You are on page 1of 7

Os Lusíadas terminam de forma muito diferente da Mensagem e simultaneamente de forma

similar. Camões exorta um rei vivo às conquistas ainda possíveis, embora se adivinha já o fim
do Império. Pessoa já não tem Império em que ter esperança e a sua exortação é
necessariamente interior, espiritual. O que é parecido em ambos é a esperança positiva na
mudança – não há um fatalismo triste. Ambos esperam a mudança para melhor, acreditam
num futuro melhor. A “apagada e vil tristeza” de Camões, o “fulgor baço da terra” de Pessoa,
são maneiras semelhantes de caracterizar o presente do país. Ambos estão desapontados com
a realidade e querem a mudança – um pela guerra, o outro pela irmandade. Aí reside talvez a
principal diferença entre ambos.
O poema "Ulisses" enquadra-se na primeira parte da Mensagem: Brasão. A primeira parte, por
sua vez, está encimada pela elocução latina Bellum sine bello (guerra sem guerrear). Na
primeira parte de Mensagem, Fernando Pessoa expressa a nobreza da intenção.
Ulisses (em Grego Odisseu), foi uma das figuras míticas que chegaram ao nosso tempo através
dos dois grandes relatos de Homero: a Ilíada e a Odisseia. A tradição posterior coloca Ulisses
como fundador de Lisboa. A raiz etimológica da palavra Lisboa vem da palavra Ulissipo – ou
cidade de Ulisses. Claro que Pessoa identifica aqui, como tanto lhe agravada, a raiz do mito
que conhece depois a realidade, ou seja, um mito que apesar de ser nada é tudo. “O nada que
é tudo” é uma expressão que acompanha Pessoa na sua vida, porque ele próprio a
determinado ponto deseja ser um mitologista, um criador de mitos, porque via nisso uma alta
missão.
A inclusão logo na primeira estrofe de uma referência cristã misturada com uma referência
pagã não é inocente. Como cristão gnóstico, Pessoa considerava Deus mais como símbolo do
que como objecto de fé, e um símbolo útil, um símbolo utilizável, se quisermos, para reformar
a sociedade dos seus tempos. Para os gnósticos, Cristo é o logos, o intermediário racional
entre o Deus e o homem, sobretudo símbolo e mensageiro. Por isso se compreende que
Pessoa consiga misturar Ulisses com referência a um Deus cristão. Para ele, ambos são símbolo
de algo maior, símbolos de um destino a cumprir, que se seguiu à fundação de Lisboa.
A ambiguidade da segunda estrofe, que fala de “este, que aqui aportou” (Ulisses), “foi por não
ser existindo” (porque o mito existe não existindo), “não existindo nos bastou” (porque o mito
basta enquanto mito para criar algo mais do ele próprio), “por não ter vindo foi vindo. E nos
criou” (mesmo sabendo que ele poderá não ter existido, ele existe não existindo e isso basta
para criar, para basear a fundação da cidade).
Isso confirma-se na última estrofe: “”assim a lenda se escorre a entrar na realidade”. Ou seja, o
mito, a lenda, fecunda a realidade, gerando nela movimento e emoção que de outro modo não
existiria. O mito surge como criador, de uma realidade que sem ele seria iminentemente estéril
e infecunda: “em baixo, a vida, metade de nada, morre”.
O mito é assim a base de toda a nobreza, porque iniciador. Antes de Viriato, antes de Afonso
Henriques, antes de todos os homens reais, há o homem-mito, a raiz da qual flui a energia do
futuro, e da qual nasce o alimento para uma vida que sem ela seria pobre e sem fruto.
O poema “Infante” enquadra-se na segunda parte de A Mensagem, consagrada ao tema
Possessio Maris, ou seja, a posse do mar.
O título do poema, “Infante”, poderia estar a referir-se ao Infante D. Henrique, mas parece-nos
que a referência, puramente simbólica, é ao nascimento, ou pelo menos ao começo de algo, à
juventude. Além do mais, Pessoa já se referia ao “outro infante”, na primeira parte da
Mensagem. É o “Infante”, por isso mesmo, o relato de como tudo começa, do início da obra.
Note-se que aqui “obra”, deve ser entendida no sentido estrito da palavra, como acção, bem
como no sentido lato e ocultista, como processo alquímico, que compreende diversos passos
até ao seu final. Se por um lado Pessoa se refere ao início da aventura marítima, ele não se
refere apenas a isso, pois esse mesmo início, se bem que é apenas um episódio, é, pelo menos
para ele, simbólico de um processo muito maior, de um Destino feito história de Portugal.
Talvez Pessoa se refira mesmo ao nascimento do Império, pois ele diz, no fim da primeira
quadra: “Sagrou-te e foste desvendando a espuma”: Mas é certo que o princípio do poema nos
diz que Portugal, ao construir o Império, é movido como instrumento de uma vontade maior. É
“Deus que quer”, não o homem. É a vontade de Deus, ou se quisermos o Destino, que guia as
acções dos marinheiros e dos estrategas. Foi Deus também que quis que a Terra finalmente
fosse uma, tanto porque foi um Português que primeiro a navegou por inteiro – Fernão de
Magalhães, bem como portugueses a uniram descobrindo novos continentes. De facto o
descobrimento do Brasil (descobrimento e não descoberta, como hoje se entende, ou talvez
mesmo achamento, como dizem os brasileiros, pois a terra já lá estava e era habitada), une
pelo mar a velha Europa à novíssima América de Colombo. Sagrado Infante, o Império podia
crescer, ser Rei.
De facto na quadra seguinte se observa a descrição do crescimento do Império. A “orla
branca” da espuma é revolta de “ilha em continente”, pelas naus nacionais. Até que
finalmente, viagem cumprida a Terra fosse “de repente redonda”, porque finalmente
totalmente percorrida pelos olhos humanos.
A última quadra, mais soturna, adianta a morte ao próprio Infante. Note-se a ironia
subjacente, que na história ainda curta que era do Império já Pessoa lhe desenhe a morte, fale
no seu final. Porque em verdade, o Império morreu mesmo antes de se cumprir, morreu
Infante, porque nunca se poderia cumprir como coisa material. Pessoa defende um Império
Maior, um Império Espiritual, verdadeiro Império, se quisermos. Por isso este Império ficou
Infante, por se cumprir, à espera que se cumpra o Império Espiritual que será, esse sim,
eterno. “Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez”, diz Pessoa. Era esta a primeira missão
cometida por Deus a Portugal, desvendar o mundo, e ela chegou ao seu termo. Mas falta ainda
tudo. Falta “cumprir-se Portugal”. Sabemos que Portugal era para Pessoa mais do que apenas
a terra que se define dentro dos limites da fronteira, que Portugal para ele era língua, cultura,
espírito e alma. Se ele diz que falta cumprir-se Portugal, ele quer dizer que falta cumprir-se o
destino glorioso (e imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do corpo.
De facto é só na terceira parte d'A Mensagem que esse destino maior se desenha em mais fino
pormenor. Encimado pela elocução latina Valete Frates, esta terceira parte anuncia-nos um
projecto de paz universal, fraternal, para a humanidade. Mas não um plano filosófico ou
político, antes um plano espiritual e simbólico, que se vai revelar lentamente dentro de cada
homem, de cada alma. Fraternidade achada na semelhança com Deus, é certo, mas também
com a alma portuguesa, com a alma do verdadeiro povo escolhido, que ao contrário dos
Judeus teve o seu mártir morto em guerra por Deus e Nação.
O poema “Horizonte” encontra-se na segunda parte de Mensagem, que tem o título de “Mar
Português”. Pretende Fernando Pessoa, nesta segunda parte, falar da história dos
Descobrimentos, de como a nobreza que ele descreveu na primeira parte (“Brasão”) agiu
agora e como os seus actos tiveram importância, mas não esgotaram essa mesma nobreza.
Pessoa – nas palavras de Agostinho da Silva em Um Fernando Pessoa – conta agora uma
história em “Mar Português”, mas avisa desde logo no poema “Infante” que essa história não é
a história de Portugal, mas “o seu interrompido prólogo”.
“Horizonte” enquadra-se nesse “contar da história”. Neste poema de grande lirismo e beleza,
Pessoa descreve o encantamento dos navegadores quando, ao aproximarem-se de
desconhecidas costas, tornavam concreto o que antes era apenas abstracto (mistério). O
descobrimento como revelação, segue o tema geral de Mensagem, que é uma obra
eminentemente intelectual, ocultista, simbólica. Em verdade, os navegadores não poderiam
revelar conscientemente, porque não eram – crê-se – habilitados para tal, pois não eram
“iniciados” nas artes ocultas que Pessoa tão bem domina. Se revelam, é então porque uma
vontade superior os leva a tal e lhes controla o Destino. É caso para dizer que enquanto o
iniciado compreende, o não iniciado cumpre.
Confirma-se o que dissemos numa análise mais próxima do poema. “Ò mar anterior a nós” (os
descobridores), “teus medos tinham coral (…)” mas “desvendadas a noite (…) as tempestades
passadas e o mistério” (o desconhecido) “abria em flor o Longe” (o conhecimento) e o “Sul-
sidério (re)splendia sobre as naus da iniciação”. De uma maneira mais ou menos hermética e
fechada, o que Pessoa nos diz é: O mar anterior, o mar a que se referiam aqueles que o
temiam por desconhecimento e medo, foi desvendado, tiraram-lhe a noite (o escuro
representa o medo e o desconhecido), e, passando pelas dificuldades do caminho, revelou-se
enfim o seu mistério. Abriu-se esse conhecimento quando para Sul as naus dos iniciados
(involuntários, mas iniciados) viajaram.
Lendo a segunda estrofe, há uma insistência no mesmo tema. “Linha severa da longínqua
costa (…) ergue-se a encosta (…) onde era só, de longe abstracta linha”. O abstracto torna-se
concreto, com a revelação do mistério.
Toda a descrição se realiza em pleno na terceira estrofe onde Pessoa, aproveitando o balanço
do raciocínio anterior, chega à conclusão que pode equiparar o sonho a ver essas “formas
invisíveis da distância imprecisa” (a linha distante da costa) e “buscar na linha fria do horizonte
a árvore, a praia (…) os beijos merecidos da Verdade”. A metáfora do sonho é de facto perfeita
e o efeito poético pleno de oportunidade e equilíbrio. Mas temos de nos lembrar que se “os
navegadores sonharam”, foi “Deus quem quis” (do poema “Infante”).
Como bem indica esta pessoana de renome, o poema «Mar Português» surge na continuação
do que é a Mensagem. No entanto, e se tal for possível, é ainda mais hermético do que aquela,
porque se na Mensagem se invoca o Mar Português ainda físico da conquista e depois
lentamente transcendental do espírito, no poema «Mar Português» a invocação é já
plenamente transcendental, focada na importância da obra do próprio Fernando Pessoa num
futuro renascer da alma nacional.
Identificam-se temas comuns entre este poema e a Mensagem. Nomeadamente a referência
ao mar simultaneamente espelho e abismo, onde a alma se perde no sonho e depois do sonho
se reflecte num projecto de futuro esplendoroso porque plenamente espiritual e desligado da
terra.

Há o reconhecimento que nada mais há a buscar no mar físico, mas que resta a exploração do
mar espiritual, onde Pessoa quer ser empossado argonauta, porque é através da poesia, da
linguagem do inefável, que se podem descobrir os mistério da alma e da vida, escondidos à
visão normal dos homens.
Um primeiro ciclo exauriu-se: o da descoberta do mar. Um novo ciclo se anuncia: a segunda
vinda, a descoberta da alma, do mar espiritual.
É a água, o elemento água, a paz, a solidão, a reflexão, o contínuo movimento de renovação e
desafio que permite a revelação da profecia. É a água que simboliza a latência do sonho, a
água nua, despida e apenas espelho ou abismo, que mostra e que esconde. Combinação
proibida de opostos, como a própria poesia, que se por um lado comunica, nada diz de
imediato, mas antes quer provocar em quem a lê a reflexão mais profunda ou a reflexão mais
imediata, o abismo e o espelho. O mar, o sonho e a poesia são os três elementos que Dalila
Pereira da Costa indica como sendo os vectores essenciais da alma portuguesa. Não interessa a
ambição, mas o sonho, não interessa o destino, mas a viagem, não importa nada que se acabe
na sua própria realização, porque nada que se consuma inteiramente pode ser eterna.
Portugal, pátria à beira água é também pátria à «beira-mágua». O sofrimento e a dor marcam
a viagem às ilhas afortunadas da alma, porque nenhuma grande descoberta se faz sem
sacrifício de monta e relevo.
Esta alquimia, processo de integração dos desejos mais profundos e íntimos do ser, liga o
desejo à metafísica de o realizar na carne. Dalila relembra, e bem, Jung, na sua análise do
subconsciente como meio de alcançar a ligação entre os dois mundos, porque ténue terreno
de fracas consistências e certezas palpáveis, senão pela intuição. Pessoa foi mais longe, ao
desdobrar-se em quatro (Caeiro, Campos, Reis e Soares) fez a chamada quadratura do círculo,
antigo esquema alquímico em que o Eu permanece no centro, permeado pelo mediador, pelo
Logos.

O apocalipse do fim aparece em Pessoa como revelação de uma verdade interior, reservada a
quem empreenda a viagem sem destino que é perder-se de si mesmo. O começar na nova
aurora neste Império Espiritual é algo mais do que a presença diáfana de um vasto território
dominado por uma só língua e um só povo, antes um horizonte sem fim em que se atinge a
irmandade dos homens, a paz in excelsis intemporal e imperfeita apenas por não ser ainda de
Deus, mas encimada por um desejo incompleto de se realizar sempre no futuro.
Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de
Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se
nos Castelos à semelhança do poema Ulisses. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica
participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica
devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos
e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão
lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da
matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o
princípio de Portugal. O título D. Dinis remete-nos para os primórdios da nossa nacionalidade,
assumindo assim o poeta a perspectiva longínqua de D. Dinis, observando no século XX à
posteriori a empresa dos Descobrimentos.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de cinco versos
(quintilhas). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são irregulares. O segundo verso de cada
estrofe tem oito sílabas métricas, enquanto os restantes são decassilábicos. Predomina o ritmo
binário, aparecendo também o ternário, no verso primeiro da segunda estrofe. A rima é
sempre consoante, variando entre rica e pobre, e obedece ao seguinte esquema rimático:
abaab, com rimas cruzadas, emparelhadas e interpoladas, portanto. O verso decassilábico, de
ritmo largo, adequa-se à expressão de uma mensagem que traduz o meditar repousado de um
poeta que é rei e vai ao leme de um povo que quer ser grande.
Ainda ao nível das sonoridades merecem destaque as assonâncias (alteração entre vogal
aberta e fechada) e as aliterações em sibilantes. Esta repetição de sons produz um conjunto
harmónico de versos que combinam as potencialidades do significado com o significante. D.
Dinis é poeta e é o criador de condições necessárias às navegações. Surge assim num contexto
verbal que enquadra esses sentidos: consubstanciando matéria épica e lírica, jogando com o
tempo histórico de futuro adivinhado.
Na primeira estrofe o sujeito lírico imagina D. Dinis a compor um cantar de amigo. Eis-nos
diante do rei poeta. Já no segundo verso é o lavrador que emerge. Seria dos pinhais plantados
por D. Dinis que viria a madeira com a qual se construiriam as naus para os descobrimentos. D.
Dinis representa a certeza adivinhada do futuro. A expressão “ ouve um silêncio múrmuro
consigo”, contendo um oxímoro realça a atitude meditativa do rei que, como um rei-mago, ao
escrever o seu cantar de amigo profetiza já a epopeia marítima dos portugueses. O sujeito
lírico recua no tempo e escuta com o rei o rumor dos pinhais que ondulam ( metáfora de
inspiração marinha).. Esta metáfora e a personificação contidas na expressão “é o rumor dos
pinhais como um Trigo de Império” sugere que esse sussurrar pressentido por D. Dinis era a
fala misteriosa dos pinhais que já ondulavam na imaginação do poeta “como um trigo de
império”. Esta metáfora é extremamente expressiva. Os pinhais contribuiriam para permitir a
expansão portuguesa e esta criaria a riqueza do nosso império. O pão é símbolo de alimentos
de poder económico, sendo o trigo , as searas promessa de riqueza para um país. Este ondular
invisível deixa já antever a aventura marítima e o Império que lhe está associado. Assinale-se
ainda o animismo é o rumor dos pinhais. Os pinhais parecem ter linguagem e inspiram o
próprio cantar do rei-poeta, porque anunciam qualquer coisa de grande, ainda envolvida em
mistério. Os verbos encontram-se no presente com aspecto durativo, traduzindo acções que se
prolongam no tempo, tornando a descrição mais impressionista e visualista.
Na segunda parte, mantém-se a preocupação por parte do “eu” poético de nos fazer chegar o
cantar do jovem rei e o “marulho obscuro” dos seus pinhais. Tudo isto era, na perspectiva do
rei, o pressentimento embora obscuro de qualquer coisa grande que estava para vir, era “o
som presente desse mar futuro”. Esta ideia põe em destaque o carácter mítico deste “herói”,
como uma espécie de intérprete de uma vontade superior. A mensagem deste poema centra-
se sobretudo no futuro e a razão disto poderá encontrar-se a partir do que atrás ficou dito: se
a perspectiva temporal é a de D. Dinis, e este rei prepara as glórias futuras da sua grei, é
evidente que a mensagem do poema se centra sobretudo no futuro. Isso mesmo se confirma
no texto “ O plantador de naus a haver”, Arroio, esse cantar ... e a fala dos pinhais...é som
presente desse mar futuro.... O cantar de quem, dos pinhais ? Do poeta? Ou dos dois? Esse
cantar era apenas um regatozinho que procurava o mar por achar. Esta metáfora exprime
como os portugueses começando quase do nada foram engrossando caudal das suas forças
até chegarem à Índia. O poema refere duas fases da nossa história: o ciclo terra (plantador de
naus, pinhais, trigo) e o ciclo do mar (arroio, naus e mar). A terra e o mar dois pólos entre os
quais se balouçou o povo português, sem nunca ter encontrado uma distância equilibrada
entre os dois.
Após termos perspectivado a mensagem do tempo é mais fácil perspectivar a do espaço. Há
expressões que apontam para o estreito espaço lusíada antes dos Descobrimentos “o
plantador de naus ... o rumor dos pinhais... o som presente ... e a voz da terra.... É o espaço
limitado dos primeiros tempos da pátria.
Mas surgem por antítese a estas, outras expressões que projectam a nação através do mundo:
“como um trigo de império ... busca o Oceano por achar ... desse mar futuro, ... ansiando pelo
mar...”
Relacionando o espaço e o tempo, verificamos que ao tempo futuro corresponde o
alargamento do território português, a projecção da nação através dos mares.
Ao longo do poema devemos destacar as expressões que se congregam para dar a sugestão de
um mistério premonitório do domínio dos mares “ na noite ... silêncio múrmuro... rumor dos
pinhais, marulho obscuro. É voz presente desse mar futuro”.
De notar que o rumor dos pinhais de tal forma se insinua no cantar profético do poeta que se
atribui a esse cantar o mesmo efeito que à fala dos pinhais “esse cantar busca o oceano por
achar; e a fala dos pinhais é som presente desse mar futuro”.
Concluindo, este poema está imbuído de sensibilidade épica. A grandeza dos feitos de uma
nação é inseparável da sua grandeza literária. Pelo que se compreende que Fernando Pessoa
tenha concebido na Mensagem um super Portugal em que ele seria o super Poeta. A cultura
parece desempenhar aqui um papel de importância acrescentada. Também o Quinto império
será cultural
Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de
Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se
As Quinas. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das
características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom
de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem
como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar
a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual
sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o
princípio de Portugal. O título D. Sebastião remete-nos para um momento importante da
nação, assumindo D. Sebastião um papel importante na decisão tomada de avançar para a
conquista de África.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de cinco versos
(quintilhas). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são irregulares. Os versos variam entre as
seis sílabas métricas, as oito e as dez. Predomina o ritmo binário, aparecendo também o
ternário. A rima varia também entre consoante, que predomina e toante, variando ainda entre
rica e pobre, predominando não obstante a pobre e obedece ao seguinte esquema rimático:
ababb, com rimas cruzadas e emparelhadas, portanto. A alternância de ritmo possibilita a
emissão de uma reflexão do próprio rei e o incitamento que dirige aos destinatários.
O poema poderá dividir-se em duas partes: a primeira correspondendo à primeira estrofe e a
segunda parte à segunda estrofe. Na primeira o sujeito poético faz uma autocaracterização
como “louco”; na segunda faz uma apologia da loucura, um elogio, exortando a que outros
dêem continuidade ao seu sonho.
Na primeira estrofe o sujeito lírico encontra a base da loucura na grandeza (a febre do além, o
sonho, o ideal) que o sujeito lírico assume com orgulho. Em consequência dessa loucura, o
herói encontrou a morte em Alcácer Quibir (perífrase). Apesar disto a loucura tem neste
poema uma conotação positiva, já que se liga ao desejo de grandeza, à capacidade realizadora,
sem a qual o homem não passa de um animal. Veja-se ainda na primeira estrofe a referência
ao ser histórico “ ser que houve” que ficou na batalha de Alcácer Quibir, onde encontrou a
destruição física, e a distinção deste com o ser mítico “ não o que há”, que sobreviveu pois é
imortal, é a ideia-símbolo, o sonho que fecunda a realidade. Este perdura na memória
colectiva como exemplo.
Na segunda parte, o sujeito poético lança um repto aos destinatários, fazendo um apelo à
loucura e à valorização do sonho. Deve portanto dar-se asas à loucura como força motora da
acção. Trata-se de um apelo de alcance nacional e universal. Este mesmo elogio será repetido
várias vezes ao longo da obra. É a referência ao mito sebastianista, força criadora, capaz de
impelir a nação para a sua última fase que está aqui em questão. O repto permite aos
destinatários considerarem a grandeza do rei suficiente para todos. A utopia foi e será sempre
a força criadora de novos mundos quer a nível individual quer a nível colectivo. Sem ideal cai-
se no viver materialista. A interrogação retórica com que termina o poema aponta
precisamente para a loucura como força criativa que poderá ser canalizada para a
reconstrução nacional. Sem o sonho “a loucura” o homem não se distingue do animal. É a
través do sonho que o homem é capaz de seguir em frente sem temer a própria morte. Assim
o homem deixará de ser um animal sadio ou reprodutor com a morte adivinhada.
Trata-se do primeiro poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de
poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta
integra-se nos Campos. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das
características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom
de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem
como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar
a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual
sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o
princípio de Portugal. O título o dos Castelos remete-nos de imediato para os sete castelos que
passaram a proteger Portugal a leste e a sul após a conquista do Algarve aos Mouros, levada a
cabo por D. Afonso III.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por quatro estrofes irregulares,
sendo a primeira uma quadra, a segunda uma quintilha e a terceira um dístico, finalmente a
última é composta apenas por um verso. Esta irregularidade também se verifica ao nível da
métrica, apresentando versos que variam entre seis sílabas métricas e onze. A rima
predominante é a pobre, havendo no entanto dois exemplos de rica Portugal / fatal e rosto /
disposto.
Eis-nos diante do rosto de Portugal que merece a atenção do sujeito poético. Este faz parte
integrante da Europa personificada que abre o primeiro verso do poema. Esta figura aparece
caracterizada com “ cabelos românticos” e com “ olhos gregos”. Tanto um traço como outro
revelam as heranças do norte no primeiro caso e do Sul no segundo que recebemos destas
civilizações. O adjectivo “românticos” pode ainda evocar a corrente literária Romantismo, cuja
origem se encontrou em Inglaterra, e foi trazido até Portugal por escritores como Almeida
Garrett ou Alexandre Herculano. Teremos não obstante que contrapor aqui a interpretação de
românticos que se identifica com a palavra que lhe deu origem, o advérbio latino – romanice,
que significa à maneira (moda) romana. Caso consideremos a primeira interpretação
entenderemos facilmente o valor semântico da forma verbal toldam-lhe, que confere ao
romantismo a capacidade de obscurecer de perturbar a visão. Por outro lado, não podemos
esquecer o papel da civilização grega no passado. A Grécia foi por excelência o berço de uma
civilização culturalmente superior e cujo império se estendeu ao longo de vários continentes. A
Europa emerge no poema deitada sobre os cotovelos, apoiando o rosto – Portugal- na mão
direita. A repetição do verbo jazer, cujo significado é estar deitado, mas também estar morto
ou como morto, reforça a atitude passiva da Europa e a necessidade de Portugal como rosto
da Europa despertar o continente adormecido para a procura de um novo império que será
espiritual. Os gerúndios fitando e lembrando vêm ainda reforçar a idiossincrasia portuguesa da
passividade, da falta de acção, da introspecção.
A Europa olha fixamente o Ocidente. A posição dos cotovelos, estrategicamente colocados
sobre a Itália e a Inglaterra, reitera a referência às raízes culturais da identidade europeia já
salientadas. O Sul associado à cultura românica e o Norte associado à própria revolução
industrial, ou como mencionamos anteriormente ao papel da cultura romana. A dupla
adjectivação “esfíngico e fatal” dá conta da atitude expectante e contemplativa, enigmática e
misteriosa, indiciando a predestinação para o desvendamento do mistério, com que o velho
continente “ Fita... o Ocidente”, que representa a sua vocação histórica, a da viagem marítima
e espiritual do passado, o “futuro” que a Europa desvendou no “passado” e que se apresenta
como promessa de outro futuro. Portugal cumprirá um caminho, uma missão histórica que
continua a sua missão no passado. Eis-nos diante de um povo com uma missão a cumprir,
dignamente competidor com os seus antepassados europeus (Romanos, Gregos e Ingleses). É
no Ocidente que se espera a concretização dos sonhos da Humanidade. O rosto da Europa é o
símbolo da civilização Ocidental e da Humanidade, mas também de mistério, fita o mundo.
Portugal por sua vez fita no extremo ocidente os mares e o mundo para os dominar. O último
verso preconiza assim o papel destinado a Portugal: guiar a Europa. Saliente-se o nacionalismo
profético da referência ao papel que cabe a Portugal na liderança da Europa. O próprio
número sete do conjunto das palavras que o forma é místico.

You might also like