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Economia | Infantojuvenil

Supercapitalismo
Livro usa trechos da obra de Karl Marx e
ilustrações impactantes para fazer crítica à
obsessão da humanidade pela riqueza
Cristiane Tavares

01mai2018 04h51

Ilustração de Maguma
para o livro O Deus
dinheiro

Marx, Karl
O Deus dinheiro
ILUS. Maguma;
TRAD. Jesus Ranieri &
Artur Renzo

Boitatá/Boitempo • 64
pp • R$ 69

Ao lançar o selo infantojuvenil Boitatá com a


coleção Livros para o Amanhã, vencedora do
Bologna Ragazzi Award em 2016 na categoria não
ficção, a editora Boitempo já mostrava uma
escolha, para o público infantil, coerente com a
linha editorial da casa. A coleção, publicada
originalmente na década de 1970 pela espanhola
Equipo Plantel em resposta à ditadura franquista,
trata de assuntos como democracia, classes
sociais e questões de gênero.

Respeitando o livre pensar da criança e optando


por títulos que abordam temas complexos numa
perspectiva crítica, a Boitatá entrou no segmento
marcando presença e provocando polêmicas em
tempos de posicionamentos extremos, estimulados
pelo estado de exceção que o país vive.

Efeméride
Neste ano, em que se celebram os 200 anos de
nascimento de Karl Marx, a editora lançará cerca
de dez livros em homenagem ao autor, dois deles
destinados ao público infantojuvenil: O Capital
para crianças (de Liliana Fortuny) e O Deus
dinheiro. A notícia gerou reação agressiva por
parte de segmentos conservadores da sociedade,
com ameaças pessoais a Ivana Jinkings, que dirige
a editora.

O Deus dinheiro tem se destacado em meio a


muitas publicações que reforçam estereótipos e se
dirigem à criança como mera consumidora de
produtos rapidamente substituíveis.

Não é o caso deste livro. Catalogado como


“Crianças e Filosofia”, o título tem provocado
reações positivas, sobretudo entre os
pesquisadores que acompanham mais de perto os
lançamentos infantojuvenis no país. Não poderia
ser diferente: o impacto visual do livro é
arrebatador. E o texto, composto de trechos
de Manuscritos econômico-filosóficos, escritos por
Marx em 1844, é de uma atualidade
impressionante. A obra produzida pelo indignado
jovem de apenas 26 anos traz notas e argumentos
que Marx desenvolveria posteriormente em O
capital e apresenta passagens fascinantes contra a
avareza humana e o poder alienante do dinheiro —
ao qual é dedicado o ensaio final.

Logo na primeira página de O Deus dinheiro temos:


“A propriedade privada nos fez tão cretinos e rasos
que um objeto só é nosso quando o temos —
quando ele existe para nós como capital”. O
desdobramento dessa contundente abertura se dá
em forma de argumentação ético-filosófica que, a
princípio, não compõe exatamente um enredo.
Porém, quando lida em paralelo às incríveis
imagens do ilustrador espanhol Maguma, adquire
um sentido narrativo.

O caráter condensado do texto amplifica-se na


densidade imagética de teor profético que salta das
páginas sanfonadas. Maguma cria um cenário
distópico-apocalíptico, inspirado no capítulo “A
Queda”, do Gênesis. No canto de uma das páginas
finais se lê “Eden Garden” (Jardim do Éden) num
letreiro luminoso. Nesse paraíso às avessas, um
retrato assombroso do nosso tempo, convivem
gigantescos seres gananciosos trajando terno e
gravata, pequenos homens-cofre caminhando em
direção ao abismo e estranhos deuses
superpoderosos.

Para ler junto


É a história da alienação dos sentidos pela força
do dinheiro, da obsessão humana pela riqueza e
da consequente destruição dos bens comuns. Uma
crítica ao “deus-capitalismo” e seus excessos. O
título lembra uma fala de Agamben: “O
capitalismo é uma religião, e a mais feroz,
implacável e irracional religião que jamais existiu,
porque não conhece nem redenção nem trégua.
Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o
trabalho e cujo objeto é o dinheiro”.

O Deus dinheiro certamente não fará dormir as


crianças, como alguns belos e também cruéis
contos de fadas, não divertirá ou fará rir. É livro
para ler junto — criança e adulto —, conversar,
escutar, fazer pensar. Sua publicação, nesse
momento de contexto mundial convulsionado, é
como o ressoar de um antigo alarme que insiste na
esperança de ainda despertar crianças, homens e
mulheres.

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