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APRESENTAÇÃO – JOEL BIRMAN

Falar brevemente sobre a última apresentação na disciplina de Joel e sobre a


apresentação na disciplina de seminários das professoras Simone Perelsson e Cristina
Poli.

OBJETIVOS

Geral:

Investigar o estatuto do desamparo no discurso freudiano, à luz da teoria


freudiana do social, bem como a partir da dimensão metapsicológica da obra freudiana.
Cabe salientar que é preciso apontar as descontinuidades que se inscrevem neste
discurso, a fim de contextualizar as transformações em torno da problemática do
desamparo.
(Por descontinuidades, me refiro ao deslocamento da referência ao vitalismo para a
referência ao mortalismo, bem como ao deslocamento do desamparo do registro da
palavra para o registro do conceito. Na primeira destas leituras, cuja referência é o
Projeto, o estado de desamparo seria contingente, dada a condição de imaturidade
biológica do organismo nos primórdios de sua existência. Contudo, no final da sua
trajetória intelectual, Freud inscreve o desamparo a partir da perspectiva da radical falta
de garantias do ser humano, que a criação dos deuses buscaria compensar. Nesta leitura,
o desamparo seria insuperável e coloca-se como inerente à inscrição do sujeito na
modernidade).

Específicos:

Articular o desamparo com a problemática do infantil, destacando o


deslocamento do registro da infância para o registro do infantil, no discurso freudiano.
Problematizar a emergência do sujeito da finitude, a partir do discurso da
anatomoclínica e do discurso freudiano.
Investigar a problemática dos destinos do desamparo, das possibilidades de
sua regulação, a partir de algumas figuras que se inscrevem na leitura freudiana, tais
como a ilusão, o masoquismo e a servidão voluntária.

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 A PROBLEMÁTICA DO INFANTIL EM PSICANÁLISE

(Aqui, tomo 3 referências: 1) Joel Birman (1997). Além daquele Beijo: sobre o infantil
e o originário em psicanálise; 2) Regina Herzog (2007). Entre a infância e o infantil:
vicissitudes da adolescência; 3) Agnès Oppenheimer (1994). Enfant, enfance, infantile.
[publicado na Revista Francesa de Psicanálise na edição intitulada “L’enfant dans
l’adult”]).

- De saída, cabe dizer que, não obstante a similaridade existente entre os significantes, o
adjetivo infantil não que dizer a mesma coisa que o substantivo infância. Além disso, é
preciso considerar que se o significante infantil se introduziu pela ordem adjetiva, logo
em seguida transformou-se num substantivo. Portanto, o que se pretende apresentar aqui
é uma genealogia da categoria de infantil no discurso freudiano, destacando o
deslocamento do registro da infância para o registro do infantil.

- Nos escritos inaugurais, a infância foi enunciada como fundamento para a


interpretação dos males do espírito, razão em última instância para dar conta dos
impasses insuperáveis na existência psíquica dos adultos. Assim, se a infância foi
concebida como o tempo primordial para a produção de um acontecimento patológico,
este foi delineado como algo de ordem sexual. (teoria da sedução)

- A referência à infância no discurso freudiano se impôs a partir do paradigma teórico


dominante na segunda metade do século XIX, isto é, o paradigma da evolução. Na
arqueologia da modernidade realizada por Foucault em As palavras e as coisas (1966),
a teoria da evolução das espécies seria um dos signos reveladores da episteme da
história que se constituiu na virada do século XVIII para o século XIX. Assim, pela
introdução da categoria de infância, para explicar a causalidade das perturbações
psíquicas pela mediação da sexualidade, Freud construiu um modelo teórico para pensar
o sujeito no qual este se constituiria pelo eixo do tempo. Pode-se dizer que o discurso
freudiano se iniciou com a concepção evolucionista de Darwin, através da qual
encontrou os pressupostos mais abrangentes da episteme da história, o que lhe permitiu
se decantar progressivamente de seus valores propriamente evolucionistas.

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- Alguns anos mais tarde, Freud questiona a factualidade da teoria da sedução, conforme
indicado pela sua correspondência com Fliess. Em linhas gerais, não seria mais pela
efetividade da sedução ocorrida que se produziriam as perturbações mentais, mas no
fantasma forjado de um suposto acontecimento.

- Nesta perspectiva, a infância foi remanejada na sua significação, pois se deslocou do


registro genético e cronológico para o do funcionamento psíquico. Foi aqui que se
constituiu propriamente o conceito de infantil, marcando a sua diferença com a noção
evolutiva de infância. Existiria assim um infantil no psiquismo que seria irredutível a
qualquer dimensão cronológica e evolutiva. Vale dizer, foi pressuposta a existência de
um infantil no psiquismo que não se dissolveria na infância cronológica do sujeito.
Seria desta maneira, enfim, que o sujeito seria marcado pelo infantil não por acidente de
percurso, pelas vicissitudes do processo maturacional de desenvolvimento, mas por
vocação.

- Esse infantil por vocação recebeu diferentes versões ao longo do discurso freudiano:

- Logo nos primórdios do pensamento psicanalítico o infantil foi caracterizado como


sendo o inconsciente. Foi aqui que o infantil se transformou num substantivo, perdendo
o atributo negativo anterior, onde seria representado no registro da reminiscência. A
esse respeito há uma passagem interessante no caso clínico do Homem dos Ratos
(1909). Freud faz algumas observações sobre as diferenças psicológicas entre o
consciente e o inconsciente, e sobre o fato de que toda coisa consciente estava sujeita a
um processo de desgaste, ao passo que aquilo que era inconsciente era relativamente
imutável. Mais adiante o autor assevera que uma das principais características do
inconsciente é a sua relação com o infantil. Cito: “O inconsciente, expliquei, era o
infantil; era aquela parte do eu que ficara apartada dele na infância, que não
participara dos estádios posteriores do seu desenvolvimento e que, em consequência se
tornara reprimida”.

- O infantil se identificava com o desejo. O que existia de infantil no sujeito se


representaria pelo universo caótico do desejo, que aquele não renunciaria jamais. Como
desejo, o infantil de tornaria patente pelos sonhos e demais formações do inconsciente.
A esse respeito, no Capítulo VII da Interpretação dos Sonhos (1900), Freud afirma que

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“o sonho poderia ser descrito como substituto de uma cena infantil, modificada por
transferir-se para uma experiência recente. A cena infantil é incapaz de promover sua
própria revivescência e tem de se contentar em retornar como sonho”. E acrescenta: “o
sonhar é, em seu conjunto, um exemplo de regressão à condição mais primitiva do
sonhador, uma revivescência de sua infância, das moções pulsionais que a dominaram
e dos métodos de expressão de que ele dispunha nessa época”.

- Logo em seguida, com a formulação da teoria da sexualidade, nos Três ensaios, o


infantil foi identificado com a pulsão sexual. Nesse contexto, Freud subverte o conceito
de sexualidade vigente na época, postulando que a sexualidade seria, por excelência,
infantil. Desloca assim a concepção de uma sexualidade na infância para a ideia de um
infantil como característica princeps de toda sexualidade.

- Assim, dos primórdios da investigação psicanalítica até os anos 1915 e 1920 o infantil
se identificava com o registro da sexualidade, isto é, com o campo do desejo e com o
que era regulado pelo princípio do prazer. Após os anos 1920, em contrapartida, o
infantil passa a ser circunscrito como o que não pode ser erotizado e como o que é
regulado por um além do princípio do prazer. Vale dizer, o infantil passa a ser
identificado com o real da angústia e com o trauma, com aquilo capaz de lançar o
sujeito no desamparo e de promover o seu esfacelamento. Depreende-se disso que o
infantil se deslocou do eixo da vida para o da morte, que passou a dar a tônica do
funcionamento primordial dos processos psíquicos.

- Verifica-se aí uma mudança expressiva no que concerne à noção de infantil. Deixando


de ser concebido como um estado primitivo a ser erradicado, e estando vinculado às
formações sintomáticas dos neuróticos, tratava-se, cada vez mais, de reconhecer um
infantil insuperável, atemporal, desvinculado da dimensão cronológica, ou seja, um
infantil que comportava um aspecto francamente estruturante.

- Em O futuro de uma ilusão (1927), Freud estabelece um paralelo entre a necessidade


de proteção sentida na infância – quando a criança necessita biologicamente de proteção
e amparo do adulto para manter-se viva – e a necessidade posterior de criação de figuras
protetoras contra os estranhos poderes superiores da natureza. Segundo o autor “o
indivíduo em crescimento descobre que está destinado a permanecer uma criança para

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sempre”. Cabe ressaltar que a constatação de uma não superação do desamparo
colocava o infantil no centro da cena.

- Em O mal-estar na cultura (1930), Freud apresenta uma analogia do psiquismo com a


cidade de Roma, a Cidade Eterna, reconstruída por diversas vezes. O autor conclui que
o que marca a diferença do psiquismo em relação a outros sistemas é que “só na mente é
possível a preservação de todas as etapas anteriores, lado a lado com a forma final”.

- Em 1937, no texto Análise terminável e interminável, Freud procede a um


questionamento radical sobre tudo aquilo a que antes creditara a possibilidade de
superação, trazendo à luz um infantil do psiquismo que jamais poderia ser ultrapassado.
A figura do desamparo aparece aí em sua radicalidade, fornecendo ao infantil um
caráter constituinte. Nos dizeres do autor: “O que um dia veio à vida, aferra-se
tenazmente à existência. Fica-se às vezes inclinado a duvidar se os dragões dos dias
primevos estão realmente extintos”.

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