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Literatura Clássica

Latina


Período
José Ernesto de Vargas
Thais Fernandes

Florianópolis - 2013
Governo Federal
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Ficha Catalográfica
V297l Vargas, José Ernesto de
Literatura clássica latina: 9º período / José Ernesto de Vargas, Thais
Fernandes. - Florianópolis : UFSC/CCE/LLV, 2013.
144 p. : il., grafs, tabs.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-61482-62-6

1. Literatura latina – Estudo e ensino. 2. Poesia latina. I. Fernandes,


Thais. II. Título.
CDU: 871

Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da


Universidade Federal de Santa Catarina
Sumário
Unidade A............................................................................................. 9
Introdução..............................................................................................................11
1  História de Roma...........................................................................................13
1.1 A religião...............................................................................................................13
1.2 História Política...................................................................................................17
1.3 A Sociedade Romana.......................................................................................28
2  Cultura de Roma............................................................................................33
2.1 A Cultura que Não Morre(u)...........................................................................33

Unidade B............................................................................................49
Introdução..............................................................................................................51
3  Poesia................................................................................................................59
3.1 A Poesia Épica.....................................................................................................60
3.2 A Poesia Dramática...........................................................................................67
3.3 A Poesia Lírica......................................................................................................84
3.4 A Poesia Satírica...............................................................................................109
3.5 A Poesia Didática..............................................................................................118

4  Prosa......................................................................................................131

Referências Bibliográficas  ...................................................... 139


Apresentação
Carissimi discipuli,

P
or motivos de tempo e, em parte, de distância entre nós,
mas não necessariamente de espaço, uma vez que o cibe-
respaço é infinito, o conteúdo a ser focalizado nesta dis-
ciplina é a Literatura Latina, tomada aqui stricto sensu. Ou seja,
a literatura que mais interessa num curso de Letras, a ficcional, a
poesia e a prosa latina. Delimitando um pouco mais este vasto uni-
verso, o período enfocado será o de quatro séculos, de II a.C, mo-
mento ainda de formação da literatura latina, até II d.C, quando se
inicia a derrocada das artes e da própria cultura romana. Dentro
desse corpus encontraremos os principais autores e obras latinas,
aqueles que compõem a era clássica romana e que se tornaram mo-
delos para os escritores posteriores e para outras literaturas.

Começaremos nossos estudos com uma breve história da civili-


zação romana, sua religião política, sociedade e cultura (as artes:
arquitetura, urbanização e literatura lato sensu, ou seja, literatu-
ra enquanto conjunto de textos não ficcionais escritos em latim).
Essa será a primeira Unidade.

A seguir, na segunda Unidade, virá o principal tópico, o de lite-


ratura, o maior de todos, que tratará de Poesia, subdividido em
cinco Capítulos: a poesia épica, a poesia dramática, a poesia lírica,
a poesia satírica e a poesia didática e, por fim, a Prosa latina. A
ordem se deve ao critério de acompanhar uma tradição dada pelos
estudos literários, iniciada por Aristóteles, com quem estaremos
dialogando muitas vezes e, em parte, por uma sequência de surgi-
mento histórico no cenário literário.

José Ernesto de Vargas

Thais Fernandes
Unidade A
História e Cultura Romanas
Introdução
Nesta unidade iremos relembrar os principais elementos da História de
Roma para um melhor aproveitamento dos conteúdos de literatura, tanto da
crítica quanto da ficcional, para que o aluno perceba a permanência e a im-
portância da cultura latina no mundo ocidental.

Ingens orbis in Urbe fuit.


(Ouidius, Ars Amatoria, 1, 174)

O imenso mundo estava na Cidade de Roma.


(Ovídio, A arte de amar, 1, 174)

A história da antiga Roma tem seus limites temporais entre os anos


de 753 a.C e 476 d.C., perfazendo mais de mil duzentos e vinte anos de
vida, só no Ocidente. Quatrocentos anos de glória, de conquistas bé-
licas, de administração, de manutenção das anexações territoriais, de
vigor artístico. Duzentos anos de literatura representativa desse mundo.
Entretanto, se considerarmos a duração do Império Romano no Orien-
te, podemos falar de quase mil anos a mais, tendo em vista que este se
estendeu até 1453. Se lembrarmos que menos de cinquenta anos depois
os europeus, através dos povos ibéricos, ocupariam a América, podería-
mos dizer que esse mundo se presentifica até muito recentemente, até a
Era Moderna. Mas, logicamente, esta é outra história, que não nos diz
respeito propriamente, se não às culturas orientais.

Quanto aos limites espaciais, o Império compreende a geografia


de três continentes: Europa, África e Ásia. No primeiro, ocupou a por-
ção ocidental como um todo, incluindo a Britânia (atual Inglaterra) e
boa parte da porção oriental (excetuando as regiões mais ao norte, em
nossos dias a Rússia). No segundo, o norte africano, acima do deserto
saariano. No terceiro, as regiões costeiras mediterrânicas (Síria, Judeia e
parte da Arábia). Dominando toda a bacia do Mediterrâneo e por causa
disso todo o mundo ocidental, Roma então se autodenominava Domina
gentium (Senhora dos povos).
Pois é desta Roma que trataremos inicialmente, apontando seus
principais aspectos históricos, sociais e políticos para então, num segun-
do momento, pensarmos num mundo e numa cultura que extrapolam
esses limites e chegam aos nossos dias com pleno vigor, que chegam a
lugares os quais não conheceram o Império Romano, justificando desse
jeito o nome de Império e a profecia de que “enquanto o Coliseu estiver
de pé, Roma estará de pé”, bem como a fama de Cidade Eterna.
História de Roma Capítulo 01
1 História de Roma

1.1 A religião

“A religião nunca deixou de ser o laço mais forte da cidade romana; com
esta identificou-se a tal ponto que foi uma forma de patriotismo. Os interes-
ses de uma eram os da outra. Tanto para o cidadão quanto para o Estado,
o temor dos deuses era o princípio da sabedoria e o ponto de partida para
toda a atividade política. O serviço dos deuses e o da República eram uma
só e mesma coisa. O espírito prático dos romanos, pouco preocupados
com coisas abstratas, conduziu-os a uma concepção apenas administrati-
va e formalista das relações do homem com a divindade. Era um contrato
que ligava as duas partes. Nada de fantasia nem de interpretação entregue
ao arbítrio individual, mas um ritual minucioso, obrigatório, verdadeiro ins-
trumento de terror, que assegurava pelo medo a docilidade popular”.

(BORNECQUE; MORNET, 1976, p. 67 apud FOUGÈRES).

A religião em Roma teve uma formação heterogênea, recebeu in-


fluências dos etruscos, gregos e, mais tarde, de religiões orientais. Con-
forme Brandão,

a Urbs, é verdade, abriu as portas, em princípio, a toda sorte de deuses fo-


rasteiros, mas soube manter, no curso de onze a doze séculos, o essencial
de seu culto, graças a uma obstinada tradição de cerimônias e ritos de base.
Ancorada em hábitos seculares, permitiu, no entanto, que se multiplicas-
sem as variantes de um sentimento religioso até o triunfo do Cristianismo.

(BRANDÃO, 1993, p. 11).

Mas esse processo de adoção de deuses estrangeiros, segundo Bran- Quirite era o nome dado
dão (1993), nunca foi uniforme: “o perfilhamento se realizou e se concre- aos antigos cidadãos de
Roma.
tizou entre os quirites em planos diversificados, em dosagem e velocidade
desiguais. Os aristocratas e plebeus nem sempre cultuaram os mesmos
deuses e estes tampouco recebiam tratamento análogo” (p.7-8).

13
Literatura Clássica Latina

A religiosidade romana tinha um caráter prático, realista, meti-


culoso e se orientava pelo rito, que respondia de maneira imediata às
necessidades e angústias dos homens, diferentemente da Grécia que ti-
nha uma religião inspirada pelo mito (BRANDÃO, 1993, p. 5). Brandão
(1993) entende que “o romano invocava os deuses não propriamente
para honrá-los, mas para conciliá-los e captar-lhes a benevolência; não
para obedecer-lhes à vontade, mas para fazer deles um instrumento
útil de sua prosperidade pessoal, familiar e estatal.” (p.13). Cada família
tinha seu culto particular que era, na essência, a adoração das almas
dos familiares falecidos, e devia ser prestado no interior da casa. Estes
deuses eram honrados no Lararium, o santuário doméstico, pelo pai da
família, o pater familias. Ele fazia oferendas, sacrifícios e preces ao Lar
familiaris, a alma do fundador da família; aos Manes, as almas dos ante-
passados e aos Penates, que cuidavam do abastecimento da casa.

Havia também cultos coletivos e públicos: o cultos dos colegiados,


que eram grupos de indivíduos que se reuniam para honrar uma certa
divindade, sem a intervenção do Estado; o culto popular (sacra popula-
ria), celebrado por todo o povo, e o culto do Estado (sacra publica ou pro
populo): assim como existiam os deuses da família, existiam os Lares do
Estado e os Penates publici. O culto oficial acontecia no Capitólio.

Os deuses nacionais mais importantes eram Júpiter, Marte, Juno,


Minerva, Jano e Vesta. As qualidades das pessoas também eram vistas
como divindades personificadas: Paz, Vitória, Boa Fé, Fortuna (a mais
venerada), entre outras. Os romanos ainda honravam outras divindades
secundárias, a quem eles deviam se dirigir em certos momentos do dia:

cada homem tinha seu gênio que olhava por ele, tomava parte em suas
alegrias e tristezas; do mesmo modo, cada lugar, cada Estado, tem seu
gênio, intimamente unido à própria existência. O gênio acaba por assi-
milar-se completamente à pessoa em certas expressões, como genium
curare ou indulgere genio, ‘embriagar-se’. Nos dias de festa faziam-se sa-
crifícios ao gênio.

(BORNECQUE; MORNET, 1976, p. 71).

14
História de Roma Capítulo 01
As cerimônias religiosas eram muito frequentes. Os romanos
acreditavam que se os deuses não fossem honrados e invocados da
maneira correta, estes se vingariam daqueles através de prodígios
como pedras em chamas caídas dos céus, crianças nascendo com três
pernas ou seis dedos, chuva de sangue, etc. Os romanos também ti-
nham a crença de que os deuses forneciam sinais, os presságios. Era
possível adivinhar o futuro através da compreensão desses sinais. A
maioria dos presságios era compreendida através dos movimentos dos Auis, ‘pássaro’, mais spicere
‘olhar’
pássaros, a isso se chamava ‘tirar os auspícios’.

Quando um sinal se oferecia por si mesmo, supunha-se que os deuses


o enviavam para avisar que não se devia continuar o rito; viam-se por
exemplo como sinais desfavoráveis uma tempestade, um tremor de ter-
ra, um rato que atravessasse o caminho. Todos os romanos, mesmo os
mais cultos, acreditavam nos presságios; assim, quando lhes estava a
peito levar um empreendimento a bom termo, davam sempre um jeito
para nada ver nem ouvir.

(BORNECQUE; MORNET, 1976, p. 73-74).

Lista de alguns empréstimos e assimilações feitas pelos gregos (co-


luna da esquerda) aos romanos (coluna da direita), com alguns epítetos
mais comuns: (de Brandão, 2003, p. 9-10)

Afrodite (Citeréia, Cípria, Cípris) Vênus (Libitina)

Apolo (Hélio, Febo, Lóxias, Pítio, Xanto) Apolo

Ares Marte, Mavorte

Ártemis (Hécate, Silene) Diana

Asclépio Esculápio

Atená (Palas) Minerva

Crono Saturno
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Literatura Clássica Latina

Deméter Ceres

Dioniso (Baco) Liber (Baco)

Erínias (Aleto, Tisífone, Megera) Fúrias (Aleto, Tisí-


fone, Megera)

Eros Cupido

Géia Terra

Hades (Plutão) Dite (Plutão)

Hebe Juventude

Hefesto Vulcano

Hera Juno, Lucina

Héracles (Alcides) Hércules (Alcides)

Hermes (Cilênio, Trismegisto) Mercúrio (Cilênio,


Trismegisto)

Héstia Vesta

Leto Latona

Moira Fado

Perséfone, Core Prosérpina

Posídon Netuno

Queres Parcas (Nona, Dé


-cima, Morta e
Cloto, Láquesis,
16 Átropos)
História de Roma Capítulo 01
Reia Cibele, Ops

Tânato Morte

Úrano Céu

1.2 História Política

Roma conheceu três importantes fases em se tratando de sistema


político. Foram elas, na sequência, a Monarquia, a República e o Impé-
rio, das quais nos ocuparemos a partir de agora.

1.2.1 A Monarquia

Esta foi a primeira experiência que Roma viveu como forma de fazer
política. Certamente você estudou esse conteúdo na escola, assim vamos
apenas relembrar as questões mais importantes. A monarquia foi vivencia-
da desde a fundação da cidade, em 753, mesmo que não comprovada his-
toricamente, até o ano de 509 a.C. É um período de que não se tem muito
conhecimento, nem os próprios romanos tinham, razão pela qual as lendas
falam mais alto. Uma delas muito famosa, a qual certamente você já ouviu Rômulo e Remo

alguma vez, a dos irmãos gêmeos Rômulo e Remo, que foram amamenta-
dos por uma loba. Outra, se você não conhece, o fará quando do estudo da
poesia épica romana, a Eneida, ou a epopéia de Eneias, o troiano.

Apesar de possuírem muita tradição em historiografia, gregos e


romanos, supersticiosos como muitos povos antigos, lidavam tanto
com os fatos quanto com lendas e outras imprecisões, e mesmo su-
perstições. As Ciências antigas não devem ser entendidas do mesmo
modo que as compreendemos modernamente. É o que comprova o “Escreve-se para narrar,
não para provar.”
aforismo antigo Scribitur ad narrandum non ad probandum. Aristóte-
les, em sua Poética, deixa clara a percepção dos antigos em relação ao
que era História e o que era ficção:

Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício de po-


eta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia

17
Literatura Clássica Latina

acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e


a necessidade. Com efeito, não diferem o historiador e o poeta por
escreverem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser postas em
verso as obras de Heródoto, e nem por isso deixariam de ser história,
se fossem em verso o que era em prosa) – diferem, sim, em que diz
um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder. Por
isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história,
pois refere aquela principalmente o universal, e esta o particular. Por
“referir-se ao universal” entendo eu atribuir a um indivíduo de determi-
nada natureza pensamentos e ações que, por liame de necessidade e
verossimilhança, convém a tal natureza; e ao universal, assim entendi-
do, visa a poesia, ainda que dê nomes às suas personagens; particular,
pelo contrário, é o que fez Alcibíades ou o que lhe aconteceu.

(ARISTÓTELES, 1984, p. 209)

“Onde a História hesi- Tito Lívio, um dos principais historiadores romanos, também de-
ta, a lenda continua.” monstra clareza no que diz respeito ao que é lenda e história. Podemos
dizer que ele é um dos responsáveis pela tradição de iniciar a História
de Roma pela lenda da loba e dos gêmeos, comum até os nossos dias,
basta lembrar nossos livros didáticos. Entretanto, ele aponta, embora
não afirme categoricamente (e quem ousaria?), que a loba poderia não
ter sido quadrúpede, mas antes bípede, uma prostituta, como podemos
ver através de suas próprias palavras:

Conservou-se a tradição de que o berço onde as crianças tinham sido


expostas começou a flutuar, e ao baixarem as águas parou em lugar
seco. Uma loba sedenta saiu das montanhas e atraída pelos vagidos das
crianças dirigiu-se ao local. Ali, abaixada, oferecia as tetas às criancinhas
e docemente as lambia quando as descobriu o pastor que as levou ao
estábulo, entregando-as a sua mulher Larência para criar. Outros julgam
que Larência era uma prostituta, uma “loba”, como chamavam os pasto-
res. Teria sido esta a origem da lenda maravilhosa.

(TITO LÍVIO, 1989, p. 25).

18
História de Roma Capítulo 01
De todo modo, só podemos contar com dados mais concretos so-
bre essa parte da vida romana a partir dos dois ou três séculos finais da
era monárquica. Dos primórdios, sabe-se que os romanos eram pastores
e pequenos agricultores. Os etruscos (um povo do norte da Itália) foram
uma das etnias que mais teve influência e importância na formação po-
lítica e cultural de Roma. Dos momentos finais dessa era os dados nos
dizem ser de origem etrusca os últimos reis romanos. Eles detinham o
poder político, judiciário e religioso, motivo de forte descontentamento
de parte da classe mais elevada, os patrícios, ávida por dividir o poder,
quando da decadência monárquica. Mesmo havendo uma representa-
ção do povo (não necessariamente popular, tendo em vista que defen-
diam as elites) na figura do Senado e seus senadores (os homens mais
velhos da cidade), o monarca possuía o poder total e a última palavra.
Isso levou os patrícios a praticarem um golpe de Estado, aproveitando-
se de um ato criminoso no governo de Tarquínio, o Soberbo. Segundo
consta, seu filho Sexto teria estuprado a mulher de um senador, gerando
a revolta e o subterfúgio para o desfecho da era monárquica.

1.2.2 A República

Com a derrocada de Tarquínio e do sistema monárquico, tem início


a fase republicana, a mais decisiva da civilização romana. A palavra repú-
blica é resultado da composição res, ‘coisa’ e publica, ‘relativa ao povo e ao
Estado’, ou seja, ‘coisa pública’, ‘coisa do Estado’, pelo menos em palavras,
na retórica. De qualquer modo, é nesse período que, dois séculos e meio
mais tarde, se dará o processo de dominação e imperialismo, os quais fa-
rão de Roma a Grande Senhora. Podemos pensar que os primeiros du-
zentos e cinquenta anos foram de organização da casa, limpeza e tomada
de posse. Esse período, porém, não deve ser entendido como algo fácil e
tranquilo, antes pelo contrário, foram tempos de muitos embates político-
-sociais, greves e manifestações de repúdio, etc. Ademais, existiram tam-
bém inumeráveis guerras, inicialmente de defesa, mais tarde de ataque.

No ano de 390 a.C, Roma foi invadida pelos gauleses, com certeza
os antepassados de nossos famosos personagens Asterix, Obelix e com-
panhia. Invadida não, em verdade foi quase que destruída. Foi o sinal

19
Literatura Clássica Latina

de alerta e o começo de uma tática que previa o ataque como melhor


defesa. A partir desse episódio, os romanos iniciaram as conquistas in-
ternas, dentro dos limites da Itália. A princípio, foram conquistando os
vizinhos ao redor, do centro da península itálica em direção ao norte e
depois descendo rumo ao sul.

Em 272, Roma toma a cidade de Tarento e passa a fazer contato


direto com os gregos que habitavam a região. Isso porque o sul italiano,
de predominância grega, mantinha relações comerciais com os etrus-
cos, ao norte, e certamente algum tipo de relação com os romanos devia
acontecer também. As conquistas ao sul da Itália proporcionaram aos
romanos um incidente que implicou no combate contra dois importan-
O termo púnico advém
da forma como os lati- tes inimigos, os gregos e os fenícios, que dividiam o poder marítimo-
nos se referiam a este -comercial sobre o Mar Mediterrâneo.
povo oriundo da Ásia
anterior, na região da
Síria, os fenícios. Começa aqui a série de três guerras denominadas púnicas. Conco-
mitante aos punos, os latinos lutaram juntamente com os gregos em sua
pátria. As vitórias contra esses dois povos, ao final, significaram o poder
absoluto de Roma sobre o Mediterrâneo, sobre o Ocidente e parte do
Oriente. Roma tornou-se a Senhora do mundo.

Por se tratarem das guerras mais importantes e decisivas na rota do


expansionismo romano, daremos maior destaque às mesmas.

A primeira guerra púnica ocorreu entre os anos de 264 e 241 a.C.


Os romanos tiveram que aprender a combater no mar, já que sempre ti-
veram de lutar em chão firme e sempre foram ligados à terra como todo
povo agricultor e pastor. Para tanto, eles contaram com a tecnologia e
as técnicas dos gregos conquistados no sul da Itália, entre elas pontes de
abordagem, acopladas aos navios quando dos enfrentamentos com as
naus inimigas. Ao final, Roma saiu vitoriosa da guerra. Contudo, apesar
das pesadas multas e da escravização de parte da população, um pouco
mais de duas décadas depois, Cartago, a principal cidade fenícia na épo-
ca, reergue-se e põe-se novamente apta a enfrentar os romanos numa
segunda guerra, de 218 a 201.

20
História de Roma Capítulo 01
Nessa, o grande destaque está no lado cartaginês. Chama-se Aní-
bal. É considerado até os nossos dias o pai da estratégia militar, justi-
ficado pelas muitas escaramuças, marcadas por movimentos e ataques
rápidos, como os de uma guerrilha. Impôs tamanho susto e medo aos
romanos a ponto de existir uma expressão latina para conferir a ideia “Aníbal às portas” (de
de medo, empregada em muitas ocasiões: Anibal ad portas. Seu gran- Roma).

de feito foi invadir a Itália, visando o rumo a Roma pelo norte. Ao


olhar para um mapa do Império Romano você poderá observar que,
atravessando em linha reta o Mar Tirreno, Roma e Cartago posicio-
nam-se frente a frente, de modo que a dificuldade em atacar a Urbs
seria maior por conta da organização e preparo dos sitiados, embora
supostamente mais racional. Invadindo por trás, os fenícios poderiam
arrebanhar pelo longo caminho mais povos dispostos a lutar contra os
romanos, além de contar com mais espaço para estratégias, combates
etc. E assim, partindo da Espanha, “Aníbal avançou através dos Piri-
neus à frente de cinquenta mil infantes, nove mil cavaleiros e trinta e
sete elefantes” (TITO LÍVIO, 1989, p.25), atravessou os Pirineus junto
à costa mediterrânica e depois os Alpes. Os paquidermes eram usados
como arma de guerra, como se fosse um tanque blindado de nossos
dias. Imaginemos o horror que isso devia representar para os euro-
peus interioranos, que provavelmente desconheciam o animal. Matos
Peixoto (1991) faz menção ao cheiro exalado, bem como aos urros das
bestas como um grande incômodo para os cavalos:

Era quase impossível não recuar diante da carga daqueles enormes ani-
mais, que soltavam ruídos agudos, agitando, entre seus dois dentaços,
a tromba imensa, em forma de serpente, e atacando vigorosamente,
apesar das setas que se eriçavam em seus corpos. Os cavalos que não
haviam sido preparados para enfrentá-los não podiam suportar sua sim-
ples presença ou seu odor forte.

(PEIXOTO, 1991, p. 91)

Imaginemos principalmente as enormes dificuldades em atraves-


sar rios e em transpor duas cadeias de montanhas como os Pirineus e
os Alpes, com número tão grande de homens e animais, mais ainda,

21
Literatura Clássica Latina

pensemos no tamanho destes e na região de clima quente de que eram


oriundos. Entretanto, o intento de Aníbal não se cumpriu, novamente
os romanos fizeram-se vitoriosos. Mas, de novo os cartagineses, duros
de dobrar, se reergueram cinquenta e dois anos mais tarde.

Em 149 aconteceu a terceira e última guerra entre romanos e fe-


“Cartago deve ser nícios, a mais curta de todas, durou apenas três anos. Embalados pelo
destruída” bordão Delenda est Carthago, proferido junto ao Senado por Catão, o
Antigo, os romanos cumpriram à risca a proposta e encerraram a cam-
panha contra os fenícios. Como último ato, despejaram sal por sobre
as terras do que havia sido a capital cartaginesa, para que mais nada
brotasse daquele solo.

Vencidas as batalhas contra os oponentes externos mais impor-


tantes, restavam então as internas. Um século mais tarde, quando da
crise da República, a falência desse sistema político, em certa medi-
da mais democrático, mostrou que esse não era cabível para gerir um
mundo tão extenso e diversificado como o que Roma vivia. Eram mui-
tos povos e culturas a dividirem as atenções de um Estado só. Surgi-
ram então os primeiros candidatos a ditador, as primeiras tentativas
de usurpar o poder. Surgiram Silas e Mário. Faça-se a ressalva porém
de que, durante a República, ditador era um cargo previsto por lei.
Em casos extremos de crises políticas e/ ou de tragédias naturais, as
leis previam a eleição e ocupação do cargo de ditador pelo período de
seis meses, sem qualquer possibilidade de reeleição. Contudo, nos ca-
sos supracitados o sentido de ditador é o mesmo que compreendemos
contemporaneamente, o de tomar para si o poder.

A República, por oposição à monarquia, dividiu o poder entre


diferentes grupos: o Senado e as assembleias, resquícios do antigo re-
gime, e mais a alta e a baixa magistratura.

Conforme Norma Musco Mendes (1988):

Além dos cônsules (herdeiros dos poderes reais) e dos questores


(acompanhantes dos cônsules nas campanhas militares que aos pou-

22
História de Roma Capítulo 01
cos foram se tornando magistrados encarregados da administração
do tesouro), a forma inicial do regime republicano repousava na so-
brevivência dos institutos políticos da realeza etrusca: Senado, Assem-
bléia Curiata. Por outro lado em virtude da importância do exército
desenvolveu-se o Comitatus Maximus.

Segundo o vocabulário
(MENDES, 1988, p. 11) crítico, no livro da autora
(p. 78), Comitatus Maxi-
mus “era uma reunião do
Assim, o Senado era uma assembleia formada por homens mais ve- exército para deliberar ou
lhos. A própria raiz da palavra já indicava, a mesma de senex, que significa receber ordens” e foi “con-
siderado o embrião da
velho. O número de senadores variou muito ao longo dos tempos. Tito Assembléia Centuriata”.
Lívio fala no aumento para trezentos logo no processo de instauração do
novo sistema, visto que Tarquínio havia diminuído a quantidade desses
em seu governo. Para o final da era republicana, na época de Cícero eram
seiscentos, tendo atingido a cifra de novecentos, posteriormente.

As assembleias existiram divididas sob quatro grupos distintos,


não tendo existido necessariamente concomitantes: comitia curiata, co-
mitia tributa, comitia centuriata e contio. Conforme Harmsem (1959,
p.211), “Os comícios curiatos (comitia curiata) não desempenham mais As Catilinárias (In Lucium
Catilinam orationes IV)
papel político no tempo de Cícero”, ou seja, ao final da era republicana. são um conjunto de
No texto de Harmsem, quatro discursos pro-
feridos em 63 a.C. Em
tais discursos Cícero
A contio (assembleia do povo) não tinha caráter legislativo, mas era “faz veemente invectiva
contra Catilina, seu rival
simplesmente uma reunião do povo na qual um magistrado prestava político, acusado de pre-
esclarecimentos a respeito do momento político ou pronunciava um tender matá-lo e de ter
desejado incendiar parte
discurso para influir a opinião pública. Em tais reuniões foram proferidas de Roma.” (CARDOSO,
a 2ª e 3ª Catilinárias. 2003, p. 155).

Os comícios centuriatos (comitia centuriata) eram convocados para ele-


ger os cônsules, pretores e censores. No fim da República perdem sua
influência na legislação e nas decisões sobre guerra e paz, porque nisso
se tornam dependentes do Senado.

(HARMSEM, 1959, p. 211)

23
Literatura Clássica Latina

Os comícios tributos (comitia tributa), ao contrário, ganharam mais


influência. Elegeram os questores, edis e tribunos, e votaram projetos de
lei (HARMSEM, 1959, p. 211).

A magistratura dividia-se em dois grupos, a alta e a baixa magistra-


tura. A primeira era formada por cônsules e pretores. Aqueles eram os
primeiros magistrados, os que se posicionavam no mais alto grau hierár-
quico. Em número de dois, tinham como atribuições “convocar e presidir
o Senado e os comícios, apresentar projetos de lei e executar os decre-
tos, recrutar e comandar exércitos. [...] Ao sair do cargo, o cônsul era en-
carregado do governo de uma província, com o título de procônsul (pro
consul)” (HARMSEM, 1959, p. 209). Os pretores, “em número de oito,
substituem em tudo os cônsules na ausência destes. Além disso, eram os
presidentes e juizes dos tribunais (quaestiones perpetuae). Saindo do car-
go, tomavam o governo de uma província, como título de propretor (pro
praetore)” (HARMSEM, 1959, p.209). Tito Lívio, ao tratar dos primeiros
momentos da República e do papel dos cônsules em tal sistema diz:

[...] a duração do mandato consular se limitou a um ano e não porque


se restringiu sob qualquer aspecto o poder real. Os primeiros cônsu-
les mantiveram todos os direitos e todas as insígnias da realeza. Apenas
procurou-se evitar que ambos os cônsules dispusessem dos fasces ao
mesmo tempo, para não parecerem duas vezes mais temíveis.

(TITO LÍVIO, 1989, p.106)

A baixa magistratura era composta por vários magistrados: ques-


tores, censores, edis, ditadores e tribunos da plebe.

Os questores,

[...] 20 no tempo de Cícero, eram encarregados das finanças. Uns supe-


rentendiam o erário público (aerarium) e fiscalizavam as receitas e des-
pesas do Estado; outros administravam as finanças dos exércitos e das
províncias. Muitas vezes eram assistentes dos generais e governadores
em tudo que dizia respeito às coisas militares e administrativas.

24 (HARMSEM, 1959, p. 211)


História de Roma Capítulo 01
Os censores, como já explicita o nome, eram os responsáveis pelo
censo. A contagem do número de cidadãos servia não apenas para
quantificar a população, mas principalmente, para avaliar seus bens,
a fim de dividi-los em classes econômico-sociais para recrutá-los aos
exércitos ou ao serviço público, como senadores, como patrocinadores
de obras públicas.

Os edis tinham como função cuidar das ruas, dos mercados, edi-
fícios públicos e templos, do abastecimento e preço dos alimentos, bem
como dos jogos públicos. Atribuições próprias de nossa edilidade, ou da
câmara de vereadores no Brasil atual.

O ditador, já foi dito aqui, era um magistrado extraordinário com


autoridade absoluta, e amplos poderes em casos de situações extremas e
excepcionais, catástrofes, epidemias etc.

Quanto aos tribunos da plebe, no dicionário de Ernesto Faria en-


contramos em uma observação para tribunus que o termo “significava
propriamente ‘o magistrado da tribo’, estendendo-se depois a diversos
magistrados, civis ou militares” (FARIA, 1993, p.), o que nos reme-
te obrigatoriamente aos primórdios, ao período de fundação da Urbs,
quando a população ainda se dividia em tribos. Como magistrados eles
representavam a plebe, sendo eles próprios plebeus, mas não detinham
grande poder, a não ser o de opor-se a decisões de outros magistra-
dos e poder vetar decretos do Senado ou das assembleias. No dizer de
Harmsem, “algumas vezes, este cargo degenerava em pura demagogia”
(HARMSEN, 1959, p. 210).

O consulado de Júlio César marca o período de passagem e trans-


formação entre os dois sistemas, o republicano e o imperial. Muitas ve-
zes é citado como imperador, a que podemos nos referir do ponto de
vista fatual, mas não histórico, tendo em vista que o primeiro oficial-
mente será o seu sobrinho Otaviano, ou Otávio Augusto.

25
Literatura Clássica Latina

1.2.3 O Império

A terceira e última fase da história de Roma colherá os frutos do


expansionismo. Viverá intensamente o esplendor e a crise decorrentes
do amadurecimento, envelhecimento e morte de um imperialismo. O
que, aliás, não deve ser confundido com Império. Se imperialismo pode
significar, segundo Antônio Houaiss, “sistema de governo que preconi-
za uma monarquia chefiada por imperador ou imperatriz, governo ou
autoridade imperial” (HOUAISS, 2001, p. 1580), por outro lado, pode
ser também a “forma de política ou prática exercida por um Estado que
visa à própria expansão [...] pela submissão econômica, política e cul-
tural” (Houaiss, idem). Devemos lembrar que o processo de expansão
e dominação política, militar e cultural romana teve início justamente
na fase republicana. A palavra ‘império’ aplicada a esse sistema políti-
co em Roma deriva de imperium, o bastão que os generais portavam
como símbolo de poder frente às tropas. Como todos os imperadores
tiveram passagem pelos exércitos e foram comandantes, o bastão, que
era símbolo militar, torna-se então símbolo do poder político também.
Qualquer semelhança que as repúblicas latino-americanas possam ter
com tal coisa não passa de mera coincidência, naturalmente.

Durante o governo do primeiro imperador, Augusto, de 27 a.C a


14 d.C, igualmente reconhecido como Princeps, o primeiro cidadão,
Roma viverá o ápice de sua civilização. Cabe lembrar que é o período
em que Cristo nasce e começa a nossa era. Otávio Augusto é reco-
nhecido pela garantia da chamada Pax Romana, ou pacificação das
guerras civis, que tiveram vez desde a última metade do século I a.C,
desde a disputa pelo poder entre Silas e Mário, depois entre Júlio Cé-
sar, Pompeu e Crasso. E posteriormente, no segundo triunvirato, entre
Otaviano (Otávio), Marco Antônio e Lépido.
O Pontífice Máximo, ou
seja, o presidente do
Colégio dos pontífices, O imperador detinha a representação máxima, tanto política quan-
os sacerdotes romanos.
to jurídica e/ou religiosa, essa última sob o nome de Maximus Pontifex,
a mesma denominação que os Papas recebem hoje na Igreja Católica. O
Estado e os cidadãos voltaram a ficar sob o mando de um único homem,
igual ao que já acontecera no período inaugural de Roma, a Monarquia.

26
História de Roma Capítulo 01
Costuma-se dividir o Império em dinastias. O poder era repassado
seguindo a norma da hereditariedade, conforme herança política. O car-
go era vitalício, mas não havia necessariamente consanguinidade. Sem-
pre houve intenção de, mas nem sempre foi possível, cumprir o desejo
do testamentário. Desse modo, foram duas dinastias: a júlio-claudiana e
a dos antoninos. Depois disso, a situação ficou como que incontrolável.

Numa nítida demonstração da crise, em plena decadência, em vin-


te e tantos anos o trono imperial foi ocupado por vinte e tantos impera-
dores. Desses todos, apenas três morreram de causas naturais, os demais
foram todos vítimas de assassinatos, golpes, insurreições e outros tipos
de insubmissão. Diocleciano, que governou de 281 a 306 da nossa era,
dividiu militar e administrativamente o Império em quatro, nomeando
seus filhos como imperadores. Ao final do século IV, sob Honório, foi
feita uma nova divisão, o Império era agora dividido em dois, o do Oci-
dente (capital Roma) e o do Oriente (capital Constantinopla).

Até o século II da nossa era, Roma ainda colheu os resultados do


enriquecimento via expansionismo. A partir daí começou a fase de de-
clínio. Logicamente, não devemos entender que tudo foi um mar de flo-
res. Mesmo vivendo sob o auge da civilização, a Cidade Eterna e o mun-
do romano conheceram muitos dissabores. Viram alguns imperadores
deixarem aflorar seus inúmeros vícios e defeitos. Sofreram na própria
carne as consequências de seus comportamentos e do poder centraliza-
do nas mãos de figuras um tanto quanto desequilibradas, basta lembrar
Calígula, Nero, Caracala, Heliogábalo e outros. Ainda na fase áurea, no
ápice da civilização romana, Otávio Augusto já vislumbrava algo de de-
cadente nesse ambiente. As políticas conservadoras de retorno aos anti-
gos valores da sociedade romana, lá nos primórdios apregoadas, propa-
gadas pelas artes, pela literatura, comprovam tal fato. Valores da época
em que a velha Roma ainda estava apegada à terra, à simplicidade, à vida
do campo, das plantações e do pastoreio.

27
Literatura Clássica Latina

1.3 A Sociedade Romana

A pirâmide social do mundo romano era formada por três cate-


gorias sociais. Na base da figura estavam os escravos, em maior núme-
ro. A plebe fazia parte do segundo segmento. E no topo, os patrícios.
Entre plebeus e patrícios pode-se falar ainda de um mecanismo de
ajuda sócio-econômica, tipicamente romano, mas não exatamente de
uma classe: os clientes.

1.3.1 Os Escravos

Nos primórdios, os escravos eram adquiridos através de guerras


ou de dívidas não pagas. Os maus pagadores poderiam ter que cum-
prir o compromisso não assumido com muito esforço e, certamente, de
for- ma indesejada. No período de expansão, Roma vai contar com uma
enorme afluência de escravos, obtidos nas vitórias sobre as cidades e os
povos conquistados, de maneira que quase toda a mão de obra e quase
todas as atividades eram exercidas por eles, des- de as explorações de
metais nas minas até serviços mais especializados, como o de magisté-
rio, medicina, administração. Observe a longa tradi- ção escravocrata
aplicada a professores e médicos. Roma era tão depen- dente desse tipo
de trabalho que, sob o nosso olhar moderno, talvez se pudesse conside-
rá-la uma sociedade extremamente ociosa.

Legalmente, o escravo era reconhecido como instumentum cum voce,


isto é, um instrumento tal qual uma pá, um arado, diferindo destes por ter
a propriedade da fala. Naturalmente, as condições de vida dos serviçais
variavam muito de acordo com o serviço prestado. Mineiros, gladiado-
res, trabalhadores rurais, remadores das galés, tinham uma expectativa de
vida bastante curta, dada a insalubridade do trabalho e da vida. Apuleio,
em seu romance O asno de ouro, descreve em parte as condições do traba-
lho e dos escravos num moinho a fabricar farinha. É bela e assustadora a
relação que o autor faz neste momento entre as duas situações. Transfor-
mado em asno e a serviço desse mesmo moinho, mas ainda com consci-
ência humana, o animal ao final do dia é retirado do local para descansar,
ao passo que os homens continuam em sua dura faina.

28
História de Roma Capítulo 01
Transcorrera a parte maior do dia, e eu estava deveras fatigado, quando
me levantaram uma parte dos tirantes de fibra, e, livre da manivela à
qual estivera ligado, puseram-me na manjedoura. Meu cansaço era ex-
tremo; sentia uma imperiosa necessidade de refazer as forças e estava
perdido de fome. Não obstante, minha curiosidade natural me mantinha
fascinado, com o espírito alerta. Negligenciando o alimento que estava
diante de mim em abundância, observava com deleite a disciplina a que
se submetia essa oficina indesejável. Bons deuses! Quantos cativos com
a epiderme toda zebrada pelas marcas lívidas do chicote, e cujas ma-
chucaduras de pancada estavam mais escondidas que protegidas por
uns trapos remendados! Alguns levavam uma faixa exígua, que não lhes
cobria senão o púbis, e todos vestiam só farrapos, entre os quais nada
deles ficava desconhecido. Tinham as frontes marcadas de letras, os ca-
belos raspados de uma banda, os pés carregados de anéis, terrosa a tez,
as pálpebras queimadas pelo tenebroso ardor de uma espessa fumaça,
a ponto de mal enxergarem. E, tal como os pugilistas que se empoam
para combater, por todo o seu corpo se espalhava a brancura encardida
da poeira de farinha.
Espártaco era um gla-
diador que liderou uma
(APULEIO, [s.d.], p. 143-144) revolta entre 73 e 71
a.C. Seu exército rebelde
contava com homens,
Por outro lado, empregados domésticos, médicos, professores, ad- entre gladiadores e
escravos, revoltados com
ministradores, excetuando-se a privação de liberdade e de direitos, não os maus tratos que re-
sofriam pelo excesso de esforço físico e escassez de alimento. Entretan- cebiam de seus patrões.
Foi derrotado por Crasso,
to, não estavam livres dos espancamentos e maus tratos, nem mesmo da embora Pompeu tenha
morte decorrente destes, como nos informa o verso de Juvenal, na Sátira atribuído a vitória a si. Há
versões sobre a revolta
I: “Morrer deixando ao frio o nu escravo!” (JUVENAL, 1945, p. 10). O de Espártaco para a tele-
que motivava muitas revoltas. A mais famosa delas, a de Spartacus. visão e para o cinema.

1.3.2 Os Patrícios e os Plebeus

Segundo Norma Musco Mendes estes dois estamentos, patrícios e


plebeus, não existiam antes da era republicana, uma vez que na época
monárquica, mesmo com as diferenças sociais que já havia, todos esta-
vam submetidos ao poder real. No período republicano é que eles iriam
se mostrar com mais clareza. Conforme a autora,

29
Literatura Clássica Latina

Patricii significava filhos e descendentes do Patres (senadores) e o


nome Plebs apareceu no vocabulário para designar uma realidade
coletiva indiferenciada: se englobasse a totalidade das famílias estran-
geiras, a linhagem patrícia seria, possivelmente, mais objeto de quan-
tificação do que de qualificação. O caráter patrício estava restrito aos
descendentes de senadores (gentes maiores) que herdaram certos
privilégios religiosos especiais.

(MENDES, 1988, p. 13).

1.3.3 Os clientes

Clientes eram todos aqueles que ficavam sob a proteção econômi-


ca e política do patronus, eram como que vassalos, aliados. Recebiam
ajuda financeira de quem estivesse em melhor situação, em espécie ou
em produtos, ou ainda em troca de favores, normalmente políticos. No
período imperial, o único cidadão livre de tal subserviência era o impe-
rador, o patronus, o protetor primeiro e maior. O prestígio político de
uma pessoa era aferido muitas vezes pela fila de clientes em frente a sua
casa. Assim nos mostra Horácio na ode 1 do livro III:

Feliz é somente aquele que domina as suas paixões


e se contenta com o suficiente para a vida:
Acontece neste mundo
que um disponha as suas plantações
em terrenos mais extensos do que seu vizinho.

[...]

Acontece que um
dispute as eleições
com outro menos virtuoso e com menos fama.
Acontece que um
concorra com número maior de clientes
do que outro [...]

(HORÁCIO, 1997, p. 63-64)


30
História de Roma Capítulo 01
Desse costume nada positivo restou-nos uma herança e uma práti-
ca muito comum e desagradável em nossa cultura latina, no Brasil prin-
cipalmente: o clientelismo.

Ao longo de toda a extensa história de Roma não houve quase mui-


ta possibilidade de ascensão sócio-econômica. O abismo entre ricos e po-
bres se manteve sempre, tal como se mantém até os nossos dias, apesar
das muitas lutas e revoltas dos despossuídos romanos e de outras nações.
Entre tantas, notabilizaram-se naqueles tempos: 1) a greve feita sobre o
monte Capitólio, a retirada dos plebeus da cidade, para que obtivessem
direitos e melhor consideração; 2) a exigência pelo direito de casamento
Veja em: http://www.
entre plebeus e patrícios; 3) as leis estabelecidas por escrito. O resultado dhnet.org.br/direitos/
anthist/12tab.htm
de tais manifestações foi a criação da famosa Lei das 12 Tábuas, das quais
você já deve ter ouvido falar. Não se poderia deixar de citar também os
embates e as mortes dos irmãos Graco, por consequência, contra os lati-
fundiários e a favor da reforma agrária.

Quando na fase expansionista romana, surgiu certa possibilidade


de elevação social através do enriquecimento com o comércio e com
os negócios, tipos de atividades consideradas espúrias pelos nobres. Ir-
rompeu nesse cenário a figura dos chamados novos ricos, hoje reco-
nhecidos como emergentes sociais, a denominada ordem equestre. Nas
palavras de Rostovtzeff,

A guerra criou também uma nova classe de cidadãos ricos que não
pertenciam à classe dos senadores. Já falei dos fornecedores do
exército, comissários e vivandeiros. Esse tipo de negócio, impróprio
a um senador e contrário às tradições da aristocracia, não era apro-
vado pelo Estado, que graças a uma lei claudiana aprovada em 220
a.C. acabou proibindo aos senadores se dedicarem ao comércio ou
fazerem contratos com o Estado. Este, à medida que enriquecia, tinha
necessidade cada vez maior de pessoas experimentadas em negócios.
Após as guerras púnicas e orientais, Roma acumulara uma quantidade
imensa de bens de raiz – florestas, minas, pedreiras, direito de pesca,
salinas, pastagens. Essas propriedades precisavam ser usadas, e o úni-
co método de conservá-las em atividade era transferi-las a terceiros,

31
Literatura Clássica Latina

por contrato ou arrendamento. A Cidade-Estado, com seu sistema de


magistraturas anuais, não tinha meios para desenvolver os recursos
existentes nesses bens imóveis, a não ser indiretamente. Portanto, os
arrendamentos e contratos foram parar naturalmente nas mãos de
homens que não pertenciam à classe senatorial e que, tendo sido le-
vados aos negócios pelas necessidades da guerra, obtiveram com eles
algum capital. Trabalhavam separadamente ou em grupos, formando
sociedades e companhias para explorar em comum os vários tipos de
propriedade do governo. Como sua riqueza particular os qualificava
para o serviço militar na cavalaria, eles passaram, gradualmente, à
mesma classe do corpo de cidadãos que atendia, a cavalo, o chamado
às armas - em outras palavras, aos éqüites, que haviam formado no
passado as primeiras dezoito centúrias da primeira “classe”.

(ROSTOVTZEFF, 1983, p. 89-90).

Alguns escravos também tinham chance de enriquecer, caso lidas-


sem com o dinheiro de seus amos, como os administradores, ou caso
tivessem a sorte de ser beneficiados por herança e ao mesmo tempo pela
manu missio, espécie de alforria. Um famoso personagem de Petrônio
no romance Satyricon, Trimalquião, ilustra o caso. Afora esses casos,
quem nascia pobre dificilmente deixava de morrer pobre.

32
Cultura de Roma Capítulo 02
2 Cultura de Roma

2.1 A Cultura que Não Morre(u)

Se o imperialismo político da Roma Ocidental começou a enfra-


quecer a partir do segundo século da nossa era e, mais drasticamente,
entre os povos dominados a partir do século quarto, o mesmo não se
pode dizer do imperialismo cultural. Passados quase mil e quinhen-
tos anos, este continua a vigorar e não parece dar demonstrações de
esmorecimento ou de um fim à vista. Antes pelo contrário, parece
manter-se firme, com um grande fôlego e capacidade de manter-se
por muitos séculos ainda, razão pela qual nos faz estar hic et nunc, no
Brasil e em várias outras nações bastante distintas como a Finlândia e Segundo Pöppelmann,
a China, em pleno século vinte e um, estudando o latim e o mundo do “Esta expressão significa
‘aqui e agora’ ou ‘imedia-
qual essa língua se originou. tamente’; foi consagrada
pelo filósofo italiano Pie-
tro Pomponazzi em sua
Por imperialismo cultural entendemos as inúmeras heranças dei- obra Tractatus de immor-
xadas pelos romanos para os povos que habitaram a região abrangida talitate animae (Tratado
sobre a imortalidade da
pelo Antigo Império, nos planos artístico, linguístico, literário, e na alma). De fato, Pompona-
maneira de ser de vários povos do chamado Ocidente, sobretudo os zzi chegou à conclusão
de que não existe alma
denominados latinos. Na verdade, mesmo após o fim de uma vida po- imortal e, portanto, so-
lítica, esse imperialismo continuou a expandir-se indiretamente via brevivência na vida após
a morte. Desse modo, a
cristianismo, por intermédio das línguas modernas e por intermédio determinação do homem
da expansão marítima durante as grandes navegações, a ponto de al- não está em preparar-se
para uma vida melhor
cançar as Américas, que não eram conhecidas nem imaginadas na após a morte, mas sim
época, e o Oriente mais longínquo, como Macau, local e região em ‘hic et nunc’, portanto,
nesta vida e logo, visan-
que os romanos não chegaram. do a uma ordem social
moral.” (PÖPPELMANN,
2010, p. 60).
2.1.1 A cultura Romana nas Artes

Entre as principais artes que a cultura romana influenciou com


desdobramentos mais evidentes, poderíamos destacar a arquitetura, o
urbanismo, as artes plásticas e, por último e primordialmente, no que
nos diz respeito, a literatura. Nesses três ramos, assim como em muitos
outros, os romanos não foram os precursores, nem inventores, antes se-

33
Literatura Clássica Latina

guidores e, principalmente, disseminadores, que fizeram sua leitura e


contribuíram para o seu enriquecimento e aprimoramento.

Na arquitetura, o estilo romano, que por vezes deve ser entendido


como greco-romano, pode ser visto em arcos, empregados na constru-
ção de pontes e aquedutos; em colunas e capitéis, visíveis em prédios
em geral, templos, foros, teatros; em gradis para proteção dos usuários
em espaços aéreos, como sacadas, beiradas de pontes e de andares etc.
Elementos estes muito empregados ainda hoje em muitos estilos arqui-
tetônicos de diferentes épocas e lugares.

Em matéria de urbanismo, os romanos nos deixaram inúmeros


modelos de estilo e funcionalidade. Por onde o Império se estendeu,
em todas as cidades romanas lá estava estabelecida uma estrutura bási-
ca urbana que marcava o seu modus uiuendi (a sua maneira de viver),
ou como costumamos brincar, em alusão ao American way of life dos
ianques, o seu Romanus modus uiuendi. Um complexo sistema que era
composto por foros (versão antiga para os nossos contemporâneos sho-
pping centers), termas, teatros, estádios, aquedutos etc.

Cabe dizer que os romanos foram responsáveis pela fundação de


várias cidades pela Europa e pelo mundo de então. Algumas nasceram
de sua preocupação com os banhos públicos e da propriedade e vocação
termal local, entre elas podemos citar Bath (que significa ‘banho’ em in-
glês) na Inglaterra, Baden (significa ‘banho’ em alemão) e Baden-Baden,
ambas na Alemanha. Outras surgiram a partir de acampamentos roma-
nos, que, aliás, já eram montados e estruturados em forma de quadrado,
entrecruzados por quatro entradas, cada qual com uma viela, assim se
-caster, -chester, -cester encontravam e se cruzavam ao centro desta, lançando as bases para uma
são variantes de castra,
que significa acampa- cidade. Dentre as cidades podemos enumerar algumas inglesas, como
mento em latim. Londres e muitas outras: Winchester, Manchester, Lancaster, Glocester
etc. Nas artes plásticas a estatuária e os afrescos em matéria de pintura
serviram de paradigmas para as artes posteriores.

34
Cultura de Roma Capítulo 02
2.1.2 A Cultura Romana dos/nos Povos Latinos

Uma forte marca da permanência romana no Ocidente está, sem


sombra de dúvida, na chamada cultura latina, presente nos povos as-
sim reconhecidos: italianos, portugueses, espanhóis, franceses e outros.
Manifesta, sobretudo, na emotividade e na tão cantada em verso e prosa
sensualidade. Alguns se referem ao machismo, mas quanto a isso, per-
guntamos: diz respeito apenas aos latinos? Manifesta também no humor,
no riso, no sarcasmo. Os romanos, por exemplo, costumavam designar
as pessoas pelos seus atributos físicos, surgindo assim alguns nomes co-
muns até os nossos dias, bonitos, sonoros, mas que em sua origem não
passavam de pilhéria. O nome do famoso escritor Cícero, por exemplo,
passou a existir por conta de um antepassado seu que tinha uma berru-
ga no nariz no formato de um ‘grão-de-bico’ (é o que significa a palavra
cicer em latim), foi o que bastou para que toda a família recebesse tal
herança. Segundo consta, o imperador Cláudio, que sucedeu Calígula,
era manco. Claudius, em latim, significa coxo, de onde o nosso verbo
‘claudicar’. Tibério, da mesma forma, não escapou do humor romano, o
povo o chamava pejorativamente de “Bibério”, uma alusão nítida ao ato
de beber. Isso não parece coisa de brasileiro?

2.1.3 O Latim e suas Influências Diretas e Indiretas

No plano linguístico, as grandes contribuições dos romanos foram


certamente as muitas línguas neolatinas: o português, o espanhol, o
francês, o italiano, o catalão, o romeno, e outros idiomas considerados
por vezes como dialetos: o occitano, o sardo, o provençal...

Para além dessas línguas, o latim influenciou ainda outras, oriun-


das de outros grupos linguísticos, como o inglês, o alemão, o polonês e
o russo. Para se ter ideia, o inglês possui em seu léxico um universo de
50 a 60 por cento de palavras de origem latina. Por isso que muitas vezes
não se faz difícil ler textos científicos na língua de Shakespeare. O polo-
nês e o russo, tanto quanto palavras latinas, oferecem ainda um sistema
linguístico nominal baseado em declinações, tal como acontecia com o
idioma do nosso já famoso Cícero.

35
Literatura Clássica Latina

Afora isso, o latim, antes uma língua tosca em relação ao grego no


auge do Império Romano, tornou-se mais tarde, já com a existência das
línguas nacionais modernas, uma língua de comunicação, internacio-
nal, portanto. Tornou-se padrão de excelência, a língua das ciências, por
isso hoje a Ciência e as novas tecnologias se utilizam constantemente
da língua latina como fonte de inspiração e de sugestão de termos. Bas-
ta lembrarmos a tabela periódica dos elementos químicos e os nomes
científicos em latim empregados pela Biologia. É possível se falar da pre-
sença do latim na matemática, na geografia, na física etc. A cada revo-
lução artística, científica e tecnológica, é no latim (e no grego também)
que se buscam as palavras com que nomear a nova terminologia. Recor-
demos o Renascimento, o classicismo nas artes em geral, o arcadismo,
o parnasianismo. Observemos a informática, a resgatar a origem latina
que muitos pensam ser do idioma bretão: data, delete...

Por fim, não poderíamos esquecer de que o latim é a língua oficial


do Vaticano, da Igreja Católica Apostólica Romana. São bastante conhe-
cidas as expressões latinas: habemus papam, sede vacante...

2.1.4 A Literatura Latina lato sensu

Por literatura latina lato sensu referimo-nos ao conjunto de obras


escritas em latim, mas que não pertencem ao gênero ficcional. Dentre
esse grupo destacaríamos o Direito Romano, a filosofia, a historiografia
e outros. Literatura esta que ilustra de certa forma o caráter eminente-
mente pragmático dos romanos, por oposição ao espírito especulativo,
inquiridor dos gregos.

O Direito Romano

É certamente uma das maiores contribuições dos romanos para o


Ocidente. Juntamente com a sátira, foi semente autenticamente plan-
tada, cultivada e nascida em solo romano. Foi a base da jurisprudência
de muitas nações européias, americanas e mundiais. Como diz Mario
Curtis Giordani, “O Direito Romano é uma criação típica do gênio ro-
mano. Representa, acentua Marrou, ‘o aparecimento de uma forma nova

36
Cultura de Roma Capítulo 02
de cultura, de um tipo de espírito que o mundo grego de nenhum modo
havia pressentido’.” (GIORDANI, 1976, p. 254). E, citando Von Ihering,
Giordani acrescenta:

A importância do Direito Romano para o mundo atual não consiste só


em ter sido, por um momento, a fonte ou origem do direito: esse valor
foi só passageiro. Sua autoridade reside na profunda revolução interna,
na transformação completa que causou em todo nosso pensamento
jurídico, e em ter chegado a ser, como o Cristianismo, um elemento da
Civilização Moderna.

(VON IHERING, 1968, p. 8, apud GIORDANI, 1976, p. 254)

A Filosofia

Os romanos não foram de modo algum superiores aos gregos neste


quesito. Possuem alguns autores famosos, mas que devem isso mais à força
de seus textos do que a alguma inovação ou revolução na história das ideias.

Contudo, não podemos deixar de mencionar duas escolas filosóficas


gregas que tiveram grande influência em Roma e, no que nos interessam,
na literatura latina. Estamos falando do epicurismo e do estoicismo. Para
melhor compreender essas duas escolas e de que maneira influenciaram
a literatura dos romanos, convém entender um pouco sobre a Filosofia
Antiga, aquilo que antecedeu o epicurismo e o estoicismo.

Estudar a Filosofia Antiga hoje é importante porque, segundo Hirs-


chberger, ela nos fornece o patrimônio espiritual do qual ainda vive o
pensamento ocidental (HIRSCHBERGER, 1969, p. 25). Os conceitos
essenciais do nosso atual pensamento científico, em geral, são oriundos
do pensamento antigo, assim como as disciplinas filosóficas e os tipos
de pensamento filosófico.

Compreende-se que a Filosofia Antiga estende-se mais ou menos


do VI século a.C. até o VI século d.C. Didaticamente, podemos dividi-la
em quatro períodos, conforme Hirschberger (1969, p.26):

37
Literatura Clássica Latina

1) Filosofia Pré-Socrática: período anterior a Sócrates. Desenvol-


ve-se, principalmente, nas colônias gregas, na Jônia, na Itália
Meridional e na Sicília. Durante este período o interesse se
concentra na filosofia natural. Os pré-socráticos são relevantes
para o pensamento filosófico de hoje principalmente em virtu-
de dos originais problemas que suscitam e da sua posição on-
tológica em geral. Até relativamente pouco tempo atrás eram
tidos apenas como os filósofos da natureza, mas hoje se en-
tende que eles enxergaram muito mais longe: quando falavam
de natureza, pensavam também no espírito, e no ser em geral.
Eram, portanto, mais metafísicos do que físicos. A origem da
filosofia grega foi a Jônia, nas cidades de Mileto, Éfeso, Cla-
zomenas, Colofônia, Samos, onde se encontram a maior parte
dos pré-socráticos. Por conta disso a Filosofia pré-socrática é
também conhecida por Filosofia jônica. O pai da Filosofia é
Tales de Mileto (ca. 624-546 a.C.).

2) Filosofia Ática: é a filosofia da Grécia, a Filosofia eterna. Só-


crates, Platão e Aristóteles são os principais autores. Eles
conduzem a Filosofia grega ao seu máximo expoente e criam
uma obra da qual ainda hoje vivemos. Discute-se, em igual-
dade, o ciclo completo dos problemas filosóficos: a natureza,
a moralidade, o Estado, o espírito e a alma. É um período de
esplendor político que vai até Alexandre Magno, cujo precep-
tor foi o filósofo Aristóteles.

3) Filosofia do Helenismo: compreende o período que vai de Ale-


xandre Magno até a dissolução do Estado dos seus sucessores,
aproximadamente de 300 a 40 a.C. É a época das grandes escolas
filosóficas: Estoicismo, Epicurismo, Ceticismo, Cinismo. Aqui,
consolida-se um processo histórico espiritual, cujo resultado
ainda é importante para o nosso pensamento moderno sobre
a Filosofia: a evolução da Filosofia como uma ciência especial.
No período pré-socrático, o filósofo era tudo: cientista, médico,
técnico, político e sábio. No período helenístico as ciências par-
ticulares se separam em disciplinas independentes, com centros

38
Cultura de Roma Capítulo 02
próprios de investigação, onde essas ciências são cultivadas, por
exemplo: Alexandria, Antioquia, Pérgamo, Rodes. O objeto da
Filosofia continua sendo as grandes questões que Platão e Aris-
tóteles tinham indicado como propriamente filosóficas: a lógica,
a ética e a metafísica. Assim, essas questões são aprofundadas,
ocupa-se a Filosofia com o homem como tal e, nesse período
tão incerto, tempestuoso pelas guerras, busca ela a salvação e a
felicidade no homem interior, o que já não podia ser buscado nas
relações externas... Por isso prevalece nessa época a discussão so-
bre o papel da ética, que, ao mesmo tempo, acaba por exercer a
função desempenhada antigamente pelo mito religioso, que se
extingue aos poucos, dando lugar ao pensamento racional.

4) Filosofia da Roma Imperial: compreende a metade do século I


a.C. até 529 d.C., quando Justiniano fecha a Academia platôni-
ca em Atenas. Não pode ser considerada uma época criadora, A Academia de Platão
mas um período em que se vive das aquisições do que já existiu. (também chamada de
Academia Platônica,
Academia de Atenas ou
O estoicismo e o epicurismo, portanto, surgem no período hele- Academia Antiga) foi fun-
dada por Platão, aproxi-
nístico, momento de decadência da filosofia e do mundo grego antigo, madamente em 387 a.C.,
quando Alexandre Magno, morre, um pouco antes da ascensão do im- nos jardins localizados no
subúrbio de Atenas, con-
pério romano. Segundo João da Penha, sagrados à deusa Atena.
É considerada a primeira
escola de filosofia. Nela
Destruído o império grego, a filosofia reflete essa decadência. Cessara a ingressou Aristóteles,
preocupação em fornecer uma teoria racional do mundo. Os diversos sis- com 17 anos de idade.
Mulheres eram admiti-
temas filosóficos então vigentes pouco se preocupavam em conceituar das na Academia, mas
um mundo ideal, inclinados que estavam, num período social e politica- precisavam usar roupas
de homens. A Academia
mente conturbado, em apontar, para o individuo, um meio de escapar de Platão só foi fechada
às desordens externas através da tranqüilidade interior. Contrariamente em 529, por imposição
do imperador romano,
à tradição helênica, firmada na elaboração de grandiosas construções es- Justiniano.
peculativas, sendo Platão e Aristóteles exemplos supremos, os filósofos da
época da decadência renunciaram a estudar a natureza e a vida social. Sua
reflexão é de cunho estritamente moral o problema ético assume o cen-
tro da especulação filosófica. A preocupação se desloca para a conduta
pessoal do homem; o interesse se desvia para a vida prática.

(PENHA, 1998, p. 42)


39
Literatura Clássica Latina

A tranquilidade interior, assim como outros aspectos, é um dos


pontos comuns entre as duas escolas, que apesar disso se mostram e
se colocam de forma antagônica. Principalmente pela forma de obter
a tranquilidade da alma, a felicidade. Os epicuristas a buscavam na
ataraxia, enquanto os estóicos procuravam atingir a felicidade através
Consiste na liberação
da apatia, porque, conforme Zenão, fundador dessa escola, o homem
da “alma de todas as deve seguir a natureza e viver de acordo com a razão. Esta se opõe às
perturbações e o corpo
de todo sofrimento”, em
paixões que advém da região inferior do homem e são uma doença da
“curar a alma dos males alma, das paixões advém o erro. De modo que “impõe-se, portanto,
que lhe roubam a tran-
qüilidade, quais sejam,
eliminá-las, logrando, assim, atingir a impassibilidade absoluta: a apa-
o temor da morte, dos tia. O ideal da vida é a virtude, e essa só se alcança cultivando-se os
deuses e do destino”.
(PENHA, 1998, p. 44)
bons hábitos morais” (PENHA, 1998, p. 45).

O epicurismo deve o seu nome a Epicuro. Segundo Russel (1967),


o pai de Epicuro era um pobre ateniense, colono em Samos. Epicuro,
Filósofo grego que vi-
veu entre 341 e 270 a.C. que sempre teve uma saúde frágil, nasceu em 342-1 a.C. e aos quatorze
anos começou seus estudos de filosofia. No ano 311 fundou sua escola
que ficava no jardim da sua própria casa, e era nele que ensinava os
preceitos de sua escola filosófica. Tinha como adeptos estudantes de
filosofia, amigos e até escravos. A vida da sua comunidade era simples,
em parte por princípio e em parte por falta de dinheiro; seu sustento
vinha principalmente de doações. Sua alimentação consistia basica-
mente de pão e água. Como um homem gentil e amável com a maio-
ria das pessoas, mas bastante rigoroso em relação aos seus princípios.
Seus adeptos tinham de aprender uma espécie de credo que encerrava
suas doutrinas, sobre as quais ele não admitia dúvidas. Até o fim, ne-
nhum dos seus adeptos ou sucessores acrescentou ou modificou coisa
alguma. De seus escritos nada resta, exceto umas poucas cartas, alguns
fragmentos e uma exposição das “Doutrinas principais”.

Epicuro estabeleceu o prazer como ideal a ser buscado, mas não o


prazer como satisfação física, corporal, antes o da alma. O prazer de rea-
lizar boas ações, de aprimorar as virtudes e o espírito. É o que ele próprio
expressa em uma de suas cartas, intitulada “Carta sobre a felicidade”:

40
Cultura de Roma Capítulo 02
Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos
aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos
sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensa-
mento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente,
mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações
da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a pos-
se de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras igua-
rias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame
cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição
e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa per-
turbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência
é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do
que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes;
é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza
e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade.
Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicida-
de é inseparável delas.

(EPICURO, 1973, p. 43-46)

Para Russel (1967), é como se Epicuro desejasse, se possível, estar


sempre num estado de quem comeu moderadamente, e nunca no de
quem sente o desejo incontrolável de comer. Um homem que desejas-
se todo o tempo riquezas e honrarias estaria sempre inquieto, quando
poderia estar contente, se estivesse tranquilo. Para Epicuro “o maior de
todos os bens é a prudência: é uma coisa ainda mais preciosa do que a
filosofia” (RUSSEL, 1967, p. 279).

O isolamento e o afastamento da vida pública acabavam sendo con-


sequências naturais dos ensinamentos epicuristas, pois, à medida que um
homem alcança o poder, aumenta o número daqueles que o invejam e que
desejam, por isso, fazer-lhe mal. Mesmo que das adversidades exteriores,
a paz de espírito é impossível em tal situação. Assim, o homem sensato
procurará viver sem chamar a atenção dos outros, evitando, dessa forma,
fazer inimigos. De certa maneira, “era uma filosofia de valetudinário, des-
tinada a adaptar-se um mundo no qual a problemática da felicidade se

41
Literatura Clássica Latina

tornara quase impossível.” (RUSSEL, 1967, p. 280). O epicurista deveria


comer pouco, se teme a indigestão; beber pouco, se teme a ressaca; evitar
a política, o amor e todas as atividades muito passionais. Nas palavras de
Russel: “A dor física é, certamente, um grande mal, mas, se severa, é breve
e, se prolongada, pode ser suportada mediante disciplina mental e o hábi-
to de se pensar, apesar de tudo, em coisas felizes. Acima de tudo, viver-se
de modo a evitar o medo.” (1967, p. 280). Por fim, Epicuro afirmava que a
morte não é nada para nós, pois o que é dissolvido não se sente, e aquilo
que não se sente não é nada para nós. Segundo seus preceitos, os deuses
existem, mas não se preocupam com as questões humanas. Portanto não
há fundamento algum em sofrer por ter medo do castigo dos deuses.

No geral, foi mal compreendido, mesmo em seu tempo, como se


pode ver, e por conta disso, ele e a escola ganharam fama, até hoje, de
pervertidos. Em Roma, teve como principal defensor Lucrécio que num
belo poema, De rerum natura (“Da natureza das coisas”) homenageou
seu principal responsável e divulgou sua doutrina em língua latina.

Embora o Estoicismo seja contemporâneo ao Epicurismo, o pri-


meiro teve uma história mais longa e menos constância em suas doutri-
nas. Os ensinamentos de Zenão, seu fundador, em princípios do século
III a.C., não foram idênticos aos de Marco Aurélio na segunda metade
do século II a.C. Ao contrário do que aconteceu com o Epicurismo, cada
sucessor de Zenão modificava a sua maneira a doutrina estoica.

Zenão era um fenício nascido em Cítio, no Chipre. Sua família pro-


vavelmente se dedicava ao comércio, e por conta de assuntos comer-
ciais, eles foram, pela primeira vez, a Atenas. Lá Zenão sentiu-se ansioso
por estudar filosofia. Assim como aconteceu com as obras de Epicuro,
poucos escritos de Zenão chegaram até nós.

O estoicismo recebeu este nome do lugar onde eram feitas as aulas


e pregações da doutrina, o stoa, ‘pórtico’ em grego. Sobre a doutrina, De
Crescenzo diz:

Para compreender bem o estoicismo, é necessário confrontá-lo cons-


tantemente com o epicurismo, quase como se uma das doutrinas exis-

42
Cultura de Roma Capítulo 02
tisse por oposição à outra. O mais interessante é que ambas as escolas
se propunham alcançar os mesmos resultados, ou seja, viver com sa-
bedoria. A única diferença é que, para os epicuristas, essa sabedoria se
identificava com o prazer e, para os estóicos, com o dever. Nada mais.

Diga-se, porém, e desde já, o seguinte: enquanto os ensinamentos de


Epicuro permanecem quase inalterados durante os séculos, os dos es-
tóicos mudaram tanto que é difícil comparar os primeiros estóicos, os do
século III a.C., com os últimos, os estóicos romanos dos séculos I e II d.C.

(CRESCENZO, 1988, p. 142)

Os estoicos dividiam a filosofia em lógica, física e ética, e sua gran-


de preocupação era com a última. Negava e sugeria negar-se tudo o que
propiciasse prazer, preocupação ou dor, a fim de que não trouxesse so-
frimento mais tarde, propondo acima de tudo a apatia. Nas palavras de
Sêneca, o homem feliz é aquele que desconhece outro bem ou outro mal
senão uma virtuosa ou perversa vontade, cultivador da honestidade e
satisfeito em ser virtuoso, que não se abate nem se exalta com os rumos
de seu fado e que não conhece bem maior do que o bem que consegue
alcançar por si e que, por fim, tem como verdadeiro prazer o desdém
dos prazeres (SÊNECA, 1991, p. 28).

Russel (1967) explica outros preceitos do estoicismo e sobre a rela-


ção dos homens com a natureza:

Deus não está separado do mundo. Ele é a alma do mundo, e há em


cada um de nós uma parte do Fogo Divino. Todas as coisas são par-
te de um único sistema, que é chamado Natureza; a vida individual é
boa quando está em harmonia com a Natureza. Em certo sentido, toda
vida está em harmonia com a Natureza, já que foram as leis desta última
que a causaram; mas, em outro sentido, a vida humana somente está
em harmonia com a Natureza quando a vontade individual é dirigida
a algum fim que está entre os da Natureza. A virtude consiste em uma
vontade que está de acordo com a Natureza.

(RUSSEL, 1967, p. 290).


43
Literatura Clássica Latina

Para os estoicos todos os homens são livres, contanto que se liber-


tem dos desejos mundanos. É somente por conta dos juízos falsos que
esses desejos prevalecem; o sábio, cujos juízos são verdadeiros, é dono de
seu destino em tudo aquilo que para ele tem valor, já que nenhuma força
exterior pode privá-lo da virtude. Russel entende que existe uma certa
“frieza” implícita na concepção estóica de virtude (1967, p. 291): o sábio
não sente simpatia quando sua esposa ou seus filhos morrem, pensa que
esse acontecimento não constitui obstáculo à própria virtude e, por isso,
não sofre profundamente. Em resumo, “o estóico não é virtuoso a fim de
fazer o bem, mas faz o bem a fim de ser virtuoso.” (RUSSEL, 1967, p. 291).

Dentre os nomes que podemos destacar na filosofia romana estão:


Cícero, Sêneca, Marco Aurélio, Epicteto. Podemos lembrar outros no-
mes que tiveram incursões pelo pensamento filosófico, mas cremos que
não possamos denominá-los filósofos com propriedade.

• Marco Túlio Cícero (Marcus Tullius Cícero, 106 – 43 a.C. Prin-


cipais obras: De finibus bonorum et malorum (Sobre as defini-
ções do bem e do mal), Tusculanae disputationes (Discussões
em Túsculo), De officiis (Sobre os deveres), De senectute (Sobre
a velhice), De amicitia (Sobre a amizade), De natura deorum
(Sobre a natureza dos deuses), De diuinatione (Sobre a adivi-
nhação), De fato (Sobre o destino). Segundo Zélia de Almeida
Cardoso, “Cícero teve uma formação eclética, que se reflete em
suas obras. Embora se revelasse hostil ao epicurismo, aprovei-
tou-se da preceituação da doutrina estóica e do neo-academi-
cismo, sem chegar, no entanto, a delinear claramente uma po-
sição filosófica” (CARDOSO, 2003, p. 171).

• Lúcio Eneu Sêneca, (Lucius Annaeus Sêneca, 4 a.C.? – 65 d.C.),


nasceu em Córdova, na Hispânia (hoje Espanha). Principais
obras: De ira (Sobre a ira), As Consolatórias: Ad Marciam con-
solatio (Consolação a Márcia), Ad matrem Heluiam (Consola-
ção a Hélvia), Ad Polybium (Consolação a Políbio), De clemen-
tia (Sobre a clemência), De breuitate uitae (Sobre a brevidade
da vida), De constantia sapientis (Sobre a constância do sábio),

44
Cultura de Roma Capítulo 02
De uita beata (Sobre a vida feliz), De tranquilitate animi (Sobre Os textos em espanhol
a tranqüilidade do espírito), De prouidentia (Sobre a providên- ao longo deste material
foram traduzidos pelo
cia), Quaestiones naturales (Questões naturais), Ad Lucilium Prof. Dr. José Ernesto de
epistolae (Cartas a Lucílio). Para Jacques Gaillard, Vargas.

É surpreendente que uma exigência de virtude tão rigorosa como a pre-


conizada pela filosofia estoica pudesse tentar um homem como Sêneca
que, afinal de contas, antes e depois de seu exílio, havia se moldado sem
problemas à conduta dos bons servidores do Império. Por acaso o es-
petáculo dos vícios estimula a virtude? Somos obrigados a pensar assim
após examinar a obra filosófica de Sêneca. Nela se limita a denunciar as
desgraças dos tempos (aos quais às vezes ele também havia contribu-
ído) e os excessos de que fora testemunha. Esta estranha tensão com-
preende-se melhor se sabemos entender, através da obra do filósofo,
as inquietações de um pensamento um pouco errante, fascinado pelo
espetáculo do mal, mas também pelo sonho da sabedoria.

(GAILLARD, 1992, p. 91-92)

• Marcus Aurelius (121 - 180 d.C.) Governou o mundo romano de


161 até o ano de sua morte, por isso é chamado imperador-filóso-
fo. Em geral não costuma aparecer nos manuais de literatura la-
tina, porque escreveu sua obra em grego. Defendeu o estoicismo.

A Historiografia

Como não faz parte de nossa proposta estudarmos aqui detida-


mente a historiografia romana, nos restringiremos apenas a apontar os
principais nomes, a época em que viveram e suas obras mais importan-
tes. Desse modo, destacamos:

• Caio Júlio César

Este autor é de fato o mesmo general e imperador. Nasceu no ano


100 e foi traiçoeiramente assassinado, como é sabido, no ano de 44 a.C.,
às portas do Senado. Insere-se como historiador por conta de duas obras

45
Literatura Clássica Latina

referenciais ainda hoje, Comentários sobre a guerra da Gália (Commen-


tarii de bello Gallico) e Comentários sobre a guerra civil (De bello ciuili
commentarii). A primeira composição é, na verdade, um relatório de
guerra organizado quase em sua totalidade, com exceção do último li-
vro, durante sua participação e liderança nas batalhas pela conquista da
Gália. Curiosamente é escrito em terceira pessoa, o que soa muitas vezes
como falsa modéstia. A segunda revela a sua luta pelo poder de Roma
contra o Senado Romano, na deflagração da guerra civil após o episódio
do rio Rubicão. Conforme Zélia de Almeida Cardoso,

Os comentários sobre a guerra civil têm caráter nitidamente político. Ao


compor esse texto, César deve ter tido a intenção de justificar, de algu-
ma forma, a usurpação do poder, despertando simpatias e procurando
congregar forças em torno de sua pessoa. Daí o tom apologético de que
a obra se reveste.

(CARDOSO, 2003, p. 135)

• Caio Salústio Crispo

Salústio viveu entre os anos de 87 ou 86 e 35 a.C. De seu traba-


lho, duas obras chegaram até os nossos dias e o tornaram reconhecido.
São elas:

a) A conjuração de Catilina (De coniuratione Catilinae), que tra-


ta da tentativa de tomada do poder feita por Sérgio Catilina.
Passagem histórica que se tornou mais famosa ainda na obra
de Cícero, ferrenho defensor da instituição republicana, que se
empenhou numa grande campanha no Senado contra a insur-
reição de Catilina, na reunião dos discursos proferidos contra
o insurreto, conhecida mundialmente por Catilinária.

b) A guerra de Jugurta (Bellum Iugurthinum), que narra a in-


tervenção de Roma num episódio de assassinato e tomada de
poder no reino da Numídia, levado a cabo por aquele que dá
nome à obra, Jugurta.

46
Cultura de Roma Capítulo 02
• Tito Lívio

Titus Liuius (59 a.C – 17 d.C) é, sem dúvida, o mais importante his-
toriador romano. Viveu sob o governo de Augusto e dele se beneficiou.
Sua extensa e grandiosa obra propõe abarcar desde a fundação de Roma
(por isso é reconhecida como História de Roma Ab Urbe Condita) até
a sua contemporaneidade. São cento e quarenta e dois livros, dos quais De acordo com Pöppel-
apenas trinta e cinco chegaram até nós. O francês Jacques Gaillard o dis- mann, “Ab urbe condita
(Desde a fundação da
tingue como o “Virgílio da História”, já que sua obra pode ser colocada cidade – Roma) é o
no mesmo nível da Eneida. título da maior epopeia
histórica de Roma, que
Tito Lívio (c. 59 a.C.-17
• Públio Cornélio Tácito d.C.) escreveu em 142
volumes. Apresenta a
história de Roma desde
As datas em que Tácito nasceu e morreu não são precisas, mas se a lendária origem até o
ano 9 a.C. Mas ‘Ab urbe
acredita que entre os anos de 55 e 120 da nossa era. Além de história, condita’ foi também o
o autor escreveu também sobre retórica, Dialogus de oratoribus, uma ponto de partida de uma
época, estabelecido pelo
biografia, um ensaio sobre a geografia física e humana da Germânia. erudito Varrão. Colocou
Seus textos historiográficos são Anais (Annales), em que narra os acon- a fundação de Roma
no ano de 753 a.C., 440
tecimentos políticos durante os governos de Tibério, Calígula, Cláudio e anos depois da suposta
Nero, e Histórias (Historiarum libri), que faz referência ao período entre queda de Troia, no ano
1193 a.C., portanto, 440
as mortes de Nero (68 d.C.) e Domiciano (96 d.C.). anos como um perío-
do de renascimento e
Roma era vista como um
• Caio Suetônio Tranquilo renascimento de Troia.
Se, no caso de Troia, se
pudesse calcular com
De Suetônio igualmente não se sabe precisamente as datas de nas- mais exatidão sua idade,
cimento e morte, costuma-se citar os anos de 69 e 141 da nossa era. Foi Roma poderia ser, na
verdade, de duzentos
secretário do imperador Adriano. Escreveu Homens ilustres (De uiris a trezentos anos mais
illustribus), obra que se perdeu em grande parte e Vidas dos doze Césares, antiga. A cronologia de
Varrão ‘ab urbe condita’
ou seja, a vida dos doze primeiros imperadores, livro que o imortalizou. foi estabelecida apenas
por volta do ano 400. Na
Antiguidade, contava-se
E assim encerramos aqui o nosso Capítulo sobre a literatura lato o ano segundo os cônsu-
sensu, bem como a primeira Unidade, a História do mundo romano. A les reinantes.” (PÖPPEL-
MANN, 2010, p. 5)
literatura latina strictu sensu, por oposição, é a que diz respeito à pro-
dução de caráter ficcional, objeto central de todo curso de Letras, e do
nosso próximo capítulo.

47
Unidade B
Literatura Latina
Introdução
Nessa segunda unidade faremos uma leitura panorâmica da Literatura
Latina apresentando rapidamente os principais autores e obras da literatura
latina em latu sensu. Observaremos, igualmente, a manifestação dos gêneros
literários em Roma e também as heranças e a permanência de ideias
e temas na literatura, nas artes e na cultura do Ocidente.

“Uma literatura só será ouvida se tiver luz própria,


preservar suas normas e seus traços particulares.
O contrário será apenas uma cópia das outras.”

(Artur Pestana, ou Pepetela)

A literatura latina desponta para o mundo não como manifestação


espontânea, mas antes como transposição de um modelo externo para a
cultura local, no caso, a partir da transposição de modelos gregos para a
cultura romana. Em parte esse fato pode ser justificado pela própria na-
tureza romana, decorrente de um espírito pragmático e de uma história
muito mais ligada à terra, às atividades agro-pastoris e à arte da guerra
do que a um questionamento especulativo a respeito da vida e das ra-
zões de se viver neste mundo, como foi parte da vivência dos gregos, a
que os tornou mais famosos pelo menos.

Zélia de Almeida Cardoso, em A literatura latina (2003), uma das


obras de referência para nossos estudos neste curso, aponta para o ano
de 272 a.C, quando da conquista romana de Tarento, como uma data
primordial no processo de formação da cultura e literatura latinas, pois
é neste momento em que os latinos ou, se quiserem, os romanos, entram
em contato direto com o mundo grego e iniciam um período de acultu-
ração, decisivo para o surgimento de uma cultura literária e artística em
Roma. Segundo a autora, até então

Roma ainda não se diferenciava grandemente de numerosas outras


cidades espalhadas pelo mundo mediterrâneo e não desfrutava de
grande importância política, militar ou cultural. Os romanos falavam o
latim – língua de origem indo-européia, relativamente pobre e rústi-
ca – e, embora conhecessem a escrita por terem adaptado o alfabeto
etrusco, somente a utilizavam em inscrições (algumas muito antigas,
datadas do século VII ou VI a.C.) que têm apenas valor filológico, lin-
güístico e documental. A literatura se achava ainda em fase embrioná-
ria, restringindo-se quase exclusivamente às manifestações orais.

(CARDOSO, 2003, p. XI)

O poeta Horácio ressalta a importância da Grécia na formação cul-


tural de Roma, ilustra essa passagem e nos alerta para o quanto foi deci-
siva e tardia na formação da literatura latina:

Grécia vencida
venceu seu feroz vencedor:
trazendo as artes ao agreste Lácio.
Assim desapareceu aos poucos
aquele verso horrível e saturnino
e a limpeza levou a sujeira nociva.
Contudo ficaram por muito tempo
e perduram ainda alguns traços rústicos daquele mau gosto.
Tarde, muito tarde, chegamos a apreciar os escritos gregos.
Apenas depois de feita a paz com Cartago,
descobrimos o que de útil nos trazem Sófocles, Tespis e Ésquilo.
Foi então que os traduzimos para o latim
e o trabalho agradou a todos:
talento temos para o sublime,
o patético não nos falta,
temos inspiração para o trágico,
nossos atrevimentos têm êxito feliz:
naturalmente, temos preguiça para o trabalho de lima
e consideramos a lima desnecessária e até vergonhosa.

(SCHEID, 1997, p. 230).


Em sua Arte poética, Horácio torna clara a diferença entre o espírito
inquiridor e o gosto estético dos gregos e o estilo pragmático dos romanos:

Musa deu aos Gregos o talento e a possibilidade de falar com grande


elevação, a eles que eram ambiciosos, mas só de alto renome. Os jovens
romanos, por seu lado, aprendem a reduzir, com grandes contas, um
asse em cem partes. [...] Esperaremos nós, porventura, que estes espíri-
tos, uma vez imbuídos da preocupação corrosiva do dinheiro, possam
criar versos dignos de serem cobertos com óleo de cedro e conservados
na madeira do cipreste bem polido?

(HORÁCIO, 1989, p. 103-105).

O “óleo de cedro” e a “madeira do cipreste bem polido”, carissimi


discipuli, referem-se às técnicas empregadas para conservar os escritos
da fragilidade material própria da época.

Um dos primeiros passos rumo ao desenvolvimento da literatura


em Roma se dá logo após a capitulação de Tarento. Conforme Zélia de
Almeida Cardoso, junto aos despojos de guerra, junto aos prisioneiros
levados para a capital romana,

havia um adolescente cujo nome era Andronico. Tornando-se escra-


vo da família Lívia, adotou o nome de seus senhores em combinação
com o seu, como era habitual. Desde cedo, Lívio Andronico se ocupou
da educação de meninos, mas, na condição de preceptor e mestre de
primeiras letras, esbarrou em uma primeira dificuldade: a falta de tex-
tos adequados para o ensino. A educação grega em sua primeira fase
exige o manuseio de textos literários. É por meio deles que se procede
à alfabetização das crianças e que se ministram a elas as primeiras no-
ções de história, geografia, ética, mitologia e religião. A não-existência
de textos para esse fim levou Lívio Andronico a traduzir a Odisséia.
Em seu trabalho de tradução, ele se utlizou do grosseiro e primitivo
verso satúrnio, tão diferente dos sonoros versos gregos, e teve de lutar
também, certamente, com a pobreza de um vocabulário não afeito ao
tratamento literário.
A tradução de Lívio Andronico, entretanto, por medíocre e rudimentar
que fosse, ao lado de tornar o poeta conhecido da sociedade, colocou o
romano em contato direto com um texto literário grego, embora tradu-
zido, e propiciou o aparecimento de outros poemas épicos.

(CARDOSO, 2003, p. 8).

Neste sentido não há como negar que quase a totalidade da literatura


latina se desenvolveu a partir de modelos copiados dos gregos. Diríamos
que, com exceção do Direito romano e da sátira, os demais gêneros, literá-
rios ou não, foram todos transplantados do solo helênico para o romano.

É preciso que se diga, porém, que, apesar de secundária, a literatura


latina tem seu valor. Adquiriu vida própria, tornou Roma igualmente
digna das artes no cenário mundial de que era Senhora. O que, aliás,
foi perseguido por Augusto, um dos grandes responsáveis por isso, além
dos autores, graças ao seu apoio e a sua política de incentivo às artes, em
troca de propaganda ideológica, diga-se, contudo. Mais tarde, nas eras
subsequentes, esta literatura também serviu de modelo para a formação
de outras literaturas, escritas em línguas neolatinas, e mesmo as de outras
origens. Como negar influências, por exemplo, de Ovídio sobre Shakes-
peare e de Plauto sobre Moliére ou Ariano Suassuna? De Virgílio sobre
Dante, Camões e outros grandes poetas? Como negar os ideais de Ricar-
do Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, buscados junto a Horácio?

Faz-se necessário até lembrar a concepção de aemulatio para os


antigos gregos e romanos, que consiste, num sentido positivo, no de-
sejo de imitar e igualar-se em grandeza à obra de um autor antigo, por
isso, melhor. João de Oliva Neto, ao discorrer sobre a passagem da
experiência oral para a da escrita, da importância da Biblioteca para
este novo momento, afirma:

Por conseqüência, de necessidade que era, imitar objetivou-se como va-


lor, sem o traço negativo que a sensibilidade moderna, sobretudo após
o Romantismo, denuncia e rejeita. Tendo, de início, nos monumentos
do passado seu objeto, imitar era antes homenagem do que plágio. Era
a possibilidade que esses autores tinham de emular, segundo o eterno
caráter agonístico da cultura grega. Imitar permitia-lhes exibir sua vasta
erudição, palavra-chave desta poética, pois o movimento de elaboração
de novas obras, direito assegurado de qualquer época, voltava-se não
para a novidade isenta de substância, por isso mesmo impensável, mas
para o rebuscar na origem aspectos menos conhecidos dos antigos mi-
tos e tradições. Só assim eram originais. O elemento diferenciador com
que todo autor procura suprir uma lacuna e que motiva seu trabalho
insinuava-se a partir do antigo patrimônio comum.

(OLIVA NETO, 1996, p. 26).

Longino, em seu tratado sobre o sublime, afirma: “imitar não consti-


tui furto; é como um decalque de belos sinetes, de moldados, ou de obras
manuais”; “Belo, na verdade e merecedor de coroa de glória é esse embate
em que mesmo em ser derrotado pelas gerações anteriores não deixa de
haver glória” (LONGINO, 1997, p. 85-86). A poética descritiva e prescriti-
va de Aristóteles, a afirmação dos modelos ideais, autores e obras a serem
imitados corroboram e comprovam tudo o que foi dito acima.

Jacques Gaillard, a respeito da importância da imitação para os an-


tigos, diz o seguinte:

Entendamos por ele (pelo caráter imitativo) que a originalidade somente


pode significar um enriquecimento da tradição e que uma obra literária
nunca poderá surgir como “tranqüilo bloco caído aqui sob um desastre
obscuro” ou por um golpe de sorte. Não há dúvida que, para o poeta anti-
go, seria um desastre não ter na memória os versos de um mestre a quem
admirar e imitar, a um autor, fundador de um gênero ou virtuoso em
habilidade e talento. É necessário, com efeito, advertir que a antiguidade
desconfia da inovação “absoluta”; em Roma, a expressão res novare, “fazer
algo novo”, significa “revolucionar” no sentido negativo do termo e implica
em transtornos que são por vezes temerários e perigosos.

(GAILLARD, 1997, p. 18).


Avançando um pouco mais em nosso assunto, o mesmo autor fran-
cês nos oferece um panorama da produção literária latina ao longo de
seus quatro séculos de profícua existência, bem como dos problemas
decorrentes de nosso distanciamento em relação àquele tempo:

No começo deste século, um estudioso da antiguidade clássica (A. F.


Wert) fez um censo muito curioso. Vejamos os resultados: conhece-
mos 772 autores latinos; destes somente 276 são em nossos dias cita-
dos aqui e ali por outro autor, em um comentário ou em um catálogo;
a obra de 352 autores se resume para nós hoje em poucos fragmentos,
se reduz a uma palavra comentada por um gramático, a uma expres-
são, a uns poucos versos, incluindo um amplo corpus de citações; so-
bram somente 144 autores dos que nos é possível ler uma ou várias
obras que se conservaram integralmente (ainda que tenhamos que
pagar o preço de algumas lacunas). Nossa visão da literatura latina é
tributária desta sobrevivência muito seleta a que necessariamente há
de se referir. Do mesmo modo, as condições materiais, culturais e esté-
ticas em que se elaborava uma obra literária na antiguidade latina são
sensivelmente diferentes das que conhecemos hoje.

(GAILLARD, 1997, p. 9).

As condições materiais, culturais e estéticas a que Gaillard se refe-


re são, de fato, partes importantes desse processo; importantes para a
compreensão do quanto esse córpus é fragmentado e escasso. A ponto
de nos fazer ver que a literatura antiga é um grande quebra-cabeça, em
que as peças mais faltam do que sobram. Segue o autor francês em suas
considerações:

Doze dezenas de autores “legíveis” em um período de tantos séculos é


muito pouco: apenas 20% do catálogo geral de nomes de autores conhe-
cidos. É pouco e é muito, pois deve-se advertir que, na antiguidade, o livro
é objeto perecível sob qualquer ponto de vista que se olhe. Materialmen-
te teme ao fogo e à umidade; seu formato, sobretudo sob a configuração
antiga de volumen (um rolo de papiro) não é fácil; o suporte é muito frágil,
rasga-se, mancha, embolora, a tinta borra e é presa fácil dos ratos.

(GAILLARD, 1997, p. 9).


Alude o autor ainda que, apesar da mudança de material e do for-
mato, do papiro para o pergaminho, do volumen para o codex ainda
na idade antiga, no século IV da nossa era, havia a questão da censu-
ra imposta por autoridades políticas, espirituais ou intelectuais. Desse
modo, “os autores cujas obras chegaram até nós em bom estado são os
que suscitaram primeiramente o interesse mais fervoroso e contínuo;
depois vêm aqueles que ninguém se atreveria a destruir; finalmente os
que tiveram sorte” (GAILLARD, 1997, p. 10).

Se pensarmos no quadro desses autores no circuito editorial bra-


sileiro, então, a situação se complica mais ainda, tendo em vista que o
país não conheceu o domínio e a ocupação romana. E por causa disso
as traduções dos textos latinos, na maior parte dos casos, advém de ou-
tros idiomas (são poucas as que são feitas diretamente do latim para o
português do Brasil).

Zélia de Almeida Cardoso divide a literatura latina em quatro fases,


de acordo com diferentes momentos históricos, políticos e sociais.

1) Fase primitiva, é o periodo pré-literário, compreendido entre


o aparecimento das primeiras inscrições (século VII a.C.) até o
momento das primeiras produces literárias escritas em latim.

2) Fase helenística: periodo em que os primeiros escritores se


exercitam procurando imitar os principais autores gregos,
adaptando, “a lingua literária ainda apresenta traços arcaicos”,
de aproximadamente 240 a 81 a.C..

3) Fase clássica: é o periodo mais importante da história da Lite-


ratura, representa o seu ápice, subdividido em três momentos,
a partir de suas peculiaridades:

a) A época de Cícero (de 81 a 43 a.C.);

b) A época de Augusto (de 43 a.C. a 14 d.C.) é o cume da história


política, cultural e, no que nos importa, literária.
c) A época dos imperadores júlio-claudianos (de 14 a 68 d.C.).

4) Fase pós-clássica: de 68 d.C. até a queda do Império romano


no Ocidente. Neste periodo, a partir do século II, tem início a
literatura latina cristã.

Como não poderia deixar de ser, num curso básico de Literatura


Latina os autores focalizados serão os mais importantes e significativos,
os da fase clássica primordialmente, portanto.
Poesia Capítulo 03
3 Poesia
Aut insanit homo, aut versus facit. Horatius
(Ou o homem faz versos, ou enlouquece. Horácio)

A justificativa para começarmos com o estudo da poesia pode es-


tar no fato de que esse foi o meio de produção literária mais prolífico,
pensamos que por herança recente da oralidade à época, forma como
se perpassava os conhecimentos até então. São muitos os tratados anti-
gos - que para nós, atualmente, tem um caráter científico ou técnico, e
que são escritos hoje em forma de prosa - a se apresentarem sob versos.
Tratados filosóficos, de literatura, de agricultura, de gastronomia etc.

Antes do advento da escrita, a poesia era empregada de modo


pragmático, funcional. A musicalidade, presença marcante e funda-
mental nessa arte, servia de suporte para o processo mnemônico, ou
seja, ajudava na memorização dos conteúdos e do próprio texto. Pro-
cesso, aliás, que continua a ser utilizado até os nossos dias. Alunos
da pré-escola guardam determinadas informações, quando ainda não
sabem ler nem escrever, entoando pequenas cantigas. Alunos já al-
fabetizados memorizam certos conteúdos e fórmulas matemáticas de
caráter mecânico de que modo, se não através de pequenas músicas?
Afinal, como que tribos ágrafas ao longo da história e ainda hoje fazem
para conservar suas histórias, conhecimentos e sabedorias? Como que
os alguns poetas do Nordeste de nosso país, muitas vezes iletrados,
fazem para lembrar tamanho repertório?

Conforme Massaud Moisés, a palavra poesia vem do grego “poie-


sis, ação de fazer, criar alguma coisa”, ligada, pois, à idéia de criação,
composição. A palavra verso vem do latim “versu(m), virado, voltado;
vertere, virar, voltar, retornar. Ao pé da letra, designa o movimento de
retorno para a segunda linha métrica, depois que a primeira se comple-
tou” (MOISÉS, 1999, p. 402). A etimologia da palavra verso é importan-
te para refletirmos sobre a dificuldade que é, muitas vezes, até criarmos
o hábito e perceber o processo de ler poesia, e o quanto seu caminho é

59
Literatura Clássica Latina

labiríntico, cheio de idas e vindas, por isso mesmo desafiador, instigan-


te, apaixonante depois que se aprende a caminhar por tais veredas. Prin-
cipalmente a poesia clássica, como é o nosso caso aqui. O que alguns
textos modernos em prosa também proporcionam por vezes.

3.1 A Poesia Épica

Canto os combates e o herói que, por primeiro, fugindo do destino, veio


das plagas de Tróia para a Itália e para as praias de Lavínio.

(Virgílio, En., I, 1)

O primeiro tipo de poesia a ser enfocado aqui, por uma questão


histórica, por tradição herdada dos antigos gregos, que a colocam como
um dos gêneros mais elevados, é a poesia épica. Aristóteles considera
Homero o grande modelo épico a ser buscado e a epopeia como uma
das artes mais sublimes.

Segundo aquele autor, o gênero só é superado pela tragédia e o au-


tor grego por ninguém mais em tal arte, pelo menos até a sua época,
século III a.C., prova disso são as citações que seguem: “Mas Homero,
tal como foi supremo poeta no gênio sério, pois se distingue não só pela
excelência como pela feição dramática das suas imitações” (ARISTÓ-
TELES, 1984, p. 204); “Homero parece elevar-se maravilhosamente aci-
ma de todos os outros poetas” (Idem, p. 149); “refiro-me a poemas quais
a Ilíada e a Odisséia, com várias partes extensas todas elas (se bem que
estes dois poemas sejam de composição quase perfeita e, tanto quanto
possível, imitações de uma ação única)” (Idem, p. 229).

Massaud Moisés nos traz algumas reflexões a respeito da épica as quais


nos parecem encerrar os elementos essenciais para a compreensão da mes-
ma, ao mesmo tempo em que resgatam alguns pressupostos aristotélicos:

A poesia épica deve girar em torno de assunto ilustre, sublime, sole-


ne, especialmente vinculado a cometimentos bélicos; deve prender-

60
Poesia Capítulo 03
-se a acontecimentos históricos, ocorridos há muito tempo, para que
o lendário se forme ou/e permita que o poeta lhe acrescente com
liberdade o produto da sua fantasia; o protagonista da ação há de ser
um herói de superior força física e psíquica, embora de constituição
simples, instintivo, natural; o amor pode inserir-se na trama heróica,
mas em forma de episódios isolados; e, sendo terno e magnânimo,
complementar harmonicamente as façanhas de guerra. Do ponto de
vista da estrutura, o poema épico se desdobraria em três partes autô-
nomas: a proposição, ou seja, o apelo aos deuses para que auxiliem o
poeta na sua empreitada criadora; a narração, parte central e mais ex-
tensa, que contém o relato minucioso da ação executada pelo herói; a
narração deve obedecer a uma seqüência lógica; entretanto, à ordem
cronológica seria preferível à artificial, que surpreende a ação em meio
(in media res); o epílogo, fecho da ação, deve guardar um imprevisto,
mas ser verossímil e coerente, além de conter um final feliz.

(MOISÉS, 1999, p. 184)

Cá estão os fundamentos de uma epopeia clássica, o caráter su-


blime e solene, o assunto bélico como determinante, a história por um
viés ficcional. E mais o maravilhoso a que Massaud Moisés se refere na
sequência do mesmo texto, ou “o impacto de forças sobrenaturais na
ação dos heróis”, subentenda-se a intervenção constante dos deuses na
ação dos personagens. Visível como você pode notar na citação à obra,
à página 63. Acrescente-se também o aspecto social, político, coletivo
deste gênero. Octavio Paz, ao falar da poesia épica e trágica diz: “Ambas,
ademais, não têm por objeto o homem individual, mas a coletividade ou
o herói a que encarna [...] na épica, o povo se vê como origem e como
futuro” (PAZ, 1983, p. 195).

Em Roma a poesia épica é fundadora, lembrando que foram as duas


epopéias de Homero as primeiras obras a serem traduzidas e introduzi-
das entre os nobres romanos, apesar de serem conhecidas as referências
de muitos textos e autores épicos nascidos em solo latino, por exemplo
Névio e Ênio. A respeito do primeiro, o pouco que se sabe é o nome in-
completo Naeuius e que teria morrido em 201 a.C. Escreveu Poenicum

61
Literatura Clássica Latina

bellum, ou a Guerra Púnica. Ênio, reconhecido por Quintus Ennius, vi-


veu entre 239 e 169 a.C. Apesar de se falar de Farsalia, de Lucano, de se
questionar a natureza épica das Metamorfoses de Ovídio, o único texto
reconhecido unanimemente e que, de fato, preenche os requisitos bási-
cos do gênero chama-se Eneida, de Virgílio.

Publius Vergilius Maro nasceu em Mântua, norte da Itália, no ano


de 70 a.C., vindo a falecer em 19 a.C., dez anos após começar sua obra-
-prima Eneida. Além desta, as obras mais marcantes e famosas que
escreveu foram As bucólicas (lírica) e Geórgicas (poesia didática), a
serem referidas nos respectivos Capítulos. Segundo consta, mesmo
após dez anos de escritura, Virgílio teria pedido a amigos para que
destruíssem a Eneida, pois a entendia inacabada, sem o retoque final.
Parece ter servido de exemplo para os preceitos de Horácio, em sua
“carta aos Pisões” ou Arte poética, que recomendava o descanso “em
rolos de pergaminho” por nove anos, algo necessário para o amadure-
cimento de uma boa produção. Para sorte da humanidade, Augusto
não permitiu tamanha atrocidade, até porque tinha interesse em sua
publicação completa, visto que fora encomendada pelo mesmo junto
ao poeta. Pelo que consta, alguns cantos já haviam sido lidos em ses-
sões públicas e privadas, como era a prática de então.

A Eneida é um poema épico composto por doze cantos ou livros (que


devem ser entendidos aqui como a antiga divisão possível para o formato
da época, o uolumen, e não como se pensa hoje). Possui um tamanho
menor que as duas epopeias homéricas, a metade dos cantos e narra em
versos, como convém ao gênero, as façanhas do herói troiano Eneias.

Vamos juntos rastrear a partir de agora o que disse Massaud Moi-


sés sobre o gênero, olhando para o poema épico de Virgílio. A Eneida
apresenta como assunto ilustre o destino e as aventuras de nosso herói,
Eneias, ao fundar junto com seu povo novas cidades, mas especialmente
uma, a nova Troia, aquela que bem mais tarde seria Roma. É o que já nos
adianta de antemão a proposição do poema:

62
Poesia Capítulo 03
Canto os combates e o herói que, por primeiro, fugindo do destino, veio
das plagas de Tróia para a Itália e para as praias de Lavínio. Longo tempo
foi o joguete, sobre a terra e sobre o mar, do poder dos deuses supe-
riores, por causa da ira da cruel Juno; durante muito tempo, também
sofreu os males da guerra, antes de fundar uma cidade e de transportar
seus deuses para o Lácio: daí surgiu a raça latina e os pais albanos e as
muralhas da soberba Roma.

(VIRGÍLIO, 1994, p. 19).

A ação principal é narrada de acordo com as recomendações, in


media res. Já no primeiro canto encontramos o herói em meio a turbu-
lências no seu trajeto rumo à península italiana. Turbulência comum a
toda viagem marítima, só que nesta há dedos e mãos de Juno, sempre na
tentativa de atrapalhar as empreitadas dos troianos.

Os seis primeiros cantos relatam a trajetória do herói troiano desde


sua saída da terra natal até a chegada à Itália. Imita de certa forma a idéia
principal da Odisseia, a viagem de Ulisses de volta para casa. Contudo,
distingue-se desta em larga escala. A começar pelo vetor, que no caso
do troiano aponta para fora de seu berço, seu chão, a cidadela de Tróia,
aponta para um recomeço longe da pátria, para a reconstrução de uma
nova cidade a homenagear a primeira.

O amor, instigado por Cupido a mando de Juno, aparece na re-


lação entre a viúva Dido, rainha de Cartago, e Eneias, viúvo também.
Relacionamento trágico interrompido drasticamente com a partida
do heroi na calada da noite, após ser lembrado e advertido pelos deu-
ses de que seu estabelecimento deve se dar na Itália e não na África.
O que levaria a rainha a cometer suicídio. Aqui, de novo, a relação é
de ruptura e não de retomada, como aconteceu na volta de Odisseu
para junto de Penélope.

Virgílio buscou num passado extremamente longínquo, por ora


improvável pela arqueologia, os elementos que dão azo a sua fantasia.
Um passado muito anterior a qualquer romanidade. Tal qual o histo-

63
Literatura Clássica Latina

riador Tito Lívio, por falta de dados comprobatórios, deixa que as len-
das falem mais alto e se estabeleçam. Entretanto, o histórico também
se faz presente na obra, seja de forma ficcional, seja como projeção de
um futuro distante. A história ficcionalizada pode ser vista no episódio
recém mencionado, o do amor entre Dido e Eneias. Apesar da existência
histórica da rainha, a relação amorosa é criação virgiliana. Por outro
lado, não há como esquecer o enfrentamento entre Roma e Cartago. A
respeito disso, Gaillard diz o seguinte:

Os amores de Dido e Enéias não são somente um elemento novelesco


na epopéia (também aos alexandrinos agradava o tipo de interferência,
e Virgílio, como bom imitador de Apolônio de Rodes, não foi insensível a
tal coisa); Dido destrói a si mesma como Cartago será destruída, vencida
pelo destino de Roma, e Vênus, protetora de Enéias, vence Juno, que
apoiava Dido. O simbolismo do episódio, longe de esconder seu lado
patético, o reduz a seu alcance. O destino de Enéias coincide com o de
Roma, e o tempo do mito ilumina o da história.

(GAILLARD, 1997, p. 69).

Apenas para ilustrar mais um caso de ficcionalização da história,


podemos lembrar o futuro casamento entre Enéias e Lavínia, afiança-
do na segunda parte do livro, quando nosso herói chega ao centro da
península itálica. Lavínia é filha de Latino, rei do povo homônimo,
latino. Observamos o casamento fantasioso, mas também histórico,
entre dois povos que darão à luz a uma grande nação: Roma. Afora
estes casos, existem várias passagens no texto que projetam um fu-
turo muito distante da época de Eneias, mas contrariamente muito
próximo da realidade conhecida pelos contemporâneos de Virgílio,
são momentos em que estes conseguem se ver num espelho. Um de-
les ocorre no canto oitavo, quando Eneias recebe um escudo, forjado
por Vulcano a pedido da mãe Vênus. “Nele, o deus poderoso do fogo,
que não ignora a arte dos vates nem os segredos do porvir, havia gra-
vado a história da Itália e os triunfos dos romanos, assim como toda
a seqüência dos futuros descendentes de Ascânio” (VIRGÍLIO, 1994,

64
Poesia Capítulo 03
p. 178). Nele o deus da forja havia inscrito o resultado, num futuro
remoto, dos feitos de Eneias e o tempo presente de Roma:

No meio podiam-se ver armadas de brônzeo rostro, a guerra de Ácio,


e se via todo o Leucates ferver em guerra acesa e a água refletir o ouro
das armaduras. De um lado Augusto César, conduzindo os ítalos para
o combate, de pé sobre uma alta popa: suas têmporas alegres cintilam
dupla chama e a constelação paterna lhe fulge sobre a cabeça. Do ou-
tro lado Agripa, secundado pelos ventos e pelos deuses, conduzindo
seus exércitos, de porte marcial: suas têmporas brilham sob os rostros
da coroa naval, soberba insígnia de guerra. Na frente, Antônio, com
tropas estrangeiras e armas de toda espécie, voltando vencedor dos
povos da Aurora e do litoral Vermelho; transporta com ele o Egito e os
poderes do Oriente e a longínqua Bactriana e é seguido, ó abomina-
ção! por uma esposa egípcia.

(VIRGÍLIO, 1994, p. 179-180).

No que diz respeito à constituição física e psicológica de nosso pro-


tagonista, devemos descrevê-lo como forte, afinal ele não foge à luta, é um
chefe, um líder. Quanto à índole, diferente de Ulisses, famoso pela enge-
nhosidade, astúcia, eloquência e coragem, nosso heroi destaca-se sobretu-
do pela piedade, entendida aqui não pelo sentido cristão, mas antes pelo
sentimento de dever e obediência para com os deuses, para com os pais e
para com a pátria. Atributo que lhe determina o epíteto de Eneias, o pio.

Os seis últimos cantos imitam, retomam e homenageiam a Ilíada.


A guerra entre Eneias e Turno, rei dos rútulos, toma o palco e a ação de
todo o restante da história. Quando o príncipe troiano chega ao Lácio,
é recebido pelo rei Latino, que um pouco antes havia consultado um
oráculo. Este profetizara a chegada de um estrangeiro para quem o mo-
narca deveria prometer a mão da filha, Lavínia, em casamento, porque
dessa união surgiria um grande povo e uma grande nação. Não obstante
a jovem princesa já era prometida a outro homem, Turno. Novamente,
a disputa por uma mulher é a causa do enfrentamento bélico.

65
Literatura Clássica Latina

Em especial, digno de destaque é o canto VI, que narra o fantás-


tico passeio de Eneias pelo mundo das sombras, pelos infernos. De
novo, este último termo não deve ser pensado a partir da cultura cris-
tã. Inferno em tal contexto corresponde ao Hades grego, ou o reino
da morte. Em latim, o adjetivo infernus faz referência àquilo que se
encontra embaixo, em uma região inferior, palavra esta com a qual
compartilha a mesma raiz etimológica. Inferior aqui significa embai-
xo da terra, que é o ambiente dos vivos. Já inferna nomeia as regiões
infernais, a morada dos deuses infernais. Guiado pela profetisa Sibila,
afinal nenhum mortal adentra esse reino vivo, a não ser com convite
e acompanhado, nosso heroi desfila por diferentes lugares desse tene-
broso espaço. À semelhança do canto XI da Odisseia, lá ele encontra
as almas de companheiros de jornada na vida corpórea na terra, sol-
dados que lutaram com ele por Tróia, o piloto Palinuro, que caíra da
popa ao mar enquanto observava os astros, e a rainha Dido. Estando
lá, ele conhece muitos dos recantos do mundo sombrio, com seus rios
e geografia diversa, o Aqueronte, o Letes, a região tartárea, os cam-
pos elíseos. Conhece as criaturas que vivem para o serviço do palácio
infernal, o barqueiro Caronte e o cão Cérbero. A razão fundamental
desta viagem não muito agradável é conversar pela última vez com o
pai Anquises, morto há um pouco mais de um ano. É o que acontece
na última etapa do tour. No momento em que os dois alegremente se
veem e se falam, por três vezes Eneias tenta abraçar o pai, mas este é
apenas sombra, virtual como o cinema produziria a cena hoje, “três
vezes a imagem escapou-se das suas mãos, semelhante aos ventos li-
geiros e semelhante a um sonho alado” (VIRGÍLIO, 1994, p. 134).

A derradeira conversa entre pai e filho servirá para que aquele


mostre a este a importância da realização de seus feitos para o futuro
da humanidade. Anquises mostra a Eneias as almas que aguardam o
seu tempo de nascer. Ali estão, a esperar, os espíritos dos descendentes
de Eneias e Lavínia, e de Ascânio. Ali estão Júlio César, Otávio Augus-
to e famílias de famosos romanos, os Gracos, os Décios, os Drusos. Ali
estão as almas de habitantes ilustres de Roma (a Nova Troia) a vingar a
derrota e a destruição da cidade asiática e dos antepassados:

66
Poesia Capítulo 03
Aquele, vencedor de Corinto, conduzirá seu carro sobre as alturas triun-
fais do Capitólio, ilustre para sempre por causa do massacre dos aqueus.
Aqueloutro destruirá Argos e a Micenas de Agamenão e o próprio Eá-
cida descendente de Aquiles poderoso pelas armas, vingando seus an-
tepassados de Tróia e o templo ultrajado de Minerva. Quem poderia, o
grande Catão, ou tu, Cosso, vos não mencionar? Quem poderia esque-
cer a família dos Gracos, ou aqueles dois raios de guerra que foram os
dois Cipiões, flagelo da Líbia, ou Fabrício, glorioso pelas suas pequenas
posses, ou tu, Serrano, semeando teu campo? Fatigado, para onde me
levas, Fábio? Tu, famoso Máximo, és o único que, sozinho, em tempori-
zando, nos restabeleceste a república.

(VIRGÍLIO, 1994, p. 137).

Aqui, pela primeira vez na grandiosa obra, Virgílio mostra aos seus
contemporâneos e conterrâneos o espelho para que esses se mirem e
se vejam, aqui ele justifica para o mundo a grandeza dos romanos e os
motivos da escritura: propagar os ideais da pátria e igualar-se aos gregos
neste gênero literário.

3.2 A Poesia Dramática

A comédia é o amor ao semelhante,


assim como o drama é a nossa contingência.

(Nei Duclós)

Se para os gregos a poesia dramática foi como que a menina dos olhos,
a ponto de Aristóteles enxergar na tragédia um gênero superior a todos os
demais, Sófocles o seu maior nome e Édipo o melhor texto, o mesmo não
podemos falar da poesia dramática em Roma. Nem o teatro teve tanto su-
cesso, e tampouco a tragédia foi representativa naquele solo. R. M. Rosado
Fernandes (1984) afirma a respeito da Arte Poética que Horácio, cultor da
poesia lírica, formula regras para a poesia dramática e o que ele acha mais
estranho é que isso acontece numa cidade “onde o teatro não fazia parte
integrante da vida social, como na Grécia” (FERNANDES, 1984, p. 27).
67
Literatura Clássica Latina

É certo que isso se dá em outra época que não a dos autores de


que trataremos aqui, em todo caso o teatro nunca foi uma constante e
uma unanimidade na vida romana. Nessa arte, menor prestigio alcan-
çou a tragédia, prova disso é que apenas um autor ganhou notoriedade e
manteve seu nome e sua obra ao longo dos séculos, e isto já na primeira
centúria de nossa era: Sêneca. Para Gaillard,

o teatro latino sempre se distinguirá do teatro grego porque se sabe e se


pretende antes de tudo lúdico: o que nos gregos podia alcançar a intensi-
dade de uma comunhão religiosa ou cívica, em Roma transforma-se em um
simples espetáculo de entretenimento, temperado com emoção ou risos.

(GAILLARD, 1997, p. 29).

Podemos mencionar alguns tipos de manifestações teatrais cômi-


cas originários da Itália, perdidos no tempo e em tempos de oralidade,
a comédia togata e tabernaria, a atelana e o mimo. De certa forma, in-
fluenciaram o desenvolvimento do gênero em Roma, no entanto, em se
tratando de teatro romano, existem basicamente três nomes que chega-
ram até os nossos dias no Brasil: Plauto, Terêncio e Sêneca. Além deles
temos os nomes de Lívio Andronico, Névio, Ênio e Cecílio, cujas obras
se perderam em grande parte ao longo dos tempos. Os dois primeiros
são os únicos autores que ilustram o século II a.C., período helenístico
e de formação da literatura latina, e que se perpetuaram. O último é um
dos representantes do século primeiro de nossa era, já nos limites da
decadência literária e cultural. Parece que o espírito romano comum
estava mais voltado para o riso e a pilhéria que para a gravidade, como já
tivemos a oportunidade de mencionar no Capítulo referente à cultura.

No entanto, antes de olharmos para a produção destes escritores,


convém que se retomem os conceitos básicos de poesia dramática, ou
drama, conforme o verbete do referido dicionário de Massaud Moisés:

DRAMA – Grego drâma, ação.

A princípio, como sugere a etimologia, o vocábulo designava simples-


mente a ação. E como a ação se afigurava exclusiva do teatro, passou a

68
Poesia Capítulo 03
conter um significado específico. Aristóteles, na Poética (tr. de Eudoro
de Sousa, s.d., 1448 a 28), distingue a imitação, ou mimese, “na forma
narrativa” daquela em que as “pessoas agem e obram diretamente”, ou
seja, em que se processa a imitação da ação. Ao segundo tipo confere o
apelativo de drama. Portanto, em sentido amplo, a qualquer peça desti-
nada a representar-se caberia análoga denominação.

(MOISÉS, 1999, p. 161).

Isto é, para Aristóteles, uma das diferenças entre a poesia épica e a que
hoje determinamos como dramática (para ele comédia e tragédia), diferen-
ça esta que reside na natureza da ação: enquanto que, na epopeia, a ação
é descrita por um narrador, na arte que atualmente denominamos drama
é representada e mostrada in loco por atores. Outra variação entre os dois
tipos diz respeito ao tempo, ou extensão segundo o pensador grego, “[...] a
tragédia procura, o mais que é possível, caber dentro de um período do sol,
ou pouco excedê-lo, porém a epopeia não tem limite de tempo – e nisso
diferem, ainda que a tragédia, ao princípio, igualmente fosse ilimitada no
tempo, como os poemas épicos.” (ARIS- TÓTELES, 1984, p. 205).

Dito isso, conviria agora distinguirmos a comédia da tragédia, já


que em comum entre si está o fato de serem as duas drama, teatro, ação
representada por atores em presença do público. Segundo Aristóteles,
divergem no objeto de imitação. De modo compartilhado, a “epopeia e
a tragédia concordam somente em serem, ambas, imitações de homens
superiores” (Idem, p.205). Já a

comédia é, como dissemos, imitação de homens inferiores; não, todavia,


quanto a toda espécie de vícios, mas só quanto àquela parte do torpe
que é o ridículo. O ridículo é apenas certo defeito, torpeza anódina e
inocente; que bem o demonstra, por exemplo, a máscara cômica, que,
sendo feia e disforme, não tem [expressão de] dor.

(Idem, 1984, p. 205).

69
Literatura Clássica Latina

Uma definição mais completa de tragédia, que Aristóteles sugere


no parágrafo 27, diz assim:

É pois a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e


de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies
de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação]
que se efetua não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando
o “terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções”.

(ARISTÓTELES, 1984, p. 205).

O que se pode depreender é que a tragédia imita as ações de ho-


mens elevados, nobres. Os episódios da ação são contados de forma
mais completa, prevendo uma sequencia cronológica mais encadeada,
prevendo noções de causa e efeito e uma extensão relativamente grande,
mas que caiba no período de um dia, ou pouco o exceda, para que possa
ser apresentado ao público, ao vivo. A linguagem ornamentada é o em-
prego adequado do verso trágico pelo poeta e também do canto coral
durante o espetáculo. Da imitação por atores já tratamos.

A ideia de suscitar terror e piedade significa que este gênero visa a


proporcionar este tipo de sentimento no espectador e não o riso como
a comédia; a purificação dessas emoções implica na concepção de ca-
tarse, ou seja, ao sentir terror e piedade os espectadores diante da ficção
estariam aliviando, purgando os próprios sentimentos em relação ao
mundo e à vida. Em parte, trata-se da famosa válvula de escape, para a

70
Poesia Capítulo 03
qual toda a arte e entretenimento se fazem importantes, neste caso para
exorcizar os sentimentos de terror. No mundo romano a política do cir-
co, juntamente com a do pão, serviu a esses princípios.

Segundo Zélia de Almeida Cardoso, o teatro literário latino foi


contemporâneo da epopeia na Itália:

O teatro literário se inicia em Roma, ao que se sabe, em 240 a.C. Alguns


anos antes, durante os Jogos Romanos que se realizavam anualmente
em honra de Júpiter, no começo de setembro, os romanos haviam tido
oportunidade de assistir a um drama grego, representado por ocasião
da visita do rei Hierão I. Só em 240 a.C., porém, ao comemorar-se o pri-
meiro aniversário da primeira guerra púnica, com a vitória dos romanos
sobre os cartagineses, é que o povo vai ter a possibilidade de assistir a
uma peça representada em latim.

(CARDOSO, 2003, p. 25).

Gaillard, por sua vez, nos ajuda a entender o porquê de ter restado
tão pouco da produção teatral latina:

Por efeito, como ocorria na Grécia, as obras são escritas para uma re-
presentação “oficial”, teoricamente única. É uma questão fundamental
saber em que medida estas obras voltavam a ser representadas pos-
teriormente. Na maioria das vezes os textos não eram editados, salvo
no caso dos melhores autores, o que permite deduzir que havia “repo-
sições” oficiais ou privadas, parciais pelo menos, e que, à falta de dis-
por de um repertório no sentido moderno da palavra, as companhias
(greges) de atores, em seus “giros” (por exemplo, por províncias e mu-
nicípios) propunham, senão reestreias, pelo menos adaptações. Mas
a regra geral era que a obra de teatro, ingrediente de uma cerimônia,
é utilizada somente uma vez: marca o acontecimento, e somente se
dissocia dele raras vezes por uma conservação literária.

(GAILLARD, 1997, p. 30).

71
Literatura Clássica Latina

A Comédia

O modelo assumido pela comédia latina foi o da chamada comé-


dia nova grega, cujas principais referências para os latinos foram Me-
nandro, Dífilo e Filemão, principalmente o primeiro. A comédia nova
desenvolveu-se no final do século IV, quando a Grécia já não contava
com a liberdade da polis. Distinguia-se da irmã mais velha a comédia
antiga (século V) justamente neste aspecto. Juntamente com a tragé-
dia, era um produto decorrente da democracia, que permitia a livre
expressão, incluindo críticas diretas ao sistema e a pessoas públicas.
Como as que Aristófanes, seu maior representante, fez a figuras como
Sócrates em sua peça As nuvens.

Ou seja, o riso era extraído de motivos políticos, as personagens


muitas vezes eram históricas, famosas, um tipo de humor que em nos-
sos dias pode ser relacionado com a charge, a caricatura e/ou certos
programas humorísticos que mostram e criticam pessoas de diferentes
esferas, política, esportiva ou artística.

Mais tarde, à democrática polis sucede um regime mais fechado,


em que o poder se concentra nas mãos de poucos. Foi o que ocorreu
com a unificação impetrada pelo macedônico Filipe e com o impe-
rialismo de Alexandre Magno. Horácio, na sua Arte poética, ao traçar
um histórico do teatro no mundo grego desde a mitológica época de
Tespis até a de Ésquilo, confirma em parte e registra os problemas
por tanta liberdade: “A estes sucedeu a comédia antiga e foi recebida
não sem aplauso; mas a liberdade degenerou em vício e em abuso
que teve de ser reprimido pela lei. Depois de aceite a lei, calou-se o
coro, para sua vergonha, porque se lhe tirara o direito de injuriar”
(HORÁCIO, ano 1984 p. 96-7).

Por esta época a comédia sofre transformações. Ao ficar impos-


sibilitado de criticar abertamente a política e as pessoas públicas, o
humor torna-se impessoal e o alvo passa a ser o de figuras mitológicas.
A comédia desta fase é classificada pelos críticos como “média”, inter-
mediária entre a antiga e a nova. Não é agressiva para com pessoas,

72
Poesia Capítulo 03
portanto, não causa problemas muito sérios. Posteriormente, irrompe
no cenário a chamada comédia nova. O objeto do riso não são mais
personagens históricas ou mitológicas, mas a personagem-tipo.

Em Plauto vemos tipos tais como o do avarento (Euclião, em Aulu-


laria), o soldado fanfarrão, a que alude o título do texto Miles gloriosus,
prostitutas (as irmãs Báquides, em comédia homônima) e escravos as-
tutos: Crisalo (Báquides).

• Plauto

Tito Mácio Plauto nasceu na cidade úmbria de Sarcina, acredita-se


que entre os anos 254 e 250 a.C. Atribuem-se a ele cento e trinta peças
teatrais, das quais somente vinte se conservaram. Anfitrião (Amphitruo),
Os burros (Asinaria), Aululária ou A marmita (Aulularia), As Báquides
(Bacchides), Os prisioneiros (Captiui), Cásina (Casina), O cofre (Cistella-
ria), O gorgulho (Curculium), Epídico (Epidicus), Os Menecmos (Mena-
echmi), O mercador (Mercator), O soldado fanfarrão (Miles gloriosus), O
fantasma (Mostellaria), O persa (Persa), Psêudolo (Pseudulus), A corda
(Rudens), Estico (Stichus), O trinumo (Trinummus), Truculento (Trucu-
lentus), A valise (Vidularia), O cartaginês (Poenulus).

Comum à época e ainda aos nossos dias, Plauto não somente escre-
veu como experimentou a direção, atuação e outras funções do meio.

A característica mais marcante de sua obra estava no público a


quem dirigia seu espetáculo, a plebe, a camada mais popular e menos
instruída de Roma, o que implicava em certos aspectos próprios de sua
poética. Por exemplo, a linguagem, a estética, a necessidade de informar
e educar sua plateia, o que ele fazia nos prólogos de suas peças.

Plauto é uma das raras fontes de estudos para o latim vulgar. A


linguagem é uma particularidade muito instigante, sinal da criatividade
de seu trabalho. Nela observa-se o uso constante de diminutivos e de
expressões incomuns e divertidas.

73
Literatura Clássica Latina

Esteticamente o autor recorre ao gosto popular, suas peças são reple-


tas de grosserias, às vezes até de conotação sexual e escatológica, de corre-
rias e pancadarias, bem ao estilo modernamente chamado “pastelão”. Em
Aululária, exempli gratia, o avarento Euclião interrompe suas conversas
frequentemente, sai de cena para entrar em casa e verificar se o seu tesou-
ro está no devido lugar. Os escravos sempre sofrem de maus tratos. A cena
entre Euclião e Estróbilo, escravo do vizinho, o demonstra:

EUCLIÃO: Fora daí, minhoca! que saíste agora debaixo da terra. Há bo-
cado nem aparecias, mas agora, apareces para morrer. Por Pólux! meu
feiticeiro! vou dar-te um tratamento desgraçado.

ESTRÓBILO: Mas que fúria te agita! Que tenho eu que ver contigo, ve-
lho? Por que é que me insultas? Por que é que me puxas? Por que é que
me bates?

EUCLIÃO: Ainda mo perguntas? Meu safado! Não és um ladrão, és um


tríplice ladrão!

(PLAUTO; TERÊNCIO, s.d. p. 117)

Observe os xingamentos, “minhoca! que saíste agora debaixo da


terra”, a irreverência da linguagem (“meu safado!”).

Dado o momento histórico-literário em que o autor viveu, a pre-


sença grega nas peças plautianas é muito forte. As cidades em que se
passam as ações são gregas. Em Anfitrião é Tebas. Os nomes das perso-
nagens são todos gregos, o que por si só já causava riso à plateia, pouco
familiarizada com o idioma. Mesmo hoje acarretam tal efeito, não?! Eu-
clião, Estáfila, Licônidas, Estróbilo, Antraz (este não andou em voga há
pouco tempo?), Congrião, Pitódico, Dromão, Macrião, só para ficar com
os de Aulularia. Estrangeirismos sempre proporcionam estranhamento,
e daí riso. O tipo de comédia é reconhecido como paliata, porque os
atores trajavam o pálio, roupa típica dos gregos, curta, em oposição a
dos romanos, comprida, a cobrir todo o corpo.

74
Poesia Capítulo 03
Apesar disso, os romanos conseguem se ver em determinados pon-
tos das histórias. O responsável pelo prólogo da Comédia da Panela, o
deus Lar, é uma divindade tipicamente romana.

No mesmo texto há uma passagem em que Euclião dirige-se ao pretor


a fim de buscar a sua quota de dinheiro distribuída entre os pobres. Ele não
quer deixar transparecer que tem uma panela cheia de ouro em casa. O
panteão dos deuses algumas vezes é romano. Em Anfitrião, os deuses são Expressão em latim
Júpiter e Mercúrio, equivalentes a Zeus e Hermes no Olimpo grego. muito comum, empre-
gada atualmente para
dizer confusão, enga-
Um recurso bastante empregado por Plauto é o do qui pro quo. A no, erro, troca.

tradução literal, nada prática nem produtiva, seria “o que por qual”, ou
“isto por aquilo”, insinuando a idéia de troca. São inúmeras as ocor-
rências nos textos de Plauto, das quais citaríamos algumas. Em As Bá-
quides, as duas irmãs, de mesmo nome, são gêmeas. Só isto já é motivo
para muitas confusões... Em Anfitrião, enquanto Anfitrião se encontra
na guerra, o deus Júpiter toma a forma deste, a fim de fazer amor com
sua esposa, por quem se apaixonara. Por sua vez, Mercúrio, fiel escu-
deiro do deus supremo, se transforma em Sósia, escravo de Anfitrião.
Resultado: muita confusão. Imagine as cenas, ou melhor, leia, se pos-
sível e, com sorte, veja-as como espectador, no teatro, ou quem sabe
reproduza-as para os colegas do pólo, para a escola em que você traba-
lha ou para a sua comunidade: imagine Sósia encontrando-se consigo
mesmo em frente de sua casa, apanhando de outro Sósia, igualzinho a
ele e tendo que explicar tudo isso ao amo!

Um diálogo maravilhoso em Aulularia, excelente exemplo de qui


pro quo, encontra-se abaixo:

A panela cheia de ouro, pertencente a Euclião, havia sido rou-


bada. Licônidas havia engravidado Fedra, filha de Euclião, e este, tão
obcecado pelo ouro, nem percebera. Os dois se encontram e o diálogo
se dá desse jeito:

LICÔNIDAS: Quem é esse homem que está diante de casa soluçando, e


queixando-se, todo triste? Mas é Euclião, acho eu! Ai, que estou perdido!

75
Literatura Clássica Latina

já se descobriu a coisa. Creio que a filha dele já deve ter tido o menino.
E agora estou aqui sem saber o que hei de fazer: vou ou fico? Aproximo-
me ou fujo? Por Pólux, não sei que hei de fazer, por Pólux!

EUCLIÃO: Mas que diz este homem?

LICÔNIDAS: Eu sou um infeliz.

EUCLIÃO: Eu é que sou um infeliz, um homem perdido de desgraças, tão


grandes são os males e tão grande a tristeza que veio sobre mim.

LICÔNIDAS: Deixa-te estar sossegado.

EUCLIÃO: Mas de que maneira é que eu posso estar sossegado?

LICÔNIDAS: É que eu tenho a confessar que esse crime que te atormen-


ta o espírito fui eu quem o cometeu.

EUCLIÃO: Que é que tu estás a dizer?

LICÔNIDAS: O que é verdade.

EUCLIÃO: Mas ouve, moço, que mal te fiz eu para procederes assim e me
perderes a mim e aos meus filhos?

LICÔNIDAS: Foi um deus que me impeliu, foi ele que me atraiu a ela

EUCLIÃO: De que maneira?

LICÔNIDAS: Confesso que errei, e sei que mereço castigo, mas venho
pedir-te que tenhas a bondade de me perdoar.

EUCLIÃO: Mas como é que tu ousaste fazer isto? Tocar no que não te
pertencia?

76
Poesia Capítulo 03
LICÔNIDAS: Que queres tu? Aconteceu. Não se pode negar o que é um
fato. Eu acho que os deuses o quiseram. Sei bem que, se o que não qui-
sessem, nada teria havido.

EUCLIÃO: O que os deuses quiseram foi, sem dúvida, que eu te mandas-


se enforcar em minha casa.

LICÔNIDAS: Não digas isso.

EUCLIÃO: Por que é que tu sem eu o permitir foste tocar na minha...

LICÔNIDAS: Eu fiz isso por causa do vinho e do amor.

EUCLIÃO: Ó homem sem vergonha nenhuma! Como é que ousas vir


ter comigo com esse discurso, meu descarado? Se isso agora é direito,
então já nos podemos desculpar de roubarmos à luz do dia o ouro das
senhoras; se nos apanharem, desculpar-nos-emos dizendo que o fize-
mos porque estávamos embriagados e porque o amor... Coisa vil, bem
vil, o vinho e o amor. Se é lícito, a quem se embriagou e a quem ama,
fazer o que lhe parece.

LICÔNIDAS: Mas eu venho espontaneamente pedir-te desculpa da mi-


nha estupidez.

EUCLIÃO: Não gosto dos homens que depois de terem feito o mal vêm
pedir desculpa. Tu sabias que ela não te pertencia, não lhe devias ter
tocado.

LICÔNIDAS: Mas, já tive a audácia de tocar, não vejo nenhum impedi-


mento a que não fique com ela!

EUCLIÃO: Então tu vais ficar, contra minha vontade, com a...

LICÔNIDAS: Eu não a exijo contra tua vontade. O que eu acho é que deve
ser minha. Tu mesmo vais concordar, Euclião, que ela deve ser minha.

77
Literatura Clássica Latina

EUCLIÃO: Se tu não tornas a trazer...

LICÔNIDAS: Não torno a trazer o quê?

EUCLIÃO: Aquilo que me pertencia e que tu tiraste. Olha que te levo ao


pretor e te levanto uma ação.

LICÔNIDAS: O que te pertencia e eu tirei? Donde? Afinal que é isso?

EUCLIÃO (ironicamente): Oxalá Júpiter te proteja assim como é verdade


que tu não sabes nada!

LICÔNIDAS: Se não me dizes o que queres...

EUCLIÃO: O que eu te exijo, ouves bem, é a panela de ouro que tu con-


fessaste ter-me roubado.

LICÔNIDAS: Por Pólux! Eu nunca disse isso, nem fiz uma coisa dessas. [...]

(PLAUTO; TERÊNCIO, [s.d.], p. 117).

Gaillard abre um espaço em seu texto para falar da proposição mani-


festa de Plauto em fazer o público rir, “para nosso autor, uma obra bem feita
é simplesmente uma obra que faz rir” (GAILLARD, 1997, p. 32), com o que
concordamos plenamente. Com Plauto conseguimos rir, gargalhar de fato.

• Terêncio

Públio Terêncio Afer teve uma vida curta. Embora não se tenha
certeza do ano de seu nascimento, os dados são desencontrados, de
todo modo não chegou a viver quarenta anos (De 185? a 159 a.C.).
Mesmo assim teve tempo de produzir seis obras: A moça de Andros
(Andria), Os Adelfos (Adelphoe), A sogra (Hecyra), O eunuco (Eu-
nuchus), O au- topunidor (Heautontimoroumenos) e Fórmio (Phor-
mion). Assim como Lívio Andronico, foi também escravo, trazido da
África, possivelmente de Cartago. Por conta de sua habilidade com

78
Poesia Capítulo 03
as palavras foi liberto e recebeu formação literária. Gaillard observa
que “a aristocracia romana gostava de formar ‘seus’ artistas como
se fossem uma espécie de ‘botim intelectual’” (GAILLARD, 1997, p.
37). Poderíamos pensar em atitude típica de emergentes econômico-
-sociais, de novos ricos.

Terêncio surge no cenário artístico-literário algumas décadas de-


pois de Plauto, e seu trabalho se distingue do antecessor em muitos as-
pectos, mas todos relacionados a um quesito fundamental: o público ao
qual destinavam-se seus textos. No caso de Terêncio, dirigia-se a uma
plateia mais requintada, elitizada. Em função disso sua obra se opõe, em
quase todos os tópicos destacados, no que dissemos a respeito de Plauto.
Na ação, na linguagem, nas informações e na formação (desnecessárias)
aos que assistiam seu teatro.

Em Terêncio vemos novamente e, ainda, a presença do mundo


grego. Contudo, não podemos esquecer que este é um período de for-
mação literária para os romanos. De novo, as cidades, os nomes, as
roupas das personagens são gregas. Só que aqui o efeito é diferente,
o helenismo não suscita estranhamento e riso, mas antes destaque e
distinção cultural. Um provincianismo, poderíamos pensar, mas de-
sejável talvez para seus espectadores. Do mesmo modo que Plauto, as
bases de seus textos eram resultantes da contaminatio, da fusão de dois
ou mais textos gregos em um latino.

Diferentemente de Plauto, Terêncio não precisava educar, resu-


mir a peça, nem explicar nada antecipadamente ao seu público, mais
erudito. Por essa razão, seus prólogos eram usados para se defender
das críticas que sofria.

A propósito, segundo P. A. Martín Robles, Terêncio se queixava


do populacho típico que frequentava o teatro de Plauto e que, de certa
forma, caracterizava o gosto teatral romano em geral,

porque abandonava o teatro durante as representações de suas obras


para assistir a um espetáculo de feras; que somente mantinha-se no tea-

79
Literatura Clássica Latina

tro para [assistir] palhaçadas, ou para satisfazer seu paladar estético com
os sabores intolerantemente picantes dos mimos, ou para os combates
de gladiadores.

(ROBLES, 1947, p. 12-13).

Suas peças têm como característica básica a contenção nas ações.


Não há correrias, bordoadas, xingamentos ou licenciosidades. Sua força
concentra-se nas intrigas e nos diálogos. Fundamentam-se num tipo de
comédia denominada fabula ou comedia stataria, isto é, de pouca ação,
movimentação, por oposição a fabula/comedia motoria, de ação, movi-
mentação, típicas de Plauto, embora este também tivesse exemplares do
primeiro tipo, como Bacchides, e Terêncio também apresentasse algumas
do segundo. Em Os Adelfos o embate se dá entre a educação rígida de um
pai, Dêmea, que vive no campo, e a liberal do irmão deste, Micião.

Terêncio não obteve o mesmo sucesso de Plauto. Talvez a proximi-


dade com a elite o afastasse das massas. Recebeu muitas críticas, entre
elas a maledicência de que suas peças eram escritas pelos irmãos Lélio e
Cipião Emiliano, pessoas cultas de quem recebeu apoio, formação e influ-
ências. Agostinho da Silva, em nota biográfica sobre o autor, nos afiança:

Todo o temperamento de Terêncio o inclinava à reflexão moralista, qua-


se à meditação filosófica, e a linguagem geralmente delicada das suas
personagens não era a mais apropriada para prender a atenção do pú-
blico dos teatros romanos. Por outro lado, a sua ligação com os aristo-
cratas deve-o ter prejudicado junto do povo e oferecia campo fácil de
ação às intrigas dos que lhe eram adversos; faziam tudo quanto podiam
para lhe diminuir a originalidade e o talento.

(SILVA, [s.d.], p. 217).

Com Terêncio alcançamos risos, dificilmente uma gargalhada. São


comédias porque, de acordo com Aristóteles, a trama se dirige do infor-
túnio para a resolução feliz do problema.

80
Poesia Capítulo 03
A Tragédia

Em se tratando de teatro trágico romano, apesar de ter chegado até


nossos dias apenas um nome, Lucius Annaeus Seneca, sabe-se, por inter-
médio de críticos e autores da época, que foram vários os autores: no pe-
ríodo de formação literária, os já famosos Lívio Andronico, Névio, Ênio,
e Pacúvio (220 – 13 a.C.). Da época de Augusto, destaquem-se Cássio,
Quinto Cícero, Balbo, Vário Rufo, Ovídio, Mamerco Escauro, Pompônio.

• Sêneca

Lúcio Aneu Sêneca nasceu em Córdoba (Espanha), de uma família


tradicionalmente poderosa e culta, por volta de 4 a.C., e faleceu em 65
d.C, por consequência de uma ordem de suicídio dada pelo imperador
Nero, conforme o historiador Tácito (Anais, XV, 60-64). Ainda jovem,
dirigiu-se à capital do Império, onde conviveu por muitos anos junto
ao poder, junto à corte, ou se quiserem, junto às cortes, de Calígula, de
Cláudio e, por fim, do seu assassino. Durante o reinado de Cláudio foi
exilado na Córsega por causa de intrigas palacianas, retornando oito
anos mais tarde a pedido de Agripina, a fim de que educasse e fosse tu-
tor de seu filho, Nero, ainda criança. Conforme Almeida Cardoso:

Sêneca é o último autor dramático romano a desfrutar de importância


literária. [...] No século I da nossa era, o teatro nos moldes clássicos já não
atraía tanto o espectador. Os mimos, com sua leveza e alegria, com dan-
ças, música, presença de mulheres e cenas de nudez, eram muito mais
apreciados do que as antigas comédias e as austeras tragédias. Além
disso, os espetáculos circenses, grandiosos e violentos, expandiam-se
cada vez mais, disputando com o teatro a preferência do público.

(CARDOSO, 2003, p. 43-44).

Escreveu nove tragédias, retomando temas e personagens enfoca-


dos pelo teatro grego tradicional, por Eurípedes e Sófocles. São elas: As
fenícias (Phoenissae), A loucura de Hércules (Hercules furens), Hércules no

81
Literatura Clássica Latina

Eta (Hercules Oeataeus), Édipo (Oedipus), Fedra (Phaedra), Medéia (Me-


dea), As troianas (Troades), Agamêmnon (Agamemnon) e Tiestes (Tyestes).

Mesmo em seus textos teatrais, Sêneca defendeu o estoicismo, visí-


vel no embate e na moral subentendida na necessidade de sobreposição
e vitória da razão sobre as paixões.

Um aspecto importante na obra senequiana está no desejo e no


individualismo das personagens trágicas. Diferentemente das tragédias
gregas, em que os seres humanos não expressam suas vontades e o seu
individualismo, visto que são completamente guiados pelos desígnios
do Destino, pelos interesses dos deuses, as personagens deste tragedió-
grafo são marcadas fortemente pela vontade própria. A passagem a se-
guir, retirada de Medeia, exemplifica claramente:

Medeia

Eu afastar-me daqui? Se eu tivesse saído, voltaria para gozar do


espetáculo destas novas núpcias. Para que hesitar, ó minha alma?
Estou seguindo o teu feliz ímpeto. Como este esboço de vingança,
que tanto te alegra, é pouca coisa! [...] Meu ódio não foi senão um
prelúdio: era possível ousar algo verdadeiramente grandioso com
mãos ainda inexperientes? Com o meu furor de virgem? Agora, só
agora sou Medeia: meu talento tornou-se grande no mal. Sou feliz,
sim, sou feliz por ter cortado a cabeça de meu irmão, feliz por ter
esquartejado o seu corpo, por ter despojado meu pai de seu te-
souro sagrado que ele guardava tão cuidadosamente; feliz por ter
armado as filhas para que matassem seu velho pai. Ó meu ódio, tu
não deves senão procurar um objeto: seja qual for o crime, tua mão
não será inexperiente. Então, ó minha cólera, onde te atiras? Quais
dardos queres dirigir contra o pérfido inimigo? Não sei o que mi-
nha alma feroz decidiu em seu âmago e ainda não ousa confessar a
si mesma. Eu fui tola na minha pressa excessiva: ah! se meu odioso
esposo já tivesse uns filhos de minha rival! – Mas basta pensar que
todos os filhos que ele te deu foram gerados por Creusa. Gosto

82
Poesia Capítulo 03
deste tipo de castigo; e com justa razão: é o crime supremo, eu
reconheço-o; e é preciso que minha alma se prepare para isso. Vós,
que fostes antes meus filhos, vós deveis expiar os crimes de vos-
so pai! – O horror fez bater, meu coração, meus membros tremem
pelo gelo, meu peito sente calafrios. Meu ódio abandonou-me e o
amor materno reaparece inteiro em mim, afastando os sentimen-
tos da mulher. Eu, eu vou derramar o sangue dos meus próprios
filhos, de minha própria prole? Inspira-te melhor, ó minha demente
cólera. Este espantoso crime deve ficar longe de meu pensamento.
Qual seria a culpa que estes infelizes iriam expiar? – O seu crime é
ter Jáson como pai; e um crime ainda pior; ter Medeia como mãe.
Eles devem ser mortos, não são meus... Devem morrer: são meus...
Eles não têm culpa, não fizeram nada de mal: são inocentes, con-
fesso-o... Mas também meu irmão era inocente! – Ó minha alma, tu
vacilas. Por quê? Por que as lágrimas banham o meu rosto, por que
sou arrastada por impulsos contraditórios, entre o ódio e o amor?
Uma dúplice agitação produz esta incerteza. Assim como quando
os ventos lutam entre si cruelmente e lançam para opostas dire-
ções as ondas do mar, umas contra as outras, e o oceano se agita
indeciso, assim são as indecisões de meu coração: a ira expulsa a
piedade, a piedade expulsa a ira. Ó minha dor, cede à piedade.

– [chamando os filhos] Aproximai-vos, ó meus queridos filhos, úni-


ca consolação de minha casa abatida, aproximai-vos e abraçai com
ternura vossa mãe. Possa vosso pai possuir-vos incólumes, com a
condição de que também vossa mãe possa possuir-vos. Mas... o
exílio, a fuga, me esperam. Agora os meus filhos, em lágrimas e ge-
mentes, serão arrancados à força de meu peito... Que o pai os per-
ca: a mãe já os perdeu. Novamente cresce minha dor e meu ódio
ferve. A antiga Erínis, malgrado meu, apodera-se de meus braços. Ó
ira, acompanha-me onde quiseres: seguir-te-ei. Ah! por que a sorte
não me deu tantos filhos, quantos foram gerados pela soberba filha
de Tântalo? Por que eu não dei a existência a quatorze crianças?
Fui estéril demais para minha vingança; mas... o fui bastante para
vingar meu irmão e meu pai: dei à luz dois filhos! [...].

(SÊNECA, 1991, p.107-108).


83
Literatura Clássica Latina

Apesar de forte e assustadora, a cena ilustra precisamente a afir-


mação. Infelizmente, fatos dessa envergadura são noticiados com muita
frequência pela mídia. O ser humano e suas paixões muitas vezes não
conseguem ser refreados pela razão, apesar de todos os alertas de filó-
sofos e religiosos.

3.3 A Poesia Lírica

Mas estes assuntos tão sérios


não ficam bem a uma lira prazenteira:
Ó Musa, onde andas ou desandas?
Deixa de ser audaciosa!
E deixa de revelar as deliberações dos deuses!
Deixa de rebaixar matéria tão sublime
pela fraqueza dos teus cantos.

Horácio (Ode III, 3)

Aristóteles, como você deve lembrar, ressalta as qualidades da


tragédia acima das outras artes, a epopeia e a comédia. Desta últi-
ma não nos chegou o seu estudo, mas percebe-se que não possuía o
mesmo status, o próprio autor o afirma em seu estudo descritivo. E
a lírica? A ela o estagirita sequer abre espaço para descrevê-la. Há de
se considerar que ele não se refere ao termo porque o mesmo ainda
não era usado. Em seu lugar emprega as formas “aulética”, “citarís-
tica” e outras, referindo-se aos instrumentos musicais de que se fa-
ziam acompanhadas. De todo modo não lhe dedica nenhum estudo.
Possivelmente porque ainda era tida como música e não literatura,
como hoje a entendemos. Porque não existia como arte autônoma,
estava a serviço das artes maiores já citadas. Porque não é imitativa
de ações, ou de uma grande ação, fundamental para aquelas artes.
Porque é pequena em extensão e individual em um mundo que prio-
riza o grandioso e o coletivo.

Por tudo isso, não encontramos nenhum conceito de lírica em


Aristóteles, nem na Arte poética de Horácio, um lírico por excelência,
84
Poesia Capítulo 03
tampouco em Boileau-Despréaux, um estudioso já em pleno século
XVII. Este último é considerado por Célia Berretini (1979) “um defini-
dor da doutrina chamada clássica”, embora tenhamos que lembrar que
ele se pauta muito no estudo horaciano. Assim, na falta de um conceito
de lírica dos clássicos, devemos observar o que os modernos nos dizem
a respeito e montarmos nossos próprios conceitos.

Massaud Moisés recupera o termo “lírica” do grego lyrikós, “cantar


ao som da lira” e complementa:

A conotação do vocábulo “lírica” articula-se estreitamente à sua etimo-


logia: no início, designava uma canção que se entoava ao som da lira.
Assinalava, pois, a aliança espontânea entre a música e a poesia, ou
entre a melodia e as palavras. Inaugurada pelos gregos já no século VII
a.C., essa modalidade poética permaneceu até a Renascença, quando
o primitivo significado – poesia cantada – entrou em desuso. Entre-
tanto, a mudança dificultou, em vez de facilitar, o trabalho dos críticos,
que passaram a enfrentar mais uma perplexidade: como distinguir en-
tre o texto poético voltado ao canto e o meramente verbal? Apenas
no século XIX, com o empenho que os românticos puseram no des-
lindamento dos problemas relacionados com o “eu”, é que novas luzes
foram lançadas sobre a questão da lírica.

(MOISÉS, 1999, p. 306).

Temos aqui, portanto, uma encruzilhada a que nos remete a na-


tureza da lírica: canto, sonoridade e palavra. Encruzilhada que em
determinados momentos marcou e marca a ruptura entre as partes.
Por exemplo, quando da leitura do texto, a palavra escrita se fez mais
importante que a música. Processo que se iniciou com o helenismo e
a universalização do mundo, e pluribus unus, de muitas nações, uma
só a ditar as ordens. No entanto, indiferente às questões e preocupa-
ções teóricas, a poesia continua a manter o casamento entre canção
e palavra. Mesmo com o advento da poesia moderna, muitas vezes
com o seu apelo visual, esta comunhão consegue perdurar. Como
esquecer o alaúde de um trovador medieval, o repente nordestino

85
Literatura Clássica Latina

que se faz acompanhado de um pandeiro, ou o arranhar de um já


velho disco Long Play, a marcar o ritmo do hip-hop americano, hoje
global, globalizado?

A dificuldade em definir a Lírica acreditamos que esteja na sua


própria complexidade, dada a variedade de versos suscetíveis de se-
rem empregados, dado o fato de que o poeta lida com inúmeros te-
mas e inúmeros sentimentos, tantos quantos os momentos lhe suge-
rirem. Um casamento suscitará alegria e, portanto, um verso alegre.
Um funeral, tristeza e um verso triste etc. Dado o fato de que são
vários poemas reunidos em um livro a tratar cada qual de uma temá-
tica diferente; dado o fato de que não precisa haver muita unidade
entre as partes, noção de causa e consequência, por oposição à tragé-
dia, epopeia e comédia, por exemplo, podemos pensar em pequenos
fragmentos que se juntam e não necessariamente formam uma ima-
gem completa, concreta.

Octavio Paz nos apresenta algumas distinções entre as poesias lí-


rica, trágica e épica que nos ajudam a compreender a primeira. Para o
poeta mexicano, “Épica e teatro são formas nas quais o homem se re-
conhece como coletividade ou comunidade, ao passo que a lírica se vê
como indivíduo” (PAZ, 1989, p. 193). O poeta épico tem como objeto
de seu olhar o heroi que representa a nação, a coletividade. O trágico
olha para os exemplos, os crimes e as ações que um bom cidadão deve
evitar fazer. Já o lírico olha para dentro de si e traz à tona suas próprias
questões e, principalmente, emoções. O seu ‘eu’ e seus sentimentos são
mais importantes que a pátria, que os outros. Neste sentido, a lírica é
pequena não apenas em extensão, mas também em abrangência. Ela
alcança e atinge não a todos, mas tão somente àqueles que comparti-
lham do mesmo sentimento ou situação.

Emil Staiger, em seus Conceitos fundamentais de poética, conceitu-


ação já sob a era do Romantismo, nos fala que “A ‘disposição anímica’
é inteiramente individual e só pode unir pessoas igualmente dispostas;
não pode formar nenhuma comunidade no sentido lato da palavra”
(STAIGER, 1975, p. 73). Por ‘disposição anímica’ podemos entender o

86
Poesia Capítulo 03
possível compartilhamento de sentimentos e sensações entre o poeta e
seu leitor/receptor. Além da individualidade, Staiger salienta a solidão
do poeta lírico:

Ao poeta lírico, propriamente, não importa se um leitor também vibra,


se ele discute a verdade de um estado lírico. O poeta lírico é solitário,
não se interessa pelo público, cria para si mesmo. Mas uma tal afirmação
exige esclarecimentos. Composições líricas também publicam-se. A co-
lheita de anos e anos é reunida e entregue a um público.

(STAIGER, 1975, p. 48)

Passemos aos poetas líricos latinos que pretendemos destacar.

• Catulo

Caio Valério Catulo teve uma breve vida entre as décadas de oitenta
e cinquenta antes de Cristo, não se sabe com precisão as datas. Nasceu
em Verona junto a uma família da alta burguesia. Fez parte, e foi um dos Poetae noui, ou neote-
roi, em grego.
mais importantes nomes, de uma geração denominada “poetas novos”.

Gaillard (1997, p. 60) observa que esta geração se mostra nova não
somente naquilo que propunha, poesia lírica em confronto com as poe-
sias mais nobres, coletivas e coletivistas até então, mas também pelo fato
de muitos virem da Itália setentrional. Antes disso, a grande maioria dos
autores provém do sul, da Magna Grécia.

Catulo compôs um conjunto de cento e dezesseis poemas dedica-


dos ao historiador Cornélio Nepo, em que trata de assuntos diversos. A
parcela maior é de foro individual, mas há também um grupo de sete
cantos de louvor a deuses, Príapo e Himeneu, e a figuras mitológicas.

Os metros, os tipos e o número de versos são variados. Elegias,


epigramas, hinos etc. Poemas longos e curtos, de até dois versos. Os
sentimentos expressos são diversos: amor, ódio, rancor, ciúmes. A for-
ma de expressar tais sentimentos diverge também, ora terna, ora irônica

87
Literatura Clássica Latina

e até sarcástica. Sem se importar com o decoro defendido pela Poética


de Aristóteles e de Horácio, manifestou em versos o erotismo, por vezes
chegando à raia do pornográfico. Sobressai-se em sua obra o chamado
cancioneiro de Lésbia, cantos dirigidos a esta Musa, que muitos atri-
buem como sendo um pseudônimo para Clódia, irmã de um tribuno.
Melhor é se pensar em uma homenagem à famosa poetisa grega Safo
que viveu na ilha de Lesbos. Para com Lésbia os sentimentos oscilam da
paixão exacerbada, no poema 92,

Lésbia lança-me incessantemente imprecações


e em momento algum pára de falar de mim.
Que eu morra se Lésbia não me ama.
- Por qual sintoma chegas a esta conclusão?
- Porque são estas precisamente as minhas reações.
Constantemente estou a desejar-lhe mal,
mas que eu morra se não a amo.

(NOVAK, 1992, p. 25).

ao sentimento de perdição, no poema 75,

A tal extremo, Lésbia minha, por tua culpa


meu espírito foi arrastado, de tal modo
por seus sentimentos do dever ele se desnorteou
que já nem é capaz de te querer bem
se te tornares ótima, nem de te deixar
de amar ainda que tudo faças contra mim.

(NOVAK, 1992, p. 29).

alternando-se entre o amor e o ódio (poema 58):

Odeio e amo. Por que o faço, talvez tu me perguntes.


Não sei, mas sinto acontecer e sofro.

(NOVAK, 1992, p. 33 [tradução nossa])

88
Poesia Capítulo 03
Entretanto, Lésbia não é o único amor professado, há vários outros,
alguns nomeados, outros não.

Chorai, ó Deusas e Deuses dos amores,


e quanto houver de homens impregnados
de muito amor.
O pássaro de minha amada morreu,
o pássaro, o afeto de minha amada,
a quem ela mais amava
do que a seus próprios olhos.

(NOVAK, 1992, p. 3).

Chama a atenção o fato de que o poeta expressa os sentimentos e as


questões que mais lhe interessam, as de foro íntimo, sem se ocupar ou
se preocupar com a coletividade. Pelo contrário, há um excessivo indi-
vidualismo e até mesmo uma indiferença para com as questões públicas,
para com a pátria, o que é natural, considerando o período posterior ao
helenístico. O dístico de número 93 atesta:

Não me interesso, César, em te querer agradar,


muito menos em saber se és alguém branco ou preto.

(NOVAK, 1992, p. 35).

A esse respeito, Gaillard afirma que “vinculado a César inicialmente,


depois em inimizade com ele (em várias epigramas se mostrou feroz para
com o ditador), Catulo faz uma única concessão à vida pública, acompa-
nhar até a Bitínia ao pretor Mêmio [...]” (GAILLARD, 1997, p. 62).

Catulo fez uso intenso da epigrama. Este poema se caracteriza por


ser curto, alguns apresentam apenas dois versos, e satírico, bem de acor-
do com o espírito romano. O tamanho desse texto é herança e tradição
do seu passado, uma vez que ele surge basicamente como inscrição so-
bre pequenos objetos, vasos ou lápides. Junto ao individualismo e indi-
ferença para com as questões públicas, as epigramas devem ter ajudado

89
Literatura Clássica Latina

os críticos do poeta na tarefa de execra-lo, como o fez muitas vezes Cíce-


ro, graças ao emprego de uma linguagem não erudita, chegando muitas
vezes à raia do chulo.

• Horácio

Quinto Horácio Flaco nasceu em Venúsia, no sul da Itália, no


ano de 65, e faleceu em 8 a.C. Era filho de um escravo alforreado,
possuidor de pequenas terras. Seu pai o mandou para Roma a fim
de estudar junto aos filhos de senadores e cavaleiros. Depois, dando
continuidade aos estudos, vai para a Grécia, como era o costume
para aqueles que queriam e podiam ter uma formação superior. Na
volta, ingressa no exército de Bruto (o mesmo que participara do
assassinato de Júlio César), a que menciona em alguns versos de suas
odes. Ao final da batalha de Filipos, que ocasionara o suicídio de
Bruto, Horácio retorna e encontra uma situação difícil: o pai está
morto e a propriedade confiscada. “Emprega-se então como scriba
quaestorius, ou seja, qualquer coisa como amanuense do Ministério
das Finanças, sem que todavia, deixasse a ocupação que lhe era mais
agradável, a publicação de versos, que o ajudava a aumentar o pecú-
lio mensal” (FERNANDES, 1984, p. 13-14).

O termo mecenato é co- Mas, ao mesmo tempo, a Fortuna, a sorte para os antigos, lhe sorri.
mum até os nossos dias
para designar proteção Por esta época ele conhece os poetas Vário e Virgílio, que o apresentam
às artes. a Mecenas, o grande colaborador de Otávio Augusto em sua política de
incentivo e prestígio às artes, principalmente à literatura.

Assim, Horácio é incorporado ao restrito círculo de artistas prote-


gidos pelo Estado e pela administração de Otávio Augusto. Ironicamen-
te, justo ele que lutara do lado oposto ao do imperador em sua busca de
vingança pelo assassinato do tio, Júlio César.

Em sua obra, Horácio mostra grande carinho e amizade para com


Mecenas. O mesmo não pode ser dito a respeito de Augusto. Ainda que
evoque, que em alguns momentos exalte o imperador em muitos de seus
textos, o poeta não finge haver certo distanciamento da sua parte. Em

90
Poesia Capítulo 03
nosso modo de ver, é a divisão entre as obrigações para com o Estado e
a vontade de escrever poesia que marcará a poesia de Horácio. Não há
como negar que seus compromissos como vate ele cumpre.

O número de poemas a exaltar à pátria transparece em números re-


lativamente equivalentes aos de foro particular. Alguns poemas e versos
desta linha fizeram fama. Como esquecer “É doce e decoroso morrer pela
pátria”, contido na ode 2, do livro III, poema a conclamar os jovens a de-
fender os ideais nacionalistas? No entanto, a nós parece muito mais que,
seguindo a seu mestre Catulo, seus maiores desejos e intenções são os de
tratar de assuntos típicos da lírica, individuais, sentimentais, fugazes.

Em alguns poemas ele manifesta a encruzilhada em que se encon-


tra - entre o cantar a guerra, necessária às nações e mais próxima da
tarefa de um vate, e o cantar o amor e a vida. É quando se posiciona
claramente em favor do segundo. Por necessidade, Horácio deixa “por
algum tempo o teatro, a musa da severa tragédia”, canta os episódios
bélicos e políticos de Roma, mas, sem dúvida, prefere os temas amenos,
leves e fugazes que a lírica proporciona: “[...] temerária musa, não co-
metas, deixando os leves assuntos, imitar os cantos do vate de Céus; vem
antes, comigo, na gruta de Dione, modular na lira mais alegres acordes”
(PEREIRA, [s.d.], p. 72). Ou ainda, na ode 6, do livro I:

[...]
Quem dignamente pintará a Marte,
da adamantina túnica coberto?
E Meríone negro ao pó de Tróia?
E o filho de Tideu, graças a Palas,
aos próprios deuses súperos erguido?
Os banquetes e os prélios, onde as virgens,
unhas cortadas, contra os jovens lutam,
é que, ociosos, cantamos, quando, acaso,
ao coração leviano, como sempre,
algo de fogo as fibras lhes aquece.

(HORÁCIO, 2003, p. 39).

91
Literatura Clássica Latina

Sua porção lírica foi construída a partir de dois grupos básicos de


poemas: epodos e odes. A ordem de disposição diz respeito à própria
sequencia de produção do poeta. Horácio escreveu o primeiro grupo
em conjunto com suas sátiras, antes ainda de entrar e pertencer ao se-
leto grupo de autores protegidos pelo Estado, e o segundo, depois de
já consagrado. Epodo é uma forma lírica inventada por Arquíloco, em
que um verso mais longo é seguido de outro mais curto. No verbete
sobre a ode, Massaud Moisés destaca o epodo como um poema em
que a estrofe e a antístrofe apresentam organização divergente. Quan-
to à ode, a palavra oriunda do grego oidê remete a canto. “De remota
origem grega, inicialmente a ode consistia num poema destinado ao
canto. Sinônimo, pois, de canção, reduzia-se a um cantar monódico,
interpretado pelo próprio autor, ao som da lira, ou de semelhante ins-
trumento de corda [...]” (MOISÉS, 1999, p. 372).

Dentre os temas típicos de uma ode, Horácio cantou o amor, a ami-


zade e o vinho. Foi onde professou os ideais epicuristas, a necessidade de
preservar as virtudes, de aproveitar a vida, nos momentos que evocam o
que há de melhor e mais belo nela. O objeto de seu amor não foi único,
mas antes dedicado a diferentes mulheres: Glícera, Clói, Lídia - a quem
Ricardo Reis, o heterônimo de Fernando Pessoa, também amará séculos
mais tarde, embora de forma mais platônica. E outras, e outros. (III, 9).

Na ode 13 do livro I, o envolvimento do poeta com esta última


mulher, Lídia, suscita a lembrança da relação entre Catulo e Lésbia e os
sentimentos de paixão e de ciúme:

Quando a Télefo, ó Lídia, o colo róseo louvas


e nos seus céreos braços tanto encanto encontras,
o fígado me ferve, ó Lídia, inflado em bílis.
Já nem a minha mente, nem a minha cor
em sede certa assentam; mas, rolando a furto
pelo meu rosto, bem as lágrimas revelam
o quanto em lento fogo inteiro me definho.
Ardo em ciúme, se te vejo os brancos ombros

92
Poesia Capítulo 03
macerados nas lutas lascivas do amor
regado a vinho, ou se nos lábios inda levas,
marcado a dente, o sensual furor de um jovem.

(NOVAK, 1992, p. 77).

Para além do amor, foram muito recorrentes também assuntos


como a amizade – para com Mecenas, Virgílio, Válgio, Varo e outros. A
ode 7 do livro II é uma canção que festeja a alegria pelo retorno de um
amigo, Pompeu, vindo da guerra:

Finalmente de volta, meu amigo:


Ó Pompeu,
o primeiro dos meus companheiros,
arrastado tantas vezes comigo ao perigo extremo,
sob o comando de Bruto,
com quem muitas vezes passei parte de longos dias
com o copo na mão
e ornados de flores os cabelos perfumados de aromas da Síria.
Quem foi que te restituiu
à Roma,
aos deuses pátrios,
e ao céu da Itália?
Compartilhei contigo a derrota de Filipos
e a rápida fuga dos nossos,
lançando para longe o escudo vergonhoso
quando o valor dos nossos estava quebrado
e quando os mais corajosos enterraram o queixo no solo
[ensangüentado...

(SCHEID, 1997, p. 50).

A brevidade da vida, o tempo fugaz, e, sempre à espreita, a morte,


apresentam-se concentrados em um só texto nesta ode 11, do livro II,
ou esparsos em diferentes poemas:

93
Literatura Clássica Latina

A brevidade da vida não permite preocupar-se com o futuro:


Quíncio Hirpíno,
não te preocupes com o que andem tramando
o belicoso Cântabro e o Cita;
separados de nós pelo Adriático;
não te aflijas com as necessidades da vida que se contenta com
[pouco.
Foge de nós a juventude imberbe com sua graça e beleza.
A velhice árida afugenta os amores folgazões e o doce sono.
As flores da primavera nem sempre conservam o seu viço,
nem a lua rubra brilha sempre com o mesmo aspecto.
Por que fatigas o teu espírito com planos eternos que estão acima
[de tuas forças?
Maior felicidade têm aqueles que olham para o presente:
Enquanto ainda é tempo,
por que não bebemos sem preocupações
à sombra de alto plátano
ou à sombra deste pinheiro?
perfumadas as frontes encanecidas com rosas,
ungidas de nardo assírio?
O vinho dissipa cuidados desgastantes...
que servo nos há de servir um copo de Falerno ardente
enquanto aos pés murmuram as águas de apressado regato?

(SCHEID, 1997, p. 52-53).

Ao poeta, no entanto, é possível a eternização através da arte. Horá-


cio vaticinou a sua e funcionou. Passados dois mil anos, cá estamos nós
a ler a poesia deste nada modesto autor:

Um monumento ergui mais perene que o bronze,


mais alto que o real colosso das pirâmides.
Nem a chuva voraz vingará destruí-lo,
nem o fero Aquilão, nem a série sem número
dos anos que se vão fugindo pelos tempos...
Não morrerei de todo e boa parte de mim

94
Poesia Capítulo 03
há de escapar, por certo, à Deusa Libitina.
Crescerei sempre mais, remoçando-me sempre,
no aplauso do futuro, enquanto ao Capitólio
silenciosa ascender a virgem e o pontífice.
Celebrado serei, lá onde estrondeia
o impetuoso Áufido e onde Dauno reinou
sobre rústicos povos, em áridas terras,
como o primeiro que, de humilde feito ilustre,
o canto eólio trouxe às cadências da Itália.
O justo orgulho por teu mérito alcançado,
ó Melpômene, assume e, propícia, dispõe-te
a cingir-me os cabelos com délficos louros.

(NOVAK, 1992, p. 93).

Entretanto, foram, sem dúvida, dois os elementos que ajudaram a


imortalizar a obra, a glória e a própria vida de Horácio, o carpe diem e a
não menos aurea mediocritas. O famoso carpe diem vem citado na ode
11, do livro I. Depois não é mais proferido com as mesmas palavras, mas
com variações, e são muitos os momentos em que fica subentendido.

Indagar, não indagues, Leuconói


qual seja o meu destino, qual o teu;
nem consultes os astros, como sói
o astrólogo caudeu:
não cabe ao homem desvendar arcanos!
Como é melhor sofrer quanto aconteça!
Ou te conceda Jove muitos anos,
ou, agora, os teus últimos enganos,
– prudente, o vinho côa e, mui depressa
a essa longa esperança circunscreve
a tua vida breve.
Só o presente é verdade, o mais, promessa...
O tempo, enquanto discutimos, foge:
Colhe o teu dia, – não no percas! – hoje.

(HORÁCIO, 2003, p. 39).


95
Literatura Clássica Latina

Na famosa expressão aurea mediocritas, o segundo termo não deve


ser entendido conforme nossa concepção. Significa o meio termo, ou
a busca pelo equilíbrio em todas as coisas nesta vida. Retomado várias
vezes em outros poemas, aparece na ode 10 do livro II desta forma:

Muito melhor, Licínio, viverás,


não buscando o mar alto, sempre afoito,
nem te ficando, cauto, junto à praia,
rábido o mar.
À áurea mediocridade, se alguém a ama,
da velha casa o desasseio evita;
mas também, sóbrio, foge aos ricos tectos,
causa de inveja.
O vento agita sempre altos pinheiros,
fragorosas, desabam altas torres
e o raio fulminante o pico fere
de altas montanhas.
No dia aziago, espera; no bom, teme,
preparado o teu peito à sorte adversa.
Se Jove hoje nos dá duros invernos,
leva-os depois.
Se vais, agora, mal, nem sempre o irás.
Desperta Apolo, em sua lira, às vezes,
a silenciosa musa, pois nem sempre
o arco distende.
Sê animoso, sê forte, na desgraça:
sábio, saibas, porém, quando te é muito
próspero o vento, contrair a tua
túrgida vela.

(HORÁCIO, 2003, p. 105).

Todavia, o poeta venusiano soube ser não apenas elegante e refina-


do, mostrou igualmente sua veia mordaz, o tom satírico e os assuntos
vis, à moda do mestre Catulo, especialmente nos epodos, uma das obras
iniciais em sua carreira literária, veja no epodo XII:

96
Poesia Capítulo 03
Que queres tu, mulher dos elefantes
negros digníssima! Por que a mim, não
vigoroso, mas cujo olfato é vivo
mandas tu cartas, mandas tu presentes?
Pois, mais sagaz o cheiro mau percebo,
quando se aninha em cabeluda axila,
pólipo ascoso ou fétido bodum,
do que o cão de bom faro, quando junto
ao lugar, onde o javali se oculta.
Que suor! que cheiro mau tresanda e cresce
dos murchos membros, quando, ensarilhadas
minhas armas, indômita, se apressa,
para acalmar o fogo, em que se agita;
quando já lhe não fica sobre o corpo
o úmido pó de gesso e aquela cor
tirada às excreções do crocodilo;
e quando, em tanta afobação, se rompem
e colchão e dossel que cobre o leito!
Ou, quando, com palavras de violência,
censura o meu fastio: “Assim, não lhe falhas,
com Ínaca; com ela, podes, bem,
três vezes e, uma só, comigo, e mal!
Miserável pereça aquela Lésbia,
a quem, pedindo um touro, a ti me trouxe,
fraco, impotente, quando eu tinha Amintas
de Cós, em cujo corpo se implantava
nervo mais rijo e forte do que nova
árvore, nas colinas. A que, pois,
essa pressa em, três vezes, mergulhar,
no múrice de Tiro, a lã de esponja?
Para ti, sim, para que não houvesse
conviva igual, que mais quisesse a sua
amada do que tu! Ah! como sou
infeliz! Foges-me assim, como foge
do lobo a ovelha e do felino as cabras.

(HORÁCIO, 2003, p. 217).


97
Literatura Clássica Latina

• Ovídio

Públio Ovídio Naso viveu entre os anos de 43 a.C. e 17 d.C. Nasceu


em Sulmona, na Itália central, e faleceu em Tomos, atual Constanta (na
Romênia) durante seu sétimo ano de exílio. Podemos pensá-lo como o
poeta do amor, seu grande e primordial tema, principalmente no início
de sua carreira. Do total de sua obra que chegou a nossas mãos atual-
mente, poucas escapam deste foco.

Fastos, que você poderá observar no Capítulo sobre Poesia Di-


dática, é uma delas. Talvez, por isso, não tenha sido encerrada devi-
damente. Como aponta e repara Gaillard, uma revisão do calendário
religioso romano, em que o poeta “se cansou do projeto no sexto mês”,
isto é, “no sexto canto”. O poeta “não se apaixonou pelo tema e isto se
nota”. (GAILLARD, 1997, p. 81). Afora este último e os produzidos
durante o exílio, os demais livros se relacionam todos ao amor. Al-
guns, os títulos evidenciam: A arte de amar, um manual de conquista
amorosa dirigido aos homens e, inovadoramente, às mulheres, e Os re-
médios do amor, um contraveneno ao texto anterior, um manual para
se desvencilhar dos amores conquistados.

Em Produtos de beleza para o rosto da mulher, esse nobre sentimen-


to é o que motiva a escritura, visto que posteriormente, em sua Arte de
amar, ele postula os artifícios, inclusive estéticos, como ações possíveis
para a conquista feminina de um amor. Esta passagem justifica:

Sobre os meios de embelezá-las [a vocês, mulheres, refere-se o poeta]


escrevi um tratado: ele é curto, mas é uma obra importante pelo cuida-
do que lhe dediquei. Vocês podem também procurar nele os socorros
para os danos causados em seu rosto: para tudo que lhes interessa, mi-
nha arte fornece artifícios.

(OVÍDIO, 2001, p. 93).

Em Metamorfoses, o amor é muitas vezes a mola propulsora e de-


sencadeadora de muitas metamorfoses. É ele que faz com que Orfeu vá

98
Poesia Capítulo 03
aos infernos buscar sua amada Eurídice, já morta. É ele que proporciona
o longo definhar de Narciso, apaixonado por si mesmo, e a posterior
transformação em flor.

Ovídio foi sobretudo um bon vivant. Soube como poucos carpe-


re diem / uitam, aproveitar o dia (talvez mais a noite) e a vida. Viveu
plenamente a vida em sociedade, o convívio social. Amou. Pela com-
preensão de Gaillard,

É o poeta, por excelência, dos novos tempos e de suas contradições,


pois, se por um lado, foi o homem dos salões, o poeta mundano,
o artista admirado por seu virtuosismo e engenho, por outro, teve
sérios problemas com a moral oficial (por razões obscuras, mas, sem
dúvida, por conta de um escândalo), e o Príncipe o exilou no litoral
do Mar Negro, em Tomo(i) no ano 8 d.C., de onde nunca mais re-
gressou. Deste modo, o poeta dos jogos amorosos se transformou
no lírico dos lamentos do exilado, e é curioso constatar que a crítica
tradicional, que reprovou sua futilidade, viu nesta mutação uma es-
pécie de redenção. Se há de sofrer para ser poeta, Ovídio teve a sorte
de conhecer esta desgraça.

(GAILLARD, 1997, p. 20)

Foi mais um poeta lírico a deixar de lado as coisas coletivas em


detrimento dos desejos e sentimentos de interesse particular. Foi poeta
lírico por excelência. Cumpriu parcialmente sua função público-poética
com Fastos, com Metamorfoses, mas preferiu falar das artes do amor.

Dos motivos que o levaram ao exílio não se sabe nada, especula-


se apenas. O prefácio do livro A arte de amar, de Dúnia Marinho da
Silva, dá a sua sugestão:

Poeta do corpo, eis o que ele é. Quem sabe não fosse por isto que des-
contentasse tanto Augusto. Não sabemos o que aconteceu, é verda-
de, e o método de Augusto que consiste em fingir reger os costumes
para melhor reduzir o espaço da palavra se revelou, com o tempo,

99
Literatura Clássica Latina

exemplar, eficaz e muito útil: ele é aplicável atualmente. Não vemos


a qual facção perigosa poderia pertencer Ovídio, nem qual doutrina
perniciosa teria podido favorecer o poeta de Fastos, esse calendário
respeitoso – mas é pedir muito querer perguntar ao homem que reina
sobre o Estado as razões de seu capricho: é provável que Ovídio tenha
sido perseguido por ter pregado uma tolerância que não era pratica-
da e que incomodava o absolutismo. Qualquer que seja o motivo, as
lições do mestre Ovídio a seu aluno da Arte de amar são baseadas na
existência da mulher como pessoa humana – mesmo que se trate,
durante o primeiro canto, de considerá-la como objeto de conquista,
praça forte a invadir, presa fácil.

(SILVA, 2001, p. 12)

Em todo caso, a expatriação propiciou uma mudança no espírito e


na obra do poeta, da alegria de viver para a tristeza e o lamento.

Ovídio escreveu elegias. Apesar de ser desconhecida a origem do


vocábulo ‘elegia’, sabe-se que a origem remete a ‘cantos fúnebres’. Para
Massaud Moisés,

O termo “elegia” aparece pela primeira vez com o poeta Clonas, mas
considera-se Calinos (século VII a.C.) o mais antigo autor de po-
esia elegíaca, de assunto bélico. A elegia melancólica e sombria,
introduziram-na Arquíloco e Simônides de Ceos, nos séculos VII e
VI a.C., respectivamente. Derivada da poesia épica, e com ela man-
tendo apreciável semelhança, a elegia, na sua origem, girava em
torno dos mais variados assuntos: em realidade, consistia numa das
fôrmas líricas “onde a pessoa do poeta mais francamente se põe
em cena. Ele queixa-se e louva; moraliza; geralmente exorta. Qua-
se atua como orador: seja o orador político e popular, que busca
desencadear nas almas sentimentos belicosos e patrióticos; seja o
orador filósofo, que disserta acerca da vida humana, seus prazeres
e males; sempre voltado para a prática e pressuroso de concluir. A
elegia é, freqüentemente, como uma primeira manifestação do gê-
nio oratório” entre os gregos (Alfred Croiset, Histoire de la litérature

100
Poesia Capítulo 03
grecque, t.2, Paris, 1890, pp. 90-91). Outras vezes, o poeta demo-
rava-se a carpir sua mágoa pelo passamento de alguém ilustre ou
seu amigo. Todavia, quer glosando temas festivos, quer meditando
gravemente, a elegia identificava-se por seu caráter sentencioso,
ou, como diziam os gregos, gnômico: encerrava conceitos e máxi-
mas morais que visavam fornecer aos ouvintes regras de bem servir
e suportar os transes da fortuna.

(MOISÉS, 1999, p. 167-168)

Metamorfoses são 150 pequenas narrativas mitológicas, divididas


em quinze livros, que evocam transformações de seres vivos e do pró-
prio mundo, explicações míticas para fenômenos naturais, sentimentos e
sensações que o homem percebe, como a inveja e a fama. Apesar de um
tempo mítico, atemporal, portanto, reporta um período desde as origens
do universo, com a criação do mundo até a transmutação do personagem
histórico Júlio César em cometa. Vale dizer, de um tempo lendário, quase
que totalmente ligado à cultura grega até chegar às lendas e às persona-
gens de Enéias e Rômulo, aos primórdios da História de Roma, como já
falamos. E, principalmente, até chegar a um período histórico, o de Júlio
César, ainda que se mantenha num plano distante, religioso, mítico. A se-
guir, carissimi discipuli, temos uma tradução do poeta português Bocage
para o belo artifício ovidiano a fim de explicar o sono:

A Gruta do Sono
(Livro XI, 592-645)

Junto aos Cimérios, num cavado monte


Jaz uma gruta, de âmbito espaçoso,
Interna habitação do sono ignavo.
Nos extremos do céu, do céu nos cumes
Nunca lhe pode o Sol mandar seus raios;
A terra exala escurecidas névoas,
O crepúsculo incerto ali é dia:
Ali não chama pela aurora o galo;
Do lugar o silêncio nunca rompem

101
Literatura Clássica Latina

Os solícitos cães, os roucos patos,


Sagazes inda mais, para pressentidos
Não fera, não rebanho ali se escutam,
Nem ramo algum, que os Zéfiros embalem.
O calado sossego ali reside.
De baixa, e rota pedra sai, contudo,
De água do Letes pequenino arroio,
Que, por entre os mexidos, leves seixos
Com murmúrio suave escorregando,
Convida molemente ao mole sono.
À boca da sombria, ampla caverna
Florescem mil fecundas dormideiras
Inumeráveis ervas lá se criam,
De cujo sumo, ó Noite, extrais os sonos
Que úmida entornas pela terra opaca.
Porta alguma não há estância toda:
Volvendo-se, ranger, bater pudera;
Ninguém vigia na fragosa entrada.

(OVÍDIO, 2000, p. 113).

Observe, caro(a) aluno(a), o poder de descrição, bastante plásti-


co, do poeta romano. Segundo João Oliva Neto (2000, p. 7), no prefá-
cio dessa mesma obra, “As Metamorfoses apresentam espetacularmente
como que os efeitos especiais da linguagem verbal.”

• Virgílio

A contribuição do talento virgiliano para a lírica é dada sob o nome


de Bucólicas, obra composta por dez cantos de assunto pastoril. Zélia de
Almeida Cardoso recupera o termo grego boukoliká, que significa “can-
tos de boiadeiros”, porque “assim se designavam as canções que, ver-
sando sobre assunto relacionado com o pastoreio, eram apresentadas
em concursos públicos na Sicília” (CARDOSO, 2003, p. 61). Um pouco
antes, a autora afirmara:

102
Poesia Capítulo 03
A Grécia, desde os primórdios de sua história, conheceu muitos tipos
de canções. As condições geográficas parecem ter contribuído para o
desenvolvimento do canto, especialmente favorecido pela existência
de intensa atividade pastoril. Diferentemente do que ocorre com o la-
vrador, labutando o dia todo na lida com a terra e extenuando-se com o
trabalho pesado que lhe exaure as forças, o pastor vigia simplesmente o
gado, permanece solitário muitas vezes e tem disponibilidade suficien-
te para cantar ou tocar.

(CARDOSO, 2003, p. 49).

A partir dessas informações cabe salientar dois elementos que vão


compor certa tradição pelo mundo ocidental afora:

1) a poesia enunciada por pastores, que vai repercutir no Brasil in-


clusive, em nível erudito, no movimento arcadista, com Tomás
Antonio Gonzaga;

2) a poesia popular, na trova gauchesca e no repente nordestino,


ambos frutos da natureza do trabalho pastoril de tropeiros e
vaqueiros, e o embate poético, o desafio, a busca de superar o
adversário na destreza dos versos, de que o trovadorismo euro-
peu, o rap de origem afro-americana e as duas poesias brasilei-
ras antes citadas são remanescentes, direta ou indiretamente.

Nas Bucólicas de Virgílio, diálogos entre pastores podem ser vistos


nos cantos I, III, V, VII e VIII. O exemplo a seguir, uma conversa poética
entre Melibeu e Títiro, diz respeito ao primeiro canto:

MELIBEU

Títiro, reclinado sob a copa de frondosa faia,


tocas na flauta leve uma canção silvestre.
Quanto a mim, estou deixando os limites da Pátria e seus doces campos,

103
Literatura Clássica Latina

estou abandonando a minha Pátria. Tu, Títiro, indolente na sombra,


ensinas as árvores a ressoar o nome da bela Amarílis.

TÍTIRO

Melibeu, foi um deus que me propôs um ócio tal.


Por isso, ele será sempre um deus para mim.
Um tenro cordeiro de meu aprisco banhará freqüentemente o seu
altar. Ele permitiu, como vês, que o meu gado pastasse livre
e que eu tocasse no cálamo agreste aquilo que desejasse.

(NOVAK, 1992, p. 43).

Esta cena, comum neste tipo de poema, bem como na lírica em


geral, nos faz lembrar o bucolismo retratado na pintura, nas artes plás-
ticas e nas artes erudita e popular ao longo dos tempos. Muitas delas
retiradas da maestria poético-descritiva dos poetas clássicos. Os re-
gatos, os rebanhos a pastar ao largo, a natureza em seu esplendor e
pureza, um convescote à sombra de frondosas árvores, um casal de
namorados. O que os estudiosos denominam locus amoenus (lugar
agradável, aprazível, ameno).

Como se esquecer de tais paisagens e cenas em quadros, nos bibelôs


de nossas avós, ou em apara-barros de caminhões pelas estradas brasilei-
ras? Uma estradinha, um rio serpenteando ao lado, um boi, uma casinha
com a chaminé fumegando... Como se esquecer disso na música popular?
“Eu quero uma casa no campo”, de Zé Rodrix e “Além do horizonte”, de
Roberto e Erasmo Carlos.

Para Gaillard,

Virgílio toma de Teócrito a forma – diálogos em hexâmetros datílicos


– e o cenário: um campo bastante convencional que corresponde bas-
tante com a idéia que dele se faz para o habitante da cidade. Mas tam-
bém toma do poeta de Siracusa os nomes dos pastores, e sua forma

104
Poesia Capítulo 03
de viver. A Arcádia é transportada indene ao campo italiano, pois, nos
versos dos poetas alexandrinos, havia deixado de ser definitivamente
uma rude região situada no coração do Peloponeso para se conver-
ter em uma paisagem imaginária: a da pastoral. Segundo uma antiga
tradição, os pastores da Arcádia freqüentavam [os bosques, campos e
montanhas] de Pan e de Ártemis, e se entregavam com fervor à músi-
ca. As circunstâncias históricas contribuíram não pouco a colocar em
moda, na Roma do final do século I, esta estilização do paraíso terreno:
demasiadas guerras e enfrentamentos políticos, excessivas tensões
também na vida urbana, alimentaram o desejo de um país maravi-
lhoso no qual as únicas rivalidades que enfrentavam seus habitantes
eram poéticas e musicais.

(GAILLARD, 1997, p. 67)

Daí o artificialismo que muitos críticos imputam à obra, visível na


passagem a seguir, extraída do Canto VI:

A primeira a dignar-se a compor em versos rústicos,


não se envergonhando por morar no bosque, foi a nossa Tália.
Quando eu cantava reis e batalhas, Cíntio tocou-me a orelha
e me advertiu: “É mais oportuno, Títiro, que um pastor
apascente ovelhas gordas e entoe canções modestas”.
Hoje, vou tocar uma ária agreste na flauta suave
pois que tu, Varo, terás, em grande número,

quem te deseje louvar ou celebrar tristes guerras.


Não canto o que não foi pedido. Mas se alguém ler meus versos,
se algum amante os ler, nossos tamarindos, Varo,
e o próprio bosque te cantarão. Nada é mais grato ao Deus Febo
que a página que ostenta o nome de Varo.

(NOVAK, 1992, p. 59).

Ainda hoje seria incomum um simples pastor viver do pastoreio e


da poesia, muito mais ainda à época.

105
Literatura Clássica Latina

De certo modo, as Bucólicas de Virgílio ajudaram ou se propuse-


ram a ajudar na busca política de Augusto em promover um retorno ao
interior, em tentar diminuir as populações dos grandes centros urba-
nos, principalmente Roma. Propaganda institucional que se pode ver
no canto I e em outros:

TÍTIRO

Como um tolo, Melibeu, pensei que a cidade a que chamam Roma


era semelhante a esta nossa, para onde, nós pastores, muitas vezes,
costumamos levar os filhotinhos separados das ovelhas.
Julgava, assim, os cãezinhos semelhantes aos cães, e os cabritos
às mães; assim costumava confrontar grandes coisas com pequenas.
Mas esta cidade, realmente, elevou tanto a cabeça entre as demais
quanto os ciprestes costumam elevar entre juncos flexíveis.

(VIRGÍLIO, In: Poesia lírica latina. NOVAK, Maria da Glória


(org.). Tradução desse poema de Zélia de Almeida Cardoso. São Paulo:
Martins Fontes, 1992, p. 43)

É muito frequente na obra a oposição entre campo e cidade, a pu-


reza e naturalidade daquele, a maldade e o artificialismo desta.

• Marcial

Marco Valério Marcial é o poeta que escolhemos como representante


da lírica após o período áureo de Augusto. Viveu entre 40 e 104 d.C. De um
modo geral a tradição no Brasil não lhe incluiu entre os grandes poetas,
talvez por conta de seu tom de zombaria e mesmo pela falta de decoro em
algumas de suas epigramas. Seguiu em grande parte a linha poética de Ca-
tulo e de Ovídio, tratou mais de questões pessoais e menos, ou quase nada,
da vida pública. Por isso mesmo parece ser propício, se quisermos olhar
para uma Roma possivelmente mais verdadeira e original...

Segundo Zélia de Almeida Cardoso,

106
Poesia Capítulo 03
Marcial escreve Epigramas (Epigrammaton libri), cerca de mil e quinhen-
tos pequenos poemas sobre assuntos diversos que nos fornecem, em
traços rápidos mas executados com precisão e maestria, preciosos re-
tratos da vida romana da época. Realistas e divertidos, pitorescos e ori-
ginais, revelam o talento de um artista, de estilo vivo, criativo e elegante,
simultaneamente conciso e rico, variado e natural.

(CARDOSO, 2003, p. 87).

Em sua poesia estão presentes os livros, a literatura e outras afini-


dades:

16 (Livro I)

Aqui lês dois versos bons,


três passáveis, mil ruins.

Não há outro modo, Avito:


um livro se faz assim.

[...]

40 (Livro I)

Você que franze os sobrolhos


E não me lê de bom grado,
Que morra sempre de inveja
Sem nunca ser invejado.

[...]

63 (Livro I)

Que eu recite meus versos


me pedes quase a implorar.
Não quero, Célere, almejas
não ouvir, mas recitar.

107
Literatura Clássica Latina

[...]

91 (Livro I)

Não mostras, Lélio, teus versos;


criticas, contudo, os meus.
Ou pára de criticar,
ou então publica os teus.

(NOVAK, 1992, p. 271)

Marcial demonstra um humor mordaz, corrosivo, agressivo por ve-


zes, como neste de número 19, do livro 1:

Se bem me lembro, Élia, tu tinhas quatro dentes;


uma tosse cuspiu dois e outra tosse, mais dois.
Já tu podes sem susto os dias inteiros tossir,
que uma terceira tosse o que tirar mais não tem.

(NOVAK, 1992, p. 271)

Ou, nestes outros:

8 (Livro 3)

Quinto ama Taís.


Que Taís? A caolha.
Ela é cega de um olho
ele é cego dos dois.

[...]

38 (Livro 2)

Você quer, Lino, saber


que lucro meu sítio dá?

108
Poesia Capítulo 03
Me dá esse lucro, Lino:
não vejo você por lá.

(NOVAK, 1992, p. 277-279).

Há o Marcial erótico, à moda de Catulo:

22 (Livro 4)

Sofridos os primeiros assaltos conjugais


e a seu marido ainda de todo não dobrada,
a braços e abraços fugindo melindrosa,
num banho de águas claras Cleópatra imergiu...
Mas a água traidora revelou-a escondida.
Como esplendia linda, velada em transparências!
Assim em vidros limpos os lírios brilham mais,
assim cristais proíbem se escondam finas rosas...
Atiro-me nas águas e, nelas imergindo,
os beijos que relutam vou ávido colhendo.
O resto me impedistes, ó águas transparentes...

(NOVAK, 1991, p. 281).

3.4 A Poesia Satírica

DA SÁTIRA

A sátira é um espelho: em sua face nua,


Fielmente refletidas,
Descobres, de uma a uma, as caras conhecidas,
E nunca vês a tua...

(Mario Quintana)

Ao anunciar poesia satírica referimo-nos à sátira, o único gênero


literário nascido real e espontaneamente em solo romano. De difícil de-
109
Literatura Clássica Latina

finição, segundo Zélia de Almeida Cardoso é “uma espécie de crônica


social em versos”, que “não se inspirou em modelos gregos equivalentes”
(CARDOSO, 2003, p.89), o que ensejou a Quintiliano dizer: satura tota
nostra est. (A sátira é toda nossa). Para Massaud Moisés,

Modalidade literária ou tom narrativo, a sátira consiste na crítica das


instituições ou pessoas, na censura dos males da sociedade ou dos
indivíduos. Vizinha da comédia, do humor, do burlesco e cognatos,
pressupõe uma atitude ofensiva, ainda quando dissimulada: o ataque
é a sua marca básica. De onde o substrato moralizante da sátira, inclu-
sive nos casos em que a invectiva parece gratuita ou fruto do despeito.

(MOISÉS, 1999, p. 469-470).

Como se pode notar por intermédio dessas duas proposições, não


é simples a sua demarcação, é uma poesia que por vezes pode nos
lembrar a epigrama pelo sarcasmo, mas desta se distingue pela exten-
são, em número bem maior de versos. Embora possa se assemelhar à
comédia antiga grega pela crítica direta a instituições ou pessoas, desta
se diferencia pelo fato de não ser teatro, por não apresentar atores,
nem ação ao vivo. Há, sem dúvida, o aspecto cronístico, a que Mas-
saud Moisés também alude, “a sátira caracteriza-se por sua efemeri-
dade: tende a envelhecer e a perecer com os eventos que a suscitaram;
obra de momento, desvanecida a conjuntura que lhe motivou o apare-
cimento, a sátira perde o sentido e força à medida que o tempo passa”
(MOISÉS, 1999). Entretanto, entendemos que como todo bom texto,
como toda boa crônica, pode resistir ao tempo, sim. Algumas sátiras
latinas oferecem-nos uma visão da época, como que uma fotografia,
importante para pensarmos a História e, mais do que isso, a percepção
de quanto a humanidade muda sem mudar em quase nada.

O vocábulo sátira não ajuda muito, tendo em vista que apresenta


mais de uma sugestão para a versão etimológica. É o que aponta Almei-
da Cardoso:

110
Poesia Capítulo 03
Muitas elucubrações lingüísticas foram feitas em torno da palavra sa-
tura. Alguns nela viram uma possível origem grega, aproximando-a
do nome dos sátiros (satyroi), divindades campestres associadas aos
faunos e presentes nos dramas satíricos. De outro lado, como a pala-
vra satura designava também a cesta de primícias de frutas de várias
qualidades, ofertada aos deuses no início do outono, e uma espécie
de patê em cuja composição eram usados diferentes tipos de carne,
a aproximação metonímico-catacrética possivelmente foi feita. A ca-
racterística da satura – dramática ou literária – seria a exploração de
assuntos variados em sua composição e a utilização de diversidade de
metros e de tons. Em ambos os casos a satura pode ser considerada
como criação latina.

(CARDOSO, 2003, p. 90).

De qualquer modo, parece prevalecer a idéia de mistura, variedade...

Além disso, existiram em Roma dois tipos diferentes de sátiras:


uma forma primitiva, teatral, cujo texto era fundamentalmente oral, e
a sátira com apelo cronístico, de que nos ocuparemos aqui. Sobre essas
duas, Almeida Cardoso as especifica assim:

É preciso, porém, fazer uma distinção entre as sátiras literárias que che-
garam até nossos dias, trazendo preciosas informações sobre a vida
cotidiana do romano, e a satura dramática da época primitiva. As sáti-
ras literárias, produzidas por diversos autores, são composições poéti-
cas narrativo-dissertativas ou dialogadas, que, apresentando fatos ou
pondo pessoas em foco, ridicularizam os vícios e defeitos de maneira
jocosa ou indignada e assumem não raro um tom filosófico-moral; a
satura dramática, à qual já nos referimos, é uma modalidade teatral
rudimentar, que nunca encontrou expressão escrita e resulta da com-
binação de cantos fesceninos com danças mímicas.

(CARDOSO, 2003, p. 89).

111
Literatura Clássica Latina

Cabe ainda destacar a compreensão e a versão que Salvatore


D’Onofrio tem da sátira. Em sua tese Os motivos da sátira (1968), ele
defende que a sátira latina surge no cenário romano como resistência e
oposição à cultura e literatura gregas...

O primeiro nome como referência para sátira é Lucílio. Embora


antes dele tenhamos autores, é com ele que o gênero se estabelece em
Roma. Mas deste não nos restou nenhum texto, a não ser citações feitas
por contemporâneos. De modo que falemos dos poetas satíricos cujas
obras podem ser conferidas.

• Horácio

Junto à diversidade de gêneros textuais que Horácio escreveu estão


as sátiras, originalmente intituladas Sermones, isto é, Conversas. Aliás,
muitas delas apresentam uma forma dialogada. Os temas dessas con-
versas são variados, discutem sobre poesia, epicurismo, perturbações
do dia-a-dia...

Na sátira de número 1, do livro II, por exemplo, o poeta discute


com Trebácio sobre o gênero em questão, quando Horácio delimita sua
posição não agressiva e seu espírito tranquilo até onde possível dentro
deste tipo poético:

Minha pena, no entanto,


por si não atacará a ninguém,
e me defenderá a mim como defende a espada embainhada:
Por que eu haveria de puxar esta espada?
Com certeza só diante dos malvados salteadores!
Ó pai e rei Júpiter,
que a arma pereça por sua própria ferrugem, abandonada!
que ninguém me ataque, eu só quero a paz!
Mas aquele que me provoca, tome cuidado!
Gritarei por meio de versos!
Melhor é não tocar-me.
Ele chorará e será cantado bem bonito em toda a cidade.

112
Poesia Capítulo 03
O Cérvio, se está irado, ataca as leis e a urna judiciária,
Canídia de Albúcio ataca com seus venenos potentes,
Túrio, juiz cruel e corrupto, a todos aterra
na hora de julgar a causa que defendes.
Assim, por aquilo em que alguém é mais versado,
ele se defende,
e a própria natureza manda que seja assim.
Raciocina comigo:
o lobo se defende com o dente,
o touro ataca com os chifres,
Quem lhes ensina assim?
se não fossem ensinados por sua própria natureza?
Confia a Ceva a mãe de longa vida,
ela faz uso de sua mão direita impiedosa...

(SCHEID, 1997, p. 164-165).

Já na de número 4 do livro I, ele diz que só atacará a quem tiver


alguma culpa, e começa assim o poema:

Eupolis,
Cratino,
Aristófanes
e todos os poetas da antiga comédia
descreviam com muita liberdade
a quem merecia ser descrito
por ser mau, ladrão, adúltero, assassino
ou famoso por outra qualquer infâmia.

[...]

e arremata

[...]

Outra ocasião veremos se a comédia é verdadeira poesia ou não.


Agora eu gostaria de tratar da questão:

113
Literatura Clássica Latina

se a sátira, com razão, te assusta?


Cáprio e Súlcio andam por aí pelas ruas
tremendamente roucos e com os libelos de acusação nas mãos...
ambos são o terror dos ladrões e dos salteadores.
Mas quem tem a consciência e as mãos limpas,
despreza os dois...
Embora tu sejas semelhante
aos ladrões e devassos Célio e Bírrio,
eu não sou semelhante ao Cáprio e Súlcio,
por que tens medo de mim?

(SCHEID, 1997, p. 143-146).

Um pouco do cotidiano de Roma pode ser visto nas sátiras horacia-


nas, como nas passagens a seguir. A primeira retrata uma cena escolar e
a prática pedagógica de premiação aos alunos mais atentos à lição:

Enfim, para não tratar o assunto, brincando,


embora também se possa dizer a verdade, brincando...
como um professor distribui às vezes
biscoitos aos meninos,
para que aprendam com mais docilidade as primeiras letras...

(SCHEID, 1997, p. 128).

A segunda, o ataque de um poeta importuno a desejar que Horá-


cio o apresente e o coloque junto ao círculo social-literário de Mecenas.
Como se vê não é de hoje que o homem tem dificuldades em se desven-
cilhar de aporrinhadores, ainda não havia o serviço de tele-marketing,
mas era pior que isso porque o contato físico era inevitável. É o que
acontece na sátira 9, do livro I:

HORÁCIO

Ia eu casualmente pela Via Sacra,


pensando como de costume,

114
Poesia Capítulo 03
não sei em que bagatelas,
todo abismado nelas...
Quando, de repente, vem correndo para mim
um sujeito conhecido apenas de nome,
agarrou-me pelo braço e me disse:

IMPORTUNO

Como vais, meu caríssimo amigo?

HORÁCIO

Tudo bem por enquanto...


Passe bem!
Como ele continuasse a meu lado,
corto-lhe a palavra, dizendo:
Desejas alguma coisa?

IMPORTUNO

Deverias conhecer-me...
Sou também um grande letrado.

HORÁCIO

Estimo...
enquanto me esforçava desesperadamente para livrar-me dele:
ora caminhando mais depressa,
ora parando,
ora dizendo qualquer coisa ao ouvido de meu servo,
com o suor a correr-me até os tornozelos.
Pensava, então, com os meus botões:
“Ó Bolano, feliz de ti que tens um gênio explosivo”...
enquanto ele tagarelava qualquer bobagem,
louvando os bairros e a cidade...
Como eu nada lhe respondesse, disse-me em tom magoado:

115
Literatura Clássica Latina

IMPORTUNO

Queres esquivar-te?
Já estou percebendo...
Não vai adiantar nada!
Não te largarei, ficarei sempre a teu lado...
Para onde vais agora?

(SCHEID, 1997, p. 156-157).

E desta forma segue o diálogo e a dificuldade de Horácio, que só


se livra de tal figura quando um adversário deste lhe retira para outro
lugar. Por acaso, você já não vivenciou uma situação assim?

Por esta última passagem, colocamo-nos mais uma vez em po-


sição contrária a Massaud Moisés quanto à temporalidade, finitude
e limitação no tempo a que se refere o autor em relação às sátiras.
Por esta e outras, lembrando as modernas narrativas a que chama-
mos crônica, é possível perceber que o texto e a situação se mantêm
muito atuais e válidos, tanto em humor quanto em reflexão sobre a
natureza humana.

• Juvenal

Décimo Júnio Juvenal cumpriu sua existência entre os anos de


sessenta e cento e trinta da nossa era, não existe comprovação exata
nas datas. Escreveu dezesseis sátiras denominadas Satyrae, em cin-
co livros, em que censurou a moral e os vícios da sociedade romana,
principalmente das altas classes. Seus textos variam quanto ao número
de versos, quanto à extensão. Jean Bayet, ao falar do caráter geral de
sua escritura, diz assim:

Lento em encontrar sua vocação, Juvenal o foi também em sua evo-


lução: aparece constantemente atrasado em relação a seu tempo. A
indignação – disse ele – o fez poeta; mas trata-se de uma indignação
retrospectiva e cuidadosamente alentada: nomeia as suas vítimas, que

116
Poesia Capítulo 03
são – unicamente – mortas; ataca seus vícios, mas seleciona os maio-
res extremismos nos costumes dos reinados precedentes. As últimas
sátiras respondem melhor à regeneração moral da alta sociedade sob
o império de Trajano, mas não foram escritas até Adriano. Juvenal não
é um satírico de “atualidades”, combina sempre leituras e experiências
do passado com as do presente.

(BAYET, 1996, p. 374-375).

No conjunto de sua obra critica as mulheres, a miséria dos intelectu-


ais, os excessos na mesa, a educação dada aos filhos. Por acaso, não seriam
(são) todos esses itens motivos de críticas em nossos dias? O autor começa
a obra justificando e expondo as muitas razões em escrever sátiras.

Das mulheres, o autor inicia dizendo que, dignas de serem cha-


madas nobres, só existiram “nos primórdios das Eras”, depois disso, à
sua época, elas se fazem gladiadoras, doutoras, são bêbadas, messalinas
(JUVENAL, 1945, p. 63-78).

O tom moralista pode ser exemplificado nestes versos: “A vergonha


fugiu de Roma, e poucos / Que alguma ainda tem, são apupados.” (Idem,
p. 149). A crítica ao poder dos ricos e a impotência dos pobres, nestes:
“Na riqueza desculpa alcança eterna! / No Pobre, o jogo, um adultério, é
crime: / Neles é graça, é bagatela, é brinco.” (Idem, p. 154).

Pelos títulos de algumas sátiras suas, como “Miséria dos intelectu-


ais”, “O luxo da mesa”, pelos conteúdos de seus textos, a educação dada
aos jovens e o burburinho e a agitação das ruas de Roma, você pode per-
ceber claramente que não há muita efemeridade neste gênero literário.
Muitos dos vícios que Horácio e Juvenal apontam em seus livros podem
ser aplicados perfeitamente em nosso mundo contemporâneo, em nossa
sociedade e em várias outras de diferentes tempos.

117
Literatura Clássica Latina

3.5 A Poesia Didática

ARTE POÉTICA

Um poema que não te ajude a viver


E não saiba preparar-te para a morte
Não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.

(Mário Quintana)

Esta divisão e classificação podem parecer estranhas se lembrar-


mos que para os antigos gregos e romanos a arte e, como tal, a literatu-
ra, tinham por si só um caráter informativo e educativo, buscava-se
por seu intermédio incutir bons exemplos no plano da moral, civili-
dade, religiosidade etc. Contudo, por poesia didática entendemos o
conjunto de obras em que o ensinamento e a informação estão acima
do elemento artístico, ficcional. É um tipo de poesia em que o autor
pretende antes de tudo apresentar e/ou defender uma teoria, expor
técnicas, mais do que fazer arte.

No texto de Zélia de Almeida Cardoso, já muito reconhecido por


você a esta altura, carissime discipule, encontramos a seguinte retomada
histórica:

O romano sempre demonstrou ter espírito prático e pragmático. Ao


aprender a manejar o verso foi levado, evidentemente, a descobrir-
-lhe uma função utilitária. E nasceu dessa forma a poesia didática,
que coexistiu com os demais gêneros poéticos em todas as fases da
literatura latina. Na época primitiva surgiram, sob forma de oráculos
(uaticinia), predições (sortes) e provérbios (sententiae), as primeiras
manifestações, ainda embrionárias, da poesia didática. Alguns des-
ses versos se mantiveram até a época clássica e foram reproduzidos
por historiadores.

(CARDOSO, 2003, p. 103)

118
Poesia Capítulo 03
Entre os primeiros autores dessa linha de escritura, a autora cita
Ápio Cláudio Cego, ao final do século IV a.C., o polivalente Ênio e Ca-
tão. Mas destes muito pouco de suas obras chegou até nós. Passemos
então aos principais nomes.

• Lucrécio

Tito Lucrécio Caro nasceu no começo do primeiro século de nossa


era e morreu em 75, segundo alguns estudos. Sua única e grande obra
foi De rerum natura, um longo poema escrito em hexâmetros datílicos,
os mesmos versos empregados na poesia épica. Obra em que, ainda que
muito artística, apresenta, expõe, defende e homenageia o ideário epi-
curista. No texto do nosso já muito conhecido Jacques Gaillard, encon-
tramos a seguinte asserção:

Epicuro havia considerado a poesia como um dos prazeres ilusórios que


nos distanciam da lucidez. Lucrécio se explica: sabedor de que o pen-
samento de Epicuro é difícil, para não dizer austero, trata de adoçá-lo
mediante a forma poética, como quando se unta com mel a borda de
um copo que contém uma amarga poção de absinto.

(GAILLARD, 1997, p. 58).

• Horácio

A Arte Poética de Horácio se insere no grupo das três princi-


pais reflexões sobre literatura na antiguidade, juntamente com a de
Aristóteles e o tratado sobre o sublime, de Longino. Destas duas se
distingue pela extensão e sistematização, tendo em vista que foi es-
crita sob a forma de carta dirigida ao Pisões, forma com que também
muitas vezes é reconhecida. Esta epístola foi escrita em forma de
versos, precisamente em hexâmetros datílicos. Rosado Fernandes,
na introdução da edição portuguesa da editora Inquérito, afirma que
Horácio, como pensador da poesia se posiciona como moderado, in
aurea mediocritate (no áureo meio-termo) que defendeu fortemente
em muitos de seus textos:

119
Literatura Clássica Latina

Mas Horácio não toma partido por qualquer posição extremista: não
é arcaizante, mas tão-pouco é modernizante em todo o sentido. Se
é helenizante, é porque julga que a cultura refinada dos Helenos po-
derá trazer algum bem ao talento agreste dos Romanos. Quanto à
função do poeta na sociedade, acha que este lhe pode ser útil, sem
que, contudo, perca todo o seu individualismo. Tudo o que apregoa,
já Horácio pusera em prática na poesia até então publicada e isto
era a garantia de que os princípios que teorizava levavam, de facto, a
uma poesia cuidada e de excelente nível, qualidades que ele prezava.

(FERNANDES, 1984, p. 21)

Em seu texto podemos distinguir três momentos diferentes. Um pri-


meiro, em que o pensador propõe ideias gerais e preceitos sobre a arte de
escrever, como por exemplo, o cuidado com as palavras e o seu arranjo:

No arranjo das palavras deverás também ser subtil e cauteloso e


magnificamente dirás se, por engenhosa combinação, transformares
em novidade as palavras mais correntes. Se porventura, for necessá-
rio dar a conhecer coisas ignoradas, com vocábulos recém criados, e
formar palavras nunca ouvidas pelos Cetegos cintados, podes fazê-lo
e licença mesmo te é dada, desde que a tomes com discrição. Assim,
palavras há pouco forjadas, em breve terão ganho largo crédito, se,
com parcimônia, forem tiradas de fonte grega.

(HORÁCIO, 1984, p. 59).

Excerto que comprova a afirmação da moderação horaciana feita


por Rosado Fernandes.

Num segundo momento, Horácio aponta os gêneros literários, des-


tacando principalmente a poesia dramática, razão principal da epístola,
e tão somente um pouco da lírica, justo ele que foi poeta lírico.

Sobre a poesia dramática ele salienta a famosa lei dos cinco atos,
regra que os estudiosos supõem ter surgido no período helenístico e que
se faz presente muitas vezes até os dias de hoje: “Que a peça nunca tenha
120
Poesia Capítulo 03
mais do que cinco actos nem menos do que esse número, se acaso dese-
jar que voltem a pedi-la e tornar à cena depois de estreada” (HORÁCIO,
1984, p. 83). Sobre o papel do coro Horácio afirma:

Que o coro defenda a sua individualidade recitando o seu papel como


um actor, e não cante, no meio dos actos, o que não se relacionar nem
se adaptar intimamente ao argumento. Que ele seja propício aos bons
e, com palavaras amigas, os aconselhe, aos irados insuflando calma e
aos que temem pecar, concedendo amor.

(HORÁCIO, 1984, p. 85).

Depois, fala a respeito da tragédia e da comédia, um pouco de suas


origens, os metros e os assuntos empregados.

Da poesia lírica ele apenas cita alguns tipos, como a elegia. E o ob-
jeto da Lírica: “A Musa concedeu à lira o cantar deuses e filhos de deu-
ses; o vencedor no pugilato e o cavalo que, primeiro cortou a meta nas
corridas, os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidados”
(HORÁCIO, 1984, p. 67-68). Observe, discipule, que, tal como Aristóte-
les, o autor não define o que é poesia lírica.

Por fim, na terceira parte, Horácio trata do poeta. “Os poetas ou


querem ser úteis ou dar prazer ou, ao mesmo tempo, tratar de assunto
belo e adaptado à vida” (Idem, p. 105). Aos poetas aconselha evitar es-
cutar a crítica de aduladores e amigos:

Se a alguém tiveres dado alguma coisa ou tiveres intenção de lha dares,


não o convides a ouvir teus versos, porque ele, por si só, está cheio de
alegria e só clamará: “Que lindo! Que bem! Que certo!” Ficará pálido ao
ouvi-los e mesmo de seus olhos amigos alguma lagrimita brotará ao mes-
mo tempo que baterá a terra com o pé. Como, nos enterros, os que para
carpir são pagos, quase sobrelevam em ditos e acções aos que trazem o
luto no peito, igualmente o adulador, que intimamente troça, se comove
mais do que o amigo que, com sinceridade, louva.

(HORÁCIO, 1984, p. 119).


121
Literatura Clássica Latina

Preferindo antes as críticas mais duras e o árduo trabalho de rees-


crever inúmeras vezes até que fique boa a obra.

• Fedro

Caio Júlio Fedro ou Feder foi um ex-escravo de Augusto, liberto


pelo próprio imperador. Em verdade não era romano, já que nascera na
Trácia. Não se tem dados sobre datas de nascimento e morte, mas viveu
no século I, acredita-se que tenha vivido até o reinado de Nero. Desta-
cou-se por suas Fábulas (Phabulae) e através delas criticou fortemente a
crueldade e outros vícios dos poderosos, graças ao disfarce dos animais
falantes. Conforme Jean Bayet,

Algumas alusões de sua obra atraíram sobre ele a vingança de Sejano,


favorito de Tibério: continham certamente a complacência na sátira
e uma queixa/um lamento cheia de dor contra os poderosos, contra
os invejosos, que dissimula mal sob o véu do apólogo. Tende a lograr
uma elegância pura e concisa. Bem longe da fluidez de Horácio, da
sensibilidade, da riqueza lírica e do gênio/genialidade de expressão de
La Fontaine, foi, todavia, o primeiro a demonstrar que a fábula é capaz
de expressar os mais variados tons, desde o epigrama ou a anedota
contemporânea até o drama e a meditação moral.

(BAYET, 1996, p. 304).

A palavra ‘fábula’, em seu primeiro sentido, significa em latim con-


versa, conversação. Em sentido especial é narração dialogada, ou sim-
plesmente narração. Conforme o verbete no Dicionário de termos literá-
rios, de Massaud Moisés,

Narrativa curta, não raro identificada com o apólogo e a parábola, em


razão da moral, implícita ou explícita, que deve encerrar, e de sua es-
trutura dramática. No geral, é protagonizada por animais irracionais,
cujo comportamento, preservando as características próprias, deixa
transparecer uma alusão, via de regra satírica ou pedagógica, aos seres

122
Poesia Capítulo 03
humanos. Escrita em versos até o século XVIII, em seguida adotou a
prosa como veículo de expressão. De longeva origem, talvez oriental, a
fábula foi cultivada superiormente na Antiguidade clássica por Esopo,
escravo grego do século VI a.C., e por Fedro, escritor latino do século I
da era cristã. Modernamente La Fontaine destaca-se como o mais im-
portante dos fabulistas: suas histórias, dadas a lume entre 1668 e 1694,
foram largamente traduzidas, aplaudidas e imitadas.

(MOISÉS, 1999, p. 226).

Assim, os elementos constitutivos fundamentais do gênero são: 1)


“a história protagonizada por animais irracionais”; 2) animais que pos-
suem comportamentos semelhantes e falam como humanos; e 3) a mo-
ral e/ou “alusão” “satírica ou pedagógica” dirigida aos homens.

É justamente Fedro o responsável pela escritura do gênero em versos,


tendo em vista que Esopo, a quem o primeiro atribui a autoria de suas tra-
duções, o fez em prosa. É o próprio poeta que afirma: “Polir de Esopo as
fábulas tentei / Em versos de seis pés que concertei.” (FEDRO, 2001, p.39).

Bayet, em nota ao texto citado anteriormente, reproduz L. Havet,


que diz: “A fábula foi idealizada para ocultar o pensamento de quem não
é livre, em suas origens, foi uma invenção dos escravos” (HAVET, 1996,
p. 304). É, portanto, um libelo contra a opressão.

Até os nossos dias a fábula é empregada como instrumento peda-


gógico, como ensinamento moral para crianças, tradição iniciada no
século das luzes, e La Fontaine nesse sentido foi o principal responsá-
vel por isso. No entanto, à época clássica antiga, este didatismo era di-
rigido aos adultos mesmo. Cabe lembrar que a fábula, de algum modo,
muito contribuiu para o desenvolvimento das histórias em quadrinho
e o desenho animado: animais agindo e falando como seres humanos.
É o que podemos ver na proposta de Samuel Pfromm Netto na in-
trodução da obra de Fedro, em texto intitulado De Esopo e Fedro aos
Muppets: a trajetória da fábula (1996).

123
Literatura Clássica Latina

Para ilustrar, aí vão duas fábulas de nosso amigo Fedro, que talvez
você já conheça em versões modernas de La Fontaine, Monteiro Lobato
ou, quem sabe, em versão mais irônica e debochada de Millôr Fernan-
des, autores que também cultuaram o gênero:

O Lobo e o Cordeiro

É fácil oprimir o inocente.


Por sede ardente impelidos,
O feroz Lobo e o Cordeiro
Tinham vindo saciar-se
Na corrente de um ribeiro:
Água arriba aquele estava,
Longe – abaixo este ficava,
Súbito, as fauces inchando,
O quadrúpede voraz
Busca de rixa um pretexto
E assim prorrompe falaz:
— “Por que turvas revolvendo
Est’água que estou bebendo?”
Contesta o manso Cordeiro:
— “Como, ó Lobo, ser assim,
Se a clara linfa que sorvo
Corre de ti para mim?”
Desta verdade a evidência,
Susta do bruto a inclemência.
— “Há seis meses murmuraste
De mim”, replica o insofrido.
— “Não pode ser, porque ainda
Eu não havia nascido.”
— “Que importa!? Se és inocente,
Foi teu pai o maldizente.
E cerval, inexorável,
Sem que a inocência lhe importe,
Contra o mísero arremete,
Lacera-o, ‘té dar-lhe a morte.

124
Poesia Capítulo 03
— Nesta fábula o retrato
Se exibe dos prepotentes
Que com frívolos pretextos
Oprimem os inocentes.

(FEDRO, 2001, p. 40-41).

Tal como a anterior, a próxima também trata do poder cruel dos que se
julgam superiores sobre os mais fracos. Entretanto, não é só para este vício
que as fábulas apontam, mas para muitos que são próprios da humanidade.

A vaca, a Ovelha a Cabra e o Leão

Jamais é feliz a sociedade com o poderoso.


Do Leão na companhia,
Por ínvias, bastas florestas,
Associaram-se um dia,
Cheias de si, muito lestas,
A Vaca e a Cabra ligeira,
Tendo mais por companheira
A mansa Ovelha, e se foram
A caçar de parceria.
Feliz correu-lhes a empresa,
Pois que um nutrido Veado
Caiu no laço, e quartado,
Cada qual quis quinhoar-se
Na parte que lhe cabia.
— “Chitom! Bradou-lhes então
Qual deles mais força tinha:
A primeira parte é minha,
Porque me chamo Leão;
A segunda heis de entregar-me,
Porque primo em ser valente;
A terceira acompanhar-me
Há de por força de lei
Que me fez o vosso rei;

125
Literatura Clássica Latina

Se a quarta algum imprudente


Ousar para si querer,
Que a não toque! o delinqüente
Terá de se arrepender!”
— Toda a presa, desta sorte,
Caiu na mão do mais forte.

(FEDRO, 1996, p. 48).

• Ovídio

Como já dissemos anteriormente, uma das únicas e poucas obras


de Ovídio que foge de seu espírito individual e usualmente cortesão é
Fastos (Fasti). Livro que aborda a questão do calendário religioso tal
como sugere o título, referência aos dias que não são feriados, mas de
audiência, de atividades e, portanto, não consagrados aos deuses. A res-
peito desta obra, Zélia de Almeida Cardoso diz o seguinte:

A estrutura do poema é bastante original. O projeto de Ovídio seria


dividi-lo em doze cantos ou livros, correspondendo cada um, a um
dos meses do ano. O resultado seria a elaboração de um grande ca-
lendário (fasti), com a indicação cronológica de todas as solenidades
usualmente realizadas em Roma. Chegaram a nossos dias apenas os
seis primeiros cantos. Não se sabe se o texto não foi concluído ou se
os cantos finais se perderam, sendo mais viável a primeira hipótese
uma vez que o exílio do poeta, em 8 d.C., poderia ter determinado a
interrupção do poema.

Os cantos são ricos em informações sobre as antiguidades romanas;


há descrições minuciosas de rituais, explicações sobre sua origem e
indicações dos locais em que se realizavam. Por meio do texto temos
notícias importantes sobre festividades realizadas anualmente, tais
como as Agonalia, as Lupercalia, as Feralia, as Matronalia, as Palilia,
as Qüinquátrias, as Vinalia, Floralia e Lemuria, sobre cerimônias em
homenagem a divindades tipicamente latinas como Jano, Carmenta,

126
Poesia Capítulo 03
Caco, a Concórdia, Término, Mater Matuta, os Lares, a deuses latinos
assimilados a gregos, como Marte, Vênus, Ceres, Juno e Vesta, e, ainda,
sobre festas comemorativas a figuras histórico-lendárias como Quiri-
no, Numa, Ana Perena e Túlia.

(CARDOSO, 2003, p. 116).

Só para você ter uma ideia, temos a seguir uma amostra do texto,
a abertura, com o mês de Janeiro. A palavra é derivada de Januarium,
homenagem a Janus, o deus de duas faces, uma voltada para a entrada,
outra para a saída, ou para o começo e para o fim. Ele era a divindade
que protegia as portas de entrada de Roma, por isso o deus que abre e
fecha o ano. Em discurso direto, sem intermediários nem musas, Janus
fala de si para o poeta Ovídio:

Outra razão de serem dois meus rostos


Me vais agora ouvir, que juntamente
Explica o mister meu; tudo que avistas,
Céu, nuvens, terra, mar, tudo se fecha,
Se abre, por minha mão; sou do universo
O guardador supremo, o que o revolve
Em continuado giro. A paz ridente
Sai do meu templo, porque eu mando; e livre
Vai folgar, vai florir por toda a parte.
Se eu descerrasse os meus portões às guerras,
Todo esse globo se afogara em sangue.
Velo no átrio do céu coas Horas ledas.
Para sair e entrar, Júpiter mesmo
Necessita de mim; donde me hão feito
De janitor o título de Jano,
E inda outros mais, que ao mesmo ofício aludem;
Quando no altar me oferta o sacerdote
Os salsos grãos coa cereal fogaça,
Que me chama o Sacrifício (são nomes
Que te hão-de fazer rir): Patúlcio e Clúsio:

127
Literatura Clássica Latina

Patúlcio, porque entradas patenteio;


Clúsio, por clausurar; o que em dois termos
Me abrangeu todo a rude antiguidade. [...]

(OVÍDIO, p. 109-110).

• Virgílio

As Georgicas foram mais uma obra de Virgílio escrita sob enco-


menda. O nome do título advém do grego, em que o elemento ‘geo’ sig-
nifica terra. O texto está dividido em quatro livros. O primeiro trata
do cultivo de cereais; o segundo é sobre árvores e arbustos, vinhas e
oliveiras; o terceiro diz respeito à criação de animais, pecuária e o últi-
mo, apicultura. Todos eles entremeados e ilustrados com passagens mi-
tológicas, históricas e, logicamente, poéticas, de muita sensibilidade, a
grande força, compreensão e trunfo do poeta. A respeito disso, Zélia de
Almeida Cardoso afirma que

Várias foram as fontes de que Virgílio se valeu para compor seu poe-
ma. É sensível a influência de Hesíodo (Os trabalhos e os dias), Aris-
tóteles (História dos animais e História das plantas), Aratos (Fenôme-
nos), Catão (Sobre a agricultura), bem como em menor escala, das
obras de Teofrasto, Nicandro, Magão e Varrão. A criatividade artística
do poeta, entretanto, permitiu-lhe que inserisse, entre os versos in-
formativos, belas descrições, elogios e quadros. São famosos, entre
os versos outros, o elogio da Itália, a descrição do inverno na Cítia, a
da peste que acometeu os rebanhos do Nórico, a evocação do ve-
lho de Tarento e, sobretudo, no final do livro IV, o epyllion de sabor
nitidamente alexandrino, onde Virgílio relata a história do deus rústi-
co Aristeu, o primeiro que conseguiu restaurar um enxame, fazendo
nascer abelhas de uma carcaça de um boi oferecido em sacrifício.
Tal epyllion não constava da primeira versão do poema. Virgílio o
colocou na segunda, a fim de substituir um elogio a Cornélio Galo,
retirado das Geórgicas quando o poeta, pessoa de confiança do im-
perador, caiu em desgraça perante o Senado, acusado de alta traição.

(CARDOSO, 2003, p. 113).


128
Poesia Capítulo 03
Sobre a grandiosidade de Virgílio, mesmo em um texto classificado
de didático, Jean Bayet discorre:

O interesse pelos camponeses, a certeza de que neles residia a força de


Roma e o amor pela terra italiana não eram coisas novas. Mas a expres-
são é nova nas Geórgicas. Virgílio soube conferir a essas idéias e senti-
mentos um conteúdo universal; o poema é mais humano que italiano: a
natureza e o homem são heróis. Todavia, não deixa de ser atual: no mo-
mento em que se escreve, a Itália trata de recobrar sua personalidade e
viver de novo em si mesma; o ideal do pequeno camponês, lavrador e
soldado, dá alento aos homens de estado e economistas. Otávio e Me-
cenas não acreditavam, sem dúvida, que as Geórgicas poderiam restituir
a plebe urbana à terra; entretanto, devem ter pensado que seu êxito não
causaria danos a seus projetos. Ademais, Virgílio, em seu desejo ardente
pela paz rústica, sonha com eles, com uma nova sociedade de união
nacional e trabalho organizado sob (o comando de) um venerável cau-
dilho; a adulação a Otávio no começo dos cantos I e III é um testemunho
quase excessivo; com maior delicadeza este sonho social transparece na
complacente pintura da “cidade” das abelhas, às vezes perturbadas pelas
lutas civis, mas tão ordenadamente laboriosa em torno de seu “rei”.

(BAYET, 1996, p. 210).

129
Prosa Capítulo 04
4 Prosa.
O amor é prosa, sexo é poesia.

Rita Lee

Como já dissemos na unidade anterior, se a poesia é a ação de dis-


por e expor o pensamento de um autor através do verso, o que implica
para o leitor um percurso de ida e volta na retomada desse pensamento,
a prosa, por contraposição é, na definição de Massaud Moisés (1999, p.
418), “o discurso direto, livre, em linha reta”. Elucidando a questão, o
mesmo autor propõe uma tipologia da narrativa:

Genericamente entendida como oposta ao verso, a prosa apresen-


ta, segundo as retóricas tradicionais, dois tipos básicos: a narrativa
(correspondente à História e à prosa de ficção: conto, novela e ro-
mance) e a demonstrativa (que compreende a Oratória e a prosa
didática: tratados, diálogos, cartas, ensaios). Outra sistematização
divisa cinco modalidades de prosa segundo a sua função: 1) nar-
rativa (equivalente à prosa de ficção), 2) argumentativa (represen-
tada pelos tratados em geral), 3) dramática (praticada no Teatro),
4) informativa representada pelos “livros escolares ou científicos,
enciclopédias, livros de instrução em diversas áreas e ofícios, rela-
tórios de várias espécies, e todos os artigos de jornal e reportagens
com objetivo de informar”, e 5) contemplativa, exemplificada pelo
ensaio, “livros de meditação religiosa, especulação política, ou fan-
tasia, e alguns livros de linguagem descritiva”

(Marjorie Boulton, The Anatomy of Prose, 1968, pp. 4-7) (MOI-


SÉS, 1999, p. 418).

Contudo, não podemos deixar de ressaltar que neste ponto Moisés


faz menção mais específica ao que se conhece modernamente, ao tea-
tro e à literatura moderna, porque, como já foi visto, não corresponde
necessariamente ao que se dava na literatura antiga, em que estas artes
eram escritas sob a forma de verso em geral.

131
Literatura Clássica Latina

A prosa latina compreende as seguintes variações de escritura: his-


toriografia, filosofia, oratória, retórica, erudição, epistolografia (estas
quatro últimas não explicitadas aqui por causa do foco privilegiado) e
os romances, de que trataremos agora.

Antes de tudo e qualquer coisa é preciso esclarecer que o termo ro-


mance é um uso que parte de nosso olhar contemporâneo em direção ao
passado antigo, visto que é posterior à criação desses autores. A palavra
romance é derivada do advérbio romanice, isto é, em língua românica, ou
seja, em língua que já não é mais o latim e ainda não tem foro de língua na-
cional. O advérbio é empregado por oposição a latine loqui, à língua latina.

Dito isso, voltemo-nos então para os autores latinos e as narrativas,


que modernamente são classificadas de romance.

• Petrônio

Caio Petrônio Árbitro (Caius Petronius Arbiter) é o nome do autor


a quem se atribui a maestria do romance Satiricon. Não se tem tanta
certeza a esse respeito. O primeiro nome, alguns entendem que é Tito.
O terceiro é um epíteto incorporado muitas vezes ao nome, por causa de
sua função de árbitro da elegância quando frequentava a corte de Nero.
Até que foi acusado de conjuração e obrigado a cometer “suicídio”, tal
qual acontecera com Sêneca.

Nas palavras de Bayet,

Petrônio pertence à grande sociedade de Roma. É clássico por forma-


ção; e continua sendo em seus gostos: representa para nós a conti-
nuidade da corrente que dissimula o êxito arrebatador dos Sênecas,
Pérsio e Lucano. Seus sentidos são delicados e finos, como os de um
Ovídio. Mas sua experiência é muito mais ampla e variada. A falta de
freio da alta sociedade sob o governo de Nero avivou sua curiosidade
e lhe permitiu satisfazê-la.

(BAYET, 1996, p. 341).

132
Prosa Capítulo 04
Gaillard inicia o seu texto sobre Satiricon destacando já no título
que esta é a obra em que desponta o nascimento do romance:

O Satiricon de Petrônio é, pelo que se pode observar, o primeiro texto


ao qual se pode dar o nome de “romance” na história da literatura. Os
teóricos do gênero – Lukács, por exemplo – não levaram em conta,
como tampouco os romances gregos (sem dúvida, posteriores), o que
é um grave erro, posto que toda uma tendência do romance/novela
do século XVII, por exemplo, se inspira abertamente nestes textos an-
tigos. Diremos para recordar que novela picaresca implica, por defini-
ção, histórias de bandidos, e os romances antigos, latinos ou gregos,
fazem desta violência um dos motores da intriga; do mesmo modo,
conferem às mulheres (e à relação amorosa ou hostil, entre homens e
mulheres) um papel que não existia na historiografia, mas que alcan-
çará grande fortuna no romance do futuro. Poderíamos citar muitos
outros indícios aqui.

(GAILLARD, 1997, p. 88).

A fim de comprovar tal afirmação, ele demonstra com os seguintes


argumentos: projeto épico adornado pelo realismo cotidiano, persona-
gens e estilos bem diferentes, as aventuras e desventuras dos desclassifi-
cados Encolpo e Ascilto, o diálogo que vem da poesia dramática, espaço
desprovido de qualquer idealização, a história individual.

O titulo Satiricon desta narrativa suscita nos estudiosos da obra


muitos questionamentos. Seria, por acaso uma sátira? Elementos que
nos façam pensar em tal hipótese não faltam, a mistura de prosa e ver-
so, a presença do diálogo como no teatro, o espaço em que se movem
as personagens, desprovido de qualquer idealização etc. A passagem a
seguir pode nos sugerir tal hipótese:

– Roubar tudo bem – me disse Ascilto –, mas sem sangue, por favor.

Ele conhecia bem o interior da casa, e nos levou direto para os lugares
onde coisas preciosas estavam nos esperando. Só passamos a mão

133
Literatura Clássica Latina

no bom e no melhor e, ao amanhecer, ganhamos a rua, e não des-


cansamos até nos julgarmos seguros. Ascilto, então, respirando fundo,
enfatizou com quanta alegria tinha pilhado a casa daquele avarento
do Licurgo. Era um unha-de-fome. Nunca nenhum presentinho por
tantas noites de amor, refeições sem vinho, jantares sem carne. Tão
avarento era o miserável que, embora podre de rico, até das coisas
indispensáveis se privava.

Infeliz Tântalo que não bebe o líquido,


nem come dos frutos que sua fome anseia.
Então é isso que é ser rico,
nadar, nadar, e morrer na areia?

(PETRÔNIO, 1987, p. 25).

Afora isso, é possível perceber nesta passagem o caráter picaresco


das personagens, a amoralidade, a despreocupação com o ato de roubar.

A fim de engrossar a ideia de satura, de cesta com muitas variedades


de frutas ou do que se quiser, podemos colocar nesta a reflexão de Satiricon
como uma sátira, uma crítica e uma crônica da sociedade da época. É o que
nos possibilita o capítulo XLIV da obra, em meio a discursos disparatados,
provavelmente de bêbados, em que destacamos este, de Ganimedes:

– O que vocês estão falando não tem pé nem cabeça. A fome ronda
em nossa volta. Não, por Hércules!, hoje, o dia inteiro, não consegui
um pedaço de pão para comer. Sabem por quê? A seca prossegue.
Faz um ano que eu passo fome. Malditos os vereadores que fazem
lá seus pactos com os padeiros. Você livra a minha, que eu livro a
sua, e o povo miúdo que se foda, enquanto as mandíbulas desses
sanguessugas mastigam banquetes. Ah, se tivéssemos ainda entre
nós aqueles homens fortes como leões, que encontrei aqui, quando
vim da Ásia! Aquilo que era viver. A Sicília estava seca, os campos sem
gota d’água, como se Júpiter a tivesse amaldiçoado. Me lembro de
Safinium, ele morava perto do aqueduto velho, eu, criança, ele, uma
verdadeira fera. Por onde ele passava, a terra tremia. Mas era gente

134
Prosa Capítulo 04
fina, limpo, amigo do amigo, o tipo de gente com quem você pode
tranqüilamente jogar par ou ímpar no escuro. E no tribunal? Precisa-
va vê-lo! Ele moía seus adversários. E não falava por esquemas, não.
Dizia direto. Quando falava no tribunal, sua voz crescia como uma
tuba que vai subindo de tom. Não suava, nem cuspia. Tinha alguma
coisa de asiático. E como era bem-educado! Cumprimentava, lem-
brava do nome de todo mundo, como se fosse um de nós. Naquele
tempo, não havia fome. Enquanto era edil, dois homens esfomeados
não conseguiam comer um pão que custava um centavo. Agora, por
esse preço, você compra um pão do tamanho de um olho de boi.
Ai, ai, ai, cada dia pior! Esse país cresce que nem cauda de vaca, para
baixo! E por que não? Temos um edil de meia pataca que dá mais
valor a um centavo do que a nossa vida. Em casa, vive na maior abun-
dância. Ganha num dia mais do que você vai ganhar em toda a sua
vida. Sei de uma negociata dele que, num dia, lhe rendeu mil dená-
rios de ouro. Se nós tivéssemos vergonha na cara, uma coisa dessas
não acontecia. Mas agora o povo é assim, em casa, uns leões, na
rua, rabo entre as pernas, como as raposas. Quanto a mim, já vendi
todas as minhas roupas para poder comer e, se a seca perdurar, vou
ter que vender a roupa do corpo. Que futuro nos aguarda, se nem
os deuses, nem os homens fizerem alguma coisa por nossa terra?
Os deuses que me perdoem, mas acho que é a vontade dos céus.
Hoje em dia, ninguém mais acredita em nada, ninguém observa os
dias de jejum, ninguém está dando a mínima se existe um Júpiter ou
não. Todos, olhos bem abertos, ficam contando seu dinheiro. Antiga-
mente, as mulheres iam descalças, cabelos soltos, um véu no rosto,
a alma pura, para orar a Júpiter que mandasse chuva. Logo, chovia
a cântaros, e todo mundo ficava com um sorriso de orelha a orelha.
Assim era então, hoje, jamais. Como os ratos, os deuses caminham
com os pés calçados em lã. É porque não temos mais fé nos céus que
não chove mais nos campos.

Que discurso mais estranho, não? Deve ser pela distância de quase
dois mil anos. Por acaso não parece o discurso de uma pessoa mais velha,
de um conservador e passadista? Um avô ou um tio nosso? Não parece
os nossos discursos enraivecidos contra os políticos de hoje, de sempre?

135
Literatura Clássica Latina

• Apuleio

Lúcio Apuleio viveu entre os anos 125 e 170 da nossa era, mais
uma vez não são precisas as datas. Nasceu de uma família rica em
Madaura, na Numídia (atual Argélia). Fez seus estudos superiores na
Grécia, retornando depois ao continente africano, para Cartago. Con-
forme Bayet, foi um homem singular e muito representativo de sua
época, apesar de estar acima dela. Viajou bastante e como bom obser-
vador esteve atento a tudo, de obras de arte do passado a costumes do
presente, ávido por detalhes, curioso pelas ciências, as naturais em es-
pecial, mas também pela magia, que vai estar muito presente no livro
que o fez notável. Sua obra comprova a diversidade e a curiosidade.
Ainda seguindo o raciocínio e as palavras do autor francês,

Apuleio escreveu muito. Seus tratados técnicos, perdidos (sobre as ár-


vores, a medicina, a astronomia, os provérbios), deviam ser compilações
ou resumos, como os opúsculos filosóficos em que condensa os ensi-
namentos platônicos (De Platone et eius dogmate); insiste sobre a teo-
ria dos demônios intermediários entre o homem e a divindade (De deo
Socratis), ou se inspira na teoria peripatética do universo (De mundo).

(BAYET, 1996, p. 412).

Ao que Gaillard complementa, “Apuleio é um extraordinário con-


tista, capaz de variar os registros de sua obra até o infinito – desde a
brincadeira maliciosa, do realismo mais cru aos impulsos poéticos da
mais pura ‘prosa de arte’”(GAILLARD, 1997, p. 105).

A obra mais conhecida de Apuleio, a qual chegou até nossos


dias no Brasil, chama-se O asno de ouro, ou também, Metamorfo-
ses (Libri Metamorfoseon). É mais um texto que se enquadra no que
denominamos atualmente de romance. Foi composto originalmente
por onze livros. Conta a história de Lúcio, que, ao ingressar na casa
de uma feiticeira disposto a usar um unguento para se transformar
em pássaro, acaba por errar de frasco e transmutar-se em asno. A
partir daí é descrita a longa trajetória da personagem principal, que,

136
Prosa Capítulo 04
enquanto burro, passa pelas mãos de diferentes donos, bandidos,
proprietário de padaria (episódio já exposto aqui, à página 16).

A respeito do romance, Zélia de Almeida Cardoso observa que “a


obra de Apuleio foi considerada por alguns como uma representação
alegórica do mito platônico de Fedro: a alma deve morrer para chegar
à concepção do divino e sofrer duras provas para elevar-se até deus”
(CARDOSO, 2003, p. 130). Mas não só, Gaillard acrescenta: “Numa
primeira aproximação, os temas da novela coincidem com os de uma
novela de aventuras, ‘picaresca’, como era, em certa medida, o Satyricon”
(GAILLARD, 1997, p. 105).

Muito digno de nota é o conto, dentro do romance, sobre o amor


entre Cupido e Psiquê, em que pese a importância da segunda persona-
gem, por ser a protagonista. A narrativa é tão bela que o melhor a fazer
é lê-la. A fim de instigá-lo(a) mais um pouco, quem sabe o fragmento a
seguir não o(a) convence.

Ao retornar dos Infernos, cumprindo determinação dos deuses,


Psiquê traz uma caixa a ser entregue a Vênus. Embora advertida de que
não tentasse abri-la, a moça desobedece e tenta pegar um pouquinho do
seu conteúdo: beleza. E então...

XXI. Ainda falando, abriu a caixa. Mas naquele cofre não havia nada. De
beleza nem sinal. Nada senão um sono infernal, um verdadeiro sono do
Estige, que, libertado de sua caixa, a tomou toda, infundindo em todos
os seus membros uma espessa letargia, e estendendo-a, em colapso, no
caminho, no próprio lugar onde pousara o pé. Ei-la, pois, jacente, imóvel,
como um cadáver adormecido.

Mas Cupido, com seu ferimento já cicatrizado, convalescia. Como não


podia suportar a longa ausência de Psiquê, escapara pela alta janela do
quarto onde o tinham encerrado. Revigoraram-se-lhe as asas durante
o tempo de repouso. Com um vôo mais rápido que nunca, reuniu-se a
sua Psiquê, afastou com cuidado o sono, fechou-o de novo dentro da
caixa, no lugar que ali ocupava. Depois, despertando Psiquê com a ino-

137
Literatura Clássica Latina

fensiva picada de uma de suas flechas, disse-lhe: ‘És vítima uma vez mais,
desgraçada criança, da curiosidade que já te perdeu. Agora vai, acaba a
missão de que te encarregou minha mãe. O resto compete a mim.’ Com
estas palavras, o amante alado retomou o vôo e Psiquê se apressou a
levar a Vênus o presente de Prosérpina.

(APULEIO, [s.d.], p. 99-100).

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