, as quais sam ora postura teórica, ora uma visão
precisam ser, cotidianamente, enfrentadas preconceituosa, indicando que não apreendem
para que atinjam a realização afetiva em geral toda a complexidade da situação da pessoa
e uma vida amorosa em particular. com deficiência, que exige um atendimento
Apenas 10% delas declararam precisar da de reabilitação na perspectiva de inclusão so-
ajuda de outra pessoa para a realização de cial. O fato que se comprovou é preocupante,
suas atividades cotidianas, e isto contraria a na medida em que os discursos vêm de pes-
idéia de vincular deficiência à perda de auto- soas que estão em posições de decisão fren-
nomia ou à incapacidade. Elas são relativa- te às políticas públicas e, pensando e agindo
mente diferenciadas em relação à maioria das conforme discursam, tendem mais a manter a
pessoas com deficiência, pois têm média de realidade do momento do que a fazer avançar
escolaridade elevada, relativa autonomia fi- as mudanças.
nanceira e trabalham, o que contribui para que
A despeito do que está previsto na legisla-
tenham uma apreciação crítica sobre a reali-
ção nacional, os sujeitos avaliam os serviços
dade que enfrentam e sobre as políticas que
no Ceará e Fortaleza como precários e os es-
lhes dizem respeito.
A prática que se realiza no Ceará ainda não paços físicos inacessíveis. Sendo assim, as po-
conseguiu concretizar os princípios preconi- líticas públicas que lhes dizem respeito ten-
zados pela política nacional para a pessoa com dem mais a limitar do que a impulsionar a in-
deficiência, pois os serviços não atendem aos clusão social e a autonomia das pessoas com
pressupostos da legislação nacional em vigor deficiência. Isso também demonstra que elas
desde 1989. têm uma apreciação crítica sobre a realidade
No estado do Ceará e em Fortaleza, as que enfrentam e sobre as políticas que lhes
ações das políticas voltadas a esse segmento dizem respeito.

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Résume: Il y a quelques décennies la situa- Resumen: En las décadas recientes, la


tion des personnes handicapées est en situación de las personas portadoras de
évidence au Brésil, ce qui a demandé de l’État deficiencia fue puesta en evidencia en el Bra-
la création des politiques publiques pour ce sil, lo que exige respuestas del Estado para
segment. La recherche avait pour but la adopción de políticas públicas para esa
d’enquêter comment ces gens évaluent les cuestión. El objetivo de la investigación fue
actions qui répresentent les politiques publi- analizar como esas personas evaluan las
ques de la santé qui s’appliquent à eux, et acciones que representan las políticas pú-
aussi de découvrir si ces actions permettent blicas de salud en el Ceará, ya que esas son
leur autonomie et leur inclusion sociale. Elle a de sus intéres, además de posibilitar su
eté realisée à Fortaleza-CE entre juillet 2003 autonomía e inclusión social. Fue hecha en
et janvier 2004, à l’aide de l’utilisation des Fortaleza-CE de julio de 2003 a enero de
questionnaires et des interviews. La plupart 2004, en que se utilizó una encuesta e una
des individus est différente de l’ensemble des entrevista. La mayoría de los sujetos se di-
personnes handicapées au Brésil vue qu’ils ferencia del conjunto de las personas porta-
ont un niveau escolaire plus élevé et aussi doras de deficiencia en el Brasil, pues tiene
mayor escolaridad y trabajan. Ellos evaluaron
qu’ils travaillent. Les services offerts aux
los servicios como precarios, los espacios
personnes handicapées ont eté évalués
físicos inaccesibles y los profesionales sin
comme précaires, les espaces physiques
preparos. Se quedó comprobado que, en el
comme inaccessibles et les professionnels
Ceará, aún no se concretizaron los principios
comme pas assez preparés. On a constaté
establecidos por la política nacional para ese
qu’au Ceará les objectifs que le gouvernement
sector. De esa manera, las políticas públicas
s’était assigné pour ce segment n’ont pas de sus intéres adoptan medidas pontuales,
encore eté atteints. Ainsi, les politiques pu- en que más limitan del que impulsionan su
bliques utilisent des moyens faibles et limitent autonomía e inclusión social.
l’autonomie et l’inclusion sociale des personnes
handicapées au lieu de les motiver. Palabras-clave: salud del portador de
deficiencia; evaluación; políticas públicas;
Mots clés: la santé des personnes handicapées; salud.
évaluation; politiques publiques; santé.
REVISÃO DE LITERATURA JAN/JUN 2008 91

Reflexões sobre a criação e implementação do Programa


Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)1

Reflections on the creation and implementation of National


Programme for Strengthening Family Farm

Reflexiones acerca de la creación y puesta en marcha del


Programa Nacional de Fortalecimiento de la Agricultura
Familiar

Réflexions sur la création et la mise en oeuvre du Programme


national pour le renforcement de l’agriculture familière

Cátia Regina Muniz*

Resumo: O propósito deste artigo é fomen- Abstract: The purpose of this article is to
tar uma reflexão crítica sobre a criação e foster a critical reflection on the creation
implementação do Programa de Agricultura and implementation of the Programme of
Familiar no ano de 1996. Para atingir tal fi- Family Farming in 1996. To achieve these
nalidade, são elencados alguns autores que goals are listed some authors who discuss
discutem esta temática, assim como o pró- such issues as well as the very concept of
prio conceito de agricultura familiar que family farming that this guiding public policy.
norteia esta política pública. Os autores se- The authors selected achieve an approach
lecionados realizam uma abordagem que that emphasizes the speech of the federal
enfatiza o discurso do governo federal rela- government about the creation of the
tivo à criação do programa, mostrando que program, showing that there was a response
houve uma resposta às demandas dos movi- to the demands of rural social movements,
mentos sociais rurais, mas também interven- but also assistance from international agen-
ções de agências internacionais. cies.

Palavras-chave: agricultura familiar; imple- Keywords: family farming; implementation;


mentação; política pública; Pronaf. public policy; Pronaf.

* Mestre em antropologia social e doutora em ciências sociais pela UNICAMP, é pesquisadora-bolsista Prodoc/
CNPq e membro do Programa de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP), na Universidade
Federal do Ceará (UFC).
92 JAN/JUN 2008 REVISÃO DE LITERATURA

O objetivo des- Assim como Bastos, Aquino e Teixeira


Introdução te artigo é desta- (2005) ressaltam o discurso do governo fe-
car algumas inter- deral para a implantação de tal programa, o
pretações sobre a criação e implementação2 qual tinha a pretensão de reverter o quadro
do Programa Nacional de Fortalecimento da de marginalização da agricultura e compen-
Agricultura Familiar (Pronaf), assim como so- sar parte dos efeitos nocivos da política eco-
bre o próprio conceito de agricultura fami-
nômica levado a cabo no setor rural. De acor-
liar. Deste modo, o texto se apresentará
do com tal discurso governamental, citado
como uma revisão bibliográfica das referidas
pelos autores, “essa política pública seria o
temáticas. Para tanto, buscaram-se auto-
principal instrumento utilizado para construir
res com visões diferenciadas, críticas e mes-
mo complementares sobre o assunto, a fim um novo modelo de desenvolvimento rural no
de ampliar o debate acerca do programa e Brasil. Sua missão fundamental seria comba-
dos significados de agricultura familiar que o ter as desigualdades (regionais, setoriais e
permeiam. pessoais)” [...] (idem, op. cit.: 4).
Da mesma perspectiva, Alentejano (2000)
ressalta que esta política governamental para
O Pronaf em destaque o setor agrário, apesar de ter sido resultado
de pressões por um novo modelo agrário, con-
cretiza-se em medidas que, além de desmo-
Alguns autores afirmam que o Programa bilizar os movimentos sociais, visam fazer as
Nacional de Fortalecimento da Agricultura concessões exigidas pela política econômica
Familiar (Pronaf) foi lançado, em julho de em vigor.
1996, pelo governo federal, a partir das lu- Lopes (1999), por sua vez, afirma que, a
tas sociais e reivindicações de trabalhado- proposta, desta política pública elaborada pelo
res do campo, tendo elegido o agricultor fa- governo Fernando Henrique Cardoso é o
miliar como protagonista, pela primeira vez, enquadramento desta às determinações do
de uma política orientada para o desenvolvi- Fundo Monetário Internacional (FMI), isto é,
mento rural. No contexto das dificuldades
em que se encontravam os pequenos pro- a manifestação clara da subordinação
dutores familiares para reproduzir suas ati- da economia brasileira ao receituário
vidades agrícolas e assegurar, ao mesmo neoliberal, que vem desde o governo
tempo, condições de vida adequadas para Collor e é aprofundada no governo FHC.
suas famílias, uma linha de crédito para a [...] Ela é, antes de tudo, uma exigên-
agricultura familiar foi considerada uma con- cia da política econômica do governo
quista importante. FHC, em função da restrição financei-
Entretanto, Bastos (2006:64) destaca as ra porque passa o Estado brasileiro,
pressões internacionais da Organização das como instrumento auxiliar no combate
ao déficit público, o principal vilão, na
Nações Unidas para a Agricultura e a Ali-
opinião do governo, dos males e pro-
mentação (FAO) e do Banco Internacional
blemas que afetam o país (Lopes,
de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD),
1999:4).
que para ele, foram mais importantes para
aquele desfecho que o acúmulo de sucessi- Desse modo, para Alentejano (2000), a
vas experiências frustradas por parte dos elaboração de uma política particularmente
trabalhadores. Este autor enfatiza também voltada para a agricultura familiar, por parte
os interesses do próprio poder público em do governo federal, colocando-a no centro
captar recursos para realização de obras das propostas de desenvolvimento rural, “é
(prestígio), bem como dos agentes financei- fruto de uma confluência de pressões, assim
ros que se remuneram por intermédio da como da tentativa do governo de reverter o
equalização de juros mais taxa de serviço, quadro politicamente desfavorável em que o
em cada operação realizada. mesmo foi posto, nos últimos anos, do pon-
REVISÃO DE LITERATURA JAN/JUN 2008 93

to de vista da questão agrária” (Alentejano, econômicos e da liberalização; c) por


2000:96). fim, nos anos 90, passou-se a atribuir
Conforme o autor acima citado, esta va- novos papéis para a agricultura e o meio
rural, com destaque para a geração de
lorização – ao menos retórica – da agricul-
emprego e a preservação ambiental. Os
tura familiar deve-se também à crise de par- agricultores familiares nunca tiveram
celas do setor agropecuário modernizado que organização e força a ponto de influen-
tem favorecido o questionamento do modelo ciar as instituições governamentais que
patronal na agricultura. Segundo Alentejano tomam as principais decisões de políti-
(op. cit.), o documento elaborado para a ca agrícola. Além disso, nos últimos anos,
criação do Pronaf é explícito neste sentido, com os ditames neoliberais, a política
agrícola tornou-se subsidiária e está hoje
ao apontar para o esgotamento do completamente submetida às determi-
nações macroeconômicas, prevalecen-
modelo de industrialização concentra-
do sempre as políticas fiscal, monetária
da e da agricultura patronal. De acor-
(de juros) e cambial (p. 57).
do com o novo ideário governista, a
concentração de riqueza e renda pre- Sobre a formulação de políticas públi-
judica o desenvolvimento econômico e cas para a agricultura familiar, Schneider,
o modelo agrícola dominante no país Mattei e Cazella (2004) mostram que,
durante as últimas décadas contribuiu na década de 1990, foram realizados
para tanto, sendo, portanto, neces- estudos pela FAO, conjuntamente com
sário romper com esta herança para o Instituto Nacional de Colonização e
superar os obstáculos à retomada do Reforma Agrária (INCRA), os quais esta-
crescimento econômico (p. 96). beleceram “um conjunto de diretrizes
que deveriam nortear a formulação de
Embora haja várias opiniões sobre as mo- políticas públicas adequadas às especifi-
tivações para o surgimento do programa, cidades dos diferentes tipos de agricul-
todos os estudiosos cujo objeto é o PRONAF tores familiares. Sabe-se que esses es-
concordam que os agricultores familiares tudos serviram de base para as primei-
haviam ficado marginalizados pelas políticas ras formulações do Pronaf (p. 2).
públicas que privilegiavam os grandes pro-
dutores e a grande empresa capitalista no Neste caso, é importante enfatizar que,
processo de modernização agrícola. A gran- no Brasil, o próprio conceito de agricultura
de propriedade se impôs como modelo soci- familiar é relativamente recente, segundo
almente reconhecido e, por isso, conseguiu concepção de Alentejano (op. cit.:57). Para
estímulo social através de políticas agríco- este autor, tal conceito deve ter surgido há
las, cujo intuito era modernizá-la e assegu- cerca de dez anos; antes disso, os termos
rar sua reprodução (Pereira, 2000:13). utilizados eram: pequena produção, peque-
De acordo com Alentejano (op. cit.), nas no agricultor e, ainda antes, “camponês”.
últimas quatro décadas, no Brasil, as políti- Por este motivo, considera-se fundamental
cas públicas para a agricultura restringiram- destacar as discussões em torno do concei-
se às políticas agrícolas, pois a política agrária to de agricultura familiar para a compreen-
foi sempre marginal ou inexistente. O autor são do referido programa, como será expos-
destaca três pontos da política agrícola: to a seguir.

a) a política agrícola brasileira, em subs-


tância, sempre foi decidida em conso- Agricultura familiar: as
nância com os interesses dos empresá-
rios do agro business; b) nas últimas ponderações sobre o conceito
duas décadas (anos 80 e 90), as políti-
cas setoriais, inclusive a política agrí-
cola, perderam importância e cederam Os estudos realizados pela FAO - INCRA,
espaço para as políticas macroeconô- citados anteriormente, também definiram com
micas, sobretudo a partir dos pacotes maior exatidão a agricultura familiar como
94 JAN/JUN 2008 REVISÃO DE LITERATURA

uma forma de produção onde predomina a agricultura torna-se refém das articulações
interação entre gestão e trabalho; são os dos complexos agroindustriais, nos quais “as
agricultores familiares que dirigem o proces- regras e decisões são tomadas por grupos
so produtivo, dando ênfase na diversifica- ou nichos de poder vinculados a grandes em-
ção e utilizando o trabalho familiar, eventual- presas ou conglomerados transnacionais ou
mente complementado pelo trabalho assala- transnacionalizados” (p. 68).
riado” (www.pronaf.gov.br). A história da agricultura na América do Sul
Denardi (2001) tem uma concepção se- e, particularmente, no Brasil, como mostra
melhante sobre o conceito. Para ele, as ca- Pietrafesa (2007:8), esteve pautada na pro-
racterísticas principais dos empreendimen- dução em grandes propriedades rurais, os la-
tos familiares são: serem administrados pela tifúndios. O Brasil experimentou um processo
própria família; e neles a família trabalhar em que as grandes extensões de terras fo-
diretamente, com ou sem o auxílio de tercei- ram dadas, pela Coroa de Portugal, a alguns
ros, ou seja, a gestão é familiar e o traba- proprietários que lhe eram fiéis, ou seja, às
lho, predominantemente, também o é. Con- denominadas capitanias hereditárias. Neste
forme este autor, um estabelecimento fa- sentido, a partir do início da colonização, fo-
miliar é, ao mesmo tempo, uma unidade de ram legitimados e consolidados poderes aos
produção e de consumo; uma unidade de pro- ocupantes das terras da colônia, os quais
dução e de reprodução social (Denardi, seriam os proprietários de grandes áreas ru-
2001:56-57). rais. Pietrafesa (2007) enfatiza ainda que, nas
Pietrafesa (2000:15) ressalta que, se o colônias da Coroa espanhola, o processo foi
conceito de “camponês” foi fartamente uti- diferente, pois, por meio de presença física,
lizado na década de 1960, no Brasil, nas dé- ela controlava nelas a produção de riquezas
cadas seguintes foi substituído pelo de “pe- e a propriedade das terras. Deste modo, a
quena produção”. Com uma concepção mui- agricultura para a exportação passou a co-
to semelhante à do autor acima citado, mandar a economia brasileira desde sua co-
Pietrafesa considera o agricultor familiar lonização e vem mantendo parte significativa
aquele ator social que desenvolve ativida- do poder até os dias de hoje. O autor desta-
des com base na mão-de-obra da própria ca também que, diferentemente de outros
família, principalmente, e depende de forma países capitalistas, principalmente os euro-
substancial do sistema de produção para sua peus, os quais, após a Primeira Guerra Mun-
reprodução física e social - ainda que alguns dial passaram a valorizar a forma familiar de
exerçam pluriatividades3 para ampliar sua produzir, o Brasil permaneceu latifundiário,
possibilidade de sobrevivência (reprodução voltado para a exportação.
social). Segundo ele, o modo de produção Da mesma perspectiva, Lamarche (1993)
do agricultor familiar pode ser diferenciado afirma que “de maneira geral, a agricultura
daquele do capitalista, pois, ele acredita que camponesa nasceu no Brasil sob o signo da
esta mantém relações de produção que não precariedade: precariedade jurídica, econô-
atendem à lógica da exploração do trabalho mica e social do controle dos meios de tra-
alheio, não extrai mais-valia e, ainda, man- balho e produção e, especialmente, da terra
tém autonomia na forma de estabelecer re- [...]” (p. 180).Embora os autores citados te-
lações sociais e culturais, não se enquadran- nham afirmado que o Brasil, diferentemente
do, por este motivo, nos padrões estabele- dos países europeus, não valorizou a agri-
cidos por este capital. cultura familiar, não se pode esquecer que,
Todavia, Lamarche (1993) alerta para um no final do século XIX, com a libertação dos
fato muito importante: a especificidade e a escravos, quase 1 milhão de italianos chega
heterogeneidade da produção familiar não su- para trabalhar nos cafezais de São Paulo, os
gerem que ela não seja subordinada às de- quais utilizavam mão-de-obra familiar. Se-
terminações gerais do capital, pois está con- gundo Stolcke (1993) e Cenni (1975), os ita-
dicionada a ele por meio de sua inserção no lianos vieram, em sua maioria, com famílias
mercado. já constituídas, contratadas para a lavoura
De uma maneira ainda mais abrangente, do café. Stolcke (op. cit.) relata um comen-
Siqueira e Osório (2001) apontaram que a tário irônico, feito por um suíço, evidencian-
REVISÃO DE LITERATURA JAN/JUN 2008 95

do a preferência, naquele momento, do tra- da colheita, que era um quinto maior do que
balho familiar: a da fase de cultivo. A outra vantagem era
devida também, em parte, à ideologia de fa-
Os humanísticos fazendeiros do Brasil, além mília, partilhada por ambos os grupos, fazen-
do mais, querem não apenas indivíduos, mas deiros e trabalhadores, destacada por Stolcke
famílias inteiras para lhes oferecer esta feli- (op. cit.), que “pressupunha a combinação
cidade (uma renda fácil e abundante) nunca de esforços e auxílio mútuo entre os mem-
antes imaginada, de maneira que os mem- bros de uma família para benefício dela como
bros da família ajudar-se-iam uns aos outros um todo” (p. 69). Esta ideologia reforçava a
no trabalho e aumentariam assim sua fortu- ideia de solidariedade na família e a interde-
na comum. Pessoas solteiras teriam que se pendência entre seus membros.
unir à família imigrante (C. Heusser, 1980, Pode-se observar nas ressalvas da auto-
apud Stolcke, op. cit.:65). ra acima que, na substituição da mão-de-
Conforme Stolcke, os fazendeiros, usual- obra escrava pela imigrante, já se conside-
mente, explicavam sua preferência por este rava o trabalho familiar como mais rentável
tipo de imigração, argumentando que “imi- e, por isso, preferencial, isto é, a agricultura
grantes acompanhados por suas famílias eram familiar não foi de todo desprezada como
menos propensos a abandonar as fazendas” afirma Pietrafesa (2007).
(p. 68). Contudo, a autora analisa esta expli- Partindo do pressuposto de que a agri-
cação como sendo parcialmente verdadeira, cultura familiar esteve em evidência em al-
pois acredita que esta era “baseada em uma guns momentos da história agrícola brasilei-
premissa ideológica vinda da própria noção ra é que se percebe, novamente, um desta-
do fazendeiro, de uma família como unidade que maior dado a ela na década de 1990,
solidária, que um membro de uma família não com a criação do Pronaf. O fortalecimento
fugiria ou abandonaria [...]” (p. 68). da agricultura familiar foi justificado pelo go-
Para a autora, igualmente importante para verno federal a partir da capacidade desta
o fazendeiro era o fato de esta opção por absorver mão-de-obra e gerar renda, além
famílias de imigrantes proporcionar-lhes uma de ser um meio eficiente de reduzir a migra-
reserva de mão-de-obra barata, que se mos- ção do campo para a cidade. Por este moti-
trava com um custo menor do que se fosse vo, o objetivo do PRONAF é possibilitar o de-
contratado trabalho assalariado. Isto porque senvolvimento socioeconômico mais susten-
o contrato com as famílias era “de ameia”, ou tável, visando o aumento e a diversificação
seja, o transporte, alimentação e ferramen- da produção, com o consequente crescimento
tas de que iriam precisar, até que pudessem dos níveis de emprego e renda, proporcio-
obtê-los com recursos próprios, eram finan- nando bem-estar social e qualidade de vida
ciados pelos fazendeiros. Por este motivo, este para os agricultores familiares, na interpre-
podia determinar o número de pés de café tação dos formuladores do programa.
dos quais os trabalhadores deveriam cuidar e No Manual operacional do Pronaf desta-
a colheita. Além disso, de acordo com Stolcke cam-se ainda quatro objetivos específicos:
(op. cit.), concedia-lhes um pedaço de terra
para plantar seu próprio alimento. Eles eram a) ajustar as políticas públicas de acor-
obrigados a repor as despesas do fazendeiro do com a realidade dos agricultores
com pelo menos metade de seus lucros anuais familiares;
provenientes do cultivo do café [...] Final- b) viabilizar a infraestrutura necessária
mente, não poderiam deixar a fazenda sem à melhoria do desempenho produtivo
que houvesse pago suas dívidas” (p. 66). dos agricultores familiares;
A própria opção dos fazendeiros pelo sis- c) elevar o nível de profissionalização dos
tema de ameia explicava o recrutamento de agricultores familiares através do
unidades familiares, na concepção desta au- acesso aos novos padrões de tecnolo-
tora. Em vez de trabalhadores individuais para gia e de gestão social;
as plantações, preferiam as famílias, pois seus d) estimular o acesso desses agricul-
filhos e esposas podiam cobrir satisfatoria- tores aos mercados de insumos e
mente a demanda adicional exigida na época produtos.
96 JAN/JUN 2008 REVISÃO DE LITERATURA

Conforme Pereira (2000), os esforços de res criou critérios de exclusão, os quais es-
fortalecimento da agricultura familiar pelo tão baseados no significado do “verdadeiro
PRONAF estão ainda direcionados para a mo- agricultor”: “um profissional, com forte vi-
dernização da infraestrutura produtiva e so- são empresarial e dependente, pelo menos
cial no meio rural, porém no referido Manual em 80% de sua renda familiar, do desenvol-
não há comentários, no contexto da hete- vimento da atividade agrícola princípios
rogeneidade própria da agricultura brasileira, produtivista e setorial” (Aquino e Teixeira,
sobre a forma encontrada pela produção fa- op. cit.:73).
miliar para absorver mão-de-obra manten- Ambos os autores acima citados desta-
do, ao mesmo tempo, a competitividade4 na cam que a própria definição de agricultor fa-
economia e a modernização, por meio do em- miliar foi influenciada por modelos internacio-
prego de tecnologia. Segundo a autora, pa- nais e não na realidade do agricultor brasi-
rece, neste caso, haver um paradoxo nes- leiro que possui especificidades não só nacio-
tes objetivos, pois a tecnicidade na agricul- nais como também regionais.
tura, ao invés de promover geração de em- Em Tonneau, Aquino e Teixeira (2005) res-
pregos, pode intensificar o êxodo rural. Pe- salta-se que a visão sobre a questão agrá-
reira demonstra ainda que as diretrizes do ria no Brasil é dual, pois é resultado da polí-
Pronaf tomaram como referência o modelo tica federal que, em meados dos anos 1990,
de modernização agrícola de países euro- dividiu os assuntos rurais em dois ministé-
peus, principalmente da França do pós-guer- rios: o da Agricultura, Pecuária e Abasteci-
ra. Os produtores selecionados pelo modelo mento, cujo objetivo central é manter a com-
adotado por esses países foram aqueles que petitividade do setor empresarial, ou seja, o
apresentaram condições de se modernizar e agronegócio; e o do Desenvolvimento Agrá-
tornar-se agricultores empresariais. Ao pri- rio, o qual se ocupa da reforma agrária e do
vilegiarem os agricultores mais aptos à mo- desenvolvimento da agricultura familiar. Este
dernização, obtiveram como consequência a fato acaba por reforçar a ênfase no agro-
desertificação de várias aldeias e terras an- negócio e privilegiar agricultores que possuem
teriormente cultivadas e o êxodo rural, prin- condições de aproximar-se deste tipo de ati-
cipalmente dos jovens, afirma Pereira (op. vidade agropecuária. De acordo com dados
cit.:31). coletados pelos autores (op., cit.), há, por
Aquino e Teixeira (2005) partem da mes- este motivo, uma concentração dos recur-
ma análise e acrescentam, com base em do- sos financeiros provenientes desta política
cumentos do FAO-INCRA (1995), que os es- nos municípios das regiões mais ricas (Sul e
tudos realizados por estas organizações di- Sudeste), em detrimento das localidades mais
vidiram a agricultura familiar em três cate- pobres do país (Norte e Nordeste), pois se
gorias, divisão esta cuja intenção é definir o acredita que os agricultores do Sul e Sudes-
público prioritário das políticas públicas: te estariam “mais aptos” a transformar-se
em agricultores familiares do tipo consolida-
a) agricultura familiar consolidada (ideal): do.
aqueles que obtém os melhores re- Os critérios para se obter o financiamen-
sultados econômicos; to do programa, que, de acordo com Aquino
b) agricultura familiar de transição: os e Teixeira (op. cit.) foram influenciados por
de transição têm tido prioridade, a modelos internacionais, são:
fim de transformá-los em consolida-
do, criando novas oportunidades para a) possuir, pelo menos, 80% da renda fa-
o desenvolvimento da agricultura e o miliar originária da atividade agrope-
crescimento da produtividade; cuária e não agropecuária exercida no
c) agricultura familiar periférica: são mar- estabelecimento;
ginalizados, devendo se contentar b) deter ou explorar estabelecimentos
com políticas de compensação. com área de até quatro módulos fis-
cais (ou até seis módulos quando a
Na interpretação destes autores, essa di- atividade do estabelecimento for pe-
visão em categorias dos agricultores familia- cuária);
REVISÃO DE LITERATURA JAN/JUN 2008 97

c) explorar a terra na condição de pro- da bruta anual entre R$ 18.000,00 e


prietário, assentado, posseiro, meeiro, R$50.000,00; Grupo E: produtores
parceiro ou arrendatário; familiares com renda bruta anual
d) utilizar mão-de-obra exclusivamen- acima de R$ 50.000,00 e até R$
te familiar, podendo, no entanto, 110.000,00.
manter até dois empregados perma-
nentes; Há ainda o Pronaf agroindústria, mulher,
e) residir no imóvel ou em aglomerado
jovem, semiárido, floresta e agroecologia.
rural ou urbano próximo.

Este programa tem uma gestão descen- Considerações finais


tralizada e operacionalizada por agentes fi-
nanceiros credenciados, como é o caso do
Banco do Nordeste e do Banco do Brasil. O propósito deste trabalho foi contribuir
Outro estudo realizado pelo convênio FAO- para a ampliação do debate em torno do Pro-
INCRA, em 1999, sugeriu a segmentação dos grama Nacional de Fortalecimento da Agri-
agricultores familiares beneficiários do pro- cultura Familiar (Pronaf), destacando princi-
grama em grupos distintos, segundo o nível
palmente as críticas que lhe são feitas e ao
da renda bruta familiar anual. Para Schneider,
projeto do governo federal para sua criação.
Mattei e Cazella (2004:4), esta classificação
Este projeto está inserido nas discussões
diferenciada dos agricultores permitiu que as
regras relativas a financiamentos se sobre políticas públicas e o apoio que lhe é
adequassemmais à realidade de cada seg- dado por órgãos, bancos, agências estran-
mento social, sendo que os encargos finan- geiras, entre outros, os quais sugerem, re-
ceiros e os descontos visam auxiliar àqueles comendam, sua criação com base em mode-
com menores faixas de renda e em maiores los homogêneos, que não consideram as
dificuldades produtivas. Deste modo, o Pronaf5 especificidades de cada país. Não cabe neste
está dividido nos seguintes grupos: artigo tal aprofundamento, pois sua inten-
ção é apenas apresentar o pensamento de
Grupo A: visa financiar as atividades alguns autores sobre uma política pública para
agropecuárias e não agropecuárias a agricultura familiar, especificamente. En-
dos agricultores assentados da re- tretanto, é importante salientar que esta
forma agrária; reflexão pode e deve ser elaborada em futu-
Grupo A/C: produtores egressos do Gru- ros trabalhos.
po A ou agricultores oriundos do pro- O intuito, portanto, foi pontuar alguns de-
cesso de reforma agrária e que pas- bates sobre o Pronaf e, principalmente, su-
sam a receber o primeiro crédito de blinhar que houve atendimento das reivindi-
custeio após terem obtido o crédito cações de movimentos sociais rurais, mas
de investimento inicial que substi- também pressões de organismos internacio-
tuiu o antigo programa de apoio aos nais, os quais foram considerados fundamen-
assentados; tais para a criação de tal programa, segun-
Grupo B: agricultores familiares e rema- do alguns autores.
nescentes de quilombos, trabalhado- Creio que estas críticas possam vir em au-
res rurais e indígenas com renda bruta xílio dos estudiosos desta política pública, no
anual atual de até R$ 4.000,00; sentido de que tomem conhecimento dos im-
Grupo C: agricultores familiares com ren- pactos do programa para aqueles que rece-
da bruta anual atual acima de R$ bem o financiamento e, principalmente, a partir
4.000,00 e até R$18.000,00; do conceito de agricultura familiar, de quais
Grupo D: agricultores considerados es- agricultores estão sendo preteridos ou privi-
tabilizados economicamente com ren- legiados.
98 JAN/JUN 2008 REVISÃO DE LITERATURA

Referências bibliográficas

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Tecnologia, vol. 22, no 1. Brasília, jan-abr. 2005.
REVISÃO DE LITERATURA JAN/JUN 2008 99

Résumé: Le but de cet article est de favoriser Resumen: El propósito de este artículo es
une réflexion critique sur la création et la mise fomentar una reflexión crítica sobre la creación
en oeuvre du Programme de l’Agriculture y aplicación del Programa de Agricultura Fa-
Familère em 1996. Pour atteindre ces objec- miliar en 1996. Para alcanzar estos objetivos
tifes, sont énumérés certains auteurs qui se enumeran algunos autores para debatir
discuter de ces questions ainsi que la notion esas cuestiones, así como el concepto mismo
même de l’agriculture familiale que cette de agricultura familiar que esta orientación
orientation de politique piblique. Les auteurs de política pública. Los autores seleccionados
sélectionnés réalisent une approche qui met logran un enfoque que enfatiza el discurso
l’accent sur le discours du gouvernement fe- del gobierno federal para la creación del Pro-
deral pour la création du programme, montrant grama, lo que demuestra que hubo una
qu’il y avait une réponse aux demandes dês respuesta a las demandas de los movimientos
mouvements sociaux, mais aussi l’aide sociales rurales, así cómo la asistencia de or-
d’organismes internationaux. ganismos internacionales.

Mots clés: l’agriculture familère, oeuvre; Palabras-clave: agricultura familiar; aplicación;


politique public; Pronaf. políticas públicas; Pronaf.

Notas

1
Este artigo faz parte de uma pesquisa que está sendo realizada no núcleo de pesquisa do Mestrado em
Avaliação de Políticas Públicas da UFC, financiada pelo CNPq/Funcap, referente à avaliação do Pronaf,
especificamente o Grupo A, que atende assentados da Reforma Agrária. Destaco aqui apenas as discus-
sões bibliográficas, pois os dados empíricos estão em processo de coleta e análise e farão parte de
outro artigo, em elaboração.
2
Estou investigando esta questão na pesquisa referida na nota anterior, por isso ressaltarei, nesta revisão
bibliográfica, apenas algumas reflexões realizadas por autores que analisaram o assunto.
3
Esta questão pode ser aprofundada através dos estudos realizados pelo Projeto RURBANO , do Instituto de
Economia da UNICAMP, assim como pelos trabalhos de Sergio Schneider: “Elementos teóricos para análise
da Pluriatividade em situações de agricultura familiar”, artigo apresentado em outubro de 2001 no
Seminário: “A dinâmica das atividades agrícolas e não – agrícolas no novo rural brasileiro (III fase do
projeto Rurbano)”. E também pela tese de doutoramento de Lauro Mattei (1999) “Pluriatividade e De-
senvolvimento Rural no Estado de Santa Catarina”, UNICAMP.
4
No site da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), que coordena o Pronaf em âmbito nacional, destaca que
um dos objetivos do SAF é “promover agregação de valor aos produtos do agricultor familiar, seu
acesso competitivo ao mercado [...]”.
100 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
RESUMOS DE DISSERTAÇÕES E TESES JAN/JUN 2008 101

Avaliação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil em


Mossoró-RN1
Fernanda Kallyne Rêgo de Oliveira Morais*

Dissertação defendida em 30/10/2008 no Programa de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da


Universidade Federal do Ceará, MAPP/UFC, sob a orientação da professora Maria de Nazaré de Oliveira Fraga.

Esta pesquisa teve como objetivo avaliar número de eletrodomésticos como refrigera-
o Programa de Erradicação do Trabalho In- dores, liquidificadores, televisores, aparelhos
fantil (PETI) de Mossoró-RN em termos de mo- de som, telefones, máquina de costura, bi-
dificação das condições de vida das famílias cicleta e rádios. A maioria dos responsáveis
em que há crianças e adolescentes assisti- entrevistados trabalhou quando criança, vin-
dos. Realizou-se pesquisa documental e de da de famílias numerosas, de origem rural e
campo, tendo esta última ocorrido no perío- migrantes, nas quais havia apreço a valores
do de março a agosto de 2008. Foi aplicado como honestidade e retidão. Predominaram
um formulário em dois momentos distintos e lembranças agradáveis sobre as brincadei-
entrevistas de aprofundamento com os res- ras e união entre irmãos, mas houve ambiva-
ponsáveis por crianças e adolescentes as- lência em relação a terem trabalhado na in-
sistidos pelo programa há quatro anos ou fância e ao modo autoritário como foram
mais. Os dados quantitativos foram subme- educados. Percebem como mais difícil a ta-
tidos a tratamento descritivo, usando fre- refa de educar filhos hoje, e comparando a
qüência absoluta e relativa, tabelas simples, quando eram crianças, e consideram positi-
cruzamentos, indicadores de referência e tes- vo o fato de estarem integrados ao progra-
tes específicos. Os dados qualitativos foram ma avaliado, embora tenham sido constata-
abordados pelo método da análise do dis- das algumas incoerências em relação a isso.
curso e analisados com base nos marcos Os planos para o futuro são modestos e quase
regulatórios vigentes e em autores que dis- se resumem ao projeto de os filhos estuda-
cutem e teorizam o trabalho infantil e suas rem e terem um trabalho quando adultos. O
interfaces. Entre as 30 famílias que compu- trabalho precoce atravessou o tempo, fa-
seram a primeira amostra, a maioria dos iden- zendo-se presente em três gerações.
tificados como responsáveis pelas crianças Concluímos que as condições de vida me-
e adolescentes é composta de mulheres re- lhoraram, com mudanças positivas no perfil das
lativamente jovens que moram com os filhos famílias após serem integradas ao PETI, e que
e respectivos cônjuges e têm baixa escola- ainda é grave seu estado de pobreza. Incoe-
ridade. Da entrada no PETI até a realização rências e inconsistências encontradas indicam
da pesquisa, decresceu o nível de emprego que os gestores do programa no município ne-
nas famílias e o percentual de filhos que es- cessitam estar mais atentos e desenvolver
tudavam, mas em 33,4% das famílias havia medidas concretas para superação do traba-
crianças ou adolescentes que ainda traba- lho infantil ainda presente nas famílias estu-
lhavam. Aumentaram a renda mensal e a dadas e para avançar no âmbito da sociabili-
despesa com alimentação, aluguel, gás de dade. Além do mais, em momento posterior,
cozinha, energia elétrica e prestação da casa faz-se importante aprofundar a avaliação do
própria; mais famílias tornaram-se proprie- programa em relação a alguns aspectos.
tárias da casa, diminuiu o número das que
pagavam aluguel ou moravam em casa cedi- Palavras-chave: políticas públicas; ava-
da, aumentou o número de casas de alve- liação; condições de vida; famílias; trabalho
naria e o número de cômodos; aumentou o infantil.

* Assistente social, mestre em avaliação de políticas públicas pela Universidade Federal do Ceará. Gestora
Municipal de Assistência Social de Mossoró-RN. E-mail: fernanda.kallyne@terra.com.br
102 JAN/JUN 2008 RESUMOS DE DISSERTAÇÕES E TESES

Evaluation of the Eradication Infantile Work program in


Mossoró-RN

This research aims to evaluate the refrigerators, blenders, television sets, stereo
Elimination of Child Labor Program (PETI) in systems, telephones, sewing machines,
Mossoró-RN related to life style changes in bicycles and radios. Most of the responsible
families that have kids and teenagers trated for the children also worked when they were
by the program. Documentary and fields younger, come from large families, from the
researches were made, the last one happened rural zone and appreciate things like honesty
between march and august 2009. A questio- and integrity. They had nice memories about
nary was given to the people responsible to toys and plays between siblings, though there
the children and teenagers, who have been was an ambivalence related to their working
treated by the program for four years or longer, during their childhood and about the bossy
in two different steps. The quantitative way that they were raised. They are aware
information was submitted to a descriptive that nowadays is more difficult to raise
treatment, using absolut and relative children comparing to when they were younger
frequency, simple tables, crossings, reference and they find positive the fact that they are
indicators andspecific tests. The quantitavie in the program, even though we found a few
information was privided by the analisys of misconception about that. Plans for the future
speech method and analysed taken into are simple and care to having their kids
account the rules of the authors who discuss studying and having a good job when they
and theorize childlabor and its different sides. get older. The early employment lasted for
From all the 30 families that were interviewed three generation.
in the first sample, most of the people that We may conclude that families improved
are responsible for the children and teenagers their life styles, with positive changes in the
are young women, that live with their kids families profiles after applying to the PETI
and husband, and have low education. Since program and also that poverty is still strong.
the registration in the PETI program until the The inconsistencies found indicate the
date that this research was made, the program managers in town need to look
percentage of employment and kids in school. carefully and develop projects to help the
Also in 33,4% of the families there were kids families that still go through child labor and
or teenagers working. The monthly income also to have those families more sociable.
and expenditure with food, rent, kitchen gas, Besides all that, later on, it is important to go
eletric power and house loan; more families deeper in the evaluation of the program when
purchased their own houses, less ones had related to some aspects.
to pay rent or borrowed houses, increased
the numbers of masonry houses and their Keywords: public policy; evaluation; life
rooms; the number of appliances such as style; families; child labor.

La evaluación del Programa de Erradicación del Trabajo


Infantil de Mossoró-RN

La pesquisa ha tenido como objetivo evaluar formulario en dos momentos distintos y reali-
el Programa de Erradicación del Trabajo In- zadas encuestas de profundización con los
fantil – PETI de Mossoró-RN en términos de responsables por niños y adolescentes asistidos
modificación de vida de las familias que tienen por el programa hace cuatro años o más. Los
niños y adolescentes acudidos. Se llevó a cabo datos cuantitativos fueron sometidos a
una pesquisa documental y de investigación, tratamiento descriptivo, usando frecuencia ab-
habiendo ocurrido la última en el período de soluta y relativa, tablas simples, cruzamientos,
marzo a agosto de 2008. Fue aplicado un indicadores de referencia y testes específi-
RESUMOS DE DISSERTAÇÕES E TESES JAN/JUN 2008 103

cos. Los datos cualitativos fueron abordados dominado recuerdos agradables sobre los
por el método de análisis del discurso y juegos y unión entre hermanos, pero ha habido
analizados con base en los marcos regulatorios ambivalencia en relación al hecho de que
vigentes y en autores que discuten y teorizan trabajaron en la niñez y al modo autoritario
el trabajo infantil y sus interfaces. Entre las como fueron educados. Perciben la tarea de
30 familias que compusieron la primera muestra, educar a los hijos hoy día más difícil que en la
la mayoría de los identificados como respon- época de su niñez y consideran positivo el
sables por los niños y adolescentes son mujeres hecho de que están integrados al programa
relativamente jóvenes que viven con sus hijos evaluativo, aunque hayan sido constatadas
y respectivos cónyuges y tienen baja algunas incoherencias en relación a esto. Los
escolaridad. Desde la entrada en el PETI has- planes para el futuro son modestos y casi se
resumen al futuro de los hijos: que estudien y
ta la realización de la pesquisa, descendió el
que tengan un trabajo cuando adultos. El
nivel de empleo en las familias y el perceptual
trabajo precoz atravesó el tiempo, haciéndose
de hijos que estudiaban, pero en 33,4% de
presente en tres generaciones. Concluimos que
las familias había niños o adolescentes que
mejoran sus condiciones de vida con cambios
todavía trabajaban. Aumentó la renta mensual positivos en el perfil de las familias tras ser
y los gastos con alimentos, alquiler, gas de integradas al PETI y que aún es grave el esta-
cocina; energía eléctrica y pagamento mensual do de pobreza. Incoherencias e inconsistencias
de la casa propia (más familias se hicieron encontradas indican que los gestores del pro-
propietarias de casa disminuyendo el número grama en el municipio necesitan estar más
de las que pagaban alquiler o vivían en casa atentos y desarrollar medidas concretas para
cedida); el número de casas de albañilería y el superación del trabajo infantil todavía presen-
número de habitaciones; el número de electro- te en las familias estudiadas y para avanzar
domésticos como nevera, licuadoras, apara- en el ámbito de la sociabilidad. Además, en un
tos de televisión y de sonido, teléfonos, má- momento posterior, se hace importante
quinas de costura, bicicletas y radios. La profundizar la evaluación del programa en
mayoría de los responsables encuestados relación a algunos aspectos.
trabajó cuando niño; son provenientes de
familias numerosas, de origen rural/campesina Palabras-clave: políticas públicas,
o migrantes y, además, tienen aprecio a va- evaluación, condiciones de vida, familias,
lores como honestidad y rectitud. Han pre- trabajo infantil.

Évaluation du Programme d’Éradication du Travail d’Enfant


dans Mossoró-RN
La recherche a eu pour but d’évaluer le descriptif, avec l’usage de fréquence absolue
Programme d’Éradication du Travail des Enfants et relative, tableaux simples, croisements,
(Programa de Erradicação do Trabalho In- indicateurs de référence et tests spécifiques.
fantil – PETI) de Mossoró – RN en termes de Les renseignements qualitatifs ont eté abordés
changements du style de vie dans les familles par le méthode de l’analyse du discours et ils
qui ont des enfants et des adolescents aidées ont eté analysés selon les règles en vingueur
par le programme. Recherches documentaires et les auteurs qui discutent et théorisent le
et de champ ont été faites, la dernier on s’est Travail des Enfants et ses côtés différents.
passé entre mars et août 2008. Un questio- De toutes les 30 familles qui ont été
nnaire a été utilisé dans deux moments interviewées dans le premier échantillon, la
différents et enquêtes d’approfondissement plupart des gens qui sont responsable pour
avec les responsables des enfants et les enfants et adolescents sont de jeunes
adolescents aidées par le programme il y a femmes qui vivent avec leurs gosses et mari
plus de quatre ans. Les renseignements et ont basse éducation. Depuis inscription dans
quantitatifs ont été soumis à un traitement le programme PETI jusqu’à la date que cette
104 JAN/JUN 2008 RESUMOS DE DISSERTAÇÕES E TESES

recherche a été faite, il a diminué le niveau à quand ils étaient plus jeunes, et ils trouvent
d’emploi dans les familles et le pourcentage positif le fait qu’ils sont dans le programme
d’enfants qu’étaient à l’école, mais dans 33,4% évalué, bien que nous ayons trouvé quelques
des familles il y avait des enfants ou des fausses idées au sujet de cela. Les plans pour
adolescents que encore travaillient. Il a le futur sont simples et se soucient à avoir
augmenté le revenu mensuel et dépense avec leurs études des enfants et avoir un bon travail
la nourriture, louez, gaz de cuisine, électricité quand ils deviennent plus vieux. Le travail des
et versement de maison ; plus de familles ont enfants a traversé le temps et a duré pour
acheté leurs propres maisons, il a diminué le trois génération. Nous pouvons conclure que
nombre de familles qu’ont dû payer la location les familles ont amélioré leur vie avec
ou que habitient dans maisons empruntées. Il changements positifs dans les profils des
a augmenté les nombres de maisons de familles après avoir appliqué au programme PETI
maçonnerie et leurs pièces ; il a augmenté le et aussi cette pauvreté est encore forte. Les
nombre d’appareils tel que réfrigérateurs, mixers, incohérences et inconsistances trouvées
téléviseurs, chaînes stéréo, téléphones, indiquent que les directeurs du programme à
machines à coudre, bicyclettes et radios. La cette ville ont besoin de faire plus attention
plupart des responsables pour les enfants ont et développer des projets concrets pour
aussi travaillés quand ils étaient plus jeunes, surmonter le travail des enfants, encore
venus de grandes familles, de la zone rurale et présent dans les familles étudiées et pour
migrants, ils apprécie des choses comme devenir ces familles plus sociables. En plus tout
honnêteté et intégrité. Ils ont des mémoires qui, plus tard, il est important approfondir
agréables sur jeux et union entre frères et l’évaluation du programme en ce qui concerne
soeurs, pourtant il y avait une ambivalence en à quelques aspects.
ce qui concerne à leurs travails pendant
l’enfance et la manière autoritaire de leur Mots clés: la politique publique ; l’évaluatio;
éducation. Ils savent que de nos jours est le style de vie ; les familles; le travail des
plus difficile d’élever des enfants qui comparent enfants.
INFORMES SOBRE PULÍTICAS PÚBLICAS JAN/JUN 2008 105

Política nacional de assistência técnica e extensão rural –


Pnater

National politics of technical attendance and rural extension

Política nacional de asistencia técnica y extensión rural –


Pnater

Politique nationale d’assistance technique et extension


agricole – Pnater

Maria do Socorro Santos Ferreira*


Maria Vanderli Cavalcante Guedes**

A história da extensão rural no Brasil pas- setores do governo federal, assim como os
sou por várias crises desde o seu surgimento, segmentos da sociedade civil, lideranças das
em 1948, na cidade de Santa Rita do Passo organizações de representação dos agricul-
Quatro (MG), até os dias atuais. Neste as- tores familiares e dos movimentos sociais, que,
pecto, o papel do extensionista sempre es- por meio de discussões, já demandavam polí-
teve atrelado aos modelos de desenvolvimen- ticas públicas para o setor rural.
to e interesses vigentes. Deste modo, com as reivindicações advin-
Com a crise econômica, política e ambiental das da sociedade civil organizada, o governo
do modelo de revolução verde1, insucesso do federal institui, através do Decreto nº 4.739
estado desenvolvimentista na década de 1980 de 13 de junho de 2003, as atividades de as-
e o avanço do neoliberalismo nos anos 1990, sistência técnica e extensão rural, que pas-
o modelo institucional e técnico da extensão sam a ser coordenadas pelo Departamento de
entrou em crise; consequentemente, o papel ATER-DATER, da Secretaria da Agricultura Fa-
da intervenção dos técnicos da Assistência miliar (SAF), do Ministério do Desenvolvimento
Técnica e Extensão Rural - ATER também so- Agrário (MDA).
freram os ventos da mudança. Sendo assim, a política pública de ATER
Decorrência disto é que chegamos ao sé- vem contribuir para uma ação institucional
culo XXI com o papel do extensionista sendo que possibilite a implantação e a consolida-
questionado. Os métodos antes apreendidos, ção de estratégias de desenvolvimento rural
de difusão de tecnologia, perfeitamente adap- sustentáveis, capazes de gerar renda e no-
tados ao processo de modernização da agri- vos postos de trabalho. Destacando-se como
cultura, já não atendem às exigências do meio eixos norteadores da política: as bases
rural, com agricultores demandando novas for- epistemológicas da agroecologia2, o respeito
mas de inserção da agricultura familiar que à pluralidade e à diversidade social, econômi-
considerem as especificidades locais, na pers- ca, étnica, cultural e ambiental do país, o
pectiva da segurança alimentar e nutricional que implica a necessidade de se incluirem
sustentável e consequente fortalecimento da enfoques de gênero, de geração, de raça e
cidadania. de etnia nas orientações de projetos e pro-
Neste contexto, em 2003 foi elaborada a gramas.
Política Nacional de Assistência Técnica e Ex- O novo serviço de ATER expressa-se por
tensão Rural (Pnater), de forma democrática meio da Pnater, que estabelece como mis-
e participativa, em articulação com diversos são:

* Graduada em história pela URCA e mestranda do Curso de Avaliação de Políticas Públicas – UFC.
** Assistente social e mestranda do Curso de Avaliação de Políticas Públicas – UFC.
106 JAN/JUN 2008 INFORMES SOBRE PULÍTICAS PÚBLICAS

Participar na promoção e animação de rá, em 2004, ocorreu o primeiro evento, intitulado


processos capazes de contribuir para a “Oficina de Nivelamento da Política Nacional de
construção e execução de estratégias ATER” e, já em 2008, realizou-se em Fortaleza
de desenvolvimento sustentável, centra- o seminário estadual de ATER.
do na expansão e fortalecimento da agri- Vale registrar que a Empresa de Assistên-
cultura familiar e das suas organizações, cia Técnica e Extensão Rural do Ceará (EMA-
por meio de metodologias educativas e TERCE), vem realizando um processo de for-
participativas, integradas às dinâmicas mação na intenção de efetivar a política.
locais, buscando viabilizar as condições O Seminário Nacional realizado pelo MDA,
para o exercício da cidadania e a melhoria no período de 10 a 13 de junho em Brasília
da qualidade de vida da sociedade (MDA, (DF), objetivou avaliar a implementação da
2004). Pnater, os impactos na extensão rural no país
após cinco anos de sua criação, e debater
Para implementação desta missão, a Pnater estratégias para seu aperfeiçoamento.
estabelece e se baseia em cinco princípios, Neste seminário, estiveram presentes re-
que pretendem ser a síntese daquilo que é presentantes da agricultura familiar e de or-
indispensável para se ter uma nova ATER. Da- ganizações governamentais e não governa-
dos os objetivos deste texto, citaremos ape- mentais. O seminário discutiu a assistência
nas três dos princípios, como segue: técnica dividida em cinco eixos temáticos que
constam na PNATER: ater para o desenvolvi-
Contribuir para a promoção do desen- mento rural sustentável e solidário; institui-
volvimento rural sustentável, com ênfa- ção da ATER pública, como está funcionando
se em processos de desenvolvimento a implementação do novo Sistema Brasileiro
endógeno, apoiando os agricultores fa- Descentralizado de ATER (SIBRATER); aborda-
miliares e demais públicos descritos an- gem da ATER pública, a execução no país;
teriormente, na potencialização do uso ATER na geração e apropriação de renda; e
sustentável dos recursos naturais. ATER e a qualificação das políticas públicas.
Adotar uma abordagem multidisciplinar e Nos eventos estaduais, foram eleitos 350
interdisciplinar, estimulando a adoção de delegados, distribuídos proporcionalmente de
novos enfoques metodológicos parti- acordo com o número de agricultores de cada
cipativos e de um paradigma tecnológico estado, segundo o critério de composição de
baseado nos princípios da agroecologia. 50% de agricultores familiares, 30% de orga-
Desenvolver processos educativos per- nizações governamentais e 20% de não go-
manentes e continuados, a partir de um vernamentais. Também participaram do Se-
enfoque dialético, humanista e constru- minário Nacional integrantes do Comitê Nacio-
tivista, visando a formação de compe- nal de ATER.
tências, mudanças de atitudes e proce- Portanto, considerando-se o que sugere a
dimentos dos atores sociais, que poten- política nacional de ATER, a consolidação do
cializem os objetivos de melhoria da qua- processo de mudança requer a formação de
lidade de vida e de promoção do desen- profissionais qualificados que levem em con-
volvimento rural sustentável. ta o respeito aos saberes, pois a transição
pautada numa matriz agroecológica exigirá,
Desta maneira, o MDA vem exaustivamente das instituições de ATER, ensino e pesquisa e
realizando momentos de discussão da política o comprometimento com uma agricultura so-
com as conveniadas e os movimentos sociais, cialmente justa, assegurando um ambiente
para sua devida implantação. No caso do Cea- saudável para as gerações futuras.
INFORMES SOBRE PULÍTICAS PÚBLICAS JAN/JUN 2008 107

Referências bibliográficas

CAPORAL, Francisco Roberto e COSTABEBER, José Antônio. Agroecologia: alguns conceitos e princí-
pios. Brasília: MDA/SAF/DATER-IICA, 2007.
________. Agroecologia e extensão rural: contribuições para a promoção do desenvolvimento
rural sustentável. Brasília: MDA/SAF/DATER, 2007.
MDA. Política nacional de assistência técnica e extensão rural, 2004.

Notas

1
Marca uma homogeneização do processo de produção agrícola em torno a um conjunto compartilhado de
práticas agronômicas e de insumos industriais genéricos. Cf. Goodman, D. Sorj e B.; Winlkinson, J., Da
lavoura às biotecnologias: agricultura e indústria no sistema internacional. Rio de Janeiro Campos, 1990.,
pp. 26 e 34.
2
As bases epistemológicas da agroecologia mostram que, historicamente, a evolução da agricultura humana
pode ser explicada com referência ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que a evolução do meio
ambiente pode ser explicada com referência à cultura humana. Ou seja: a) os sistemas biológicos e
sociais têm potencila agrícola; b) este potencial foi captado pelos agricultores tradicionais através de
um processo de tentativa, erro, aprendizado seletivo e cultural; c) os sistemas sociais e biológicos
coevoluiram de tal maneira que a sustentação de cada um depende estruturalmente do outro; d) a
natureza do potencial dos sistemas social e biológico pode ser mais bem compreendida dado o nosso
presente estado do conhecimento formal, social e biológico, estudando-se como as culturas tradicionais
captaram este potencial; e) o conhecimento formal social e biológico, o conhecimento obtido dos estu-
dos dos sistemas agrários convencionais, o conhecimento de alguns insumos desenvolvidos pelas ciên-
cias agrárias convencionais e a experiência com instituições e tecnologias agrícolas ocidentais podem se
unir para melhorar tanto os agroecossistemas tradicionais como os modernos; f) o desenvolvimento
agrícola, através da agroecologia, manterá mais opções culturais e biológicas para o futuro e produzirá
menor deterioração cultural, biológica e ambiental que os enfoques das ciências convencionais por si
sós. Cf. Noorgard, R. B., A base epistemológica da agroecologia, in Altiere, M. A. (ed.), Agroecologia: as
bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989, pp. 42-48.
108 JAN/JUN 2008
JAN/JUN 2008 109

REVISTA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Introdução A Revista Avaliação de Políti- quisadores de diferentes localidades e áreas do co-


cas Públicas volta-se primor- nhecimento, sobre uma diversidade de temas como:
dialmente a: publicação de análises e resultados Educação, Saúde, Planejamento Urbano, Seguran-
de pesquisas em avaliação de políticas públicas; ça Pública, Desenvolvimento Rural, Turismo, Micro-
reflexões teórico-metodológicas sobre avaliação; finanças, Trabalho e Geração de Renda, Políticas
desenvolvimento de ferramentas e estratégias meto- Afirmativas, entre outros.
dológicas que contribuam para a avaliação de polí-
ticas públicas e reflexões sobre o exercício da multi A Revista Avaliação de Políticas Públicas atuará, por-
e da interdisciplinaridade. tanto, como um importante meio de divulgação de
pesquisas acadêmicas sobre programas e políticas
O objetivo central da revista é, além de divulgar sociais que vêm sendo efetuadas na região Nordes-
resultados de pesquisas nacionais e internacionais te, em diálogo com aquelas realizadas em outras
sobre a temática avaliação de programas e políticas regiões do país, e mesmo em outros países, possi-
sociais na forma de artigos e ensaios, constituir-se bilitando, assim, a socialização dos resultados des-
em um veículo que, especialmente voltado à avalia- sas produções científicas, a realização de análises
ção, possa aglutinar resultados de pesquisas e re- comparativas e a interlocução entre pesquisadores
flexões teórico-metodológicas produzidas por pes- de diferentes perspectivas teórico-metodológicas.

INSTRUÇÕES AOS AUTORES


Normas A revista tem periodicidade semestral tégias metodológicas que embasaram a pesquisa. Má-
e recebe para publicação trabalhos ela- ximo de 15 páginas.
Gerais e borados pelos mais diversos profissio-
Seções nais e estudantes de pós-graduação Revisão de Literatura: Os textos deverão abor-
redigidos em português, espanhol, in- dar um tema específico de interesse da área de po-
glês ou francês, desde que contribuam para o a dis- líticas públicas; contemplar a sistematização do pen-
cussão e desenvolvimento da produção científica em samento de autores importantes para a área, esta-
avaliação de políticas públicas. Os manuscritos de- belecendo o diálogo entre diferentes tendências teó-
vem destinar-se exclusivamente à Revista Avaliação ricas de forma a poder se constituir em texto de
de Políticas Públicas, não se admitindo sua submis- referência a estudiosos do tema; privilegiar a plurali-
são simultânea a outro periódico, quer do texto, de dade sem se descuidar da densidade teórica. Máxi-
figuras ou tabelas, no todo ou em parte, admitindo- mo de 10 páginas.
se exceção apenas para resumos e notas prévias
publicados em anais de eventos científicos. Além do Resenhas: Leitura analítica, interpretativa e/ou crí-
mais, mesmo para publicação de partes de um arti- tica de obra que verse sobre a temática da revista,
go em outros locais, os autores necessitam solicitar publicada há não mais que 2 (dois) anos. Máximo de
aprovação por escrito aos Editores. 4 páginas.
O periódico não se obriga a devolver os manuscritos
recebidos e informa que os conceitos e declarações Comunicações em Congressos: Publicação de re-
contidos nos trabalhos a ser publicados são de total sumos expandidos de trabalhos apresentados em
responsabilidade dos autores, podendo não refletir o Eventos e Congressos e que não tenham ainda sido
pensamento de seus Editores. publicados em periódico. Os resumos deverão con-
Os manuscritos devem ser organizados segundo as ter: objetivos, problematização, metodologia, rele-
diretrizes constantes destas instruções, as quais têm vância e conclusões. Máximo de 2 páginas.
como inspiração os últimos critérios indicados pelas
bases de indexação nacionais e internacionais. Resumos de Dissertações e Teses: Nesta seção
A revista publica as seguintes seções, cada uma de- serão publicados resumos expandidos de disserta-
las devendo atender a determinados requisitos: ções e teses, contendo: objetivos, problematização,
metodologia, relevância e conclusões. Máximo de 2
Editorial: Seção de responsabilidade dos Editores páginas.
da revista. Máximo de 2 páginas.
Informes sobre Políticas Públicas: Trata-se de
Artigos Originais: Aceitam-se três modalidades: um espaço criado para atualizar os estudiosos do
1)artigos com forte base empírica; 2) artigos volta- tema com respeito a projetos e programas gover-
dos à reflexão teórico-metodológica sobre a avalia- namentais de caráter social (seus objetivos, dire-
ção de políticas públicas. Quanto ao item 1, salienta- trizes, público-alvo, forma de implementação, ins-
mos que os artigos não poderão se restringir à des- tituições envolvidas), bem como sobre alterações
crição da pesquisa ou detalhamento de resultados, em programas e projetos em andamento, projetos
devendo estabelecer diálogos teóricos e uma densa de lei em tramitação nas assemblreias legislativas
abordagem sobre os instrumentos, técnicas e estra- estaduais e no Congresso Nacional. Constitui-se
110 JAN/JUN 2008

também em espaço para divulgação de eventos e caminhados para publicação. Os Editores dispõem
fatos relativos à área que expressem os diferentes de plena autoridade para decidir sobre a conveniên-
interesses afetados, positiva ou negativamente, por cia de publicação dos manuscritos, mesmo que já
políticas e programas específicos. aprovados, podendo, inclusive, sugerir novas alte-
rações aos autores.
Avaliação dos manuscritos
Os manuscritos a ser avaliados devem ser enviados Da apresentação dos manuscritos
ao periódico exclusivamente via correio eletrônico Os manuscritos devem ser redigidos na ortografia
para o seguinte endereço: public.mapp@ufc.br. Em oficial, em formato compatível ao MS Word for
arquivo à parte, devem constar os seguintes dados: Windows, em fonte Arial tamanho 12, espaço 1,5,
título do trabalho, nome dos autores, sua titulação para papel tamanho A4, com 2,5 cm para as qua-
máxima e sua posição na instituição em que traba- tro margens e parágrafos alinhados em 1,0cm.
lha, bem como endereço completo e e-mail para con- A preparação do texto deverá atender a estrutura
tato. Concomitantemente, e por via postal, os auto-
seguinte:
res devem enviar um ofício dirigido aos Editores so-
licitando a apreciação do manuscrito pela equipe do
Título: deve ser apresentado justificado, em caixa
periódico e um documento de autorização para sua
alta apenas a primeira letra, negrito e nos idiomas
publicação, documento este que deve ser assinado
português, inglês, espanhol e francês; deverá ser
por todos os autores. Endereço para envio dos docu-
conciso, com no máximo 12 palavras, porém in-
mentos acima:
formativo. Em nota de rodapé indicar a agência de
Universidade Federal do Ceará / Mestrado em Ava- fomento, se for o caso, e, também, se o artigo faz
liação de políticas Públicas, A/C Setor de Publica- parte de relatório de pesquisa, tese, dissertação
ções/Revista Avaliação de Políticas Públicas. ou monografia de final de curso, entre outras.
Rua Marechal Deodoro, s/n, Campus do Benfica,
Quadra da FACED, Bloco NUPER. Autores: nome(s) completo(s) do(s) autor(es) com
Fortaleza-CE, CEP.60020-110 alinhamento à direita.

No caso de existir conflito de interesse entre os Resumo e descritores: em português, inglês, espa-
autores e determinados pareceristas nacionais ou nhol e francês, devem caber na primeira página do
estrangeiros, deve ser incluída carta confidencial trabalho; digitados em espaço simples, com até 150
em envelope selado dirigido ao Editor Científico do palavras; para os artigos originais, a redação deve
periódico, indicando o nome das pessoas que não obrigatoriamente incluir elementos da problemati-
deveriam participar no processo de avaliação. Da zação, objetivos, métodos, resultados e conclusão.
mesma forma, os pareceristas poderão manifes- Após o resumo, devem ser apontados de 3 a 5 des-
tar-se, caso haja conflito de interesse em relação critores ou palavras-chave que servirão para inde-
a qualquer aspecto do artigo a ser avaliado. As in- xação dos trabalhos. Na primeira página apresen-
formações reveladas ao Editor Científico serão uti- tar sequencialmente o título do trabalho, resumo
lizadas de forma estritamente confidencial. em português e inglês seguidos das respectivas pa-
Nos trabalhos de investigação envolvendo seres hu- lavras-chave. Após as Referências, devem estar
manos de grupos vulneráveis(crianças, adolescen- os resumos e palavras-chave nos idiomas espa-
tes, idosos, indígenas, presidiários, entre outros) nhol e francês.
recomenda-se fortemente que o Projeto de Pes-
quisa tenha sido submetido e aprovado pelo Comi-
Estrutura do Texto: deve obedecer a orientação
tê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi rea-
de cada categoria de trabalho descrita anteriormen-
lizada a pesquisa ou da universidade.
te, de modo que sejam garantidas a uniformidade
Os manuscritos passam inicialmente por uma pri-
e padronização dos textos publicados na revista.
meira revisão do Editor, que avalia se são de inte-
Os anexos se houver, devem vir no final do texto.
resse para os leitores e se atendem às Normas de
Publicação do periódico. Em seguida os manuscri-
tos são encaminhados para avaliação de dois es- Ilustrações: tabelas, figuras e fotos devem estar
pecialistas. Juntamente com o arquivo do artigo, inseridas no corpo do texto contendo informações
os pareceristas recebem, por via eletrônica tam- mínimas pertinentes à ilustração. Só serão publica-
bém, arquivo do Instrumento de Avaliação e das das ilustrações em preto e branco; os sujeitos não
Normas de Publicação do periódico, tendo até 20 podem ser identificados, ou então suas fotos de-
dias para emitir parecer conclusivo, indicando ou vem estar acompanhadas de permissão por escri-
não o manuscrito para publicação. De posse do to.
parecer conclusivo, o Editor o analisa em relação
ao mérito encontrado e, em seguida, encaminha Texto: deverá obedecer a estrutura exigida para
aos autores o parecer de aceitação da publicação, cada categoria de trabalho. No caso de artigos, cita-
de necessidade de reformulação ou de recusa ções no texto devem atender as Normas da ABNT,
justificada do artigo. Os autores devem processar mais especificamente NBR 6022:2003 e outras
as modificações no texto ou elaborar justificativa correlatas, cujos exemplos estão ao final destas ins-
quando da não aceitação de algumas delas. So- truções. No texto, deve estar indicado o local de
mente após aprovação final por parte dos parece- inserção das figuras, gráficos, tabelas, da mesma
ristas e dos Editores é que os manuscritos são en- forma que estes estiverem numerados, sequen-
JAN/JUN 2008 111

cialmente. O texto deve empregar itálico, apenas Local de Publicação: Editora, ano de publicação. Pá-
para termos estrangeiros e sem aspas. ginas inicial e final do capítulo.
Agradecimentos: podem aparecer após as conclu- Exemplo:
sões/considerações finais, quando os autores dese- ARENDT, Hannah. As esferas pública e privada. In: A
jarem destacar a colaboração de pessoas que mere- condição humana. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Foren-
cem reconhecimento, mas que não se enquadram se Universitário, 1983, p. 31-88.
na condição de autores.
Capítulos do mesmo autor da obra principal: Iniciar
Citações: para citações bibliográficas de literatura com o nome do autor, o nome do capítulo citado se-
no texto, colocar o sobrenome do autor, ano da pu- guido pela palavra In. Substitui-se o nome do autor
blicação e a página consultada. Ex. (Azevedo, 1993, por um travessão de seis toques e um ponto após o
p. 60). As citações literais curtas (menos de três li- In. Nome da obra, local, editora, data e páginas.
nhas) serão integradas no parágrafo, seguidas pelo
sobrenome do autor referido no texto, ano de publi- Exemplo:
cação e página (s) do texto citado, tudo entre parên- VERÇOSA, Élcio de Gusmão. Chegará o desenvolvi-
teses e separado por vírgulas. As citações de mais mento também à terra dos marechais? In:________.
de três linhas serão destacadas do texto em pará- Cultura e educação nas Alagoas. 2 ed. Maceió: EDUFAL,
grafo especial, sem aspas, tamanho da letra menor 1997. p. 175-197.
que a do texto, espaço simples e recuo de 4 cm da
margem esquerda do texto. As referências sem cita- Coletânea: sobrenome do autor, seguido do nome e
ção literal devem ser incorporadas no texto, indican- da data (como nos itens anteriores) / título do capítu-
do entre parênteses, ao final, o sobrenome do autor lo /VÍRGULA/ in (em itálico)/ iniciais do nome, segui-
e o ano da publicação. Se houver mais de um título das do sobrenome do(s) organizador(es) /VÍRGULA/
do mesmo autor no mesmo ano, eles são diferencia- título da coletânea, em itálico /VÍRGULA/ local da
dos por uma letra após a data: (Adorno, 1975a), publicação /VÍRGULA/ nome da editora /PONTO.
(Adorno, 1975b) etc. (todas).
Exemplo:
Notas: deverão estar no final do texto e numeradas. ABRANCHES, Sérgio Henrique. (1987), Governo,
As notas devem ser explicativas e não bibliográficas, empresa estatal e política siderúrgica: 1930-1975, in
breves, sucintas e claras. As citações bibliográficas O.B. Lima & S.H. Abranches (org.), As origens da
devem estar no corpo do texto. crise, São Paulo, Iuperj / Vértice.

Referências: devem ser elaboradas em acordo com Livro em formato eletrônico:


Normas da ABNT, mais especificamente NBR SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente.
6023:2002. Nas citações e na elaboração das Refe- São Paulo, 1999. v. 1. Disponível em: <http://
rências, autores devem atentar para características www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm>. Aces-
como atualidade, pertinência e seletividade das obras so em: 8 mar. 1999.
utilizadas no artigo.
Critérios bibliográficos: Artigo de periódico: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR
Livro: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DA OBRA, Pre- DO ARTIGO, Prenomes. Título do artigo: subtítulo.
nomes. Título da obra: subtítulo. Número da edição. Título do Periódico, local, número do volume, núme-
Local de Publicação: Editora, ano de publicação. ro do fascículo, páginas inicial e final do artigo, mês e
Exemplo: ano.
ARAÚJO, Tânia Bacelar de. Heranças e urgências:
ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro. Rio de Exemplo:
Janeiro: Revan:Fase, 2000. SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da
literatura. Revista Sociologias, Porto Alegre, nº16, p.
Publicação com 02 autores: devem ser assinalados 01-11, jul/dez,2006.
os nomes dos dois autores, separados por ponto e
vírgula. Artigos de periódicos (com mais de três autores):
seguem as normas dos livros.
Exemplo:
AGUILAR, Maria José; ANDER-EGG, Ezequiel. Avalia- Exemplo:
ção de serviço e programas sociais. 2ª ed. VEIGA, José Eli et al. O Brasil rural precisa de uma
Petrópolis:Vozes,1994. estratégia de desenvolvimento, Nead, Série Textos
para Discussão, n. 1, p. 05-37, ago, 2001.
Publicação de mais de três autores: Indica-se o pri-
meiro autor, acrescentando-se a expressão et al. Artigo de periódico (formato eletrônico)
Exemplo:
ADORNO, Sérgio et al. O jovem e a criminalidade Exemplo:
urbana de São Paulo. São Paulo, Fundação SEADE/ AQUINO, Julio Gropa; MUSSI, Monica Cristina. As vi-
Núcleo de Estudos da Violência da USP, 1995. cissitudes da formação docente em serviço: a pro-
Capítulo de livro: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DO posta reflexiva em debate. Educação & Pesquisa, São
CAPÍTULO, Prenomes. Título do capítulo: subtítulo. Paulo, v. 27, n. 2, p. 211-227, jul. 2001. Disponível
In: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DA OBRA, Pre- em: <http://www.scielo.com.br>. Acesso em: 08 de
nomes. Título da obra: subtítulo. Número da edição. maio de 2008.
112 JAN/JUN 2008

Artigo de jornal com autor: SOBRENOME DA/O AU- Brasil, Brasília, DF, n. 18, p. 1435-1436, 27 jan. 1997.
TORA/OR DO ARTIGO, Prenomes. Título do artigo: Seção 1.
subtítulo. Título do Jornal, cidade, data, páginas ini-
cial e final do artigo e, eventualmente, da coluna. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Repú-
blica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Fede-
Exemplo: ral, 1988.
DIMENSTEIN, G. Escola da vida. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 14 jul. 2002. Folha Campinas, p. 2. Relatório oficial

Artigo de jornal sem autor: destaca-se em letra maiús- Exemplo:


cula apenas o primeiro nome do título do artigo, se- UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Relatório 1999.
guido do título do jornal, data completa, número ou Curitiba, 1979. (mimeogr.).
título do caderno, seção ou suplemento, indicação da
página e, eventualmente, da coluna. Gravação de vídeo

Exemplo: Exemplo:
FUNGOS e chuva ameaçam livros históricos. Folha de VILLA-LOBOS: o índio de casaca. Rio de Janeiro: Man-
S. Paulo, São Paulo, 5 jul. 2002. Cotidiano, p. 6. chete Vídeo, 1987. 1 videocassete (120 min.): VHS,
son., color.
Dissertações e teses: SOBRENOME DA/O AUTORA/
OR, Prenomes. Título da obra: subtítulo. Ano de apre- Ilustrações, abreviaturas e símbolos: as tabelas:
sentação. Categoria (grau e área de concentração) – devem ser numeradas consecutivamente com alga-
Instituição, Local. rismos arábicos, na ordem em que foram citadas no
texto. A cada uma deve-se atribuir um título breve
Exemplo: precedido pela palavra “TABELA” seguido do seu nú-
DINIZ, Carmen Simone G. Entre a técnica e os direi- mero de ordem, não se utilizando traços internos ho-
tos humanos: possibilidades e limites da humanização rizontais ou verticais. As notas explicativas devem
da assistência ao parto. 2001. Tese (Doutorado em ser colocadas no rodapé das tabelas e não no cabe-
Medicina Preventiva) – Programa de Pós-Graduação çalho ou título. Caso algum valor tabulado mereça
em Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da explicação, este poderá ser salientado por um aste-
USP, São Paulo.
risco abaixo da tabela. Os quadros são identificados
como tabelas, seguindo uma única numeração em
Trabalhos apresentados em eventos científicos: SO-
todo o texto. As figuras (fotografias, desenhos, grá-
BRENOME DA/O AUTORA/OR DO TRABALHO, Preno-
ficos, etc.), citadas como figuras, devem estar dese-
mes. “Título do trabalho”. In: NOME DO EVENTO, Nú-
nhadas e fotografadas por profissionais. Devem ser
mero da edição do evento, Cidade onde se realizou o
numeradas consecutivamente com algarismos ará-
evento. Anais... (ou Proceedings... ou Resumos...)
bicos, na ordem em que foram citadas no texto. As
Local de publicação: Editora, Ano de publicação. Pági-
ilustrações devem ser suficientemente claras para
nas inicial e final do trabalho.
permitir sua reprodução em 7,2 cm (largura da colu-
na do texto) ou 15 cm (largura da página). Não se
Exemplo:
PRADO, Danda. “Maternidade: opção ou fatalidade?” permite que figuras representem os mesmos dados
In: SEMINÁRIO SOBRE DIREITOS DA REPRODUÇÃO de tabela. Nas legendas das figuras, os símbolos, fle-
HUMANA, 1., 1985, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Ja- chas, números, letras e outros sinais devem ser iden-
neiro: ALERJ/Comissão Especial dos Direitos da Re- tificados e seu significado esclarecido. Para ilustra-
produção, 1985. p. 26-29. ções extraídas de outros trabalhos, previamente pu-
blicados, os autores devem providenciar permissão,
Decretos, Leis, Constituição federal: Nome do local por escrito, para a reprodução das mesmas. Estas
(país, estado ou cidade), título (especificação da le- autorizações devem acompanhar os manuscritos sub-
gislação), número e dados da publicação. No caso da metidos à publicação. Utilize somente abreviações
Constituição colocar o ano entre parênteses. padronizadas. Evite abreviações no título e no resu-
mo. Os termos por extenso aos quais as abreviações
Exemplos: correspondem devem preceder sua primeira utiliza-
BRASIL. Decreto n. 2.134, de 24 de janeiro de 1997. ção no texto, a menos que sejam unidades de medi-
Regulamenta o art. 23 da Lei n. 8.159, de 8 de janeiro das padronizadas.
de 1991, que dispõe sobre a categoria dos documen-
tos públicos sigilosos e o acesso a eles, e dá outras Errata: os pedidos de correção deverão ser encami-
providências. Diário Oficial da República Federativa do nhados em, no máximo, 30 dias após a publicação.

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