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Sistemas de crenças, mitos

e rituais na Antiguidade
Editor-chefe
Pablo Rodrigues

Selo Pórtico de Estudos sobre a Antigudade


Direção Científica
Anderson de Araujo Martins Esteves – UFRJ
Carlos Eduardo da Costa Campos – UFMS

Conselho Editorial
Carolina Kesser Barcellos Dias – UFPel
Claudia Beltrão – UNIRIO
Fábio Vergara Cerqueira – UFPel
Luiz Karol – UFRJ

Conselho Consultivo
Alexandre Moraes – UFF
Alice da Silva Cunha – UFRJ
Dolores Puga – UFMS
Moisés Antiqueira – UNIOESTE

Assessoria Executiva
Bruno Torres dos Santos – UFRJ
Carlos Eduardo Schmitt – UFRJ
Luis Filipe Bantim de Assumpção – UFRJ
Luiz Karol – UFRJ

Revisores
Arthur Rodrigues – UFRJ
Bráulio Costa Pereira – UFRJ
Arlete José Mota e Carlos Eduardo da Costa Campos
(orgs.)

Sistemas de crenças, mitos


e rituais na Antiguidade
Copyrigth © 2019 by Arlete José Mota, Carlos Eduardo da Costa Campos e Desalinho

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1900, que entrou em
vigor no Brasil em 2009.

Capa e projeto Gráfico


Pablo Rodrigues

Organização
Arlete José Mota e Carlos Eduardo da Costa Campos

Financiamento para esta publicação


Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Programa de Pós-Graduação de Letras Clássicas – UFRJ

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Mota, Arlete José; Campos, Carlos Eduardo da Costa.


Sistemas de Crenças, Mitos e Rituais na Antiguidade. / Arlete José Mota e Carlos
Eduardo da Costa Campos. – São João de Meriti [RJ]: Desalinho, 2019.

[livro digital] ISBN 978-85-92789-20-6


[livro fisíco] ISBN 978-85-92789-21-3

1. Crença. 2. Religião. 3. Mito. 4. Rituais. 5. Antiguidade. I. Título.

CDD 930

[2019]
Desalinho
Rua Caricó. São João de Meriti, RJ.
Telefone: (21) 994428064
www.desalinhopublicacoes.com.br
www.blogdadesalinho.wordpress.com
desalinhopublicacoes@gmail.com
Sumário

Prefácio
Leandro Hecko 7

Apresentação
Arlete José Mota
Carlos Eduardo da Costa Campos 11

O conceito de sonho na China Antiga


André Bueno 19

Las deliciosas Niñas del Certero


María Cecilia Colombani 35

O cotidiano expressando a ação divina: uma análise do símile homérico


(Ilíada v, 770-2) citado por Longino em Do Sublime (IX, 5)
Ricardo de Souza Nogueira 47

Killing riddles and secrets – a letalidade de segredos e de enigmas (não)


decifrados nos mitos helênicos
Rainer Guggenberger 69

Nomes para os deuses: os hinos órficos e a recepção homérica e hesiódica


Rafael Brunhara 85

Mythos e Thoma em Heródoto: os relatos fantásticos no Livro II da obra


Histórias
Nathalia Monseff Junqueira 101

Esparciatas e periecos: identidade comum em torno do culto a Apolo


Márcia Cristina Lacerda Ribeiro 117

A relação de Esparta e Héracles – discursos, representações e legitimidade


política
Luis Filipe Bantim de Assumpção 145
Bellum Iustum e os rituais romanos: o caso de Sagunto na Segunda
Guerra Púnica (218-202 a.C.)
Carlos Eduardo da Costa Campos
e Anderson de Araújo Martins Esteves 167

Reflexões acerca da elegia II.1 de Tibulo


Arlete José Motta 185

Cultuando divindades solares: Apolônio de Tiana versus Heliogábalo


(Século III EC)
Semíramis Corsi Silva 209

Sol Invicto Comiti: reflexões sobre a imagem dos deuses nas moedas de
Constantino I
Thiago Brandão Zardini 235

Notas biográficas 255


Prefácio

Viver entre mitos, ritos e crenças

“Deus está no particular”. Aby Warburg

É difícil não ter em mente as palavras de Warburg quando se pensa em


mitos, ritos e crenças. Malgrado tais questões se relacionem a elementos insti-
tucionais das sociedades no tempo, as nuances mais preciosas se encontram
em detalhes contidos em registros escritos, em fragmentos da cultura material
deixados como herança sem intencionalidade, em imagens diversas e escritos
não oficiais. Desta forma cabe dizer que, ecoando e intenção de Warburg, os
deuses, os homens, sua relação com o mundo e sua interpretação e tentativa
de ação sobre o mundo estão no particular.
Nesta linha de raciocínio, quando voltamos nossos olhos a antigas ci-
vilizações do Oriente ou Ocidente e quando vislumbramos suas realizações
culturais, somos arrebatados pelo interesse em compreender as particulari-
dades de como egípcios, gregos, romanos, chineses e hindus, entre outros, se
colocavam diante de suas existências. Buscamos entender suas ações diante do
sagrado e do profano, de que forma erigiram sistemas explicativos para o mun-
do, como o pensamento mítico serviu de conhecimento explicativo e como
tentavam intervir nas realidades que lhes eram apresentadas.
Neste ínterim, o livro aqui composto expõe um pouco desse interesse
de compreensão dos antigos sistemas de crenças de povos das Antiguidades.
Reflete o interesse antigo e moderno de compreender o universo, os deuses e
os homens a partir de múltiplas perspectivas, possibilitadas pelos resquícios
do passado onde se assentam detalhes importantes para o entendimento do
espírito humano, dentro de seus precisos contextos de análise sobre mitos, ritos
e crenças.
Para os povos das Antiguidades, os mitos correspondiam a uma realida-
de. Os mitos se configuravam num anseio de explicação, num comportamen-

7
to mental diante do desconhecido tentando atribuir uma organização para o
mundo, um sentido para o mundo e para as ações humanas na terra. Não é à
toa que ainda hoje os mitos em toda sua riqueza nos atraem, transitam em nos-
so cotidiano pelo anseio que temos de tornar o passado presente de distintas
formas, seja em objetos do cotidiano, literatura ou ainda nas telas do cinema.
Em complementação ao fascínio pelos mitos, o interesse pelas práticas
cotidianas dos seres humanos do passado atrai igualmente a atenção dos con-
temporâneos. Desta forma, da relação humana com o mundo temos como for-
ma de ação os ritos, os quais representam a tentativa de garantir a continuidade
da organização do que existe, a continuidade de sentido e, primordialmente,
o interesse de produzir efeitos sobre o mundo real para aqueles inseridos num
sistema de crenças. No presente livro, questões relacionadas a este campo de
ação ritual são também abordadas, de forma a possibilitar vislumbres em casos
específicos conforme apontam os autores nos resultados de suas pesquisas.
Por fim, e em linhas mais gerais, sobra dizer algumas palavras sobre
aquilo que creem os antigos e por que acreditavam naquilo que observamos
nas entrelinhas das fontes ou ainda nas evidências que compõe sua natureza
diversificada. As crenças englobam, num complexo sistema do pensamento
humano, tudo o que existe de contraditório e que se deseja que faça sentido
para além da razão do ponto de vista da comprovação, firmando o ser no
mundo e o agir diante de tal mundo. Se observados esses fatores diante do
mundo contemporâneo poderemos ver em nós mesmos tais características no
sentido de que hodiernamente ainda somos muito capazes de acreditar em
coisas contraditórias e, para além disso, realizar ações contraditórias diante de
nossas formas de vida, de nossas crenças de vida e vivências religiosas ou não.
Desta forma, olhando para antigos e modernos, talvez possamos humanistica-
mente concluir que tudo o que parece contraditório compõe nossa própria na-
tureza humana, o que nos liga diretamente com as culturas das Antiguidades.
Nesta obra que temos em mãos, há um pouco de tudo isso: um refle-
xo de todas essas preocupações humanas que faziam e fazem parte do nosso
cotidiano! Tudo isso revelado no particular de fontes diversas, já que não era
preocupação dos antigos declinar descritivamente como hoje o fazemos por
meio de tratados. A preocupação se assentava em contar aquilo que em ou-

8
tros tempos já contaram configurando diversos momentos entre a oralidade
e o escrito, entre o que se vê e a imagem que se pinta, entre possibilidades de
documentação hoje apropriadas pelos investigadores no sentido de extrair de
fragmentos sistemas de crenças, questionar os antigos sobre seus mitos e ritos,
sobre sentidos de mundo estabelecidos pelos povos das diversas Antiguidades
espalhadas pelo mundo. Tem-se em mãos, portanto, uma aventura investiga-
tiva sobre algumas culturas das Antiguidades, exploradas frente a interesses
contemporâneos, buscando dar respostas, fazer perguntas, proceder análises
do espírito de homens no tempo transcorrido, lançando luz ao que pensavam
e a como viviam. Ao ler os capítulos que seguem é importante então conside-
rar o que de humano está por trás das linhas, ao que de vida está por trás dos
detalhes das fontes.

Leandro Hecko
Professor Adjunto de História da UFMS/CPTL

9
10
Apresentação

Houve, em 2017, um evento do Laboratório ATRIVM – Espaço Inter-


disciplinar de Estudos da Antiguidade, filiado ao Programa de Pós-graduação
em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o IV Encontro
Nacional de Pesquisadores do ATRIVM, intitulado “Sistemas de crenças, ri-
tuais e magia na Antiguidade”. Logo, destacamos que os sistemas de crenças,
de rituais e de magia são fenômenos religiosos multifacetados que integram o
cotidiano e perpassam todo o tecido social desde a Antiguidade. Tal temática
forma um amplo campo de tensões, negociações e conflitos nas sociedades
Antigas e Contemporâneas. O sagrado e as suas manifestações encantam, fas-
cinam e produzem temores ao longo da trajetória humana. Nesse sentido, o
IV Encontro Nacional de Pesquisadores do ATRIVM, teve como objetivo
debater aspectos referentes ao campo do mágico, do religioso e da ritualística
do Mundo Antigo, assim visando a desenvolver um espaço interdisciplinar de
reflexão sobre as práticas religiosas como expressões culturais do imaginário
coletivo de uma época. E quando se fala em evento, se revela, etimologica-
mente, o sentido de resultado, de bom resultado. Em termos funcionais e
práticos, trata-se de divulgação de pesquisa. Ao se referir à individualização do
pesquisador, do palestrante ou mesmo do ouvinte, o ganho de um simpósio
é incomensurável. A abordagem da temática central, inédita na instituição,
quando se fala de um evento específico, proporcionou uma experiência im-
portante na área de estudos clássicos: um foco interdisciplinar e interinstitu-
cional permitiu aos participantes considerável apoio para pesquisas em desen-
volvimento. Além disso, como acorreram pesquisadores de distintos níveis, de
alunos de graduação a pós-doutores, novos projetos, no âmbito do estudo das
religiosidades ente os povos da Antiguidade, puderam ser iniciados. Assim,
reconhecendo o valor dos projetos apresentados, decidiu-se publicar, em um
primeiro momento, os trabalhos dos conferencistas e de professores convida-
dos que abordaram aspectos relativos ao tema. Chegou-se à presente edição.
Há muito o que descobrir nos textos ora divulgados, porém, para despertar a

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sempre presente curiosidade do leitor (e do pesquisador), oferece-se um brin-
de inicial. Não se fazem pesquisas sem reflexões e ponderações. Assim como
não se concretizam textos, produtos finais, sem elementos motivadores e um
alto grau de gáudio. É o que se percebe nos textos que foram incluídos aqui.
Falar de atmosfera mítica e religiosa é também falar de sonho. É o que
traz à lembrança do leitor o capítulo “O conceito de sonho na China Antiga”,
de André Bueno. As primeiras reflexões do autor, acerca do sonho como um
caminho para o conhecimento, desperta sobremaneira a atenção de quem se
depara com o interessante tema. Percorrendo os espaços da China Antiga –
fato que amplia as áreas de interesse da presente publicação –, usufrui-se e
compartilha-se de um olhar preciso acerca do que os pensadores, confucionis-
tas ou daoístas, consideravam a respeito do ato de sonhar. O autor detém-se,
primeiramente, em questões pertinentes às mudanças que o conceito de so-
nhar sofreu ao longo do tempo na China clássica, observando desde suas bases
xamânicas até o desenvolvimento em crenças religiosas. Parte em seguida para
uma detalhada análise acerca do confucionismo, esclarecendo o contexto de
inserção das ideias de Confúcio (século VI AEC) e destacando, dentre os tex-
tos importantes para o entendimento do tema, a coleção denominada Rituais
de Zhou. André Bueno comenta, como exemplo, o capítulo 24, onde se trata
da morfologia dos sonhos. Seguindo as considerações acerca da expressão da
religiosidade dos chineses à época, o autor atém-se à escola Daoísta (século IV
AEC), uma concorrente da escola de Confúcio. Tem-se aqui uma instigante
análise da passagem conhecida como “O Sonho da borboleta”. Pondera-se a
respeito do lugar do sonho na vida humana. Outros aspectos do sonho e mais
um texto base analisados vêm, ao final do capítulo, confirmar o deleite inicial
provocado pelas primeiras observações do autor.
A leitura do capítulo “Las deliciosas niñas del certero”, de Maria Cecília
Colombani, traz , mais uma vez, a noção de brinde, de saudação ao leitor.
O texto de Colombani é, de fato, um regalo que se oferece àquele que, ao
mesmo tempo em que aprende, se encanta com a difícil arte de unir lingua-
gens e formas de expressão bem distintas: a frieza dos conceitos teóricos e a
beleza da forma. A autora tece o texto a partir de reflexões iniciais a respeito
da relação entre o homem da Antiguidade e suas crenças. Colombani acentua

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aspectos importantes a serem considerados pelo estudioso dos povos antigos:
deve-se sublinhar a complexidade e a riqueza das crenças. Deve-se por em
destaque que tais crenças se interpõem em todas as atividades cotidianas, o
que demonstra o quão fortes são os vínculos entre homens e divindades. Ten-
do como objetivo comentar uma dimensão festiva de Apolo, encontrada no
Hino Homérico dedicado ao deus grego, apontando perspectivas de estudo
divergentes, a autora desenvolve seus argumentos a partir de um excerto do
Hino III, versos 127 a 178, onde o deus assume, além de outras funções, a
incumbência de ser o condutor do Coro das Musas. Ao final da leitura, tem o
leitor a oportunidade de ponderar a respeito do quadro contrastivo que a au-
tora apresenta: um aspecto sorridente e encantador do deus, que ela tão bem
exemplifica, ao lado de uma outra imagem que Apolo oferece, terrível e hostil.
No capítulo “O cotidiano expressando a ação divina: uma análise do
símile homérico (Ilíada V, 770-2) citado por Longino em Do sublime (IX,
5)”, de Ricardo de Souza Nogueira, debruça-se o leitor em um texto de qua-
lidade excepcional, onde o autor, de forma clara e objetiva, trata do símile ou
comparação. Destaca, em especial, um símile homérico, extraído da Ilíada, e
a relação com o comentário de Longino para o excerto trabalhado. Com ar-
gumentos precisos e exemplos convenientemente selecionados, trata-se de um
texto de leitura mais do que recomendada, é indispensável.
Para a surpresa do leitor já um pouco saciado de proveitosas leituras e
pesquisas inovadoras, chega o momento dos enigmas e dos segredos – encan-
tamentos de todas as épocas e espaços geográficos. Depara-se com o impor-
tante capítulo “Killing riddles and secrets – a letalidade de segredos e de enig-
mas (não) decifrados nos mitos helênicos”, de Rainer Guggenberger. O autor
volta-se para dois enigmas e três segredos, percorrendo a narrativa poética
arcaica e o começo da época clássica grega, e aponta para os efeitos possíveis da
decifração ou não desses segredos e enigmas. Chama-se a atenção aqui, como
forma de provocar o leitor desta breve apresentação, o enigma da esfinge no
mito de Édipo e o conhecimento secreto e enigmático de Prometeu.
O texto literário sempre representa para o estudioso um grande desafio,
associado a um sempiterno prazer – na realidade indissociável de qualquer
outro aspecto que se possa apresentar. Há distintas formas de proceder a uma

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análise e diferentes modos de abordar as questões do valor documental de
alguns dos textos. O capítulo “Nomes para os deuses: os Hinos Órficos e a
recepção homérica e hesiódica”, de Rafael Brunhara, bem o demonstra. Mais
do que isso: em texto de agradabilíssima leitura, o autor procede a uma bem
elaborada análise de aspectos estilísticos dos hinos. Ao fazê-lo, deixa encan-
tado o leitor, como encantadores, em variados pontos de vista, são os Hinos.
Nas duas sessões do texto, Rafael Brunhara, tece seus apontamentos, que con-
duzem a profundas reflexões, como as formas de estruturação da invocação
aos deuses, os ambientes de performance dos hinos e Apolo e a sua autoridade
no canto. Tem-se, assim, uma importante abordagem da forma como os hinos
dialogam com as tradições da poesia hexamétrica, caminha-se agradavelmente
por estruturas dos Hinos Órficos, dos Hinos Homéricos e da Teogonia, apu-
radamente confrontadas.
Com o inspirador artigo de Nathalia Monseff Junqueira, “Mythos e tho-
ma em Heródoto: os relatos fantásticos no Livro II da obra Histórias”, che-
ga-se aos relatos daquele que é considerado o pai da História. Muito já se
disse a respeito de Heródoto, mas o texto fluido, claro e bem exemplificado
da autora, lembra ao leitor da perenidade das produções literárias clássicas: é
sempre possível descobrir aspectos novos, com novos olhares. O olhar diferen-
ciado aqui se volta aos relatos fantásticos, observados no Livro II, em Histórias,
parte da obra dedicada à descrição geográfica e histórica do Egito. Apontar a
forma como Heródoto construiu alguns relatos fantásticos e a relevância de
suas escolhas para a obra representam o propósito do texto. Partindo de um
necessário comentário geral a respeito do historiador e da obra, Junqueira tece
importantes considerações acerca de duas estruturas de composição das Histó-
rias: Thôma e mythos. Com isso, chama a atenção do leitor para a forma como
Heródoto dirigia seu olhar aos povos por ele visitados.
As narrativas sobre o deus Apolo sempre despertam o interesse por sua
atuação, tanto no campo bélico quanto no poético (como se verá, por exem-
plo, na cultura latina), e o capítulo “Eparciatas e Periecos: identidade comum
em torno do culto a Apolo”, de Márcia Cristina Lacerda Ribeiro, vem de
encontro ao leitor, já movido pela curiosidade e um certo fascínio pelo mito.
E aquele que se dedica ao texto se surpreende com uma prosa clara, precisa, e

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que desde o início traz importantes dados a respeito do culto ao deus. Embora
se apresentem dados localizados em uma temporalidade e um espaço especí-
ficos, aprende-se – e muito – a respeito de cerimônias e de implementação
de identidade religiosa. A fim de convidar à leitura de um excelente trabalho,
seguem abreviadamente alguns dos assuntos tratados. Partindo de considera-
ções a respeito da forma como Esparta procedeu a uma organização territorial,
em que amalgamou um imenso território formado por aldeias de diferentes
dimensões, formando um Estado Lacedemônio, e de questões acerca do culto
a Apolo, divindade preponderantemente militar em Esparta, a autora explana
as cerimônias do Festival de Apolo e Jacinto (Hyakinthia), as Gimnopédias,
de caráter iniciático, e as Carneias, onde o deus era representado com uma
cabeça de carneiro.
O capítulo “A relação de Esparta e Héracles – discursos, representações
e legitimidade política”, de Luis Filipe Bantim de Assumpção, leva o leitor
a observar a figura do herói. Um herói por excelência, Héracles. O viés de
análise apresenta-se instigante e move o pesquisador para além das narrativas
dos grandes feitos, que despertam a curiosidade. O autor percorre caminhos
que conduzem à Esparta, no período clássico e pondera as relações que esta
manteve com Héracles, chamando a atenção para a documentação literária,
destacando-se Heródoto e Xenofonte, onde aparecem tais ligações. Para tecer
suas considerações Luis Assumpção, parte de uma análise do personagem mi-
tológico e sua representatividade na Hélade. Segue a argumentação apontando
a relação entre o herói e Esparta e suas prerrogativas na região. Prossegue o
texto, chamando a atenção para os rituais em honra a Héracles. Deixa-se agora
como estímulo à leitura, a curiosidade sobre as conclusões do autor.
O leitor é tomado de agradável surpresa ao se dedicar à leitura do ca-
pítulo “Bellum Iustum e os rituais romanos: o caso de Sagunto na Segunda
Guerra Púnica (218-202 a.C.)”, de Carlos Eduardo da Costa Campos e An-
derson de Araújo Martins Esteves. Os autores, já em suas palavras iniciais,
chamam a atenção para o conceito de guerra justa (Bellum Iustum) e para os
juízos de valor agregados. Valendo-se de refinado e preciso referencial teórico
e de fontes latinas imprescindíveis, o trabalho faz acurada análise do conflito
conhecido com Segunda Guerra Púnica (218 a.C. – 202 a.C.), onde Roma

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apoia Sagunto, uma cidade aliada. Pesquisadores ou neófitos encontram no
texto relevantes observações sobre as implicações que o uso do termo Bellum
Iustum acarretam: valorização do mérito e sacralidade do conflito. Têm-se as
esferas da lei e da religião. O texto incita, então, dos argumentos iniciais até as
considerações finais, a reflexão; provoca o leitor a considerar um dos aspectos
que definem o perfil do homem romano, suas práticas religiosas, que marcam
todas as suas atividades, de ações privadas a atos públicos, como as guerras.
No capítulo intitulado “Reflexões acerca da elegia II.1 de Tibulo”, Ar-
lete José Mota, valendo-se de uma análise literária, salienta aspectos relativos
aos festejos campesinos dedicados a Baco e a Ceres, apontando, do mesmo
modo, o lugar do temática amorosa, ponto chave das composições dos poe-
tas elegíacos. A autora dá relevo dessarte às possíveis situações que envolvem
um relacionamento amoroso, que estariam presentes no poema escolhido. Ao
dividir o texto em passagens, que denomina “passos”, ressalta, utilizando vo-
cábulos-chave, um passo a passo dos rituais narrados por Tibulo.
Não poderiam faltar no livro os relevantes e respeitáveis estudos de Se-
míramis Corsi Silva acerca de religiosidades. A autora presenteia o leitor com
um estudo a respeito da divindade solar Elagabal, em “Cultuando divindades
solares: Apolônio de Tiana versus Heliogábalo (século III EC)”, onde analisa
a biografia apologética a Apolonio de Tiana, A vida de Apolonio de Tiana, de
Filóstrato, onde o autor apresenta Apolônio como filósofo pitagórico. Detém-
-se a autora em um tema não explorado: a relação entre os cultos à divindade
solar, realizadas pelo protagonista da obra de Filóstrato e o contexto de escrita
da obra, período da dinastia dos Severos. Frisa a autora o período de maior
culto a Elagabal em Roma, época do imperador Heliógábalo (218-222), pos-
suidor de imagem bastante negativa nos textos produzidos então. Observando
as críticas de Filóstrato a Heliogábalo, Semíramis Silva tece importantes con-
siderações sobre essas críticas.
A força da imagem. Esse é o convite à reflexão que apresenta Thiago
Brandão Zardini, no capítulo “Sol Invicto comiti: reflexões sobre a imagem dos
deuses nas moedas de Constantino I”. O autor inicia suas cogitações a partir
da ideia de sacralização do soberano no século IV d.C. Em texto de agrada-
bilíssima leitura e preciso na forma, trata, com propriedade, os panegíricos

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latinos e as moedas, esclarecendo que faziam parte da cerimônia do aduentus
(a visita do imperador a um determinado local). O leitor encontrará conjec-
turas importantíssimas ao estudioso do período: a adoção do deus Apolo por
Constantino e a construção de sua imagem nas moedas.
Em suma, os textos organizados nessa coletânea refletem o estado atu-
al das pesquisas sobre Antiguidade, principalmente, com o foco nos estudos
religiosos. Por isso, ratificamos o nosso compromisso de divulgação do saber
histórico e trabalho em conjunto, em tempos em que se valorizam os estudos
interdisciplinares e interinstitucionais. Assim, desejamos aos leitores uma fasta
e gratificante reflexão a partir dos escritos contidos nessa obra. Boa leitura!

Arlete José Mota


Professora Associada do curso de Letras Clássicas
ATRIVM / PPGLC / UFRJ

Carlos Eduardo da Costa Campos


Professor Adjunto do curso de História
ATRIVM / UFMS

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O conceito de sonho na China Antiga

André Bueno

O sonho tem um importante lugar no pensamento religioso de diversas


sociedades antigas. Seja por seu caráter premonitório, mediúnico ou simbóli-
co, o sonho foi tratado, usualmente, como uma via iniciática para outras pos-
síveis dimensões da existência, um caminho transcendental de conhecimento.
A China clássica nos oferece algumas informações significativas sobre
como o conceito de sonhar transformou-se ao longo do tempo, desde suas ba-
ses xamânicas até o seu desenvolvimento nas crenças religiosas (oportunamen-
te criando um modelo teórico que pode vir a ser utilizado como contraponto
para outras civilizações). A influência da análise antropológica sobre este tópi-
co ainda é forte, posto que ela se baseia nas experiências realizadas com cultu-
ras ditas “primitivas” que, ainda hoje, praticam alguma espécie deste mesmo
xamanismo – mas o problema, neste caso, é saber se estas observações podem
ser efetivamente aplicáveis a contextos mais antigos. Eventualmente, encon-
tramos fragmentos sobre a interpretação dos sonhos no Egito, Mesopotâmia
e Índia que sobreviveram, mas todos se tratam de chaves para a decodificação
de premonições – nenhum deles propõe, necessariamente, uma interpretação
da atividade ou da morfologia do sonhar (CAILLOIS, 1978). O caso chinês
apresenta uma possibilidade razoável de nos conduzir pelo tema através de
referências textuais clássicas, estabelecendo uma possível continuidade entre
a perspectiva dita “primitiva” e a evolução de concepções religiosas antigas
através de outro sistema interpretativo, cujo fundamento se assenta na estrei-
ta relação entre o mundo físico e o espiritual como realidades relativamente
distintas.
Mas no que constitui esta contribuição chinesa? Na possibilidade de
demonstrar o processo de concatenação entre a experiência do Sonho (夢
Meng) e a ideia de Espírito (aqui entendido como o princípio fundamental e

19
individual subjacente à vida corpórea, em chinês: 魂 Hun). Os chineses de-
senvolveram um profundo interesse pela atividade de sonhar como um meio
de explicação para as mais diversas questões – tanto metafísicas quanto das
atividades cotidianas.
O que faremos aqui, portanto, é uma apresentação de algumas dessas
passagens, onde o sonho é analisado conceitualmente, centrando principal-
mente nas visões de Confúcio 孔夫子 (551-479), Liezi 列子 (séc. V-IV AEC)
e Zhuangzi 莊子 (séc. IV AEC). Por meio desses três autores, buscaremos
compreender o papel do sonho na China Antiga, delimitando o tempo de
análise entre os séculos VI e III AEC, quando ocorrem profundas transforma-
ções no pensamento chinês, no que se denominou, na historiografia clássica
dessa civilização, como período das “Cem Escolas de Pensamento” (Zuzhi
Baijia 諸子百家) (BUENO, 2004).

A Análise Confuncionista

No século VI AEC, a China estava imersa nas complicadas injunções


políticas da dinastia Zhou 周, que apontavam para um período de crise social
e política iminente. Confúcio, provavelmente o maior intelectual de sua épo-
ca, estava detidamente preocupado com esses problemas, buscando elaborar
um método educacional pelo qual pudesse resgatar o conceito de Harmonia (
和 He) que permearia a perfeita ordenação e equilíbrio da atividade humana
junto à natureza.
Uma idéia fundamental nesse processo era o conhecimento do passado.
De modo a estabelecer uma ligação entre o sentido de civilização (surgido
entre os ancestrais) e atualidade, Confúcio era um defensor inato do ensino de
História e da manutenção das tradições. Grande parte de seu trabalho consis-
tiu em editar e promover textos históricos, culturais e sociológicos, nos quais
apresentava um conjunto dos valores fundamentais do pensamento chinês.
Dentre esses textos, uma coleção importante é o Zhouli 周禮 (Ritu-
ais de Zhou), composta de trechos e tratados sobre os mais diversos tipos de
rituais de cunho religioso, que nos fornecem importantes informações sobre

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as antigas crenças chinesas. Como esse livro é extenso e variado, trataremos
especificamente das passagens ligadas à questão do sonhar.
No capítulo 24, é a apresentada a seguinte morfologia dos sonhos:

Ele [o auxiliar do imperador] lida com as estações do ano em relação


aos sonhos. Ele examina os momentos da reunião do céu e da terra. Ele
distingue as emanações dos dois princípios, yang e yin.
Pelas posições do sol, da lua, dos planetas, ele adivinha os presságios
felizes ou desafortunados dos seis tipos de sonhos.
Os seis tipos de sonhos são: primeiro, os sonhos regulares; em segundo
lugar, sonhos terríveis; terceiro, sonhos de reflexão ou vigília; quarto, os
sonhos de assistir; quinto, belos sonhos; sexto, os pesadelos.
No final do inverno, ele visita solenemente o imperador para perguntar
se ele teve um sonho. Ele apresenta ao imperador os presságios dedu-
zidos de sonhos felizes. O imperador cumprimenta-os com saudação.
Ele coloca os novos brotos de grãos na direção das quatro regiões, para
oferecê-los aos maus sonhos (para os espíritos que enviaram os maus
sonhos).
Imediatamente o imperador ordena que se inicie a cerimônia de puri-
ficação, para expulsar o miasma pestilento.

Os chamados “sonhos regulares” são aqueles em que não há excitação,


o sonho se desenrola em silêncio e de forma calma. Nos sonhos “terríveis”,
sentimos como se estivéssemos acordados, e podemos receber avisos. Nos so-
nhos de vigília, sonha-se com acontecimentos do dia, preocupações, situações
tensas que requisitam resolução. Os sonhos de assistir são semelhantes, mas
possuem uma diferença: neles, a pessoa se vê na ação, se coloca como assis-
tente, mas não interfere. Os “sonhos belos” são aqueles dos felizes e despreo-
cupados. Por último, os pesadelos seriam os sonhos assustadores. (ZHOULI,
1871, Nota 136).
Notemos que a preocupação fundamental do texto é a identificação dos
possíveis presságios contidos nos sonhos. O auxiliar encarregado pelo impera-
dor deveria ser capaz de interpretar os sinais contidos nos sonhos, de maneira
a saber como proceder. Outro elemento fundamental é que, no sonho, o es-

21
pírito fica livre e encontra com outros espíritos, recebendo deles orientações,
avisos ou ataques.
Isso ocorria porque, na mentalidade religiosa chinesa, herdeira ainda
das tradições xamânicas, o sonho era uma via de acesso ao mundo espiritual,
junto com o transe e o mediunismo. A religiosidade chinesa dessa época é
denominada, de fato, como “Ensinamentos dos Espíritos”, ou Shenjiao 神
教 (BUENO, 2017). Os chineses teriam compreendido a existência da alma
por meio, justamente, dos sonhos. Assim, no estado de “quase-morte” (sono),
o sonho era interpretado como a reminiscência dos passeios que alguém fazia
quando desprendido de seu corpo físico. Ao retornar, essas lembranças eram
impregnadas pelas sensações físicas; e, por isso, dificilmente era possível re-
cordar com absoluta clareza o que se havia sonhado. Daí, a necessidade de
um intérprete de sonhos. Um dos exemplos mais notáveis pode ser visto nesse
poema do Shijing 詩經:

Com um macio tapete embaixo,


com os bambus finos acima,
Aqui pode ele repousar no sono!
Que ele durma e acorde
[Dizendo] Adivinhe para mim meus sonhos!
Que sonhos são sortudos?
Eles foram de ursos e ursos terríveis;
Eles foram de cobras e [outras] serpentes.

O adivinho chefe os adivinhará.


Os ursos e ursos terríveis,
São as sugestões auspiciosas de filhos.
As cobras e [outras] serpentes
São as sugestões auspiciosas de filhas.
(SHIJING, 189)

Confúcio estava ciente de que essa era uma crença importante entre os
chineses, motivo pelo qual ela ficou registrada no Zhouli. Ele defenderia, con-

22
tudo, sua preferência pela conexão entre os dois mundos por meio da prática
ritual, através da manutenção de um canal institucionalizado de comunicação
entre os vivos e os espíritos. Sua abordagem consagrava-se na execução das
atividades devocionais descritas minuciosamente nos manuais de ritos, e ad-
mitia, ainda, que o uso oracular do Yijing 易經 (o Tratado das Mutações) pos-
sibilitava a atuação dos ancestrais por meio de avisos, conselhos e presságios.
Sua opção, pois, era de um contato consciente com o outro mundo, legando a
atividade do sonhar uma condição espontânea do momento na existência cor-
pórea; “Estou ficando assombrosamente velho. Passou-se muito tempo desde
que vi o duque de Zhou em sonhos pela última vez” (LUNYU, 7.5).
Confúcio dizia que antes de nos preocuparmos com os mortos, deví-
amos saber servir aos vivos (LUNYU, 11.12). Com isso, ele não descartava a
ação dos espíritos, mas insistia que discutir sua presença e atuação seria uma
questão extremamente problemática. O encontro com os ancestrais se dava
em ocasiões apropriadas, durante cerimônias que determinavam o trânsito
entre os mundos. No Zhong Yong 中庸, Confúcio disse: “O poder das forças
espirituais no Universo – como se faz sentir por toda a parte! invisível aos
olhos, e impalpável aos sentidos, é inerente a todas as coisas e nada escapa à
sua influência” (ZHONG YONG, 16). No entanto, seriam as forças materiais
que regeriam o mundo físico – e o Tratado das Mutações cumpriria devida-
mente este objetivo, servindo como mediador entre o mundo espiritual e as
necessidades imanentes.

Zhuangzi e o Sonho da Borboleta

Uma das escolas que concorriam com Confúcio era a chamada “Es-
cola Daoísta” (Daojia 道家), que defendia um desprendimento do mundo
materialista, um afastamento da cultura estabelecida e um gradual retorno
ao estado mais próximo de uma “natureza primitiva” (Ziran 自然). Isso não
impediu, porém, que os daoístas fizessem exames apurados dos conceitos e
práticas do pensamento tradicional.

23
Zhuangzi (séc. IV AEC), um dos principais expoentes do Daoísmo,
destacou-se, entre outras coisas, justamente, por uma análise do papel do so-
nho na realidade humana. Numa famosa passagem, intitulada “O Sonho da
borboleta”, bastante conhecida na tradição chinesa, e que se popularizou ao
redor do mundo, chegando a virar letra de música no Brasil, pelas mãos do
compositor Raul Seixas (“O Conto do sábio chinês”, 1980), Zhuangzi pro-
curava entender o que é a alma através da dinâmica do sonho. Observemos:

Um dia eu Zhuang zhou, sonhei que era uma borboleta voando aqui
e acolá, sendo somente uma borboleta. Só tinha consciência de mi-
nha felicidade como borboleta sem saber que eu era Zhuang zhou.
Depressa acordei e ali estava eu, eu mesmo, na verdade. Agora não sei
se eu era um homem sonhando ser borboleta, ou se eu sou uma bor-
boleta sonhando ser um homem. Entre um homem e uma borboleta
há, naturalmente, uma distinção. Isso se chama a transição das coisas
materiais. (ZHUANGZI, 2)

Qual é, pois, a realidade do ser humano? Em que plano ela se situa?


No sonho, Zhuangzi descobre que há uma outra realidade alternativa à vida
material; um outro plano, no qual ele percebe que há uma individualidade
que subjaz e transcende, ao mesmo tempo, o molde simples do corpo. Esta
realidade é o espírito, o “eu real” por trás do corpo. Seu domínio é justamente
o mundo espiritual, de onde ele provém, ao qual ele visita em sonho e de onde
ele retira ideias (espíritos de coisas) que irá materializar na forma de objetos
neste mundo material. No “mundo do sonhar” (um sinônimo para o mundo
espiritual), os chineses se encontram com os ancestrais mortos, recebem men-
sagens e adquirem poderes inusitados para o mundo material. É por isso, pois,
que este mundo seria tão real quanto o mundo material.
O sonho de Zhuangzi mostra, pois, que o estado de consciência em
que se encontra uma pessoa acordada é, tão somente, um momento em que
o espírito se encontra plenamente ligado ao corpo. Mesmo num momento de
devaneio, em que alguém não está dormindo, mas “se perde em pensamento”,

24
sua alma se transporta para outro lugar, obliterando–lhe os sentidos (mesmo
com os olhos abertos), e só retorna mediante o estímulo ou a vontade própria.
Todavia, no momento do sonho, o corpo relaxa seus laços e a alma pode
movimentar-se para fora. E para onde ela vai? A teoria de Zhuangzi se torna
complexa, neste ponto. Podemos ser uma alma que, ao dormir, transporta-se
para outro corpo (no caso, o da borboleta), que está em outro mundo – o do
sonho. Porém, podemos também estar acordados neste mesmo mundo, mas
apenas em outro corpo – o fato de dormirmos à noite não significa que não
seja dia em outro lugar. O sonho, pois, é tão somente a percepção de alguém
que está acordado em algum lugar e dormindo alhures. Isso significa que po-
demos estar, inclusive, adormecidos, agora, em outra instância, enquanto es-
crevemos; do mesmo modo, estar acordado equivaleria simplesmente a estar
sonhando. Mas podemos ir além: se sonhamos ser um tigre, uma outra pessoa,
ou mesmo nós numa realidade alternativa, então, podemos ser mais que uma
alma; podemos ser várias consciências que operam, paralelamente, em reali-
dades distintas. Se aceitarmos que há um mundo dos sonhos, então, a questão
ficaria resolvida: e lá seremos o que quisermos ser. Mas, se supusermos ser uma
borboleta sonhando ser gente, deste modo, somos de fato ente, borboleta, o
tigre, eu agora, outra pessoa e eu mesmo em um outro lugar cuja única dis-
tinção é aquela da consciência que predomina num dado momento. Logo, só
estamos tendo a impressão de estarmos acordados enquanto desempenhamos
uma atividade qualquer, porque esse eu de agora não fugiu para nenhum ou-
tro lugar ou está dormindo em outras formas corporais. Contudo, se esse eu
parar tudo e começar a se imaginar em outro lugar, ele estarei lá, e o corpo
permanecerá parado, aguardando sua presença.
Por esta razão, podemos concluir que, na visão de Zhuangzi, o que quer
que sejamos, somos a nossa mente. A distinção das realidades conscientes é
uma teorização do escapismo, mas enquanto nos encontramos em um certo
mundo, precisamos viver nele. Após a morte do corpo, podemos acordar em
outro lugar, mas tal suposição não nos isenta da necessidade de sobreviver
agora.
No plano do sonhar, portanto, poderíamos acessar uma outra realidade
supra-dimensionada, no qual o verdadeiro propósito da existência se revela em

25
suas sutilezas. Eis a razão fundamental pela qual, no mundo material, torna-se
difícil perceber o princípio subjacente (Li 理, forma, estrutura) das coisas;
como afirma novamente Zhuangzi:

Certo carpinteiro Shi viajava para o Estado de Qi. Ao chegar ao Círcu-


lo Sombrio, viu uma árvore li sagrada no templo do Deus da terra. Ela
era tão grande que sua sombra podia abrigar um rebanho de vários mi-
lhares de cabeças. Tinha centenas de palmos de circunferência e subia
a oitenta pés antes de abrir os ramos. Uma dúzia de botes poderiam ser
cortados de seu tronco. Em multidões as pessoas paravam para olhá-
-la, mas o carpinteiro nem a notou e prosseguiu em seu caminho sem
mesmo lançar um olhar para trás. Entretanto, o aprendiz olhou-a bem
e quando alcançou o mestre disse – “Desde que manejo a machadinha
em seu serviço nunca vi uma peça de madeira tão esplêndida. Por que
razão o senhor, Mestre, nem mesmo se deu ao trabalho de parar para
olhá-la?”
– “Esqueça-se dela. Não merece que conversemos a tal respeito”, re-
plicou o mestre. “Não serve para nada. Transformada num bote, afun-
daria; num caixão de defunto apodreceria; em mobília, quebrar-se-ia
facilmente; numa porta, racharia; numa coluna seria devorada pelos
vermes. Não é madeira de qualidade e não é útil: por isso chegou aos
nossos dias presentes. A chegar em casa, o carpinteiro sonhou que o
espírito da árvore lhe aparecia e lhe falava do seguinte modo: – “Com
que pretendeu comparar-me? Com madeira suave? Olhe para uma
cerejeira, uma pereira, uma laranjeira, uma ameixeira e outras árvo-
res frutíferas. Mal seus frutos amadurecem são esbulhadas e tratadas
com indignidade. Os grandes galhos são retirados, os pequenos ficam
quebrados. Assim, devido ao próprio valor dessas árvores, elas sofrem
enquanto vivem. Não podem viver o período de vida que lhes é con-
cedido, mas perecem prematuramente porque destroem-se pela (ad-
miração do) mundo. O mesmo se dá com todas as coisas. Além disso,
eu tentei durante longo tempo ser inútil. Muitas vezes estive em risco
de ser decepada, porém finalmente alcancei o que desejava e assim tor-
nei-me excessivamente útil a mim mesmo. Tivesse eu prestado para
alguma coisa e não teria chegado à altura a que cheguei. Demais tanto

26
você como eu somos coisas criadas. O que adianta criticarmo-nos mu-
tuamente? Um sujeito que não presta para nada em perigo de morte
iminente e uma pessoa indicada para falar de uma árvore que não pres-
ta para nada?”
Quando o carpinteiro Shi acordou e contou o sonho que tivera, o
aprendiz disse: “Se a árvore ansiava por ser inútil como foi que conse-
guiu tornar-se uma árvore sagrada?”
– “Psiu!” Volveu o mestre. “Fique calado. Ela simplesmente refugiou-
-se no templo para fugir ao abuso dos que a não apreciavam. Se não
tivesse se tornado sagrada quantos não teriam desejado cortá-la! Além
disso, os meios que adota para sua segurança são diferentes dos outros,
e criticá-los pelos padrões ordinários será ficar bem longe do objetivo”.
(ZHUANGZI, 2)

A historieta de Zhuangzi tinha um fim explicativo: no mundo dispu-


tado e violento da China dessa época, tornar-se inútil ou inofensivo era um
meio eficaz de sobreviver. Devemos levar em conta, ainda, que algumas dessas
passagens podiam ser lidas de forma literal no momento, transformando essa
aparente parábola numa “história real”. A diferença entre a analogia e a reali-
dade se desfaz, na mentalidade chinesa, quando o sentido do texto se tornava
eficaz (BUENO, 2011).

Liezi e os Sonhos

O livro de Liezi é outra peça importante, no pensamento daoísta, para


compreender o papel dos sonhos no imaginário chinês antigo. Liezi teria sido,
supostamente, mestre de Zhuangzi. Todavia, sabemos hoje que seu livro só foi
produzido séculos depois, provavelmente na dinastia Han 漢 (séc. III AEC-III
EC). O texto é uma coletânea de histórias diversas, e um de seus capítulos é
inteiramente dedicado aos sonhos. O mais conhecido dos episódios descritos
nesse capítulo é o sonho do Rei Mu, em que esse soberano mítico se desdobra
do corpo físico e viaja por outros lugares distantes, sob a orientação de um
xamã. (LIEZI, 3):

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O rei Mu de Zhou foi visitado por um estranho do extremo oeste.
Tratava-se de um feiticeiro que era capaz de caminhar sobre o fogo e a
água, penetrar a pedra e o metal, voar pelos ares e mover montanhas e
rios. O rei Mu ficou sobejamente impressionado com as habilidades do
feiticeiro e tratou-o como a um deus.
Construiu-lhe um palácio, enviou-lhe os melhores pratos que tinha
no reino, e providenciou-lhe as melhores cortesãs. Todavia o feiticeiro
não levou tais oferendas em grande consideração. Achou o palácio des-
confortável, a comida desagradável e as cortesãs feias, malcheirosas e
incultas. [...] Todos os dias lhe oferecia vestimentas caras e as melhores
iguarias e convocou os melhores músicos para tocar a melhor música
alguma vez composta.
O feiticeiro ainda se sentia insatisfeito, mas ao ver que o rei tinha dado
o seu melhor, de má vontade aceitou as oferendas.
Passado não muito tempo, o feiticeiro convidou o rei Mu para viajar
com ele à sua terra no oeste. Dizendo ao rei para fechar os olhos e
para se agarrar à manga da veste dele, alçou-se ao céu. Assim que o rei
abriu os olhos deu por si na terra do feiticeiro. Ao entrar na área do
palácio viu que os edifícios se achavam decorados com prata e ouro.
Jade, pérolas e outras joias preciosas adornavam as paredes e as janelas.
O palácio situava-se num leito de nuvens que ficava acima da chuva e
das tempestades. Tudo quanto viu, ou viu, experimentou, era desco-
nhecido no seu mundo. Foi então que o rei Mu percebeu que os deuses
deveriam ter apreciado tais luxos nos seus palácios celestes. Comparado
com aquilo, o seu próprio palácio parecia um mero casebre.
O rei Mu disse para consigo próprio: “Jamais vi coisa assim. Não me
importava de aqui ficar dez ou vinte anos.” O seu devaneio foi inter-
rompido pela aproximação do feiticeiro que o levou a visitar ainda um
outro reino.
Desta vez, quando o rei Mu chegou, não conseguiu vislumbrar sol nem
lua, montes nem mar. Para onde quer que olhasse a luz era de tal modo
deslumbrante que tudo quanto conseguia divisar era um caleidoscópio
de cores que o deixavam estonteado. Os sons que escutava eram estra-
nhos e misteriosos e logo ficou com os sentidos desorientados. O corpo
tremia-lhe e sentia a mente ofuscada; sentia-se enjoado e pensou que ia
adoecer. Rapidamente pediu ao feiticeiro que o levasse dali ou enlou-

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queceria. O feiticeiro deu-lhe um leve empurrão, e o rei Mu viu-se de
volta ao seu palácio.
Ao abrir os olhos verificou que se encontrava sentado na sua cadei-
ra, que jamais tinha deixado. O vinho que tinha na taça ainda não
tinha sido ingerido, e a comida no prato ainda se encontrava tépida.
Os seus assistentes permaneciam na mesma posição anterior. Quando
lhes perguntou o que tinha acontecido, os assistentes responderam que
permanecera sentado na sua cadeira e que fechara os olhos por breves
instantes.
O rei Mu achava-se de tal modo chocado com aquilo que levou quase
três meses a recobrar de toda aquela experiência. Por fim decidiu per-
guntar ao feiticeiro o que tinha realmente sucedido e o seu distinto
convidado respondeu-lhe: “Fizemos uma jornada pelos domínios do
Espírito. Foi por isso que o teu corpo permaneceu imóvel e não sentiste
passagem de tempo. Experimentaste um mundo que te é desconhecido
enquanto permanecias sentado no seu próprio palácio. Existirá mesmo
alguma diferença entre os lugares que visitaste e aquele a que chamar
“lar”? Ficaste chocado e desorientado por te sentires confortado com
o que designas por permanente, e sentiste-te – nervoso com as coisas
que consideras transitórias. As reações que sofreste são o resultado das
partidas que a tua mente te provocou. Quem poderá asseverar quando
e com que rapidez uma situação pode mudar numa outra e qual será
real e qual não será?”
Após ouvir aquilo o rei Mu decidiu retirar-se da política. Ordenou
aos assistentes que preparassem a sua carruagem e os cavalos a partiu
numa longa viagem pelo seu reino. [...] O Rei Mu não era divino. Ele
desfrutou por completo da sua vida e morreu quando chegou a hora.
Mas toda a gente acreditava que se tinha tornado num deus e que tinha
ido para o céu.

Como podemos observar aqui, o livro de Liezi aprofundara a especula-


ção de Zhuangzi, propondo o sonho como um vínculo direto entre o mundo
material e o espiritual. A manipulação da arte de sonhar poderia proporcionar
conhecimentos diversos sobre ambas as realidades, tornando-se um poder no-
tável.

29
Outro aspecto dessa relação era que, quando acordamos do sonho, te-
mos sensações físicas reais e profundas. Todavia, ao longo do sono, nosso cor-
po se aproxima de um estado de quase morte, que é a inação total; para onde
foi o nosso “eu real”? Porque, aos que observam (acordados), ao chamá-lo,
ele não responde? E quando o espírito retorna, ele conta que esteve em outro
lugar, em outro mundo. Disso poderia se extrair a concepção de que o mundo
espiritual e o material estão interligados, são indissociáveis – e, confirmando o
que já fora dito por Zhuangzi, quando estamos acordados em uma realidade,
estamos “dormindo” em outra. Conta-nos novamente o Liezi;

Havia em Zheng um lenhador que encontrou no campo um gamo


assustado, alvejou-o e matou-o. Temeroso de que outras pessoas o vis-
sem, escondeu-o em uma moita e cobriu-o com lenha picada e ramos
de árvores, ficando muito satisfeito. Logo depois, no entanto, esqueceu
onde havia escondido o gamo e acreditou que tudo deveria ter acon-
tecido em sonho. Como sonho contou-o a todos nas ruas. Entre os
ouvintes um houve que, ouvindo a história desse sonho, foi à procura
do gamo escondido e encontrou-o. Trouxe o gamo para casa e disse à
esposa:
– Há um lenhador que sonhou ter matado um gamo, esquecendo onde o
escondera, e eis que o encontrei. Esse homem é realmente um sonhador.
– Tu mesmo deves ter sonhado que viste um lenhador que matara um
gamo – disse a mulher. – Acreditas verdadeiramente que exista esse
lenhador na realidade? Mas agora realmente tens um gamo, de modo
que teu sonho deve ter sido verdadeiro.
– Encontrei o gamo – respondeu o marido. – De que vale discutir se
foi ele quem sonhou, ou se fui eu?
Naquela noite, o lenhador foi para casa, ainda a pensar em seu gamo, e
realmente teve um sonho; e nesse sonho tornou a sonhar com o lugar
em que escondera o gamo, e também com quem o encontrara. Ao
amanhecer, bem cedo, foi à casa de quem o encontrara e achou o gamo.
Ambos, então, discutiram e foram ter ante o juiz, para que decidisse a
questão. E o juiz disse ao lenhador:
– Mataste realmente um gamo e pensaste que foi sonho. Depois, re-
almente sonhaste e pensaste que era realidade. Ele realmente achou

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o gamo e agora o disputa contigo, mas sua mulher pensa que ele so-
nhou que havia encontrado um gamo que outra pessoa matara. Assim,
ninguém, na realidade, matou o gamo. Como, porém, temos o gamo
diante de nós, pode ele ser dividido entre os dois.
Essa história foi levada aos ouvidos do rei de Zheng, e o rei de Zheng
disse:
– Ah! Não tornou esse juiz a sonhar que está dividindo o gamo entre
os outros?

A Vida como Sonho

Podemos, por fim, redimensionar o último trecho de Liezi em novo


sentido: de que os daoístas supunham, de certo modo, que o mundo mate-
rial era “relativamente” ilusório. “Relativamente”, pois buscamos nos afastar
aqui de uma concepção de “ilusão das formas”; o mundo material pode ser
uma cópia imperfeita ou pouco sutil dos princípios espirituais, mas nem por
isso deixa de ser “real”. E, se de fato, a ideia de Zhuangzi prevaleceu, então, a
distinção espiritual X material desaparece, pois cada estado de consciência diz
respeito a uma realidade perceptível – e por isso, cada “realidade não-perceptí-
vel” seria o “mundo espiritual” no qual a consciência está desperta. A própria
vida, enfim, pode ser mesmo um grande sonho – e, no entanto, ela será tão
real quanto a existência verdadeira do espírito no plano do sonhar, posto que
ambos não podem ser dissociados. Retomando Zhuangzi:

Os que sonham com uma festa acordam para se lamentar pesar. Os


que sonham com os lamentos e os pesares acordam para reunir-se aos
que vão caçar e se divertir. Enquanto sonham, não sabem que estão so-
nhando. Alguns até interpretarão o sonho mesmo que estavam tendo;
e apenas quando acordam compreendem que estavam no sonho. Pouco
a pouco aproximam-nos do grande despertar e então verificamos que
esta vida foi realmente um grande sonho. Os tolos pensam que estão
acordados agora e ficam convencidos de que tudo sabem – este é um
príncipe e aquele é um pastor. Que estreiteza de espírito! Confúcio e

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você são ambos sonhos; e eu que afirmo que são sonhos – eu não passo
de um sonho também. É um paradoxo. Amanhã um Sábio talvez se
erga para explicar isso; mas o amanhã não virá senão depois que se
tiverem passado dez mil gerações; e, no entanto, [se tudo é um so-
nho] você poderá encontrá-lo amanhã, por acaso, em qualquer lugar.
(ZHUANGZI, 3)

Considerações Finais

Para os chineses antigos, portanto – fossem confucionistas ou daoístas


– o sonhar era um espaço nítido de intercâmbio entre realidades, e que podia
ser acessado por meio de técnicas específicas – fossem essas analíticas, como
no caso da interpretação de sonhos, ou extáticas, como no caso da atuação
consciente nos sonhos, praticada pelos xamãs.
Assim sendo, os chineses desenvolvem a crença no espírito devido ao
sonho; o espírito está para o corpo material assim como “yang” está para “yin”.
Na oposição complementar em que se funda a realidade, a existência dos dois
mundos é uma circunstância, uma condição da existência indispensável à ma-
nifestação das coisas. O indivíduo é composto e está ligado ao corpo por “duas
almas” ou corpos espirituais, Hun 魂 (seu princípio material-espiritual) e Po
魄 (sua manifestação material-corporal). Para os daoístas, a via real do espírito
conduz-se pelo desenvolvimento e pela depuração das condições de acesso ao
outro plano da existência. As capacidades sensoriais devem ser estimuladas e
sensibilizadas o suficiente para atingirmos de modo consciente o mundo espi-
ritual – e conseqüentemente, a imortalidade plena.
Posteriormente, os daoístas resgataram as práticas xamânicas e passa-
ram a acreditar que podiam dominar as funções do corpo espiritual e material
através de uma prática meditativa calcada na modulação do sono e na inves-
tigação do sonho. No ato de dormir, pois, um conjunto de procedimentos
era realizado para assegurar que o praticante entrasse de forma consciente no
sonho. Percebendo-se livre das amarras corpóreas, ele teria condições de exer-
citar práticas espirituais necessárias à melhoria do seu corpo, viajar por longas

32
distâncias, visitar ancestrais, imortais ou deuses e por fim, ativar a conexão
entre os dois mundos através do seu próprio corpo espiritual-material (WIL-
SON, 2004).
Ademais, a experiência do sonho premonitório, curativo ou revela-
dor já havia sido experienciada pelos xamãs chineses e siberianos (ELIADE,
1978). O que os daoístas fazem, porém, é desenvolver estas técnicas, não so-
mente aprimorando os métodos de entrada no mundo do sonho como ainda,
mapeando as divisões do plano espiritual (céus, infernos, zonas intermediá-
rias), suas criaturas, potencialidades, etc., e projetando-as no imaginário re-
ligioso chinês. O aperfeiçoamento do sonho extático favorecia, igualmente,
o controle do transe mediúnico (o “sono acordado”, onde o praticante sai
de si para enxergar o mundo espiritual). Tais experiências seriam fartamente
descritas pelos daoístas como meios de acesso e prática da alquimia interior.
No sonho extático, pois, os chineses encontram uma via de acesso ao plano
espiritual, uma forma de alcançar a unidade plena das faculdades intelectuais
e físicas nos dois planos. Do sonho, advém a idéia do espírito; por ele, reen-
contrava-se com o real, com a existência plena.

Documentação

CONFÚCIO. Lunyu. In: Chinese Texts. Disponível em https://ctext.


org/analects
_____. Les Tcheou-Li; rites des tcheou (Zhouli). Trad. Edouard Biot.
Paris: Imprimerie nationale, 1851.
_____. Shijing. In: Chinese Texts. Disponível em: https://ctext.org/
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_____. Zhong Yong. In: LIN, Yutang. Sabedoria da Índia e da China.
Rio de Janeiro: Ponguetti, 1957.
LIEZI. O Tratado do Vazio Perfeito. São Paulo: Landy, 2000.
ZHUANGZI. In: LIN, Yutang. Sabedoria da Índia e da China. Rio de
Janeiro: Ponguetti, 1957.

33
Referências Bibliográficas

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ca, 2004. Disponível em: https://criticanarede.com/his_primchines.html
_____. Uma história inventada. In: Escritos de história sínica. União da
Vitória: Ebook, 2011.
_____. A religião dos Espíritos na China Antiga. In.: CAMPOS, Car-
los Eduardo da Costa; CORSI, Semíramis; KESSER, Carolina Barcellos Dias
(orgs.). Experiências religiosas no mundo antigo. Curitiba: Editora Prismas,
2017.
CAILOOIS, Roger. ‘Prestígios e Problemas do Sonho’. In: _____.
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ELIADE, Mircea ‘Visões e sonhos iniciatórios entre os xamãs siberia-
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Janeiro: Francisco Alves, 1978.
ONG, Robert. The interpretation of dreams in ancient China. Thesis in
Arts and Asian Studies. University of Britsh Columbia, 1981.
PIMPANEAU, Jacques. A religião popular chinesa. Lisboa: Fundação
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SMITH, Howard D. As Religiões chinesas. Lisboa: Arcádia, 1971.
WILSON, Peter Lamber. Chuva de estrelas – o sonho iniciático no sufis-
mo e no taoísmo. Conrad: São Paulo, 2004.

34
Notas biográficas

ANDERSON DE ARAÚJO MARTINS ESTEVES possui graduação em


Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1998), mestrado em Letras (Letras Clássicas) pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (2004) e doutorado em Letras (Letras Clássicas) pela Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (2010). Atualmente é professor adjunto do
Departamento de Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro
e atua no Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas. Desde 2012, é
coordenador-geral do grupo de pesquisa ATRIVM – Espaço Interdisciplinar
de Estudos da Antiguidade. É membro associado da UMR 8210 ANHIMA
(Anthropologie et Histoire des Mondes Antiques), do Lhia – Laboratório de
História Antiga, vinculado ao Instituto de História da UFRJ e pesquisador do
grupo Gêneros da prosa greco-latina, vinculado ao Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas da USP;

ANDRÉ BUENO é professor de História Oriental da Universidade do Es-


tado o Rio de Janeiro (UERJ); fundador do Projeto Orientalismo, de difusão
de História e Cultura Asiática na rede. É membro da Associação Europeia de
Estudos Chineses e da Associação Europeia de Filosofia Chinesa; Colabora-
dor no Laboratório de Estudos da Ásia (LEA) da USP; membro do grupo
Leitorado Antiguo (UPE; membro do Alaada – Associação Latino Americana
de Estudos Asiáticos; membro da Rede Iberoamericana de Sinologia (Ribsi);
membro do LHER – Laboratório de Experiências Religiosas da UFRJ; mem-
bro do Council for Research in Values and Philosophy (CRVP); membro do
LAPHIS/UNESPAR.

ARLETE JOSÉ MOTA possui especialização em Língua e Literatura Latina,


pela UFRJ. Pelo Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da UFRJ,
possui Mestrado em Letras Clássicas (concluído em 1991) e Doutorado em
Letras Clássicas (concluído em 1998). Atualmente é Professora Associado da

255
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalha em especial com os seguintes
temas: literatura latina, cultura romana, língua latina, comportamento, perso-
nagem, riso e história romana. Professora do Programa de Pós-graduação em
Letras Clássicas da UFRJ. Líder do Grupo de Pesquisa NVMINA – Crenças,
Rituais e Magia na Roma Antiga/Cnpq até 2017. Coordenadora Adjunta do
Laboratório ATRIVM – Espaço Interdisciplinar de Estudos da Antiguidade,
que integra o PPGLC da Faculdade de Letras da UFRJ. Substituta Eventual
do Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas, da UFRJ
(PPGLC/ UFRJ).

CARLOS EDUARDO DA COSTA CAMPOS é Professor Adjunto da Uni-


versidade Federal do Mato Grosso do Sul e coordenador do grupo de pesquisa
ATRIVM / UFMS. O referido pesquisador é Doutor (2014-2017) e mestre
(2011-2013) em História Política, na linha política e cultura, do Programa de
Pós-Graduação em História da UERJ. Campos possui estágios supervisiona-
dos de pesquisa no ANHIMA (Anthropologie et Histoire des Mondes Anti-
ques), sob a direção da Professora Dr.ª Violaine Sebillote Cruchet e supervisão
do Prof. Dr. Anderson Martins (2018), na Universidade Paris I, Sorbonne; na
École francaise d’Athènes (2012); na Universidade de Coimbra, sob supervi-
são da Professora Doutora Carmen Soares (nos anos de 2012 e 2014), além
da atividade de pesquisa no Centro Arqueológico de Saguntum/Valência, Es-
panha (2012). Campos atuou como secretário do Grupo de Trabalho em His-
tória Antiga do Rio Grande do Sul e do ATRIVM-UFRJ, ambos entre 2016
e 2018. Membro do LECA-UFPel; GEMAM – UFSM; Leitorado Antiguo-
-UPE. A área de atuação do pesquisador é: República Tardia e Principado em
Roma; Religião, Magia e Rituais de Roma; História das Cidades; Educação
Patrimonial; Ensino de História; Teoria e Metodologia de Pesquisa Científica.

LEANDRO HECKO é graduado (UEL), mestre (UFRGS) e doutor (UFPR)


em História, sendo professor adjunto do curso de História da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, atuando no campus de Três Lagoas – MS,
onde atua nas disciplinas de História Antiga e Estágios Obrigatórios. Coordena
no momento o Grupo de Pesquisa « História Antiga e Usos do Passado: novas

256
perspectivas entre o passado e o presente» onde desenvolve dois projetos de
pesquisa: «As Antiguidades e os Usos do Passado: sobre a presença do passado
na vida prática das pessoas» e «História e Cultura da Alimentação: a função
social da cerveja na história».

LUIS FILIPE BANTIM DE ASSUMPÇÃO é Doutorando pelo Programa


de História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sendo
orientado pelo Prof. Fábio de Souza Lessa (UFRJ). Assumpção é pesquisa-
dor no Laboratório de História Antiga (LHIA) e no Espaço Interdisciplinar
de Estudos da Antiguidade (ATRIVM), ambos nesta universidade. O refe-
rido pesquisador é Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e realizou estágio supervisionado
de pesquisa na Universidade de Coimbra (2012; 2014), na École francaise
d’Athènes (2012) e no ANHIMA – Anthropologie et Histoire des Mondes
Antiques (2018). A sua pesquisa lida com inúmeros aspectos da política, cul-
tura e sociedade de Esparta no período Clássico, tendo organizado os livros
“Esparta: Política e Sociedade” e “Líderes Políticos da Antiguidade” – este em
conjunto com os Professores Anderson Martins Esteves (UFRJ) e Ricardo de
Souza Nogueira (UFRJ).

MÁRCIA CRISTINA LACERDA RIBEIRO é Doutora em História An-


tiga pela Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta do curso de
História da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/campus VI). Pós-dou-
toranda em Arqueologia Clássica pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade de São Paulo (MAE/USP). Pesquisadora do Laboratório de Es-
tudos sobre a Cidade Antiga (Labeca/MAE/USP). Coordenadora do Grupo
de Pesquisa Núcleo de História Social e Práticas de Ensino (NHIPE/CNPq/
UNEB). Editora da Revista: perspectivas e Diálogos: Revista de História So-
cial e Práticas de Ensino. Membro do Conselho Editorial da Editora da Uni-
versidade do Estado da Bahia (UNEB).

MARÍA CECILIA COLOMBANI é Doctora en Filosofía por la Universi-


dad de Morón. Profesora Titular Regular de Problemas Filosóficos y de An-

257
tropología Filosófica (Universidad de Morón) Coordinadora académica de la
Cátedra Abierta de Estudios de Género (Universidad de Morón). Directora de
la carrera de Filosofía (Universidad de Morón). Profesora Titular de Filosofía
Antigua y Problemas Especiales de Filosofía Antigua (Universidad Nacional
de Mar del Plata). Profesora del Instituto Superior de Formación Docente
Ricardo Rojas, Moreno. Investigadora principal por la Universidad de Morón.
Codirectora del Proyecto de Investigación “Mundo Antiguo y Cultura Histó-
rica; formas de dominación, dependencia y resistencia”. Facultad de Humani-
dades. Universidad Nacional de Mar del Plata.

NATHALIA MONSEFF JUNQUEIRA é graduada (UNICAMP), mestra


(UNESP), doutora (UNICAMP) em História, sendo professora adjunta do
curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, atuando
no campus do Pantanal – MS, onde atua nas disciplinas de História Antiga e
Medieval, assim como Ensino de História. Membro do Grupo de Pesquisa:
“Espaço Interdisciplinar de Estudos da Antiguidade – ATRIVM / UFMS”
onde desenvolve o projeto de pesquisa: “Para além dos clássicos: leituras e
debates sobre autores e tópicos contemporâneos das ciências sociais”.

RAFAEL BRUNHARA é Professor de Língua e Literatura Grega na Univer-


sidade Federal do Rio Grande do Sul, Metre e Doutor em Letras Clássicas pela
Universidade de São Paulo. É autor de As Elegias de Tirteu: Poesia e Perfor-
mance na Esparta Arcaica (São Paulo, Editora Humanitas, 2014) e tradutor
dos Hinos Órficos (Goiânia, Editora Martelo, no prelo).

RAINER GUGGENBERGER nasceu em Tulln (Áustria), mas vive no Rio


de Janeiro e trabalha como Professor de Língua e Literatura Gregas na UFRJ.
Fez formação na Universität Wien (doutorado em Letras Clássicas, mestrado
em Filosofia, Italiano e Grego Antigo)e pesquisou e estudou na Itália (Uni-
versità degli Studi di Firenze, Istituto Nazionale di Studi sul Rinascimento),
no Brasil (UFRJ), na Inglaterra (Durham University, Institute of Classical
Studies Library, University of Cambridge) e na Alemanha (Bayerische Staats-
bibliothek, Bibliothek für Klassische Philologie der Ludwig-Maximilians-U-

258
niversität München). Ministrou palestras na Áustria, no Brasil, na Inglaterra e
na Alemanha. Os seus últimos projetos abordam as citações e alusões poéticas
nas obras de Platão, Xenofonte e Aristóteles, a métrica grega, a Vida de Ale-
xandre de Plutarco e a auto-representação de helenos e a sua visão de povos
não considerados helenos.

RICARDO DE SOUZA NOGUEIRA possui Bacharelado em Português-


-Grego, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, se deu no período de
1993 a 1996, e a Licenciatura em Português-Grego no período de 1997-1999
pela mesma universidade. Nogueira possui Mestrado (1997 – 2002) e Douto-
rado (2006 – 2011) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Programa
de Pós-Graduação em Letras Clássicas. Atualmente é Professor Adjunto de
Língua e Literatura Grega e faz parte do Programa de Pós-Graduação em Le-
tras Clássicas. Nogueira é vinculado aos Grupos de Pesquisas: DAG (Discurso
na Antiguidade grega) e ATRIVM – Espaço Interdisciplinar de Estudos da
Antiguidade (UFRJ e UFMS).

SEMÍRAMIS CORSI SILVA é Professora do Departamento de História e


do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa
Maria – UFSM. Possui Doutorado (2014), Mestrado (2006) e Graduação
(2003) em História pela Universidade Estadual Paulista – UNESP/Franca.
Realizou estágio de doutorado na Universidad de Salamanca, Espanha, sob
supervisão da Profa. Dra. María José Hidalgo de la Veja. Também realizou
estágio de pesquisa na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Pa-
ris – EHESS – Centre ANHIMA, sob a supervisão do Prof. Dr. Jean-Michel
Carrié. Coordenadora do Grupo de Estudos sobre o Mundo Antigo Mediter-
rânico da UFSM – GEMAM/UFSM. Atualmente desenvolve pesquisa sobre
o governo e as representações negativas do imperador Heliogábalo (218-222)
dentro do projeto Barbaridade: identidades e alteridades em representações do
outro por escritores romanos, com auxílio financeiro da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Possui experiência
na área de História, com ênfase em História Antiga, pesquisando principal-
mente os seguintes temas: Magia e Poder no Império Romano; Identidades,

259
barbaridades, fronteiras e integração no Império Romano; Usos dos prazeres,
Gênero e Poder no Império Romano; Heliogábalo e a Dinastia dos Severos.

THIAGO BRANDÃO ZARDINI possui graduação em História pela Uni-


versidade Federal do Espírito Santo (2005), com experiência na área de His-
tória de Roma. É mestre em História, na área de pesquisa de História Social
das relações políticas, pela Universidade Federal do Espírito Santo (2008). É
doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Letras / UFES (2015), na área de
pesquisa de Estudos Literários, orientado pelo professor Doutor Gilvan Ven-
tura da Silva, com bolsa da CAPES. Integrou a equipe editorial da Romanitas
– Revista de Estudos Grecolatinos e fez parte do Laboratório de Estudos sobre
o Império Romano (Leir/UFES). No ano de 2016, coordenou o grupo de
estudos “Cultura Material e Cultura Literária no Mundo Antigo” (NUPES/
Saberes). Atualmente é integrante do ATRIVM – Espaço interdisciplinar de
estudos da Antiguidade (UFRJ e UFMS) e professor dos cursos de História,
Letras e Pedagogia da Faculdade Saberes / ES, onde coordena o Grupo de
Pesquisa: Cultura e Literatura no Mundo Clássico e na Antiguidade Tardia
(NUPES/Saberes).
FONTES Adobe Garamond Pro
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