Professional Documents
Culture Documents
Marco Carvalho
A Casa Ricci Serviços Sociais existe há mais de 30 anos, sempre com a China
perto do coração. Que trabalho desenvolve no Continente?
A Casa Ricci está na China continental há mais de 30 anos e a acção que tem
vindo a exercer pode ser vista à luz de três grandes momentos. Os primeiros dez
anos foram marcados pela prestação de serviços directos. Num segundo
momento, construímos comunidades para servir pacientes com lepra e com
VIH/SIDA. Procuramos inseri-los em comunidades onde recebem a ajuda de
religiosas, que vivem e tratam deles em permanência. Numa terceira fase, ao
longo dos últimos dez anos, estas comunidades deram origem a redes mais
vastas. Já não estamos a falar de comunidades isoladas, mas de uma rede de
comunidades, interligadas entre si. Começamos ainda a trabalhar fora destas
comunidades. Estendemos o trabalho que fazemos a hospitais e à sensibilização
das pessoas em domínios como a saúde. Em Hunan e Sichuan estamos presentes
em áreas onde o problema não está concentrado num grupo de pessoas. Há casos
de famílias inteiras afectadas pela lepra ou pelo vírus do VIH. O problema não
está concentrado e essa é uma das razões pelas quais começamos a trabalhar
enquanto comunidades e não apenas como centros.
Há uma certa tendência para se olhar para a lepra como uma doença do
passado. Ainda é um problema na China?
Depende da forma como olha para a questão. Se olha para a questão em termos
absolutos ou termos comparativos. Em termos comparativos não é um problema:
a doença está sob controlo e o número de novos casos reportados anualmente é
diminuto, ainda que todos os anos surjam novos casos. Como dizia, a lepra está
sob controlo, mas não foi erradicada. Mesmo que os números não sejam
significativos, quem sofre de lepra enfrenta sempre preconceito, mesmo os
pacientes que foram curados. Muitos ficaram incapacitados, com mazelas
significativas e não são poucos os que foram abandonados pela própria família.
De acordo com as estatísticas, há cerca de 300 mil chineses afectados pela lepra
na China. O número de novos casos é diminuto, mas ainda existem. Muitas destas
pessoas não têm família, outros já têm uma idade avançada e outros ficaram
incapacitados. Todos eles estão sujeitos a discriminação. Há dezenas de centros
na China com pessoas a viver nestas condições e para quem tem ou teve lepra a
doença é um grande problema. Na minha perspectiva pessoal, estes são os mais
pobres entre os pobres, os que estão em pior situação. Do ponto de vista da
China a lepra já não é uma questão, mas o impacto que tem sobre os que
contraíram a doença é devastador.
Dizia que a Casa Ricci trabalha também com pacientes com o HIV/SIDA na
província de Hunan ...
Não é possível separar os dois aspectos, uma vez que somos um só.
Quando alguém está a morrer sente necessidade de todo o tipo de cuidados
e de garantias. Na maior parte dos centros onde trabalhamos, o trabalho que
desenvolvemos e feito em parceria com o Governo. Não se trata apenas de
nós próprios. Quando uma pessoa está a morrer, a nossa prioridade passa
por tentar perceber se o conseguimos salvar, em termos físicos. Mas depois
há uma série de necessidades sociais, psicológicas e espirituais a que temos
que dar resposta. As pessoas necessitam de se reconciliar com elas próprias,
até porque há uma certa sensação de culpa, de que fizeram algo de errado
com a vida. Não é fácil separar estes aspectos. Nunca os separamos, da
mesma forma que o Padre Ruiz, o nosso fundador, nunca separou a
necessidade materiais das necessidades culturais e espirituais das pessoas.
Não somos evangelizadores no sentido tradicional do termo, de transmitirmos
o Evangelho e a Palavra de Deus. Espalhamos o Evangelho através do
serviço que oferecemos.