You are on page 1of 9

Caso Clínico

Case Report

Lina Carvalho1 Tumor carcinóide do timo – Caso clínico


Luís Eugénio Fernandes2
Filipe Ferreira3
Filipa Januário3 Thymic carcinoid – case report
Diogo Robles3
Inês Sanches3
Edgar Vaz3 Recebido para publicação/received for publication: 09.04.28
Manuel Antunes2 Aceite para publicação/accepted for publication: 09.07.08

Resumo Abstract
Os tumores neuroendócrinos primários representam Primary neuroendocrine tumours (carcinoid tu-
cerca de 4% do total dos tumores do mediastino an- mours) account for about 4% of anterior mediastinal
terior, incluindo o timo, afectando mais homens que tumours concerning thymus localization. They ap-
mulheres numa razão de 3:1 e apresentando uma pear to have a male predilection (3:1 ratio) and occur
maior incidência entre os 40 e os 60 anos. Antiga- mostly between 40 and 60 years of age. Classified pri-
mente classificados como timomas, desde 1972 são marily as thymomas, they have been considered a dif-
considerados um grupo distinto de neoplasias tími- ferent group of thymic neoplasia since 1972. They
cas, podendo ser biologicamente activos, estando so- can be biologically active, mostly associated with
bretudo associados à síndroma NEM-1 (19 a 25% MEN-1 (19-25% of patients and more aggressive in
dos doentes, sendo nestes casos mais agressivos). these cases).
São descritos como tendo grande progressão local, re- As a locally invasive disease, with recurrence and me-
corrência e metástases em elevada percentagem de ca- tastasis in a high percentage of cases, it correlates with
sos, o que determina um mau prognóstico. O estadia- a poor prognosis. Staging is the most important de-
mento é o parâmetro mais importante para determinar terminant of survival. Encapsulated tumours diag-
a sobrevida. Tumores detectados em fase precoce e nosed in early stages have an excellent prognosis,
capsulados associam-se a um excelente prognóstico, while locally invasive tumours in more advanced
enquanto em estádios avançados, localmente invasi- stages have a relatively poor prognosis as happens
vos, têm prognóstico relativamente pobre. with thymomas.

1 Anatomia Patológica
2 Cirurgia Cardiotorácica
3 Alunos da disciplina de Oncologia – 6.º ano – Medicina – Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra/6th year Oncology medical students

e-mail: lcarvalho@huc.min-saude.pt

R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a 177
Vol XVI N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2010

Pneumologia 16-1 - Miolo - 4ª PROVA.indd 177 28-12-2009 12:54:03


Tumor carcinóide do timo – Caso clínico
Lina Carvalho, Luís Eugénio Fernandes, Filipe Ferreira, Filipa Januário, Diogo Robles, Inês Sanches, Edgar Vaz, Manuel Antunes

A remoção cirúrgica completa, para todos os tumores Complete surgical removal is the critical factor for
tímicos, é a base da terapêutica e o factor crítico para long-term survival rates and the basis for treatment of
a sobrevivência a longo prazo, independentemente do all thymic tumours, independent of histologic type.
tipo histológico. São uma causa de morte importante, As an important cause of death, especially in carci-
nomeadamente os tumores associados a NEM-1 e sín- noid tumours associated with MEN-1 and Cushing’s
droma de Cushing, e há autores que defendem a reali- syndrome, some authors advocate the need for profi-
zação de timectomia profiláctica nestes doentes. lactic thymectomy in these patients.

Rev Port Pneumol 2010; XVI (1): 177-185 Rev Port Pneumol 2010; XVI (1): 177-185

Palavras-chave: Timo, carcinóide, prognóstico. Key-words: Thymus, carcinoid, prognosis.

Introdução fócitos T à medida que estes migram do cór-


O timo localiza-se no mediastino anterior, tex para a medula. Esta determinação
deriva da 3.ª bolsa faringobraqueal e começa embrionária vai permitir entender a histogé-
a sua formação a partir da 6.ª semana in ute- nese dos timomas1.
ro. Histologicamente é constituído por tú- Em 1999, a Organização Mundial de Saú-
bulos epiteliais que se organizam em lóbulos de (OMS) actualizou a classificação dos
tímicos, formando o córtex e a medula. O tumores do timo. A classificação dos timo-
córtex é rico em linfócitos T e tem poucas mas baseia-se na avaliação histológica da
células epiteliais, ao contrário da medula, componente neoplásica epitelial e quanti-
onde predominam células epiteliais. Ao lon- dade relativa do componente linfocítico
go destas zonas ocorre a maturação dos lin- não neoplásico15 (Quadro I), sendo a sua
aplicação consensual. Foi mantida na edi-
Quadro I – Classificação histológica dos timomas (WHO 2004) ção de 20042-4.
Os carcinomas neuroendócrinos estão in-
A Timoma benigno Timoma medular cluídos no grupo de tumores designado por
AB Timoma misto carcinoma tímico e abrangem os tipos his-
B1 Timoma maligno I Timoma de predomínio cortical
tológicos seguintes: carcinoma neuroendó-
B2 Timoma cortical
crino bem diferenciado (carcinóide típico e
B3 Carcinoma tímico bem diferenciado
C Timoma maligno II Carcinoma epidermóide queratinizante atípico) e carcinoma neuroendócrino pouco
Carcinoma linfoepitelioma-like diferenciado (carcinoma neuroendócrino de
Carcinossarcoma células grandes e carcinoma neuroendócri-
Carcinoma de células claras no de células pequenas) semelhando a clas-
Carcinoma basalóide
Carcinoma mucoepidermóide sificação deste grupo de tumores no brôn-
Carcinoma indiferenciado quio e pulmão2,5-8.

178 R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a
Vol XVI N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2010

Pneumologia 16-1 - Miolo - 4ª PROVA.indd 178 28-12-2009 12:54:03


Tumor carcinóide do timo – Caso clínico
Lina Carvalho, Luís Eugénio Fernandes, Filipe Ferreira, Filipa Januário, Diogo Robles, Inês Sanches, Edgar Vaz, Manuel Antunes

Na edição de 2004 foram também acrescen- Caso clínico


tados os tipos histológicos seguintes ao gru- Doente do sexo masculino, com 37 anos,
po do tumores epiteliais do timo: admitido nos Hospitais da Universidade de
Coimbra em Julho de 2006 devido a des-
– Tumor tímico epitelial combinado: neo- conforto retroesternal recente, sem história
plasia que tem pelo menos duas áreas dis- de tosse, expectoração, dispneia ou queixas
tintas, cada uma correspondendo ao ti- constitucionais. Tinha antecedentes pessoais
moma e/ou carcinoma tímico, incluindo de amigdalectomia aos 9 anos, esteatose he-
o carcinoma neuroendócrino (a combina- pática e litíase renal esquerda (detectados
ção mais frequente é o tipo B2 e o B3, por ecografia abdominal em 2006). Sem
seguido do tipo B3 combinado com o car- alergias conhecidas, o doente tinha cessado
cinoma tímico das células escamosas); hábitos tabágicos (30 UMA) um ano antes e
– Timoma micronodular: 1% a 5% dos ti- referia consumo moderado de álcool. Apre-
momas é encapsulado e raramente está sentava um bom estado geral, sem alterações
associado à miastenia gravis. Poderá estar ao exame físico.
associado ao tipo A; Na recolha analítica observou-se hemoglobi-
– Timoma metaplásico bifásico: designado na de 20,4 g/dl (N=14-18 g/dl) e VS de 37
anteriormente como “timoma com estro- mm/h (N<15 mm/h). A radiografia torácica
ma pseudosarcomatoso” e “carcinoma (Rx tórax) mostrou uma massa de contorno
metaplásico de baixo grau”; regular e bem definido, com procidência no
– Carcinoma e adenocarcinoma; bordo esquerdo do mediastino, a nível da ja-
– Carcinoma com t15,19. nela aortopulmonar. A tomografia axial
computorizada torácica (TACt) revelou uma
Os tumores do timo são raros, mas são os massa de tecidos moles no mediastino ante-
tumores do mediastino anterior mais fre- rior, de localização justaaórtica, bem delimi-
quentes nos adultos (representam cerca de tada e de contornos ligeiramente polilobula-
50% das massas com esta localização) e a dos, com cerca de 4,7×3,7 cm, com plano de
maioria dos doentes está entre os 40-60 anos clivagem com as estruturas adjacentes, so-
de idade. A etiologia continua desconhecida frendo realce periférico após contraste intra-
e actualmente nenhuma anomalia cromos- venoso, não se detectando adenopatias
sómica foi associada ao tipo histológico es- mediastino-hilares (Fig. 1). A broncofibros-
pecífico de timoma ou carcinoma tímico. A copia, provas de função respiratória e ECG
incidência é semelhante em ambos os sexos, não revelaram alterações.
embora alguns estudos mostrem uma ligeira Cerca de três semanas depois do episódio
predominância do sexo masculino, nomea- clínico, o doente foi submetido a interven-
damente do carcinoma tímico9-11. ção cirúrgica para excisão da massa medias-
Os autores apresentam um caso de carcinói- tínica, por esternotomia mediana, com dis-
de tímico e abordam o comportamento clí- secção da loca tímica, sem complicações
nico desta entidade com base na literatura intra ou pós-operatórias.
disponível, estabelecendo uma comparação A peça operatória consistia numa formação
com os restantes tumores do timo. nodular com 46 g de peso e 6,5×3,5×3,8 cm

R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a 179
Vol XVI N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2010

Pneumologia 16-1 - Miolo - 4ª PROVA.indd 179 28-12-2009 12:54:03


Tumor carcinóide do timo – Caso clínico
Lina Carvalho, Luís Eugénio Fernandes, Filipe Ferreira, Filipa Januário, Diogo Robles, Inês Sanches, Edgar Vaz, Manuel Antunes

A B C

D E F
Fig. 1 – A: corte da TACt pré-operatória; B: caracterização da localização intratímica da neoplasia pela CK 19 e negatividade das células neoplásicas,
CK19 X 40; C: padrões trabecular e sólido, HE X 100; D: marcação granular da cromogranina citoplasmática (TTF-1 negativa), cromogranina X 200; E:
mitose visível, HE X 200; F: índice proliferativo superior a 10%, Ki 67 X 200

de dimensões, envolvida por uma fina cápsu- normais; cortisol sérico de 26,0 μg/dl (N =
la brilhante e acinzentada, com áreas suspei- = 5-25 μg/dl) e cortisol urinário de 139
tas de invasão. O padrão histológico corres- μg/24h em 3150cc (N = 10-80 μg/24h).
pondia a um tumor carcinóide com padrão O cintigrama com pentetreótido-In111 (re-
sólido e trabecular, intratímico e sem invasão ceptores de somatostatina) não mostrou
da cápsula do órgão, áreas extensas de necro- lesões; no entanto, havia dois pequenos fo-
se e índice mitótico superior a 10% (Ki 67). cos de valorização duvidosa no andar mé-
Por imunoistoquímica, as células neoplásicas dio do mediastino posterior, pelo que um
mostraram positividade citoplasmática para mês após a cirurgia realizou radioterapia
cromogranina e queratina (Fig. 1). Três gân- adjuvante em 28 fracções de 180 cGy,
glios linfáticos mediastínicos não apresenta- numa dose total de 50,40Gy (fotões de 18
vam metástases, permitindo classificar este MV). Durante este tratamento surgiu eri-
carcinoma neuroendócrino bem diferenciado tema da pele irradiada e disfagia discreta
no estádio I da classificação de Masaoka (T1 para sólidos. Após o término da radiotera-
N0 Mx). pia adjuvante, decidiu-se pela não realiza-
No período pós-operatório foram realizados ção de quimioterapia. Aos 6 meses de pós-
doseamentos hormonais: ACTH e PTH -operatório, foi realizada uma ressonância

180 R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a
Vol XVI N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2010

Pneumologia 16-1 - Miolo - 4ª PROVA.indd 180 28-12-2009 12:54:03


Tumor carcinóide do timo – Caso clínico
Lina Carvalho, Luís Eugénio Fernandes, Filipe Ferreira, Filipa Januário, Diogo Robles, Inês Sanches, Edgar Vaz, Manuel Antunes

magnética nuclear torácica (RMNt), onde Cushing13,21), por vezes também a produção
se observou no lobo superior do pulmão de HAD3 e PTH16 e já foram reportados ca-
esquerdo (segmento ápico-posterior) uma sos de secreção de calcitonina e ß-HCG16.
área de hipersinal ligeiro, compatível com Não estão no entanto relacionados com a
processo inflamatório em resolução ou síndroma carcinóide ou miastenia gravis, ao
processo fibrótico residual. contrário de outros tumores tímicos. Apro-
Actualmente, 2009, o doente é vigiado em ximadamente 30% dos casos são assintomá-
consultas de oncologia médica e radiotera- ticos na altura do diagnóstico, sendo encon-
pia, não apresentando alterações clínicas ou trados acidentalmente através da realização
imagiológicas. de RX tórax14 ou TACt. A apresentação clí-
nica do caso actual enquadra-se nas mani-
festações devidas a efeito de massa local,
Discussão nomeadamente sob a forma de desconforto
Os tumores neuroendócrinos do timo são retro-esternal recente. Embora a associação
tumores pouco frequentes, representando com a síndroma de Cushing seja frequen-
até 4% do total dos tumores do mediastino te21, o caso presente não demonstrou clínica
anterior e menos de 1,8% do conjunto de sugestiva14-16.
tumores neuroendócrinos8. Antigamente O diagnóstico clínico de um tumor tímico é
classificados como timomas, desde 1972 feito essencialmente por meios imagiológicos:
que são considerados um grupo distinto de no RX do tórax identifica-se uma massa lobu-
neoplasias tímicas11. São neoplasias que lada e mais de 90% dos casos estão localizados
afectam mais o homem que a mulher, numa ao mediastino anterior9, não permitindo esta-
razão 3:1, com maior incidência entre os 40 belecer diagnóstico diferencial entre os dife-
e os 60 anos. O caso clínico apresentado diz rentes tipos histológicos; a TACt permite lo-
respeito a um doente do sexo masculino de calizar a neoplasia com maior precisão
37 anos, aproximando-se desta maneira do anatómica, a sua relação com as estruturas ad-
pico de incidência12,13. jacentes e características que possam fazer sus-
A apresentação clínica mais frequente diz peitar de malignidade. No caso, a radiografia
respeito a manifestações relacionadas com do tórax e a TAC torácica identificaram uma
efeito de massa local (tumores entre 6-20cm massa mediastínica com plano de clivagem
de maior diâmetro), sendo os sintomas mais com as estruturas adjacentes. Para diagnóstico
comuns a dor ou desconforto torácico, tos- também podemos recorrer à medicina nuclear
se, dispneia ou síndroma da veia cava supe- e a doseamentos hormonais, uma vez que os
rior. Podem estar associados a síndroma de carcinóides tímicos estão frequentemente as-
neoplasias endócrinas múltiplas tipo 1 sociados a NEM-1 e a síndromas paraneoplá-
(NEM-1) em aproximadamente 19-25% sicas, nomeadamente com manifestações do
dos doentes17, tendo estes casos comporta- síndroma de Cushing, como já referido. O
mento mais agressivo. Podem ser biologica- doente não apresentava alterações significati-
mente activos (33%), segregando um con- vas no cintigrama com pentetreótido-In111,
junto de hormonas, entre as quais se destaca tendo no entanto aumento dos níveis séricos
a ACTH (estando associado a síndroma de e urinários de cortisol17-19.

R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a 181
Vol XVI N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2010

Pneumologia 16-1 - Miolo - 4ª PROVA.indd 181 28-12-2009 12:54:07


Tumor carcinóide do timo – Caso clínico
Lina Carvalho, Luís Eugénio Fernandes, Filipe Ferreira, Filipa Januário, Diogo Robles, Inês Sanches, Edgar Vaz, Manuel Antunes

À observação macroscópica, o carcinóide nóide atípico do timo. A caracterização his-


tímico apresenta-se como uma massa acin- tológica dos tumores neuroendócrinos do
zentada com ou sem focos de necrose10. Em timo e recomendações para a sua classifica-
microscopia apresenta mais vulgarmente ção acompanham os conhecimentos para
um padrão organóide, possível microcalci- os tumores neuroendócrinos do pulmão e
ficação, vascularização marcada e pode es- do aparelho digestivo20-23.
tar presente invasão linfática e vascular. Por Os tumores tímicos podem ser estadiados
imunoistoquímica, as células tumorais por vários sistemas, nomeadamente pelo sis-
mostram positividade para citoqueratinas tema TNM ou pelos critérios de Masaoka. O
de baixo peso molecular (CAM 5,2), em sistema de Masaoka5 (Quadro II) correspon-
100% dos casos, queratinas de largo espec- de a uma classificação histoclínica com base
tro (88%) e para marcadores neuroendócri- no grau de invasão local e à distância12 e é
nos como a cromogranina A (75% dos ca- mais utilizada do que o estadiamento TNM.
sos), sinaptofisina (72%), Leu 7/CD 57 Classifica os tumores em 4 estádios (I – IV):
(68%) e enolase neuronioespecífica (NSE) no estádio I o tumor está completamente
em raros casos6,8. No caso clínico reportado capsulado e microscopicamente não apresen-
o tumor apresentava-se como uma massa ta invasão da cápsula; no estádio II já há inva-
capsulada acinzentada, com áreas sugestivas são da cápsula, tecido adiposo mediastínico
de necrose e histologicamente com um pa- e/ou pleura mediastínica, mas não dos órgãos
drão sólido e trabecular, sem invasão da vizinhos (pericárdio e coração, grandes vasos
cápsula tímica. A marcação imunoistoquí- ou pulmão); caso isso ocorra será classificado
mica mostrou positividade para queratina no estádio III; no estádio IV ocorre dissemi-
MNF116 e cromogranina no citoplasma nação metastática por via linfática ou hema-
das células neoplásicas, características de togénica. Segundo estes critérios, o tumor
tumor carcinóide com qualquer localiza- em estudo foi classificado no estádio I. Se-
ção. Foram identificas mitoses em HE em gundo o sistema TNM, caracteriza-se como
número superior a 2 por 10 HPF (campos T1 (sem invasão da cápsula ou envolvimento
de grande ampliação) e o índice mitótico de tecidos adjacentes), N0 (sem metástases
era superior a 10% pela marcação da histo- dos nódulos linfáticos) e M0 (pois nos exa-
na nuclear Ki 67 (Fig. 1). Desta forma, a mes realizados não foram confirmadas me-
neoplasia foi classificada como carcinoma tástases à distância)17,24,25.
neuroendócrino bem diferenciado – carci- Num estudo genético recente demonstrou-
-se alterações cromossómicas específicas que
Quadro II – Classificação de Masaoka não foram observadas em tumores carcinói-
Estádio Critérios de diagnóstico
des com outras localizações (aparelho diges-
I Microscopia – sem invasão da cápsula tivo, esporádicos ou associados a NEM-1).
II Invasão local (cápsula, gordura mediastínica e/ou pleura mediastínica) O facto de não terem sido detectadas altera-
III Invasão dos órgãos vizinhos ções cromossómicas em 11q13 suporta a
IV A Disseminação pleural e/ou pericárdica distinção entre este tumor e o grupo de tu-
IV B Disseminação por via linfática ou hematogénea mores que se integram no NEM-1, onde
Masaoka A, Monden Y, Nakahara K, Tanioka D. Follow-up studies of thymomas with special reference
to their clinical stages. Cancer 1981; 48:2485-2492
estão expressas em 36% dos casos18,19. Con-

182 R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a
Vol XVI N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2010

Pneumologia 16-1 - Miolo - 4ª PROVA.indd 182 28-12-2009 12:54:07


Tumor carcinóide do timo – Caso clínico
Lina Carvalho, Luís Eugénio Fernandes, Filipe Ferreira, Filipa Januário, Diogo Robles, Inês Sanches, Edgar Vaz, Manuel Antunes

sequentemente, deve ser considerada a exis- sos de doença metastática generalizada ou


tência de um mecanismo citogenético dis- quando a invasão de estruturas vitais torna a
tinto no desenvolvimento do carcinóide ressecção curativa inviável. Tendo em conta
tímico, comparativamente aos outros carci- que estes tumores apresentam radiossensibi-
nóides. No caso clínico descrito, o doente lidade razoável, a radioterapia é utilizada
não apresentava outras neoplasias, daí que sobretudo para controlo local da doença e
se tenha optado por não fazer o seu estudo melhoria sintomatológica, apresentando ex-
citogenético14,26-28 celentes resultados, nomeadamente na sín-
O diagnóstico diferencial do carcinóide tí- droma de Cushing. É uma forma de trata-
mico é feito com outros tumores mediastí- mento muitas vezes preconizada, sendo
nicos primários, nomeadamente o timoma, normalmente utilizadas doses de 50-60Gy,
o paraganglioma, o linfoma, adenoma/car- e poderá ser aplicada em regime pós-
cinoma da paratiróide e carcinoma medular -operatório, eliminando assim a necessidade
da tiróide. A diferenciação mais difícil e im- de operar num campo irradiado, optimizan-
portante prende-se com o timoma, princi- do ainda o efeito biológico por evitar a in-
palmente o carcinoma de células escamosas/ terrupção da irradiação. A aplicabilidade da
/epidermóide do timo em pequenas amos- quimioterapia nestes tumores é discutível,
tras de tecido biopsado, sendo ambos posi- visto ainda não ter sido encontrado um regi-
tivos para a queratina de adesão celular me satisfatório, aplicando-se os conheci-
CAM 5,2. Os timomas não expressam mar- mentos adquiridos para outras localizações
cadores neuroendócrinos como a cromogra- Vários fármacos foram administrados, como
nina ou a sinaptofisina7. Os paragangliomas a cisplatina (utilizada no carcinoma tímico)
mediastínicos têm positividade celular para e também o 5-fluorouracilo, a estreptozoci-
os marcadores neuroendócrinos e não apre- na e o α-interferão (agentes utilizados com
sentam a citoqueratina CAM 5,2; os tumo- sucesso nos tumores neuroendócrinos intes-
res da paratiróide têm secreção celular PAS tinais), sem benefícios significativos. No
positiva; no carcinoma medular da tiróide, presente caso efectuou-se timectomia total
as células têm positividade citoplasmática através de esternotomia mediana associada a
para calcitonina e para o CEA (antigénio radioterapia pós-operatória (28 sessões com
carcinoembrionário)11,29,30 dose total de 50,40 Gy), tratamento que se
A cirurgia continua a ser a principal medida enquadra nos padrões vigentes11,31-33.
terapêutica preconizada para o tratamento Tratando-se de uma doença com grande
de todos os rumores do timo, onde se in- progressão local possível, recidiva e me-
cluem os tumores neuroendócrinos. O ob- tastização em elevada percentagem de ca-
jectivo é a ressecção completa de todo o tu- sos, apresenta um mau prognóstico geral.
mor, incluindo zonas de invasão local e A ressecção cirúrgica incompleta, a pre-
metástases regionais. O doente poderá tam- sença de síndroma de Cushing16 ou NEM-
bém beneficiar de terapêutica regional ou -120, recidiva após a químio e radioterapia
sistémica adicional, rádio ou quimioterapia e presença de metástases são factores asso-
adjuvante, considerada nas situações em que ciados a pior prognóstico. O estadiamen-
a cirúrgica não está indicada, como nos ca- to é a condicionante mais importante para

R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a 183
Vol XVI N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2010

Pneumologia 16-1 - Miolo - 4ª PROVA.indd 183 28-12-2009 12:54:07


Tumor carcinóide do timo – Caso clínico
Lina Carvalho, Luís Eugénio Fernandes, Filipe Ferreira, Filipa Januário, Diogo Robles, Inês Sanches, Edgar Vaz, Manuel Antunes

a sobrevivência, sendo a sobrevida média cific for lung primary typical and atypical carcinoids:
de 28% e 10% aos 5 e 10 anos, respectiva- TTF-1-positive carcinoids are predominantly in periph-
eral location. Human Pathology 2004; 35(7):825-831.
mente8. São uma causa de morte impor-
7. García-Yuste M, Matilla J, Cueto A, Paniagua J, Ra-
tante, nomeadamente nos casos associa- mos G, Cañizares M, Muguruza I. Typical and atypical
dos a NEM-1 e síndroma de Cushing, e carcinoid tumours: analysis of the experience of the
existem autores que defendem a realização Spanish multi-centric study of neuroendocrine tumours
de timectomia profiláctica nestes doen- of the lung. Eur J Cardio-Thorac Surg 2007; 31:192-
tes17. No presente caso existem indicado- -197.
res que apontam para um bom prognósti- 8. García-Yuste M, Matilla J, Alvarez-Gago T, Duque J,
Heras F, Cerezal L, Ramos G. prognostic factors in neu-
co, como seja o facto de ter sido realizada
roendocrine lung tumors: a Spanish multicenter study.
uma cirurgia com ressecção total da neo- Ann Thorac Surg 2000; 70:258-263.
plasia e não estar associada a síndroma de 9. Economopoulos G, Lewis J, Lee M, et al. Carcinoid
Cushing4,13,14,26,34. tumours of the thymus. Ann Thorac Surg 1990; 50:58-
Pode concluir-se que os tumores neuroen- -63.
dócrinos do timo têm uma baixa incidência, 10. Moran C, Suster S. Spindle-cell neuroendocrine car-
relativamente a outras neoplasias do timo, cinomas of the thymus (spindle-cell thymic carcinoid): a
clinicopathologic and immunohistochemical study of
mas são tumores malignos de mau prognós-
seven cases. Mod Phatol 1999; 12:587-591.
tico e, por isso, devem ser diferenciados dos 11. Moran C, Suster S. Thymic neuroendocrine carci-
restantes tumores mediastínicos anteriores e nomas with combined features ranging from well dif-
estabelecer a sua origem primária. O trata- ferentiated (carcinoid) to small cell carcinoma. Am J
mento de escolha é a ressecção cirúrgica to- Clin Pathol 2000; 113:345-350.
tal, com possível terapêutica adjuvante de 12. Engels E, Pfeiffer R. Malignant thymoma in the
radioterapia e/ou quimioterapia. United States: demographic patterns in incidence and
associations with subsequent malignancies. Int J Cancer
2003; 105 (4):546-551.
13. Moran C, Suster S. A clinicopathologic analysis of
Bibliografia 80 cases of neuroendocrine carcinomas of the thymus.
1. Rosai J, Higa E. Mediastinal endocrine neoplasm of Am J Clin Pathol 2000; 114:100-110
probable thymic origin, related to carcinoid tumour. 14. Pan C, Jong Y, Chen Y. Comparative genomic hy-
clinicalopathologic study of 8 cases. Cancer 1972; bridization analysis of thymic neuroendocrine tumors.
29:1061-1075. Modern Pathology 2005; 18:358-364.
2. Travis W, Brambilla E, Muller-Hermelink H, Harris 15. Okumura M, Ohta M, Tateyama H, et al. The World
C. tumors of the lung, pleura, thymus and heart. WHO, Health Organization histologic classification system re-
IARCPress. Lyon 2004. flects the oncologic behavior of thymoma: a clinical
3. Rosai J. Histological Typing of Tumours of the Thy- study of 273 patients. Cancer 2002; 94(3):624-632.
mus; New York, NY: Springer-Verlag, 2nd ed., 1999. 16. Pearson F, Griffith J, Cooper J, Deslauriers J, et al.
4. Detterbeck F, Parsons AM. Thymic tumours. Ann Thoracic Surgery 2nd edition, Churchill Livingstone
Thorac Surg 2004; 77:1860-1869. 2002; 1682-1710.
5. Ullmann R, Petzmann S, Klemen H, et al. The posi- 17. Masaoka A, Monden Y, Nakahara K, Tanioka D.
tion of pulmonary carcinoids within the spectrum of Follow-up studies of thymomas with special reference to
neuroendocrine tumours of the lung and other tissues. their clinical stages. Cancer 1981; 48:2485-2492.
Genes Chromosomes Cancer 2002; 34:78-85. .18. Daniels C, Lowe V, Aubry M-C, Allen, M, Jett J.
6. Du E, Goldstraw P, Zacharias J, Tiffet O, Craig P, The utility of fluorodeoxyglucose positron emission to-
Nicholson A, Weinder N, Yi E. TTF-1 expression is spe- mography in the evaluation of carcinoid tumors pre-

184 R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a
Vol XVI N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2010

Pneumologia 16-1 - Miolo - 4ª PROVA.indd 184 28-12-2009 12:54:07


Tumor carcinóide do timo – Caso clínico
Lina Carvalho, Luís Eugénio Fernandes, Filipe Ferreira, Filipa Januário, Diogo Robles, Inês Sanches, Edgar Vaz, Manuel Antunes

senting as pulmonary nodules. Chest 2007, 131: 255- Brambilla E. Role of chemotherapy and the recptor ty-
-260. rosine kinases KIT, PDGFRα, PDGFRβ, and meti n
19. Rosenberg J. Neoplasms of the mediastinum. In: De large-cell neuroendocrine carcinoma of the lung. J Clin
Vita VT, Hellman S, Rosenberg SA (Eds.). Cancer: Oncol 2005; 23(24):8774-8785.
Principles and practice of oncology, 4th edition J.B. Lip- 28. Davies S, Gosney J, Hansell D, Wells A, Bois R,
pincott Company 1993; 1333-1435. Burke M, Sheppard M, Nicholson A. Didffuse idio-
20. Schmidt-wolf I, Rockstroh J, Schuller H, et al. Ma- pathic pulmonary neuroendocrine cell hyperplasia: an
lignant thymoma: current status of classification and under-recognised spectrum of disease. Thorax 2007;
multimodality treatment. Ann Hematol 2003; 82(2):69- 62:248-252.
-76. 29. Bastos P, Magalhães A, Cruz MR, Saleiro S,
21. Takayama T, Kammeya T, Inagaki K, et al. MEN Gonçalves L, Piñon Miguel. Cistos e tumores primários
type 1 associated with mediastinal carcinoid producing do Mediastino. Rev Port Pneumol 2007; 13(5):659-
parathyroid hormone, calcitonin and chorionic gonado- -673.
tropin. Pathol Res Pract 1993; 189:1090-1996. 30. Ping H, Varticovski L, Bowman E, Fukuoka J,
22. Teh B, McArdle J, Chan S, et al. Clinicopathologic Welsh J, Miura K, Jen J, Gabrielson E, Brambilla E,
studies of thymic carcinoids in multiple endocrine neo- Travis W, Harris C. Identification of carboxypeptidase e
plasia type 1. Medicine 1997; 76:21-27. and γ-glutamil hydrolase as biomarkers for pulmonary
23. Walch A, Zitzelsberger H, Aubele M, et al. Typical neuroendocrine tumors by cDNA microarray. Human
and atypical carcinoid tumours of the lung are charac- Pathology 2004; 35(10):1196-1209.
terized by 11q delections as detected by comparative 31. Kobayashi Y, Tokuchi Y, Hashimoto T, Hayashi M,
genomic hybridization. Am J Pathol 1998; 153:1089- Nishimura H, Yuichi I, Nakagawa K, Sato Y, Takahashi
-1098. A, Tsuchiya E. Molecular markers for reinforcement of
24. Wick M, Scoot R, Li C, et al. A clinicopathologic histological subclassification of neuroendocrine lung tu-
report of seven cases with a review of the literature. mors. Cancer Sci 2004; 95:334-341.
Mayo Clin Proc 1980; 55:246-251. 32. Barata F, Costa A. Carcinoma do pulmão de peque-
25. Wick M, Carney J, Bernatz P, Brown L. Primary nas células. Estado da arte e perspectivas futuras. Rev
mediastinal carcinoid tumours. Am J Surg Pathol 1982; Port Pneumol 2007; 13(4):587-603.
6:195-205. 33. Sousa B, Araújo A, Amaro T, Azevedo I, Soares M,
26. Strobel P, Marx A, Zettl A, Muller-Hermelink HK. Sousa O. Timomas malignos. a experiência do IPO do
Thymoma and thymic carcinoma: an update of the Porto e revisão de literatura. Rev Port Pneumol 2007;
WHO Classification 2004. Surg Today 2005; 35:805- 13(4):553-585.
-811. 34. Onuki N, Wistuba I, Travis W, Virmani A, Yashima
27. Rossi G, Cavazza A, Marchioni A, Longo L, Migaldi K, Brambilla E, Hashleton P, Gazdar A. Genetic changes
M, sartori G, Bigiani N, Schirosi L, Casali C, Morandi in the spectrum of neuroendocrine lung tumors. Cancer
U, Facciolongo N, Maiorana A, Bavieri M, Fabbri L, 1999; 85(3):600-607.

R e v i s t a P o r t u g u e s a d e P n e u m o l o g i a 185
Vol XVI N.º 1 Janeiro/Fevereiro 2010

Pneumologia 16-1 - Miolo - 4ª PROVA.indd 185 28-12-2009 12:54:07

You might also like