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Auto da Índia - Resumo
Turma:________ Nº:_____ Data: ____/____/____
Primeira farsa de Gil Vicente e da literatura portuguesa, foi representado em 1509, em Almada, perante a rainha
D. Leonor, viúva de D. João II.
Argumento: Diferente dos outros autos, o Auto da Índia é uma peça de enredo cuja intriga se desenvolve ao
longo de vários anos, contendo abreviações de tempo que imprimem agilidade e vivacidade ao seu andamento.
A personagem principal é uma mulher de Lisboa cujo marido parte numa carreira da Índia, à procura de fortuna,
deixando-a sozinha. Se mesmo quando o marido está na cidade esta mulher tem uma vida dúbia, durante a sua
ausência a mulher vai levando uma vida de diversão. Com a cumplicidade da moça, mantém simultaneamente
duas ligações extraconjugais.
Regressado do Oriente sem riqueza, o marido conta as suas façanhas que nada tiveram de dignificante: "Fomos
ao rio de Meca,/ pelejámos e roubámos". A mulher, disfarçando uma alegria que não sentia pelo seu regresso,
mente tranquilamente dizendo que sentiu muitas saudades durante a sua ausência.
O auto termina com o retomar pacífico da vida em comum pelo casal, como se nada se tivesse passado.
Ideologicamente, este auto configura uma crítica, vendo-se facilmente nele "o reverso do mito dos
Descobrimentos". Na verdade, através das falas das personagens que nos fazem recordar o discurso do "Velho
do Restelo" do episódio "As despedidas de Belém" de Os Lusíadas, o autor apresenta os malefícios que a saída
para o "desconhecido" comporta, nomeadamente no que se refere às mortes desnecessárias de muitos dos
navegadores e ao comportamento menos lícito dos portugueses face ao "outro civilizacional" (a cristianização
pela força das armas). Mas a crítica mais notória é feita ao abandono das mulheres e família que enveredavam
muitas vezes por comportamentos pouco dignificantes que conduziam à desestruturação da célula familiar.
in Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2015. [consult. 2015-04-27 00:51:33]. Disponível na
Internet: http://www.infopedia.pt/$auto-da-india-(farsa
Auto da Índia (versão original) Auto da Índia (versão adaptada pela professora)
Moça: Jesu! Jesu! Que é ora isso? Moça: Jesus! Jesus! O que é agora isso?
É porque se parte a armada? É porque parte a armada (conjunto de barcos)?
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Ama: Olhade a mal estreada! Ama: Olhai a mal estreada! (A mal estreada é uma
Eu hei-de chorar por isso? forma de a Ama insultar a criada. Ser «mal estreada» quer
dizer que a Moça perdeu a virgindade com homem de baixa
Moça: Por minha alma, que cuidei condição.)
E que sempre imaginei Eu hei-de chorar por isso?
Que choráveis por nosso amo.
Moça: Por minha alma, que pensei
Ama: Por qual demo ou por qual gamo E que sempre imaginei
Ali má hora chorarei? Que choráveis por nosso amo. (marido da Ama).
Como me leixa saudosa!
Toda eu fico amargurada! Ama: Por qual demónio ou por qual marido
enganado
Moça: Pois porque estais anojada? Ali infelizmente chorarei?
Dizei-mo, por vida vossa! Como me deixa saudosa!
Toda eu fico amargurada!
Ama: Leixai-me ora, eramá!
Que dizem que não vai já. Moça: Pois porque estais triste?
Dizei-mo, pela vossa vida!
Moça: Quem diz esse desconcerto?
Ama: Deixai-me agora, caramba!
Ama: Dixeram-me por mui certo Pois dizem que já não vai partir em viagem.
Que é certo que fica cá
O Concelos me faz isto. Moça: Quem diz esse disparate?
Ama: Não é homem dessa arte. Moça: Quem? O vadio que usa um chapéu de abas
largas?
Moça: Pois inda ele não esquece?
Há muito que não parece. Ama: Mas antes era escudeiro.( A Ama tenta
valorizar o estatuto social do Lemos afirmando que ele
já foi escudeiro.)
Ama: Quant'eu dele não sei parte.
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Moça: Como ele souber, à fé, Moça: Seria, mas desavergonhado;
que nosso amo aqui não é, não suspirava o coitado
Lemos vos visitará. senão por algum dinheiro. (A Moça revela que
também este namorado é muito pobre.)
Lemos: Hou da casa!
Ama: Não é homem dessa condição.
Ama: Quem é lá?
Moça: Então, ainda não se esqueceu dele?
Lemos: Subirei? Há muito que não aparece.
Moça: Dizei já essa mentira. Ama: Porque é que nunca mais passeastes
com luar e sem luar
Ama: ...que eu vos não consentiria toda a noite nesta rua? ( A Ama queixa-se de que o
entrar em tanta privança. Lemos nuca mais rondou a casa, de noite.)
Lemos: Pois que agora estais singela Lemos: Achei-vos sempre tão cruel,
que lei me dais vós, Senhora? que vos não pude aturar.
Mas agora como estais?
Ama: Digo que venhais embora.
Ama: Foi-se à Índia meu marido,
Lemos: Quem tira àquela janela? e depois homem nascido
não vejo onde vós cuidais;
Ama: Meninos que andam brincando e por vida de Constança ( A Ama revela o seu nome –
e tiram de quando em quando. Constança – e jura por sua vida que nenhum homem
entrou em sua casa desde que o Marido partiu.)
Lemos: Que dizeis, Senhora minha? que se não fosse a boa recordação...
Ama: Para que é essa jura tanta? Castelhano: Ai senhora, abri-me a porta, por amor
de Deus!
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Castelhano: Y ain vos estais ufana?
Quiero destruir el mundo, Ama: Tornareis cá outro dia.
quemar la casa, es la
verdad, Castelhano: Sossega, coração,
despues quemar la ciudad; Adormece-te, leão,
Señora en esto me fundo. Não deites a casa abaixo,
Despues, si Dios me dixere, Não faças uma guerra tão cruel.
quando allá con él me viere, que morras como Sansão ( Referência à figura de
que por sola una mujer... Sansão que perdeu a força quando a mulher lhe cortou o
Bien sabré que responder, cabelo.)
quando a esso viniere.
Esta burla é verdadeira,
Ama: Isso são rebolarias. Pelos ossos de Medeia, (poderosa feiticeira que
casou com Sansão.)
Castelhano: Séame Dios testigo, Ainda que seja arrastado
que vós vereis lo que digo pela cidade,
antes que passem tres dias Juro pelo sangue soberano
da batalha troiana
Ama: Má viagem faças tu e pelos céus…
caminho de Calecu,
preza à Virgem consagrada! Ama: Para que é tanta jura?
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Moça: Mas três e mais haverá. Ama: Que dizes? De que te ris?
Ama: Vai tu comprar de comer.
Tens muito pera fazer, Moça: Ando dizendo a mim mesmo
não tardes. que agora faz dois anos
que partiu a armada
Moça: Não, Senhora; domingo de madrugada.
eu virei logo nessora, Não pode muito tardar
se m'eu lá não detiver. Notícia se há de tornar
Nosso amo pera a casa.
Ama: Mas que graça que seria,
se este negromeu marido Ama: Tão cedo?
tornasse a Lisboa vivo
pera minha companhia! Moça: Três anos há
Mas isto não pode ser; que partiu Tristão da Cunha.
que ele havia de morrer
somente de ver o mar. Ama: Eu pensava que ele só tinha partido há um ano
segura de nunca o ver. e meio.
Moça: Ai, Senhora! venho morta: Moça: Mas três e mais haverá.
nosso amo é hoje aqui.
Ama: Vai tu comprar de comer.
Ama: Má nova venha por ti. Tens muito para fazer,
Perra excomungada, torta! não demores.
Moça: Raivar, que este é outro jogo. Ama: Má nova venha por ti.
Cadela, excomungada, desleal!
Ama: Perra, cadela, tinhosa,
que rosmeas, aleivosa? Moça: A Garça,(Garça é o nome dado ao navio em que o
Marido embarcou. Pelo nome da nau deduz-se que Gil
Vicente se refere à armada de Tristão Vaz da Cunha,
Moça: Digo que o matarei logo.
comandante de uma das expedições à Índia.) em que ele
ia, vem com muito grande alegria;
Ama: Não sei pera que é viver.
Pelo Restelo entra agora.
Por vida minha, Senhora,
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Marido: Hou lá! que não estou a brincar.
E vi pessoa que o viu
Ama: Ali, maora, este é. gordo, que é para espantar.
Quem é? Ama: Pois, casa, se te eu caiar,
mate-me quem me pariu.( a Ama afirma que não irá
Marido: Homem de pé. caiar a casa para receber o Marido, nem que a sua mãe a
mate. )
Ama: Gracioso se quer fazer. Quebra-me aquelas tigelas
Subi, subi pera cima. e três ou quatro panelas,
que não ache em que comer. (Este conjunto de atos de
Moça: É nosso amo: como rima! destruição destinam-se a simular um estado de pobreza
extrema, a fim de que o Marido não se aperceba dos
divertimentos ocorridos. )
Ama: Teu amo? Jesu! Jesu! Que chegada e que prazer!
alvíssaras pedirás tu! Fecha-me aquelas janelas;
deita essa carne a esses gatos;
Marido: Abraçai-me, minha prima. desfaz toda essa cama.
Ama: Jesu! Quão negro e tostado! Moça: A minha Ama está mesmo alegre
Não vos quero, não vos quero! (observação irónica);
acabaram-se os arranjinhos
Marido: E eu a vós si; porque espero
serdes mulher de recado. Ama: Porque não apagas o fogo? ( Apagar o fogo no
lar significa simbolicamente luto, ausência de um ente
Ama: Moça, tu que estás olhando? querido, ou casa abandonada. )
Vai muito asinha saltando,
faze fogo e vai por vinho Moça: Enfurece-te, que agora a tua vida mudou.
e a metade dum cabritinho,
enquanto estamos falando. Ama: Perra, cadela, tinhosa,
Ora como vos foi lá? De que resmungas, maldosa?
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