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ESTADO ISLÂMICO

O incerto destino das


crianças do Estado
Islâmico
Num hospital próximo à zona onde o califado
desvanece, 75 bebês, filhos de jihadistas mortos ou
confinados em campos de deslocados, lutam para
sobreviver
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Três filhos de jihadistas do Estado Islâmico num hospital curdo do


nordeste da Síria. NATALIA SANCHA
NATALIA SANCHA

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Busayrah (Síria) 31 MAR 2019 - 15:59 BRT


“Cuidem dos meus filhos porque, mesmo que eu morrer, eles são
as sementes do califado”, foram as palavras que uma jihadista
disse à enfermeira-chefe. E as pronunciou apontando para os
berços onde 75 crianças de combatentes do Estado Islâmico
(EI) lutam para sobreviver num hospital curdo no nordeste
da Síria. São os bebês nascidos no reduto do califado, o vilarejo de
Baguz, palco da última batalha empreendida contra o EI pelas
milícias curdo-árabes no deserto sírio, perto da fronteira com o
Iraque. De traços asiáticos, africanos e europeus, os bebês foram
evacuados dos campos de acolhida para membros do EI onde
agora estão suas mães, procedentes do mundo inteiro, que
responderam ao chamado do líder do autoproclamado
califado, Abu Bakr al-Baghdadi, para que povoassem o novo
território. Alguns bebês são órfãos, mas outros recebem visita de
suas mães, que vivem nos campos de refugiados.

Quase nenhum desses bebês tem mais de três anos. Todos


aparentam ter poucos meses. Como são estigmatizados por serem
descendentes do EI, sua mera existência representa um desafio
para as nações de origem dos pais. Alguns países optaram por
repatriar os órfãos ou permitir o retorno; outros não se
responsabilizam por crianças que, sentadas no berço, não lançam
palavras de ordem jihadistas, e sim respirações roucas, tosses
sonoras e choros arrepiantes.

Dezenas de pares de olhos sobressaem de caras amareladas com


cabeças raspadas, algumas com pontos de sutura, outras
queimadas. Tais cicatrizes são as únicas marcas que se observam
nesses meninos que sobreviveram à guerra. No maior berço da
sala, três bebês permanecem sentados com os olhos bem abertos,
imóveis, em silêncio, mas vigilantes. Não choram, não gemem, não
reagem aos mimos. As crianças, com braços ossudos, debatem-se
entre a vida e a morte com uma via conectada. Como também
fizeram, sem sucesso, os 123 bebês mortos desde dezembro nessa
zona por desnutrição, hipotermia ou problemas respiratórios.

Maya é o pseudônimo escolhido pela enfermeira que lidera uma


equipe de 12 cuidadoras e outras três sanitaristas. Elas ainda têm
medo do EI. “Muitos jihadistas fugiram dos campos e temos medo
de que venham aqui em busca de vingança pelas crianças
mortas”, dizem as profissionais, pedindo que o nome do centro de
saúde não seja mencionado. Uma mulher, que afirma se chamar
Meriam el-Ali e ser norueguesa de origem somali, entra na sala.
Por trás do niqab e com um inglês fluente, uma desafiante voz
exige cuidados para seu sobrinho, um bebê de aspecto triste e
longos cílios. O olhar de desprezo que as cuidadoras lhe destinam
é intensíssimo. “Fazemos um grande esforço para manter dezenas
de milhares de pessoas do EI nos campos e prisões com recursos
limitados, cuidando dos nossos próprios feridos e assumindo a
restauração da infraestrutura e os custos da guerra”, protesta um
oficial das forças de segurança curdas. “O que pedimos é que seus
países de origem se responsabilizem.”

“Seja qual for o crime que seus pais tenham cometido, as mais de
3.500 crianças estrangeiras que esmorecem nos diferentes campos
do nordeste da Síria são claramente vítimas inocentes do conflito e
deveriam ser repatriadas aos países de origem para garantir sua
segurança e bem-estar”, diz por e-mail Paul Donohoe, porta-voz da
ONG Comitê Internacional de Resgate (CIR), que trabalha nos
campos de refugiados no nordeste da Síria. “Já ultrapassamos a
marca das 75.000 pessoas”, afirma, por telefone, um funcionário
do campo de At Hol. A ONG Save the Children estima em 40.000 o
número de menores nesse centro; 250 deles estão
desacompanhados, segundo o CIR.
Filhos recém nascidos de combatentes jihadistas, em um hospital
curdo no norte da Síria. N.S

Minúsculas pulseiras azuis e rosas identificam o sexo dos bebês


com seus nomes gravados. No berço número 15, lê-se
apenas mahjul (desconhecido, em árabe). “Há pelo menos 20
órfãos nas duas salas”, calcula Maya. De todos eles, o bebê sem
nome é o único que consegue esboçar um sorriso

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