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D A N I E L N.

STE RN

0 MO ME N T O P R E S E N T E
NA PSICOTERAPIA E NA VIDA COTIDIANA

Tradução de
CELIMAR DE OLIVEIRA LIMA

Revisão técnica de
MARIA DE MELO

___ A
E D I T O R A R E C O R D
RI O DE JANEIRO • SÃO PAULO

2007
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores dc Livros, RJ.

Stem, Daniel N., 1934-


S858m O momento presente na psicoterapia e na vida cotidiana / Daniel N.
Stem; tradução de Celimar de Oliveira Lima; revisão técnica de Maria
de Melo. - Rio de Janeiro; Record, 2007.

Tradução de; The Present Moment in Psychotherapy and Everyday


Life
Apêndice
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-01-07816-2

I. Stem, Daniel N., 1934- . 2. Psicoterapia. I. Título.

CDD - 616.8914
07-1221 C D U - 615.851 Em memória de Jerry

Título original
THE PRESENT MOMENT IN PSYCHOTHERAPY AND EVERYDAY LIFE

Copyright © 2004 by Daniel N. Stem, M.D.


Publicado mediante acordo com Lennart Sane Agency AB

Capa: Olga Loureiro Design

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou


transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios,
sem prévia autorização por escrito.

Direitos desta tradução adquiridos pela


EDITORA RECORD LTDA.
Rua Argentina 171 - Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 -Tel.: 2585-2000
que se reserva a propriedade literária desta tradução
Impresso no Brasil

ISBN 978-85-01-07816-2

PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL


Caixa Postal 23.052
Rio de Janeiro, RJ - 20922-970 e d ito r a a f ilia d a
Para ver o mundo num grão de areia
e o paraíso numa flor-do-campo
Guarda o Infinito na palma de tua mão
E a Eternidade numa hora
WlLLIAM BLAKE
Sumário

Prefácio 11
Agradecimentos 19

Parte I EXPLORANDO O MOMENTO PRESENTE


1. O problema do “agora” 25
2. A natureza do momento presente 45
3. A arquitetura temporal do momento presente 63
4. O momento presente como uma história vivida:
sua organização 77

Parte II CONTEXTUALIZANDO O MOMENTO PRESENTE


5. A matriz intersubjetiva 97
6. A intersubjetividade como um sistema motivacional
básico e primário 119
7. Saber implícito 135
8. O papel da consciência e a noção de consciência
intersubjetiva 145
O MOMENTO PRESENTE

Parte III VISÕES DO PONTO DE VISTA CLÍNICO


9. O momento presente e a psicoterapia 159
10. O processo de seguir adiante 175
11. O entretecer do implícito com o explícito na
situação clínica 213
Prefácio
12. O passado e o momento presente 223
13. Mudança terapêutica: um resumo e algumas implicações
clínicas gerais 247

Apêndice A ENTREVISTA MICROANALÍTICA 257


MUITAS das IDÉIAS para escrever este livro teimaram em seguir-me
Glossário 271 por várias décadas, algumas desde o início de minha carreira, e ou­
tras desde que consigo lembrar.
Referências bibliográficas 277
Talvez a mais insistente delas, que permeia todo o livro, seja o
foco nos pequenos acontecimentos momentâneos que formam nos­
índice remissivo 297
sos mundos de experiências. O meu interesse aumenta quando esses
momentos penetram a consciência de alguém e são compartilhados
entre duas pessoas. Essas experiências constituem os momentos-
chave de mudança na psicoterapia e os pontos nodais nos relacio­
namentos íntimos cotidianos. Esses são os momentos presentes do
título.
Ressalto que este livro não trata do significado no sentido clíni­
co mais comum de explicar o presente em termos do passado e de
estabelecer ligações associativas que possam ser interpretadas. Ele
aborda a experiência no momento em que está sendo vivida. É es­
sencial ter isso em mente.
Meu interesse pelo momento presente surgiu nos anos 1960-70,
quando comecei a usar filmes e vídeos, que funcionaram como uma
espécie de microscópio, para estudar a interação mãe-bebê e vê-la
se desdobrar. Um mundo fascinante se abriu. Aos poucos percebi
quantas coisas acontecem em apenas poucos segundos. Comecei a
pensar nesses momentos como os blocos de construção básicos da
experiência. Quando passei a dominar essas técnicas (por exemplo,

11
0 MOMENTO PRESENTE PREFACIO

congelamento da imagem, câmera lenta, repetições de segmentos), Tais experiências me levaram a criar a entrevista microanalítica
pude usá-las, de forma não sistemática, em tempo real, por perío­ como um modo de chegar mais perto da experiência subjetiva vivi­
dos breves, para ver meus pacientes de psicoterapia de modo dife­ da no nível micromomentâneo. É claro que ninguém consegue che­
rente. Eu estava apenas iniciando minha carreira de terapeuta. gar a essa experiência e nela permanecer enquanto fala sobre ela.
Alguns momentos na terapia começaram a revelar aspectos do Mas isso não me impede de pensar sobre ela nem de me aproximar
processo terapêutico diferentes dos que eu estava treinado para ver. o máximo possível.
Minhas anotações durante um encontro com uma paciente em 1969 Este livro é sobre a experiência subjetiva — especialmente aquelas
ilustram isso: “Ela entra no consultório e senta-se na cadeira. Desa­ que acarretam mudanças. Como as experiências fazem isso? De que
ba sobre ela. A almofada afunda rapidamente e ela leva mais cinco são feitas? Quando é que acontecem? A natureza da experiência é
segundos até se acomodar. Ela claramente espera por isso, mas, um tópico vasto. Meu interesse se limita a um pequeno quadrante:
antes que a almofada exale seu último suspiro, cruza as pernas e a saber experiências que provocam mudanças na psicoterapia e nos
transfere o peso de quadril. Novamente a almofada se esvazia e se relacionamentos pessoais da vida cotidiana.
reequilibra. Esperamos que ela termine. Na verdade, ela espera, O pressuposto básico é o de que a mudança baseia-se na experiên­
está ouvindo, sentindo. Estou pronto desde que ela chegou, mas cia vivida. Compreender, explicar ou narrar algo verbalmente, por
agora aguardo também. É difícil saber quando a almofada exauriu si só, não é suficiente para provocar alterações. É preciso também
todo o ar. Mas tudo espera. Será que ela sente que está esperando, que haja uma experiência real, um acontecimento vivido subjetiva­
ou ganhando tempo? Tudo espera que ela esteja pronta. Percebo mente. Um acontecimento precisa ser vivido, com sentimentos e
que estou restringindo meus movimentos até que ela termine. Qua­ ações ocorrendo em tempo real, no mundo real, com pessoas reais,
se como se eu tivesse de prender a respiração para apressá-la, para num momento de presentidade. Dois exemplos simples de uma
melhor julgar quando o ponto de quietude for atingido e a sessão experiência vivida são: olhar nos olhos de outra pessoa que está
puder ‘começar’. Quando finalmente penso que seu corpo e a al­ olhando para você e respirar fundo enquanto está falando com al­
mofada estão prontos, que o som e a sensação de acomodamento guém. Ambas são ações com sentimento.
cessaram, começo a me mexer na poltrona, em antecipação, respi­ A idéia de presentidade é chave. O momento presente que pro­
rando mais livremente. Mas ela ainda está ouvindo o som refluir e curo é o da experiência subjetiva na hora em que ela ocorre — e
ainda não está pronta. Minha mudança de posição é interrompida não quando é remodelada por palavras mais tarde. O momento
pela espera dela. Sinto como se tivesse sido surpreendido numa brin­ presente é a unidade de processo das experiências que nos interes­
cadeira de ‘estátua’. É ridículo. E posso perceber uma irritação cres­ sam mais. Um primeiro passo em direção à compreensão da expe­
cer em mim por ter meus ritmos tão perturbados e controlados. riência é explorar e compreender esse momento. Este livro narra
Devo deixar que ela continue? Comentar o assunto? Ela nem ima­ essa exploração, que objetiva modificar sua visão sobre o que está
gina que já encenamos os temas principais da sessão, e um tema acontecendo numa sessão de psicoterapia e, por conseguinte, mu­
importante da vida dela.” dar sua forma de abordá-la e mostrar o que você pode fazer duran­
Antes da minha experiência com o mundo micromomentâneo te essa sessão.
dos acontecimentos implícitos, nada disso viria para o primeiro plano. Um esboço das alterações que fiz no título do livro enquanto o
Passaria despercebido, esperando que ela falasse. escrevia pode ajudar a prepará-lo para essa compreensão. Os títu­

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0 MOMENTO PRESENTE PREFÁCIO

los provisórios capturam a idéia central que é o foco da atenção zeram mais recentemente.) Isso é, certamente, um desvio radical do
num determinado período e numa fase específica de um trabalho. caminho historicamente seguido pela maioria das psicologias, que
Considerados em conjunto, os títulos provisórios deste livro reve­ dão ênfase ao passado e a sua influência. Também implica que a cons­
lam as idéias por trás dele. Embora seja em parte um resumo de ciência, mais do que o inconsciente, é o mistério-chave, outro desvio
algumas idéias nas quais trabalhei durante anos, acrescido de ou­ radical (possibilitado pelo enorme volume de trabalhos já realizados
tras recentes, o livro é, sobretudo, uma nova integração. A medida sobre o funcionamento do inconsciente).
que essa integração evoluía, um novo título substituía o anterior. A luz desse questionamento, o título seguinte foi Uma visão
Ao considerar o micromundo do momento presente, pensei pri­ fenom enológica da experiência psicoterapêutica. Entretanto, a
meiro no título preliminar Um mundo num grão de areia , de William fenomenologia era somente uma perspectiva necessária e útil, e não
Blake. Além de poético, capturava a dimensão do pequeno mundo o assunto do livro.
revelado pela microanálise e ao mesmo tempo atraía a atenção para Outra característica do momento presente que me intrigava era
o fato de que muitas vezes é possível ver o panorama mais amplo o fato de ele ter um trabalho psicológico a fazer. É preciso aglome­
do passado e da vida atual de alguém nos pequenos comportamen­ rar e entender o momento enquanto ele está passando, e não de­
tos e atos mentais que compõem esse micromundo. Além do mais, pois, e voltar para a próxima ação. Com isto em mente, o título
e de importância vital, ver o mundo nessa escala de realidade muda seguinte foi Kairos, a palavra grega para o momento propício ou o
o que pode ser visto e, portanto, muda as nossas concepções básicas. momento em que algo vem a ser. Kairos é uma unidade de tempo
O micromundo experimentado sempre penetra a consciência tanto subjetiva quanto psicológica. Claramente, o momento pre­
perceptiva, mas só às vezes penetra a consciência (consciência per- sente precisa ter aspectos de kairos porque necessita entender o que
ceptiva verbalizável). Trata-se muito mais de um saber implícito do aconteceu no passado, o que está acontecendo agora e como agir
que um conhecimento explícito e verbalizado. Quando a importân­ em relação a isso. Ele requer uma completa apreensão dos aconte­
cia do mundo implícito tornou-se mais evidente para mim, brin­ cimentos no instante em que eles se desdobram. Isso reforçou a
quei com o título A face obscura da Lua, numa referência à natureza necessidade de examinar a arquitetura temporal do momento pre­
do saber implícito. sente e de ver que ele compõe uma breve “história vivida” emocio­
O aspecto temporal do momento presente (como o mundo num nal. Kairos também era atraente como título porque sugere o
grão de areia) precisa ser abordado. O que a arquitetura temporal encontro de elementos independentes e não relacionados num de­
de tais momentos nos diria? E como a experiência fenomenal da terminado ponto do tempo, fazendo emergir momentos especiais.
presentidade poderia ser discutida? Afinal, a presentidade da expe­ E isso é exatamente o que o Boston Change Process Study Group
riência vivida é essencial. Essa pergunta lançou-me numa extensa (BCPSG) estava descobrindo no processo clínico à medida que pro­
viagem de aprendizado ao reino da filosofia fenomenológica, um curávamos momentos que levassem à mudança terapêutica. Entre­
terreno novo e estranho para mim. Foi então que veio à tona o fato tanto, kairos não poderia ser um título, pois normalmente nasce no
oculto, mas óbvio, de que estamos psicológica e conscientemente âmbito de uma psicologia individual. E eu estava verificando em
vivos apenas agora. O que mais me intrigou foi a seguinte indaga­ nosso trabalho no Boston Group que o material clínico é ampla­
ção: por que a psicologia clínica não tomou como ponto de partida mente co-construído — que estamos lidando com uma psicologia
a experiência vivida diretamente no presente? (Os terapeutas o fi­ de duas pessoas.

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0 MOMENTO PRESENTE PREFÁCIO

Daí o título seguinte, O momento de encontro. Em nosso traba­ mentos, também, para chegar a um tipo de consciência que fosse
lho clínico conjunto, a importância da subjetividade (ou seja, a mente terapeuticamente utilizável. Aqui, surgiu a consciência intersubjetiva
lendo os pensamentos, sentimentos ou intenções do outro) era cada que acompanha a viagem de sentimentos compartilhada.
vez maior. Motivações intersubjetivas mostravam-se responsáveis Em última análise, porém, o momento de encontro é apenas um
pelo fluxo de pequenos movimentos dos parceiros durante uma tipo especial de momento presente. Então cheguei ao título O m o­
sessão. Além disso, O momento de encontro descrevia a natureza da mento presente na psicoterapia e na vida cotidiana , que continuava
co-criatividade e a ampliação do campo intersubjetivo servindo de a reaparecer quando outros títulos provisórios eram abandonados.
contexto principal para outras mudanças no tratamento. A medida E o mais abrangente deles, englobando todos os outros, e o que
que eu buscava a importância da intersubjetividade na terapia e em melhor mantém o foco na integração dessas diversas idéias e no
toda experiência íntima e bem coordenada de grupo, ficava claro papel do tempo e da presentidade. Reflete, ainda, com precisão, a
que a intersubjetividade era um útil processo intermental e também noção de que o ponto de vista do livro é microanalítico e fenome-
constituía em si mesma um sistema motivacional importante, es­ nológico. Essa visão granular talvez seja a característica mais exclu­
sencial para a sobrevivência humana — semelhante ao apego ou ao siva das descrições fornecidas. A realidade fenomenal do momento
sexo. As implicações de elevar a subjetividade a tal status não pode­ presente captura isso.
riam ser completamente analisadas sem que eu escrevesse um livro Todos os passos na evolução dessas idéias estão representados
diferente. no plano do livro. Cada capítulo tenta estabelecer um aspecto es­
As reflexões sobre a intersubjetividade como matriz de uma psi­ sencial do momento presente como a unidade de processo de expe­
cologia de duas pessoas também levaram ao conceito de uma possí­ riências que pode conduzir a mudanças.
vel nova forma de consciência: a “consciência intersubjetiva”, um Eis o plano:
modo de reflexividade que surge quando nos tornamos conscientes A parte I do livro é uma exploração do momento presente. O
do conteúdo de nossa mente por ser este refletido para nós pela primeiro capítulo trata do problema do “agora”. Afinal, é quando
mente do outro, simultaneamente. um momento presente acontece. O capítulo 2 aborda a natureza
O momento de encontro tinha outra grande vantagem como do momento presente, enquanto o capítulo 3 examina a arquite­
título. Ele reunia o momento presente, a noção de kairos, a inter­ tura temporal do momento presente e o capítulo 4 discute sua
subjetividade e a co-criação no processo terapêutico. Além disso, organização.
por ser um acontecimento que se desenrola no presente, fica claro A Parte II contextualiza o momento presente, explorando três
que algo afetivo tem de acontecer e ser compartilhado naquele das noções mais importantes para situá-lo no processo terapêutico:
momento a fim de alterar o campo intersubjetivo implicitamente intersubjetividade, conhecimento implícito e consciência.
sentido. O que é compartilhado num momento de encontro é uma Duas (ou mais) mentes podem se interpenetrar e compartilhar
história vivida. Ela é física, emocional e implicitamente partilhada, quase as mesmas experiências. São capazes de intersubjetividade
e não apenas explicada. As noções de “afetos de vitalidade” e de (especialmente entre paciente e terapeuta). Os momentos presentes
“viagens de sentimento compartilhadas”, apresentadas mais adian­ de mais interesse ocorrem quando duas mentes se encontram. O
te no livro, foram necessárias para dar substância à idéia de uma capítulo 5 descreve a intersubjetividade penetrante na qual os trata­
história vivida de forma compartilhada. Eu precisava de tais mo­ mentos são conduzidos e a vida social é vivida. O capítulo 6 sugere

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0 MOMENTO PRESENTE

a importância adaptativa da intersubjetividade tanto para a evolu­


ção como para a psicoterapia.
Muito do que é apreendido no momento presente pertence ao
domínio do conhecimento implícito. Conseqüentemente, é neces­
sário olhar de perto essa forma de conhecimento. Este é o assunto Agradecimentos
do capítulo 7.
Por fim, a posição do momento presente ao longo da dimensão
da consciência é essencial para quem deseja examinar como as ex­
periências que estão ocorrendo “agora” podem ser recordadas, in­
fluenciadas, verbalizadas e narradas. Isso é discutido no capítulo 8.
A parte III compreende uma visão de como o momento presen­
te opera na situação clínica. O capítulo 9 apresenta a operação do M eu PRIMEIRO CONTATO com o arauto do momento presente se deu
momento presente no setting clínico. No capítulo 10 é explorado o quando comecei a aprender sobre o mundo micromomentâneo da
que ocorre numa sessão, momento a momento. Discute a im- interação mãe-bebê que ocorre naturalmente. Na época, muitas
previsibilidade e a “desordem” do processo terapêutico e suas duas décadas atrás, eu conhecia alguns outros pesquisadores e clínicos
mais importantes propriedades emergentes resultantes: o momento que estavam explorando esse pequeno mundo com técnicas de ci­
agora e o momento de encontro. Isso envolve uma descrição fiel do nema e TV. Entre eles encontravam-se Lou Sander, Colwyn
que acontece no nível local e no micronível do momento presente. Trevarthen, Berry Brazelton, Ed Tronick e Beatrice Beebe. Este pe­
Esses são os aspectos práticos do fluxo de uma sessão. O capítulo queno grupo mantinha contato e compartilhava um entusiasmo
11 fala do entretecer do implícito com o explícito. Muito do que comum. Afora isso, era um trabalho solitário, mas sou grato a eles
acontece em psicoterapia é explicado na linguagem, inclusive nas por encorajarem-se mutuamente e ajudarem a formar uma massa
interpretações. As influências mútuas entre o implícito e o explícito crítica que explorou o micromundo.
são exploradas. O capítulo 12 discute o passado e o momento pre­ Quase simultaneamente, conheci um grupo de coreógrafos de
sente. Analisa como o momento presente é influenciado pelo passa­ Nova York que estava fazendo experiências com técnicas semelhantes
do e debate a necessidade de ser capaz de abarcar um passado assim na dança: repetições de seqüências curtas, imagens congeladas, apre­
como um presente, sem o qual não há base para um pensamento sentação retroativa dos acontecimentos etc. Eles iam ao meu labo­
psicodinâmico, examinando as maneiras de realizar isso. Finalmente, ratório na Universidade de Colúmbia, no Instituto Psiquiátrico do
o capítulo 13 resume o papel do momento presente na mudança Estado de Nova York, para assistir a algumas de minhas análises de
psicoterapêutica e fornece implicações clínicas. filmes sobre a interação mãe-bebê, e eu ao centro da cidade, obser­
Devo começar, então, pelo problema do agora como o primeiro var o trabalho que eles desenvolviam com os bailarinos que, à pri­
passo na exploração do momento presente, nosso microscópio para meira vista, me pareceu pouco promissor em termos de aprendizado
observar como a mudança acontece. e inspiração. Mas não a um segundo olhar mais atento. Nesse con­
texto, tive a sorte de fazer amizades duradouras com o coreógrafo
Jerome Robbins e com o ator de teatro Robert Wilson, o que me

18 19
O MOMENTO PRESENTE AGRADECIMENTOS

permitiu ver espetáculos de dança e de teatro tomarem forma des­ da forma mais cuidadosa possível as publicações tanto do grupo como
de sua concepção, passando pelos ensaios, até a estréia. Seguiu-se de seus membros isoladamente, conforme elas se relacionam com o
uma troca que durou décadas. Para mim foi uma incrível oportuni­ assunto em pauta. Agradeço profundamente a esses colegas e expres­
dade de aprender sobre os reinos não verbais. Quero agradecer tudo so o prazer que tive ao trabalhar com eles. Este livro teria sido dife­
que eles me ensinaram. rente sem o Boston Change Process Study Group.
Então, nove anos depois, alguns de nós deram início a uma Duas pessoas de grande conhecimento leram o livro em está­
rica colaboração. Os campos da psicoterapia, psicanálise, psicolo­ gios preliminares: Elizabeth Fivaz-Depeursinge, em Lausanne, e
gia do desenvolvimento e pediatria estavam representados. E sur­ Daniel Siegel, em Los Angeles, e suas críticas, sugestões e incentivo
giu o Boston Change Process Study Group. Durante o tempo em tiveram valor inestimável.
que formulei e escrevi o livro, os membros do grupo eram: Nadia Quero agradecer em especial à minha editora, Deborah Malmud.
Bruschweiler-Stern, Alexandra Harrison, Karlen Lyons-Ruth, Depois de ler a primeira versão, ela me escreveu uma carta de sete
Alexander Morgan, Jeremy Nahum, Louis Sander e Edward páginas, em espaço simples, repleta de sugestões, questionamentos,
Tronick. Muitas das idéias importantes inseridas neste livro emer­ pedidos de esclarecimentos e idéias para a reordenação das seções.
giram dessa colaboração. Ainda assim, era encorajadora. A princípio fui pego de surpresa e
Tornou-se evidente que, quando trabalhávamos em grupo — não fiquei muito contente. Após muitas leituras, comecei a apreciar
o que fazíamos intensivamente — um poderoso processo de co- a carta, mas não exatamente a gostar dela. Quando voltei ao traba­
criação se instalava. Retrabalhávamos uma idéia que havia se ori­ lho, levando em conta o que ela escrevera, passei a me apoiar cada
ginado de um de nós, transformando-a num conceito diferente ou vez mais em seus conselhos. Acabei não só por gostar da carta, mas
mais elaborado, ou ligando-a a uma idéia que viera de outra pes­ também por considerá-la um brilhante trabalho de edição. Graças a
soa para formar uma noção completamente nova. Ficava impossí­ ela, o livro ficou mais fino e mais claro.
vel desembaraçar sua história. É por esse motivo que decidimos Por fim, agradeço o estímulo dado por minha família, parti­
publicar trabalhos coletivamente após nossos dois primeiros li­ cularmente minha mulher, Nadia, que lê partituras com grande sen­
vros. Como estávamos examinando o processo de co-criação em sibilidade e um ouvido soberbo, tanto para o tom quanto para o
psicoterapia, talvez não fosse surpreendente encontrar o mesmo conteúdo.
processo em nosso trabalho conjunto. Ou quem sabe não seria o
caminho inverso?
O material clínico é o que mais diretamente deriva de nosso tra­
balho conjunto, particularmente mostrado nos capítulos 10 e 11, que
se baseiam amplamente em nossas publicações coletivas. Entretanto,
dei a esse material um viés bem diferente, e muitos dos conceitos ou
ênfases não estão necessariamente de acordo com os que o grupo
pode ter desenvolvido. Além disso, alguns membros podem discor­
dar das fontes de onde obtive dados. A fim de respeitar as contribui­
ções do grupo e de seus membros individualmente, tentei mencionar

20 21
EXPLORANDO O
MOMENTO PRESENTE
Capítulo 1

O PROBLEMA DO "AGORA"

A IDÉIA DE UM MOMENTO PRESENTE é proposta como uma forma de


lidar com o problema do “agora”. É notável como sabemos pouco
sobre as experiências que estão ocorrendo exatamente neste instante.
Essa ignorância relativa é especialmente estranha à luz do seguinte:
Primeiro, estamos subjetivamente vivos e conscientes apenas
agora. E agora é quando vivemos nossa vida diretamente. Em tudo
mais há uma separação de segundo ou terceiro grau. A única hora
de realidade subjetiva crua, de experiência fenomenal, é o momen­
to presente.
Segundo, a maioria das psicoterapias concordam em que o tra­
balho terapêutico no “aqui e agora” tem maior poder de provocar
mudanças. Isso significa onde e quando se dá um contato mutua­
mente consciente entre a mente do terapeuta e a do paciente. Além
disso, nos relacionamentos cotidianos, os eventos nodais que alte­
ram o curso da vida normalmente ocorrem num momento que é
experimentado como chave, não só depois que aconteceu, mas tam­
bém enquanto está ocorrendo. Apesar disso, ainda precisamos fa­
zer a pergunta: o que é o agora}
Terceiro, as teorias psicodinâmicas de mudança terapêutica ba-
seiam-se na idéia de que o passado tem papel fundamental na deter-
O MOMENTO PRESENTE 0 PROBLEMA DO "AGORA'

minação do presente e, num certo sentido, está no centro do palco. “Devolver o tempo à experiência” é uma frase curiosa. Eis o
Conseqüentemente, sabemos muito sobre como eventos passados que se encontra por trás dela: é fácil pôr um tempo linear, de reló­
influenciam a experiência atual. Mas não prestamos a mesma aten­ gio (chronos), em histórias sobre nós mesmos — o antes, o depois e
ção à natureza da experiência atual quando ela está sendo influen­ o meio-tempo de nossas narrativas. Mas não é tão claro como se
ciada e está acontecendo. Como ficariam a psicoterapia e a mudança faz para se colocar o tempo subjetivo (o que quer que isso se revele
terapêutica se o momento presente assumisse o centro do palco? ser) nas experiências que estão acontecendo agora. E sem ele é im­
E é exatamente isso que este livro faz. Posiciona o momento possível ligar os muitos acontecimentos seqüenciais que ocorrem
presente no centro do palco e o conserva ali. Isso empresta outra durante o momento presente e formam uma experiência coerente
aparência ao processo de psicoterapia e altera nossas concepções inteira. A vida seria descontínua e caótica mesmo na pequena esca­
sobre como se dá a mudança terapêutica. A maneira pela qual con­ la temporal do presente.
duzimos a psicoterapia vai se modificar, porque nossa visão sobre o A questão do agora tem uma história mais longa. Na verdade,
que está acontecendo será diferente. Também podemos descobrir esta é somente uma parte da história maior do tempo. Não entrarei
que nossa visão da experiência diária se enriquece. Estes são os ob­ neste tema extenso a não ser para demonstrar certos pontos relacio­
jetivos do livro. nados com o problema do agora subjetivo. Primeiro, vemos o tem­
Entretanto, antes de passar a esses objetivos mais abrangentes, po como algo que surge de nossas sensibilidades humanas. Ele é
precisamos explorar a natureza da experiência atual e depois aplicá- uma invenção da nossa mente. Nada sabemos sobre o tempo das
la à situação clínica. A pesquisa começa com algumas questões im­ coisas , se é que se pode imaginar algo assim. Nas ciências naturais e
portantes sobre o momento presente ou a agoridade. Quando é o no gerenciamento da programação diária da vida, usamos a antiga
agora? O que é o agora? O agora existe e, se existe, o quanto ele concepção grega de chronos, que é a idéia de tempo objetiva usada
dura? Como o agora está estruturado? O que ele faz? Como se não só na ciência mas também na maioria das psicologias. No mun­
relaciona com a consciência e com o passado? Como conduz a sig­ do do chronos, o instante presente é um ponto em movimento no
nificados? Por que ele ocupa um lugar tão especial na psicoterapia? tempo em direção apenas a um futuro. Não importa se seu curso é
E, relacionado a estas indagações, como o agora é experimentado visto como uma linha reta ou um círculo ou uma espiral, pois ele
quando é co-criado e compartilhado com alguém? Finalmente, que está sempre em movimento. Enquanto se move, devora o futuro e
papel o agora desempenha na mudança? Em resumo, como imagi­ deixa o passado em seu rastro. Mas o instante presente em si é
namos um momento presente? muito curto. E uma fatia quase infinitesimal de tempo durante a
Existe outro aspecto do agora subjetivo que é tanto surpreen­ qual muito pouco pode acontecer sem tornar-se passado de imedi­
dente quanto óbvio. O momento presente não passa zunindo e se ato. Efetivamente, não existe presente.
torna observável apenas depois que se foi. Na verdade, ele cruza o Há outras construções humanas de tempo. No tempo narrati­
palco mental mais devagar, levando alguns segundos para se desdo­ vo, a ordenação dos eventos é criada pelo narrador de uma histó­
brar. E, durante sua passagem, encena um drama emocional vivido ria, independentemente da seqüência cronológica (Ricoeur,
que, à medida que se desenrola, traça uma forma temporal, como 1984-1988). O complexo tempo psíquico de Freud despreza a su­
uma frase musical transitória. Como veremos, isso é de grande im­ cessão linear, troca a velocidade de passagem, dá meia-volta e do­
portância, porque o momento presente devolve tempo à experiência. bra-se para a frente sobre si mesmo — um tempo que Green (2002)

26 27
0 MOMENTO PRESENTE O PROBLEMA DO "AGORA'

chamou de fragmentado. Existem várias formas de heterocro- no agora reside em sua relação com outras partes do tempo, não
nicidade com diversos tempos paralelos. E há estados meditativos em sua própria natureza.
nos quais o tempo não se move, mas passa da existência para um Assim, o que deve ser feito com o agora enquanto a vida está de
“agora” homogêneo e contínuo. fato sendo experimentada — enquanto o presente ainda está se des­
No entanto, quando se considera a psicoterapia e a vida como dobrando? A concepção subjetiva de tempo dos gregos, kairos, pode
normalmente vivida, essas concepções apresentam problemas. O pro­ ser útil aqui. Kairos é o momento transitório no qual algo acontece
blema com chronos é que, se não existe um agora longo o bastante à medida que o tempo decorre. E o nascimento de um novo estado
para que algo se desenvolva dentro dele, não pode haver experiência de coisas, e isso ocorre num momento de consciência perceptiva.
direta. Isso não é aceitável em termos intuitivos. Além disso, a vida- Ele tem suas próprias fronteiras e transcende a passagem do tempo
como-vivida não é experimentada como um fluxo inexoravelmente linear ou dela escapa. No entanto, também contém um passado. É
contínuo. Na verdade, ela é sentida como descontínua, feita de inci­ um parêntese subjetivo destacado de chronos. Kairos é um momen­
dentes e eventos separados no tempo mas também conectados de to de oportunidade, quando os acontecimentos exigem ação ou são
algum modo. propícios para agir. Os acontecimentos se reuniram nesse momen­
A idéia de tempo da narrativa também apresenta problemas, to e o encontro penetra a consciência perceptiva de tal forma que
pelo menos para os nossos propósitos. As narrativas selecionam uma medida tem de ser tomada, agora, para alterar o destino de
episódios da vida e os marcam no tempo: antes, depois, de novo e alguém — seja pelo minuto seguinte ou pela vida inteira. Se nada
assim por diante. Os episódios são então rearrumados, não neces­ for feito, o destino será mudado mesmo assim, mas de modo dife­
sariamente em ordem histórica, mas para contar a história mais rente, porque a pessoa não agiu. E uma pequena janela de devir e
coerente sobre como foi a vida. As narrativas visam à verossimi­ oportunidade. Uma das origens da palavra provém de pastores ob­
lhança da vida, não à verdade histórica. Dessa forma, nos devolvem servando as estrelas. A medida que a noite avança e as estrelas per­
a sensação de continuidade na vida. Elas domam chronos, fazem a correm o céu, elas parecem nascer e depois se esconder no horizonte.
passagem do tempo parecer familiar e tolerável, e fazem-nos sentir O momento em que uma estrela atinge o apogeu e parece mudar de
coerentes ao longo dessa dimensão infinita (Bruner, 1990, 2002b; direção de ascendente para descendente é o seu kairos (Kathryne
Ricoeur, 1984-1988). Entretanto, elas não domam o momento pre­ Andrews, comunicação pessoal, 23 de novembro de 2000).
sente. Apesar da grande façanha de fazer a narrativa, o agora não Tanto na vida real como na situação clínica, um momento pre­
cabe num relato narrativo, exceto como ponto de referência. Numa sente poderia ser chamado de um momento de microkairos, por­
narrativa, o agora do qual se fala já aconteceu. Ela cria uma relação que apenas decisões menores sobre o curso da vida e caminhos curtos
entre os agoras passado e futuro. Não é uma experiência direta. do destino estão em jogo. Este livro tenta mostrar por que todos os
•VApenas a narração está acontecendo agora. momentos presentes são também momentos de kairos, qualquer
No tempo psíquico fragmentado de Freud, assim como no tem­ que seja sua magnitude.
po narrativo, pouca atenção é dada à estrutura temporal do agora. A narrativa nos proporciona um caminho psicológico para ajus­
Ele não é visto como temporalmente dinâmico, dentro dele mesmo tar a vida à realidade de chronos. Vamos explorar o momento presen­
— isto é, traçar um perfil temporal de pequenas mudanças à medi­ te como uma abordagem psicológica para compreender a experiência
da que ele se desenrola. No tempo psíquico, o principal interesse de kairos.

•jh
O MOMENTO PRESENTE 0 PROBLEMA DO "AGORA"

O PONTO DE PARTIDA originalmente vivida? Neste ponto, mesmo as neurociências podem


fazer apenas sugestões limitadas. Mesmo assim, grande parte do
Dada a posição única e fundamental da “agoridade” subjetiva na livro é sobre o momento presente inatingível. Essa experiência vivi­
experiência de todos nós, a proposta é começar uma exploração da da tem de existir. E o referente experiencial sobre o qual a lingua­
prática e da teoria clínicas, bem como da vida subjetiva cotidiana, gem se constrói. E o inapreensível acontecer da nossa realidade.
posicionando o “agora” fenomenal no centro — como nosso ponto Portanto, tem de ser explorado exaustivamente, para pensarmos
de partida. A teoria existencialista e algumas teorias da Gestalt por melhor sobre ele e imaginar abordagens terapêuticas.
certo fizeram exatamente isso, mas em grandes pinceladas. Estamos A entrevista analisada a seguir é exatamente uma dessas abordagens.
propondo fazê-lo no micronível do momento presente que está pas­ Há cerca de 15 anos, comecei a realizar um tipo especial de
sando. À primeira vista, iniciar tal investigação tendo o momento entrevista que ajuda a identificar momentos presentes e os aconteci­
presente como a lente de aumento para observar a psicoterapia e a mentos afetivos que ocorrem durante eles. Inicialmente denominada
experiência cotidiana parece difícil e improvável. Mas o momento “entrevista do café-da-manhã”, hoje chamada de entrevista micro-
presente é nossa realidade subjetiva primária, então, por que não analítica. (Uma explicação mais extensa sobre como conduzir uma
começar por ele? Por onde mais? Pode ter implicações interessantes entrevista microanalítica encontra-se no Apêndice.) Eis como ela
não apenas para as psicologias clínicas mas também para as neu- acontece. Pergunto aos indivíduos: “Que experiências vocês viveram
rociências. hoje no café-da-manhã?” (Faço esta pergunta diversas horas depois
Essa concepção do momento presente se apóia em grande parte do fim do desjejum.) Em geral, eles respondem: “Bom, para dizer a
em uma perspectiva fenomenológica. A fenomenologia é o estudo verdade, nada.” Eu insisto até que se lembrem de algo. Procuro por
das coisas como elas aparecem à consciência, como elas se apresen­ qualquer acontecimento que tenha início e fim claros (boas frontei­
tam na mente. Inclui: percepções, sensações, sentimentos, lembran­ ras). Este é um exemplo do que eles podem recordar: “Eu me lembro
ças, sonhos, fantasias, expectativas, idéias — o que quer que ocupe de ter pego o bule para me servir de chá. Na verdade, não me lem­
o palco mental. Esse estudo não se concentra na maneira pela qual bro de pegá-lo, mas devo ter feito isso. Enfim, enquanto estava me
essas coisas se formaram ou surgiram na mente. Também evita qual­ servindo, lembrei-me de algo que aconteceu na noite passada. Nes­
quer tentativa de explorar a realidade externa que corresponda ao se instante, o telefone tocou e tomei consciência de estar servindo o
que está na mente. Diz respeito apenas à aparência das coisas como chá porque me perguntei se eu devia terminar de encher a xícara ou
elas se apresentam ou se mostram à nossa experiência. Trata da pousar o bule e atender ao telefone. Pousei o bule, levantei-me e
paisagem mental que vemos e em que nos encontramos em deter­ atendi ao telefone.” (Tudo isso levou cerca de cinco segundos.)
minado momento. Isso é realidade fenomenal (ver Moran [2000] Em seguida, faço uma entrevista de, aproximadamente, uma hora
para uma introdução abrangente). Portanto, este livro aborda os e meia, sobre o que foi experimentado naqueles cinco segundos.
pequenos mas significativos acontecimentos afetivos que se desdo­ Pergunto o que fizeram, pensaram, sentiram, viram, ouviram, em
bram nos segundos que formam o agora. que posição seu corpo estava, quando mudou, se posicionaram-se
Existe, porém, uma ampla questão. O momento presente, en­ como ator ou como observador em relação à ação, ou entre um e
quanto é vivido, não pode ser apreendido pela linguagem que o outro. Peço-lhes que criem um filme da experiência, como se pu­
(re?)constitui pós-fato. O quanto a versão lingüística é diferente da déssemos fazer uma montagem do que estava em seu palco mental.

30 31
0 MOMENTO PRESENTE O PROBLEMA DO "AGORA"

Eles são o diretor, e eu, o operador de câmera, e têm de me dizer o Vale notar que os momentos presentes no gráfico não são os
que fazer com ela. Essa tomada é um close-up ou um plano geral? originais. Na verdade, são lembranças contadas de fatos ocorridos,
Como devo cortar de uma cena para a seguinte? Onde está po­ mais cedo, naquela manhã, momentos presentes vividos realmente.
sicionada a câmera e qual o seu ângulo em relação à ação? Em ou­ Obviamente, não se pode obter um relato verbal de uma experiên­
tras palavras, questiono sobre qualquer coisa que me passar pela cia no instante em que ela ocorre sem interrompê-la. O objetivo é
cabeça a fim de capturar sua experiência subjetiva do modo mais desenhar um quadro com que um momento presente provavelmen­
completo possível. te se pareça.
A entrevista se desenrola de um modo especial. Os sujeitos do Mais uma observação: no relato, existem na verdade os dois
estudo e eu tentamos desenhar ou representar num gráfico a expe­ momentos presentes envolvidos, o momento presente original e não
riência ao longo de uma linha de tempo, onde esse tempo se esten­ narrado, vivido durante o café-da-manhã, e o momento presente
de no eixo horizontal e a intensidade, o esforço e a plenitude do da narração que me foi feita, mais tarde. Por enquanto, estou inte­
evento/sentimento/sensação/pensamento/afeto/ação são delineados ressado somente no momento presente originalmente vivido. Pos­
no eixo vertical. O resultado surge em diversas curvas, cada uma teriormente abordarei o momento presente da narração.
um contorno temporal da distribuição da intensidade do que quer À medida que a entrevista prossegue, insisto veementemente que
que tenha sido vivido ao longo do tempo (ver Figura 1.1). Conduzo o sujeito faça a distinção entre o que deve ter acontecido e o que foi
os sujeitos por muitas passagens através da experiência. Por exem­ realmente experimentado conscientemente naquela manhã (só o úl­
plo, pergunto se alguma lembrança foi evocada durante a experiên­ timo é registrado no gráfico). A entrevista chega ao fim quando o
cia. Se a resposta for positiva, a lembrança é acrescentada ao gráfico. indivíduo sente que o registro gráfico tem a verossimilhança adequa­
Indago-lhes que experiências afetivas tiveram. Estas são desenha­ da ao que ele se recorda de ter experimentado.
das pelos sujeitos com um contorno ao longo do tempo que repre­ Esse processo pode parecer entediante, mas na verdade gera
senta as mudanças na intensidade do afeto à medida que este ocorria. grande interesse e curiosidade tanto no sujeito quanto em mim,
Esses contornos do afeto são então também adicionados ao gráfico. apesar da aparente banalidade dos eventos. Embora comuns, os
A cada passagem, todo o desenho pode ser revisto, se necessário. E momentos presentes são acionados pela novidade, pelo inesperado
normalmente é. Depois de muitas passagens, obtemos um registro ou por uma perturbação ou problema em potencial. Deles são fei­
que se parece muito com uma partitura musical sinfônica com mui­ tos os pequenos dramas diários. Buscamos o desvelar com uma es­
tas coisas acontecendo simultaneamente. pécie de cumplicidade entusiasmada crescente. E ficamos cada vez
Continuidades e descontinuidades são registradas com cuidado mais espantados com tudo que é recordado como acontecido em
e divididas nas seguintes unidades: Episódios de consciência são períodos tão breves de momentos da vida cotidiana e como os
períodos contínuos de consciência separados por buracos no fluxo microdramas são resolvidos.
da consciência, non-CS holes, e feitos de um ou mais momentos A seguir, apresento quatro exemplos de momentos presentes,
presentes demarcados por uma mudança na cena (lugar, tempo, que na verdade apenas se aproximam furtivamente do fenômeno
personagens, ação) ou no ponto de vista da narrativa. A identifica­ do momento presente por motivos que se tornarão evidentes mais
ção de momentos presentes e as fronteiras entre eles são escolhidas adiante. Entretanto, esclarecem algumas das questões-chave. Os dois
pelos sujeitos. primeiros são de situações nas quais eu estava conduzindo entrevis­

32 33
O MOMENTO PRESENTE O PROBLEMA DO "AGORA'

tas microanalíticas. O terceiro é um exemplo clínico, e o quarto, Momento presente 3


um exemplo tirado da vida comum.
Pensei com igo: “Posso colocar m el.” (O mel estava no lugar da
manteiga. Normalmente, ela só comia mel aos domingos. Era
EXEMPLO 1* uma tradição familiar. O mel era algo especial, e não para os
outros dias. Era terça-feira.) Perguntei a mim mesma: “Será que
Momento presente 1 eu ouso pegar o mel?” Primeiro, quando pensei nisso, senti uma
onda de surpresa diante dessa idéia inesperada. Depois, uma sen­
(O sujeito entrou na cozinha, ligou o rádio e foi até a geladeira. sação de bem-estar me invadiu, e com eçou a crescer, por ter re­
Abriu a porta da geladeira, procurando a manteiga para passar no solvido o problema da falta da manteiga. Enquanto isso acontecia,
pão. Fez tudo isso de modo automático, sem estar especificamente vi em minha mente o pote de m el em seu lugar de costume, no
consciente de seus atos. Então começou seu primeiro momento de armário atrás de mim (e fora da vista), em sua exata posição na
consciência.) Percebi que o chanceler Kohl, da Alemanha, estava sen­ prateleira. (Ainda sem se voltar.) Decidi então agir e pegar o mel.
do entrevistado no rádio, ouvi a voz dele, depois desviei-a da minha (Ela se virou, abriu a porta do armário e apanhou o pote de mel,
cabeça. Procurando na geladeira, não encontrei a manteiga. Pensei mas sem estar consciente desses atos rotineiros.) Depois, com o
comigo mesma: “Não tem manteiga.” Ao ver que não achava a man­ mel na mão, com ecei a sentir uma culpa cada vez maior e uma
teiga comecei a sentir uma frustração leve, porém crescente, e uma sensação de cobiça porque ia com er mel numa terça-feira. (Este
espécie de sentimento negativo, algo entre a decepção e a irritação. momento demorou cerca de cinco segundos. Houve então uma
Esses sentimentos aumentaram. (Isso durou cerca de três segundos. lacuna na consciência de sua experiência e depois ela ficou cons­
Depois houve uma transição para o momento seguinte sem quebra ciente de novo.)
da continuidade da consciência.)
Momento presente 4
Momento presente 2
Estou segurando uma fatia de pão, ainda sem o m el Mas o pão é de
Então pensei: "Ah, tudo bem, melhor para a minha dieta.” Quando um tipo diferente do que costumo comprar. Sinto-me estranha e isso
pensei isso, a frustração e a irritação passaram e experimentei uma me surpreende. Penso: “O que faço com este pão?” Um sentimento
onda de alívio que continuou a crescer um pouco. (Isso durou três negativo discreto aparece. (Este momento durou em torno de três
segundos, aproximadamente. Em seguida ela passou a agir fora da segundos. Ela então espalha mel no pão sem estar conscientemente
consciência por um período. Logo depois, começou a recordar um atenta ao ato. Um novo momento começa, adjacente ao anterior.)
terceiro momento de consciência.)
Momento presente 5
* 0 itálico é usado para indicar tudo que o sujeito relatou como sua experiência conscien­
te. Tudo de relevante que deve ter acontecido mas não penetrou na sua consciência, prova­ Estou ciente de morder o pão com mel. Gosto da textura e penso:
velmente porque era algo rotineiro e automático demais, foi descrito entre parênteses.
Consulte a Figura 1.1 à medida que o diálogo se desenrola. “Até que não é ruim. ” E com isso começo a me sentir melhor. De­

34 35
O MOMENTO PRESENTE O PROBLEMA DO "AGORA"

pois tomo novamente consciência da entrevista no rádio. (Este mo­ vações e quedas analógicas. Em outras palavras, são afetos de
mento demorou três ou quatro segundos.) vitalidade realizados (formas-de-tempo-dinâmicas) que contor­
nam a experiência temporalmente.
Este breve exemplo, por banal que possa ser, ilustra algumas das • Uma história vivida se desenrola dentro de cada momento pre­
questões sobre a experiência que precisam ser abordadas. E verda­ sente. Ela é feita de muitas experiências pequenas reunidas no
de que o relato é (re)construído após o evento e é uma narrativa de presente subjetivo. O enredo, ainda que mínimo, desloca-se so­
experiências recordadas reunidas de maneira incomum, e não uma bre a forma de sentimento temporal dos afetos contornados. A
narrativa espontânea. Nem jamais foi ensaiada. Foi desmembrada e micro-história que se desdobra resolve a novidade ou o pro­
reconstruída peça por peça em passagens sucessivas. É uma narrati­ blema.
va desconstruída e progressivamente co-construída em seguida, re­ • Tais momentos não são separados do restante da vida, isola­
formada em camadas progressivas. Apesar desses problemas e com dos e desconectados. Na verdade, eles capturam um sentido
a cautela apropriada, podem ser feitas as seguintes afirmativas so­ do estilo, da personalidade, das preocupações ou dos confli­
bre momentos presentes vividos enquanto se desdobram, e não en­ tos do sujeito — em outras palavras, de suas experiências do
quanto são recordados e narrados. passado. Cada um desses momentos é psicodinamicamente
relevante.
• Momentos presentes são incrivelmente ricos. Embora durem
apenas um curto espaço de tempo, muitas coisas acontecem. Este último ponto merece uma discussão mais extensa. Veja o
• Momentos presentes ocupam o agora subjetivo. O momento pre­ exemplo da manteiga. O sujeito pareceu confeccionar pares afetivos/
sente é visto como o que quer que esteja na mente agora, seja morais:
objeto da atenção mental real ou virtual. (A visualização da loca­
lização do mel às costas dela foi uma experiência virtual.) • Não tem manteiga. Isso é ruim. /Ah, sim, estou de dieta, então é
• O momento é um acontecimento completo, uma gestalt. O tema bom.
psicológico é o todo, não as pequenas unidades que o compõem. • Posso usar mel. Ficaria gostoso. /Ah, mas seria pecado.
• Ela experimentou esses eventos num agora que identificou e li­ • Que pão esquisito é este? /Ah, até que não é tão ruim.
mitou com fronteiras.
• O momento presente é breve. Neste caso, cada um dos cinco mo­ Ela está constantemente tentando equilibrar bom/ruim, moral/
mentos presentes durou entre três e cinco segundos, como esti­ imoral, agradável/desagradável. Será que manter essa espécie de
mado pelo sujeito. balancete é um modo característico de ser consigo mesma no mun­
• A consciência é o principal critério utilizado para identificar epi­ do? Não sabemos, mas ela deu essa impressão fora do experimen­
sódios contendo momentos presentes. Neste exemplo, eles pro­ to. (Dados externos à experiência presente não são necessários para
vavelmente acionaram a consciência por serem violações do estabelecer um momento presente. São necessários, porém, para
esperado. Eram inovações, e isso constituía um problema. estabelecer a relação do momento presente com o passado ou com
• Os sentimentos experimentados (por exemplo, frustração e pra­ eventos psicológicos contínuos.)
zer) traçam uma forma-de-tempo (um perfil temporal) com ele­

37
36
O MOMENTO PRESENTE O PROBLEMA DO "AGORA"

EXEMPLO 2
<................ EPISÓDIO DE CONSCIÊNCIA A ................ >
j 0(< ......MOMENTO PRESENTE 1 ...... > .< ......MOMENTO PRESENTE 2 ....>
Este exemplo demonstra melhor como o momento presente é uma
I “Ah, tudo bem- imlhof [>«n « amostra de padrões passados e futuros, que ganham importância
quando o momento presente desempenha um papel numa concep­
ção psicodinâmica abrangente. Em uma “entrevista do café-da-ma-
nhã”, G.S., um jovem aluno de pós-graduação, contou dois momentos
presentes que se destacaram durante a manhã. Eis uma transcrição
3 legtindoi 3 Mga»do«
parcial.
< ______ EPISÓDIO DE CONSCIÊNCIA B ............ >
io|<r ............................ MOMENTO PRESENTE 3
G.S.: Bom, abri a porta da geladeira, assim. (Ele fez um gesto mos­
J “Pttiio eolwif mal1 trando como abriu a porta.)
Ação
"3 D.S.: (Fiquei intrigado quando ele fez um gesto para mostrar como
s 1. abriu a porta. Normalmente, a abertura da porta de uma ge­
ladeira não exige explicação gestual.) Por que você me mos­
S itjtmdoi trou como abriu a porta? Há algo especial nisso?
EPISÓDIO DE CONSCIÊNCIA C ..................> G.S.: Há, sim. A porta está meio quebrada. Se eu a puxo muito
to
'° J<|.....MOMENTO PRESENTE ..... MOMENTO PRESENTE 5 ....> j devagar, ela fecha sozinha. E se eu a puxo com força demais,
J v *0qmf«jombi litl pio?" "Até qu« iiio ^ ruim" RUU ela abre até o fim e bate no armário ao lado. Então tenho de
tUtMtjMJaitljH» Ch.K»kU abri-la com a força exata, nem muito fraco, nem muito forte,
-8 Surprm _____
■tf j
SlIfjHH para que fique aberta, repousando num ponto de equilíbrio.
Rifiitinelí Estou consciente ao fazer isso porque é como um jogo que
requer atenção. [Pausa] Depois acho que apanhei o suco de
3 lijundoi 3 «agundot
laranja. Não me lembro disso, mas é automático. Devo ter
levado o suco até a mesa, pegando um copo no caminho.
Figura 1.1. Uma representação esquemática de episódios de consciência e m o­
D.S.: Sim.
mentos presentes conforme recordados e co-construídos usando uma entrevista
microanalítica. A ordenada é a intensidade subjetiva da experiência numa escala
G.S.: A próxima coisa de que estava consciente foi de pôr suco no
que vai de 1 a 10. A abscissa é o tempo estimado conforme recordado pelo copo.
sujeito. O início e o fim de cada episódio de consciência e de momento presente D.S.: Ah. E com o faz isso?
são determinados pelo sujeito. Onde as curvas ficam mais grossas, ele está relati­ G.S.: Normalmente encho o copo ao máximo, mas não até a bor­
vamente certo de ter tomado consciência do acontecimento. E comum o sujeito da. Numa altura suficiente para que esteja cheio, mas não
dizer: “Sei que estava sentindo isso e aquilo antes (ou depois), mas mais ou me­
tanto que derrame quando levá-lo à boca. Isso exige que eu
nos aqui isso penetrou a consciência [a linha engrossa] ou deixou a consciência [a
aja conscientemente.
linha afina].”
D.S.: Ah.
O MOMENTO PRESENTE O PROBLEMA DO "AGORA'

G.S.: É uma espécie de jogo. Olhar mais de perto tais momentos proporciona uma visão dife­
rente do processo de psicoterapia, que será explorada por suas im­
O que é interessante sobre esses dois momentos é que eles são re­ plicações clínicas e teóricas.
presentações do mesmo tema: saber encontrar o exato equilíbrio
entre ir longe demais e não ir longe bastante. Curiosamente, G.S. per­
cebeu isso espontaneamente e mencionou que na noite anterior a EXEM PLO 3
esse café-da-manhã ele estava tentando terminar o capítulo de dis­
cussão de sua tese de doutorado. O que estava dificultando a reda­ Um terapeuta que conheço tinha o hábito de apertar a mão dos
ção era o fato de não conseguir se decidir sobre até que ponto ele pacientes quando entravam no consultório. Era um modo de dizer
ousava levar suas descobertas e conclusões. Pensara nisso a noite olá antes de começarem a trabalhar. E, ao fim de cada sessão, quan­
inteira. Ele disse: “É como a porta da geladeira e o copo de suco.” do o paciente se preparava para sair, apertavam-se as mãos nova­
Vale acrescentar o que sei sobre esse rapaz, que foi um sujeito mente como despedida. Um dia, o paciente contou uma série de
de pesquisa e ex-aluno, não um paciente. Ele tinha uma tendência eventos muito comoventes que o afetaram (assim como ao terapeuta)
forte e saudável de levar quase tudo ao limite, de ousar e ver até profundamente. O paciente estava triste e quase prostrado. Ao fim
que ponto podia ir. Era uma vantagem mas também tinha o poten­ da sessão, durante o aperto de mão de despedida, o terapeuta pou­
cial de criar problemas. sou a mão esquerda sobre a mão direita do paciente, que ele já
Portanto, os dois momentos de consciência (porta e suco), sua estava apertando, num aperto de duas mãos. Eles se olharam. Nada
preocupação da noite anterior e seu temperamento (e talvez seus foi dito. O episódio durou alguns segundos. Também não foi men­
conflitos), todos diziam o mesmo: “Eu testo e brinco com a frontei­ cionado em sessões subseqüentes. Entretanto, o relacionamento
ra entre o de mais e o de menos. Estico os limites. Existe nisso algo havia se deslocado em seu eixo. Algo vital foi somado ao que quer
intrigante e importante para mim.” Isso não é um mundo sendo que tenha sido dito na sessão — alguma coisa tão essencial que toda
refletido num grão de areia? a sessão foi alterada. O momento penetrou a consciência e foi me­
Eu estava preparado para ver o comportamento presente como morável. Na verdade, aquele aperto de mão pode se destacar como
uma representação de padrões psicológicos e comportamentais mais um dos momentos mais memoráveis de toda a terapia. Muitas ve­
amplos. Essa é a essência da hipótese psicodinâmica. Entretanto, zes quando perguntamos a alguém, cinco ou dez anos após a con­
fiquei surpreso ao ver padrões psicodinâmicos mais amplos refleti­ clusão de uma terapia bem-sucedida, quais foram os momentos mais
dos em unidades tão pequenas quanto momentos presentes. Perce­ importantes ou nodais da terapia que mudaram as coisas, podemos
ber isso abriu-me o caminho para considerar o momento presente, muito bem ouvir: “Um aperto de mão que trocamos certo dia, quan­
assim como o sonho, um fenômeno que merece ser explorado mais do eu estava de saída.”
profundamente com fins terapêuticos. Tal visão acrescenta mais um Quero assinalar diversos pontos deste caso que vão se somar ao
caminho para seguir clinicamente. Retomarei este ponto nos capí­ que foi descrito para as entrevistas do café-da-manhã:
tulos que tratam de aplicações clínicas.
Este livro aborda amplamente determinados momentos que • O que quer que tenha ocorrido nesse momento foi entendido
podem mudar o curso da psicoterapia, assim como a vida normal. implicitamente por ambos e nunca precisou ser discutido para

40 41
O MOMENTO PRESENTE O PROBLEMA DO "AGORA"

ter efeito. Criou-se um conhecimento implícito sobre o relacio­ trás. As pessoas sentadas nos degraus se divertiam. Ele então seguiu
namento deles. uma mulher. Mas ela logo percebeu o que estava acontecendo, e
• Cada um sentiu a experiência do outro, e ambos sentiram a par­ parou, voltou-se, encarou o mímico e começou a repreendê-lo. Ele
ticipação mútua na experiência do outro. Houve, nesse sentido, começou a imitar a repreensão. E ela, a imitar a imitação que ele
uma interpenetração de mentes — um novo estado de inter- estava fazendo dela. Ele prosseguiu até que os dois caíram na gar­
subjetividade foi criado entre eles. galhada. Trocaram um aperto de mão e se separaram. Todos aplau­
• Embora o momento tenha sido preparado por múltiplos eventos diram. (Isso não é o exemplo — embora pudesse ser, pois um
nos minutos e provavelmente semanas e meses precedentes, o momento foi compartilhado entre o mímico, a mulher e os especta­
exato instante de seu aparecimento não foi planejado nem previ­ dores. Isso é apenas o prólogo.) A essa altura levantei-me para ir
sível. Surgiu espontaneamente. A vida muda em saltos. embora e um casal desconhecido, sentado à minha esquerda, fez o
• Durante o momento em questão, uma história se desenrolou, mesmo. Nós nos entreolhamos, sorrindo, levantamos as sobrance­
ainda que muito curta, mínima e concentrada. Ela foi direta­ lhas, inclinamos a cabeça de um jeito engraçado, fizemos uma espé­
mente experimentada, e não escrita ou contada. O momento criou cie de expressão facial indescritível e abrimos as mãos, as palmas
um “mundo num grão de areia” que nasceu no instante em que o viradas para o céu — como se disséssemos: “É um mundo louco e
momento era vivido, e não depois. divertido.” Eles seguiram seu caminho e eu, o meu.
• O momento ficou gravado na mente de ambos. Mesmo sem ser O importante sobre o momento presente que compartilhei com
verbalizado, penetrou na memória, pôde ser recordado e tornar- o casal foi que um contato particularmente humano havia sido fei­
se consciente. to — um contato que reafirmou minha identificação com membros
da minha sociedade, mental, afetiva e fisicamente. Eu não estava só
na Terra, eu era parte de algum tipo de matriz humana intersubjetiva
EXEMPLO 4 e psicológica. O efeito durou pouco. Mas foi um bom quebra-galho.
Este livro é sobre esses momentos, particularmente sobre como
Este exemplo é muito menos carregado; na verdade, é bastante ba­ operam na psicoterapia para provocar mudanças.
nal. Aconteceu depois que um grupo de desconhecidos e eu teste­ Diversas características da abordagem adotada aqui são relati­
munhamos uma divertida discussão entre um talentoso mímico de vamente únicas. Primeiro, o livro explora o arquipélago de ilhas da
rua e uma transeunte. Eu estava sentado nos degraus de um museu, consciência, os momentos presentes, que formam nossa experiência
virado para a calçada, onde o mímico andava atrás de diversos tran­ subjetiva, mais do que a cadeia montanhosa submarina inconscien­
seuntes por dez ou vinte metros (vários segundos), imitando o an­ te (seja ela a psicodinâmica ou a circuitaria neural) que ocasio­
dar, a postura e o aparente estado de espírito das pessoas — nalmente perfura a superfície para formar as ilhas, que são o primeiro
rapidamente “capturando” algo a respeito delas. Os transeuntes nor­ plano psicológico, a realidade primária da experiência. O presente
malmente não se davam conta de que estavam sendo imitados e que e a consciência são os centros de gravidade, não o passado e o in­
eram alvo de uma brincadeira. Continuavam caminhando. Então o consciente.
mímico parava, dava meia-volta e seguia o próximo passante, vol­ A exploração que o livro faz do processo terapêutico é mi-
tando na direção contrária. E assim por diante, para a frente e para croanalítica e ajustada ao tamanho do momento presente. Vai de

42 43
0 MOMENTO PRESENTE

um pequeno evento a outro na escala dos segundos. É aí que o


momento presente é revelado e onde vamos encontrar uma visão
das coisas diferente.
Finalmente, meu maior interesse reside nos momentos presen­ Capítulo 2
tes que surgem no contexto da interação de duas os mais pessoas.
Afinal, nosso interesse principal é o processo psicoterapêutico que A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE
envolve duas pessoas. Os exemplos da entrevista do café-da-manhã
se referiam a alguém só. Mas, mesmo quando está sozinha, essa
pessoa está dirigindo sua atividade mental consciente a outro al­
guém. Pode ser a uma platéia imaginária, a um outro específico ou
a um de seus selves dependentes de contexto.
A idéia central sobre momentos de mudança é a seguinte: du­
rante esses momentos uma “experiência real” emerge, inesperada­
mente. Essa experiência acontece entre duas (ou mais) pessoas. Diz
respeito ao seu relacionamento. Ocorre num período de tempo A PRESENTIDADE DA VIDA SUBJETIVA parece evidente. Como poderia
muito breve que é experimentado como agora , que é um momento ser diferente? Entretanto, a noção permanece problemática. As pes­
presente com uma duração na qual um microdrama, uma história soas encaram a idéia de viver subjetivamente apenas no presente
emocional, sobre esse relacionamento se desdobra. Essa experiên­ como algo contra-intuitivo. Por exemplo, quando nos lembramos
cia vivida em conjunto é compartilhada mentalmente, no sentido de um acontecimento passado, podemos ficar ligeiramente surpre­
de que cada pessoa intuitivamente toma parte na experiência do sos ao nos darmos conta de que toda a experiência de recordar está
outro. Esse compartilhar intersubjetivo de uma experiência mútua ocorrendo agora. Podemos estar revivendo algo, mas o reviver está
é apreendido sem precisar ser verbalizado, e se torna parte do co­ acontecendo agora. Intuitivamente sentimos que não estamos de
nhecimento implícito do relacionamento. O compartilhar cria um volta àquela época. Mesmo a narração de algo que acabou de acon­
novo campo intersubjetivo entre os participantes que altera seu re­ tecer está na verdade ocorrendo agora. A narração é uma experiên­
lacionamento e lhes permite tomar direções diferentes juntos. O cia do agora, ainda que se refira a um momento presente que ocorreu
momento penetra uma forma especial de consciência e é codificado no passado. Temos expectativas em relação ao futuro, mas elas,
na memória. E, muito importante, reescreve o passado. As mudan­ também, estão sendo experimentadas agora. O mesmo vale para
ças na psicoterapia (ou em qualquer relacionamento) ocorrem por fantasias, sonhos e revisões pós-fato. Esse estrito confinamento da
meio desses saltos não-lineares nos modos-de-estar-com-o-outro. experiência no presente é um aspecto básico de qualquer aborda­
A idéia geral é desenhar uma figura da experiência vivida um gem fenomenológica.
pouco diferente do que normalmente é encontrado no processo O sentido de presentidade propõe um desafio às neurociências.
psicoterapêutico. Eu espero que essa nova visão, através do espelho Como sabemos que algo ocorreu no passado, e quando? Como re­
do momento presente, mude muitos aspectos de como pensamos e conhecemos o agora presente? Como o futuro está marcado? Como
praticamos a terapia. o marcador temporal é inserido no traço de memória e em que

44
0 MOMENTO PRESENTE A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

lugar do cérebro isso ocorre? Estes são velhos problemas suscita­ tempo subjetivo. Você ainda está no momento presente, só que
dos de várias formas por muitos, por mais de um século (Bergson, existem duas experiências (pelo menos) acontecendo em parale­
1896/1988; Husserl, 1964; James, 1890/1972; Merleau-Ponty, lo, como um dueto. Uma experiência pode colidir com aquela que
1945/1962). está em primeiro plano e empurrá-la para o segundo plano, mas
Recentemente, Dalla Barba (2001), entre outros, propôs que a você não escapou do presente. Fenomenologicamente, não há como
consciência não é uma dimensão unitária, mas um conjunto de se esquivar. Na verdade, experiências no presente podem ser
modos distintos de abordar o objeto da consciência. Ele sugeriu polifônicas ou politemporais.
dois modos: a consciência conhecedora e a consciência temporal. A O momento presente é uma unidade de processo subjetiva e
primeira aborda o objeto a fim de conhecê-lo. Já a segunda aborda psicológica da qual se está ciente. A maneira como ele começa e
o objeto a fim de temporalizá-lo, em termos de passado, presente e termina pode às vezes ser difícil de definir. Merleau-Ponty (1945/
futuro. Outros fizeram sugestões semelhantes (por exemplo, 1962) descreveu a chegada de um momento presente diante de nós
Chalmers, 1995; Damasio, 2002). É provável que os distúrbios pato­ como a irrupção de um presente novo em folha — a repentinidade
lógicos de memória resultem de uma dissociação desses dois modos. de uma lembrança ou um novo pensamento ou nova percepção.
São inícios promissores, mas provavelmente a mais difícil tarefa Não estamos cientes de como ele chegou ali porque o compusemos
de marcação de tempo será saber que estamos no presente. Há muitas inconscientemente, intuitivamente. Essa irrupção também pode es­
perguntas sobre a fenomenologia da presentidade para as quais uma tourar sobre nós como uma onda, ou aparecer quase sem aviso e
base neural se mostraria interessante. depois desaparecer como uma ondulação no mar.
A presentidade é algo semelhante a um afeto existencial. As
neurociências precisam entendê-la e enfrentá-la. Isso é de grande
importância clínica porque estados de dissociação patológicos po­ A DURAÇÃO DO AGORA
dem influir no senso de presentidade. O enactment de memórias
traumáticas é um caso relevante. Parece haver uma perda do senso Como pode o agora ter uma duração longa o suficiente para algo
existencial de ser num presente ou passado sentidos. acontecer dentro dele? Ou: como pode devolver o tempo ao mo­
O sentido de presentidade parece também exigir um senso de mento presente para que ele seja um acontecimento vivido
self. E o que é isso neurofisiologicamente? (Retornarei em breve a analogicamente em tempo real? A duração do agora depende de
esta questão.) como concebemos a passagem do tempo. Aqui, precisamos retornar
É comum que alguém se sinta apenas parcialmente no mo­ à distinção entre chronos e kairos. Em geral, tanto a psicologia quanto
mento presente. Mas, então, onde mais está você? Por exemplo, a psicanálise têm sido capazes de viver com a concepção do presen­
você pode estar presente num compromisso qualquer, aqui e ago­ te descrita por chronos. Entretanto, a experiência comum — nosso
ra, mas ao mesmo tempo estar preocupado com algo que aconte­ senso objetivo da vida como vivida no nível local do segundo-a-
ceu ontem ou está acontecendo agora na sala ao lado. Nessas segundo — não se dá bem com a idéia de que o presente não tem
ocasiões, você se sente apenas ligeiramente no momento presen­ espessura temporal. A experiência de ouvir música, assistir a dança
te, como se parte de você estivesse em outro lugar, em algum ou­ ou interagir com alguém requer um presente com uma duração (con­
tro espaço temporal. Mas não existe nenhum outro espaço de forme veremos), e assim também a vida no nível local.

47
O MOMENTO PRESENTE A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

Momentos presentes psicológicos precisam ter uma duração na 1964) forneceu a concepção-chave para encarar o problema. Ele pro­
qual coisas aconteçam e ao mesmo tempo ocorrer durante um agora pôs um momento presente que tem uma duração e que se compõe de
único e subjetivo. Um exemplo de música esclarece essa aparente três partes: um presente-do-momento-presente (não muito diferente
contradição: uma frase musical curta é a unidade de processo básica do instante presente de chronos, o ponto passageiro do tempo em
da experiência de ouvir música. Uma frase é o análogo musical de movimento), um passado-do-momento-presente e um futuro-do-
um momento presente da vida comum. Uma frase musical é intuiti­ momento-presente. Husserl chamou o passado-do-momento-presente
vamente apreendida como uma unidade global com fronteiras. Tem de “retenção”. Trata-se de um passado imediato que ainda está eco­
a duração que é sentida (normalmente entre dois e oito segundos). O ando no instante atual. Ele o descreveu como a cauda de um cometa.

mais interessante é que a frase musical, quando ouvida, é sentida E importante notar que esse passado retido ainda se encontra dentro
como se ocorresse durante um momento que não é instantâneo, ou do presente sentido. Ainda não foi separado do instante atual pelo
tampouco parcelado no tempo em pedaços seqüenciais como as ano­ esquecimento ou afastamento da mente. Assim, não é como a memó­
tações escritas. Na verdade, é um todo contínuo e analógico que flui ria operacional, que pode ficar fora da mente por um breve período
durante um agora. Normalmente, apesar de não estarmos cientes da de tempo mas é prontamente recordada. Nenhuma recordação é
passagem do tempo durante um agora, o fluxo de tempo está sendo necessária para o passado-do-momento-presente porque ele ainda
registrado de alguma maneira fora da consciência. está no momento presente. O futuro-do-momento-presente foi cha­
A frase constitui uma entidade global que não pode ser dividida mado de “protensão”. Este é o futuro imediato, que é esperado ou
sem perder sua gestalt. Não se pode tirar o equivalente a uma foto­ está implícito no que já ocorreu durante o passado e o presente-dos-
grafia de uma frase musical ouvida no instante em que ela passa. momentos-presentes. Esse futuro-do-momento-presente faz parte da
Não é um sumário das notas que a formam. A mente impõe à frase experiência do momento presente sentido porque seu prenúncio, ain­
uma forma à medida que ela se desenrola. Na verdade, seus finais da que vago, está atuando no instante atual e dá direcionalidade e,
possíveis são intuídos antes que ela seja concluída, enquanto ainda por vezes, um senso do que está por vir.
está passando. Isso eqüivale a dizer que o futuro está implícito em Talvez o ponto mais essencial sobre o momento presente com­
cada instante da viagem da frase através do momento presente. posto de três partes seja o fato de que todas as suas partes se mantêm
O mesmo se aplica a agrupamentos semelhantes a frases no com­ juntas, subjetivamente, como uma experiência global, única, unificada
portamento verbal e não-verbal observado na vida cotidiana e na e coerente, que ocorre num agora subjetivo. (Ver também Varela
psicoterapia. [1999] para uma recente discussão sobre o presente de três partes.)
Mas retornemos ao problema de encontrar tempo suficiente
dentro do presente em movimento para que um momento presente
dure e se desdobre. Como podemos arrombar chronos para criar PROTEGENDO O MOMENTO PRESENTE DO PASSADO
um presente longo o suficiente para acomodar kairos ? E DO FUTURO, E ENCONTRANDO UM LUGAR PARA ELE
Durante séculos esta questão preocupou vários filósofos, entre os
quais Santo Agostinho (1991), Husserl (1964), Heidegger (1927/ O momento presente pode tornar-se refém tanto do passado quan­
1996), Merleau-Ponty (1945/1962), Ricoeur (1984-1988) e Varela to do futuro. O passado pode eclipsar o presente, jogando sobre ele
(1999). Husserl (1913/1930/1980, 1930/1989, 1931/1960, 1962, uma sombra tão densa que só resta ao presente confirmar o que já

48 49
O MOMENTO PRESENTE A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

era sabido, pouco podendo acrescentar. Ele é essencialmente apa­ experiência anterior. Outras restrições e tendências perceptuais são
gado. O passado psicodinâmico corre esse perigo. Este é um dos menos ou não absolutamente isentas de valores culturais (ver
motivos pelos quais a psicanálise tem sido capaz de minimizar a Deutsch, 1999a, 1999b).
importância do presente. Ele é visto como apenas mais uma repre­ Embora não existam platéias musicais isentas de valores cultu­
sentação de padrões passados. O passado se apresenta de muitas rais, um interessante experimento se aplica à questão. Schenellenberg
formas influentes, entre as quais não só a história pretérita do paci­ (1996) mostrou que a certa altura de uma nova frase musical temos
ente, mas também os objetivos de longo prazo do terapeuta e as a habilidade de prever seus finais possíveis. Criamos e impomos
expectativas do paciente em relação ao tratamento. uma forma à medida que ela está acontecendo, enquanto escuta­
O futuro também pode aniquilar o presente reorganizando-o mos, e o fazemos sem pensar. Conforme a frase passa, mas não
tanto e tão depressa que ele se torna efêmero e quase morre. Aque­ ainda completamente, construímos em nossa mente várias implica­
les que propõem um papel abertamente determinante para a re­ ções imediatamente futuras do que ainda estamos ouvindo agora.
construção verbal/narrativa pós-fato enfrentam esse risco, porque Estas noções baseiam-se no modelo de implicação-realização de
agem como se a única realidade psicológica clinicamente relevante Narmour (1990).
fosse concedida quando a experiência é verbalmente transmitida. Em termos específicos, se pedirmos a diversas pessoas, separa­
O desafio está em imaginar o momento presente numa espécie damente, que escutem apenas uma parte de uma frase e depois que
de equilíbrio dialógico com o passado e o futuro. Se não estiver adivinhem como ela pode terminar, elas concordarão em relação
bem ancorado num passado e num futuro, o momento presente vai aos diversos finais possíveis. Na verdade, ocidentais pouco habitu­
flutuar para longe como um ponto sem sentido. Se estiver exa- ados à música chinesa, dotada de uma escala tonal diferente, po­
geradamente ancorado, torna-se diminuído. Além disso, o presente dem concluir uma frase incompleta de música tradicional chinesa,
tem de ser capaz de influenciar, talvez até o mesmo ponto, tanto o imaginando aproximadamente os mesmos finais possíveis para a
passado quanto o futuro, da mesma forma que eles o influenciaram. frase que os ouvintes chineses (que também nunca escutaram a fra­
Mais uma vez o exemplo de uma frase musical pode nos ajudar a se antes). Quando o experimento é feito ao contrário, o desempe­
começar a abordar alguns destes problemas. Suponha que a frase nho do ouvinte chinês é tão precário quanto o do ocidental na
seja ouvida na ausência de qualquer experiência musical passada; tentativa de prever finais possíveis de uma nova frase de música
em outras palavras, é isenta de valores culturais. Evidentemente, tradicional ocidental. (Músicos experientes se saem melhor.)
isso é impossível. No entanto, estamos biologicamente programa­ Nesse sentido, uma frase musical contém um passado e um fu­
dos para sermos capazes de formar uma idéia de como o fim da turo imediatos. A forma da frase musical é revelada e capturada
passagem poderia ser (enquanto a frase ainda está se desdobrando) pelo ouvinte enquanto a crista do instante presente imediato passa
com um mínimo de experiência anterior. Princípios de organização do ainda ressoante horizonte do passado (do momento presente)
perceptual (provavelmente universais), como proximidade, boa para o prenunciado horizonte do futuro (do mesmo momento pre­
continuação, destino comum e similaridade, foram identificados pela sente) (Darbellay, 1994). Grande parte do charme de se ouvir músi­
psicologia da Gestalt. Estes permitiriam formar futuros possíveis, ca reside nas surpresas que o compositor oferece, inventando
dos quais qualquer um poderia se realizar, à medida que a frase se caminhos finais que nos surpreendem mas não violam abertamente
desdobra. A frase então poderia assumir algum tipo de forma sem as implicações que percebemos.

50 51
O MOMENTO PRESENTE
A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

Parte das composições de música contemporânea é feita exata­


por seus traços de personalidade há muito tempo estabelecidos. O
mente para brincar ou romper com nossas implicações que criam
passado assume muitas formas: por exemplo, esquemas, represen­
tendências, ou mesmo paralisá-las. tações, modelos, predisposições, expectativas, fantasias originais.
O ato de dar forma à frase enquanto ela está acontecendo é de
Estas estruturas do passado encontram os eventos que se desenro­
grande interesse, pois contribui para esclarecer a natureza do ago­
lam no presente. Um diálogo dinâmico tem início. (O presente tem
ra, em particular o problema da influência do futuro no presente.
sempre um quê de novidade; possui condições locais próprias e
Em outras palavras, a relação entre acontecimentos e (re)construções
únicas. Mesmo que fosse apenas uma repetição exata de algo que
de acontecimentos. Em música, a forma de uma frase não espera
aconteceu antes, o presente conta com a diferença de ocorrer pela
que as frases subseqüentes ganhem vida. Alguns pensadores sugeri­
segunda vez, o que em si o torna único.) Ele vem sob forte controle
ram que a forma da frase musical só é evidente depois que ela pas­
do passado, que pode ser percebido, alterado ou mesmo surpreen­
sou e é captada de novo pela mente. Se isso fosse verdade, nunca dido pelo presente. Da mesma forma, o presente determina quais
escutaríamos nada. Apenas “pensaríamos” música. No entanto, essa partes do passado serão escolhidas para serem reanimadas e mon­
é a posição radical de alguns pensadores psicanalíticos ao conside­ tadas. Ambos estão sempre atuando um no outro. Narmour (1990,
rar o diálogo terapêutico. Eles afirmam que não existe aconteci­ 1999) defende isso veementemente para a música no presente em
mento (coup) até que este seja apresentado simbolicamente depois. movimento.
Há somente uma (re)construção (après-coup ). Só então a experiên­ Em resumo, o momento presente nunca é totalmente eclipsado
cia assume sua forma subjetiva pela primeira vez. pelo passado, nem completamente apagado pelo futuro. Ele retém
Pelo menos na música, a frase assume uma forma unitária e coe­ uma forma própria, embora seja influenciado pelo que se passou
rente na mente enquanto está acontecendo. E este vai ser o caso de antes e pelo que vem depois. Ele também determina a forma do
muitos outros aspectos da experiência. Também é verdade que a passado que é trazida para o presente e os contornos do futuro
(re)construção ocorre de modo penetrante na música, bem como imaginado. Esse triálogo entre passado, presente e futuro se dá quase
em outras experiências da vida. continuamente de momento em momento na arte, na vida e na
Muito da riqueza da música deve-se ao fato de cada frase subse­ psicoterapia.
qüente recontextualizar a anterior, e vice-versa, ad infinitum. Varia­
ções e estruturas tem áticas mais amplas contextualizam e
recontextualizam todas as frases, repetidamente. Todas as re- CARACTERÍSTICAS DO MOMENTO PRESENTE
contextualizações modificam os fenômenos, mas não os criam. E este
é o ponto crucial. Uma experiência coerente foi apreendida durante O momento presente tem sido relativa mas não totalmente ignora­
o momento presente, ainda que ela possa ter múltiplos destinos. do pela psicologia. Alguns dos trabalhos mais importantes sobre o
Mas o que dizer da ação do passado na determinação da forma assunto, essenciais para que eu pudesse escrever este livro, foram
do momento presente, tanto na música como na vida? Vejamos, elaborados no século passado. Em suas recentes investigações sobre
por exemplo, o estudante de pós-graduação da entrevista do café- a consciência, a psicologia redescobriu a perspectiva fenomenológica.
da-manhã. O ato de despejar o suco de laranja no copo foi em gran­ Mas o momento presente como uma entidade psicológica já existia
de parte determinado por suas preocupações da noite anterior e muito antes disso, com diversos nomes diferentes: o “presente es­
0 MOMENTO PRESENTE A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

pecioso” (James, 1890/1972); o “presente pessoal” (W Stem, 1930), subjetiva não “chega” passivamente à consciência perceptiva nem
o “presente real” (Koffka, 1935) e o “presente percebido” ou “pre­ nela aparece de súbito completamente formada. Ela é construída
sente psicológico” (Fraisse, 1964). Ele é uma entidade crucial na de modo ativo por nosso corpo e nossa mente trabalhando jun­
fenomenologia da percepção (Merleau-Ponty, 1945/1962) e nas tos (Clark, 1997; Damasio, 1994,1999; Sheets-Johnston, 1999;
concepções atuais da consciência. Todos eles capturam aspectos li­ Varela, Thompson e Rosch, 1993). Subjetivamente, porém, o atual
geiramente diferentes dessa experiência subjetiva. Algumas dessas conteúdo da mente contido num momento presente parece des­
unidades de processo são mais orientadas para o significado, outras lizar sem ser notado ou às vezes saltar para a consciência
mais voltadas para a percepção, e há aquelas que têm seu foco so­ perceptiva sem que se reconheça que está sendo composto. Acei­
bretudo na natureza da consciência. Mas, em todo caso, todas ten­ tamos isso como algo totalmente natural.
tam identificar uma unidade de processo que estou chamando de Com freqüência o momento presente é difícil de capturar
momento presente. porque muitas vezes saltamos da atual experiência em anda­
Algumas das características fenomenológicas do mundo subjeti­ mento a fim de assumir o ponto de vista objetivo, de terceira
vo, descritas quase um século atrás por Husserl, são bastantes cla­ pessoa. Tentamos apreender o que acabamos de experimentar
ras; outras continuam a me surpreender e até mesmo a me espantar. transformando-o em palavras ou imagens no momento seguin­
Ao mesmo tempo, são tão óbvias que normalmente passam desper­ te. Essas tentativas de introspecção (retrospecção imediata) pa­
cebidas. Estão ocultas à vista de todos. recem objetificar a experiência. E, dessa posição mais distante,
Eis uma lista mínima das características de um momento pre­ podemos perguntar: “Esse fato não pode ser explicado por isso
sente relevante clinicamente. e aquilo?” ou “O que aconteceu na verdade foi...” O que nor­
malmente deixamos de ver é que, quando saltamos de um mo­
1. A consciência perceptiva ou a consciência é uma condição ne­ mento presente simplesmente, caímos em outro momento
cessária ao momento presente. O momento presente se desen­ presente (o seguinte) — neste caso, a nova experiência atual de
rola durante um período de consciência perceptiva ou de algum se perguntar sobre a última experiência atual. Mas agimos como
tipo de consciência. Entretanto, momento presente e consciên­ se a segunda experiência estivesse numa perspectiva objetiva
cia não são a mesma coisa. O momento presente é a experiên­ em comparação à primeira. Na verdade, trata-se ainda de uma
cia sentida do que acontece durante um breve período de experiência em primeira pessoa sobre tentar assumir uma re­
consciência. presentação em terceira pessoa em relação a algo que acabou
2. O momento presente não é o relato verbal de uma experiência. de acontecer.
Ele é a experiência como vivida originalmente. Fornece a ma­ Foi por causa desse problema natural que Husserl insistiu
téria-prima para uma possível narrativa verbal posterior. que, para capturar a experiência fenomenal e examiná-la por si
3. A experiência sentida do momento presente é o que quer que mesma, é preciso colocá-la entre parênteses (a époché de
esteja na consciência perceptiva agora, durante o momento sendo Husserl) para evitar que ela seja “reduzida pela explicação” em
vivido. Neste ponto é preciso retornar à perspectiva feno­ outro nível. E isso que faz a experiência subjetiva tão difícil de
menológica. O conteúdo de um momento presente é simples apreender. Ela é evidente demais, como o oxigênio no ar que
— consiste no que está no palco mental agora. A experiência respiramos.

54
O MOMENTO PRESENTE A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

4. Momentos presentes têm curta duração. O momento presente Tudo isso pode acontecer com magnitudes muito pequenas
tem uma duração de diversos segundos. (Conte quatro segun­ de novidade ou problema. Por exemplo, na primeira entrevista
dos em voz alta. É um tempo surpreendentemente longo.) As do café-da-manhã do capítulo 1, o primeiro momento presente
definições de dicionário de “experiência” fazem referência a começa com um problema implícito, que não é exatamente novo
“passar por” ou “submeter-se pessoalmente”, implicando a idéia mas é inesperado. “Não tem manteiga.” Dificilmente consiste
de duração. numa violação grave de expectativa, mas ainda assim é uma
Existem vários acontecimentos breves que duram bem me­ violação.
nos de um segundo que também experimentamos, como o re­ Até agora referimo-nos apenas ao significado psicológico
conhecimento imediato de um rosto familiar. Mas normalmente da intenção, especificamente a realizar uma ação (mental ou
não estamos conscientes dessas experiências quando elas ocor­ física) tendo um objetivo em mente. O significado filosófico de
rem, a menos que perdurem na mente por alguma razão por intencionalidade refere-se à ação puramente mental da mente
mais de diversos segundos. Conseqüentemente, elas não se qua­ que “tenta pegar” ou “se estica” na direção de algum conteúdo
lificam como momentos presentes. Vou me aprofundar nesta da mente — uma lembrança, uma imagem etc. Por exemplo, o
questão no próximo capítulo, que discute os aspectos tempo­ que acontece quando alguém diz: “Pense na lua”? Sua mente
rais do momento presente. vai “tentar pegar” uma imagem. Há uma finalidade envolvida.
O momento presente não só tem uma duração como tam­ O momento presente diz respeito a essa forma de inten­
bém sentimos, de alguma forma, que o que está acontecendo cionalidade também (Brentano, 1874/1973).
agora está acontecendo no intervalo de tempo da presentidade O momento presente, portanto, tem um trabalho psicoló­
imediata. gico a fazer, que é a própria tarefa móvel de constantemente
5. O momento presente tem uma função psicológica. Uma expe­ lidar ou preparar-se para lidar com o que está acontecendo num
riência subjetiva deve ser suficientemente nova ou problemáti­ mundo quase sempre em mutação. Ele pega as seqüências de
ca para penetrar a consciência e tornar-se um momento presente. eventos pequenos e que ocorrem em frações de segundos que o
Momentos presentes se formam em torno de eventos que rom­ mundo atira sobre nós e os reúne em unidades coerentes que
pem a banalidade ou violam o funcionamento regular espera­ são mais utilizáveis para adaptação.
do. Portanto, requerem uma ação mental (e talvez física). Como 6. Momentos presentes são acontecimentos holísticos. O momen­
algo deve ou pode ser feito para lidar com o penetrar na cons­ to presente é uma gestalt. Ele organiza seqüências ou agrupa­
ciência, esses momentos carregam um sentido de conseqüência mentos de unidades perceptíveis menores (como notas ou
e compromisso com o mundo. Mais uma vez, pense em kairos. fonemas) que passam abaixo da consciência focalizada em uni­
Dito de outra forma, o momento presente carrega uma inten­ dades de categoria superior (como uma frase com sentido).
ção implícita de assimilar ou acomodar a novidade ou resolver Considere a experiência de dizer “alô” a alguém de quem você
o problema. Isso pode ser experimentado como um senso de não gosta. Essa experiência pode ser desmembrada se você sair
movimento ou inclinação para a frente em direção a um objeti­ de si mesmo, digamos assim, e observar-se na terceira pessoa.
vo não revelado mas progressivamente implícito, à medida que Dessa perspectiva afastada, você pode dividir a experiência em
o momento presente é atravessado. componentes separados: afetos, cognições e uma seqüência de

56
O MOMENTO PRESENTE A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

ações, percepções e sen ações. Cada um desses componentes mental ou física. Diversas formas-de-tempo poderiam estar
pode ser observado separadamente. Mas a experiência em pri­ avançando simultaneamente. Em vez de vermos essas diferen­
meira pessoa não é desmembrada assim; ela é sentida como tes formas-de-tempo como não relacionadas entre si, nós as
um todo. vemos como polifônicas e polirrítmicas. Esta característica é
7. Momentos presentes são temporalmente dinâmicos. Grande fundamental, porque os afetos de vitalidade desempenham um
parte de nosso pensamento acerca dos fenômenos psicológicos papel importante ao fornecer um contorno de tempo que auxi­
tem sido indiferente ao tempo ou ignorado a dinâmica tempo­ lia o processo de aglomeração, essencial para compor um mo­
ral da experiência vivida (Sheets-Johnstone, 1999). Entretan­ mento presente. Faz isso envolvendo o aglomerado e, desse
to, o momento presente tem uma dinâmica de tempo marcada, modo, marcando-o e agregando-o como uma unidade.
assim como uma frase musical. Como observado antes, essas Uma perspectiva temporalmente dinâmica é crítica para
formas de tempo dinâmicas são denominadas afetos de vitali­ muitas das idéias apresentadas nos próximos capítulos deste
dade (discutidos no capítulo 4 ; ver também Stern, 1985; Stern, livro, especialmente: “momentos agora”, “momentos de en­
Hofer, Haft e Dore, 1984). contro”, “formas de sentimento temporais” e “viagens de sen­
Considere dois exemplos bastante diferentes: ver fogos de timento compartilhadas”. Por certo tempo a noção de afetos
artifício subirem ao céu, explodirem e se abrirem em leque; ou de vitalidade circulou sob diversas formas, mas, até onde sei,
alguém dizer a você: “Acho que você não está falando a verda­ ainda não foi seriamente aproveitada pelas ciências clínicas,
de”, seguido por alguns segundos de silêncio. A medida que comportamentais ou pelas neurociências, embora tais noções
esses momentos presentes se desenrolam, ocorrem micro- nos ajudem muito a compreender a experiência fenomenal en­
mudanças em frações de segundo na intensidade ou na quali­ quanto ela se desdobra, é recordada e é comunicada.
dade de nossos sentimentos. No exemplo dos fogos de artifício, Graças aos avanços na produção de imagens do cérebro e
há uma excitação e uma expectativa crescentes quando o fo­ nas técnicas de registro neurofisiológico, as neurociências es­
guete sobe, uma súbita descarga de sensações quando ele ex­ tão hoje numa posição que lhes permite lançar luz sobre estas
plode, depois um declínio do entusiasmo e, com ele, um questões. Dois tipos de dados são necessários: a cronometragem
deslumbramento e prazer crescentes quando as luzes se espa­ precisa da atividade cerebral correlacionada a experiências fe­
lham num leque e caem. Simultaneamente, há uma resposta nomenais; e a cronometragem das mudanças analógicas de in­
variável de nossos movimentos (por exemplo, modulações na tensidade ou magnitude do disparo neural durante as mesmas
tonicidade ou na tensão, na posição) e flutuações de interesse, experiências fenomenais. Bastaria isso para que se pudesse pro­
força intencional etc. Essas mudanças constantes traçam um por um correlato científico para a experiência subjetiva dos
perfil temporal, como uma frase musical. Os afetos de vitalida­ afetos de vitalidade. Mais importante, uma tipologia de for-
de emergem à medida que o momento se desdobra. Isso é cap­ mas-de-tempo de atividade neural relacionada a várias experiên­
turado em termos como acelerar, diminuir, explodir, instável, cias surgiriam. Tal tipologia poderia ser de valor inestimável na
tentativa, vigoroso etc. Esses sentimentos temporalmente con­ exploração mais profunda do funcionamento da memória, das
tornados poderiam ser associados a afetos, movimentos, tor­ ligações em rede e da formação do padrão associativo, em ter­
rente de pensamentos, sensações e a qualquer e a toda atividade, mos tanto neurocientíficos quanto mentais. Por exemplo, são

58 59
0 MOMENTO PRESENTE A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE

os qualia temporalmente dinâmicos de “crescendo” ou “di- Um diálogo aprofundado entre o fenomenal/descritivo e os ní­
minuendo” ligados ou ligáveis através das modalidades, atra­ veis científicos sobre esses pontos poderia ser importante.
vés do tempo, através de contextos? Se forem, muitos problemas 8. O momento presente é parcialmente imprevisível à medida que
de memória e de associação têm outra condução, que clara­ se desdobra. Você não sabe exatamente aonde vai dar o mo­
mente funciona no nível clínico. mento presente porque está sendo levado em sua crista e o pas­
Uma tipologia de qualia temporalmente dinâmicos conta com seio ainda não terminou. Cada pequeno mundo de um momento
mais um atrativo. Essa tipologia concerne a experiências sobre­ presente é único. E determinado pelas condições locais de tem­
tudo afetivas e de sentimento. Até agora, faltam aos afetos e sen­ po, espaço, experiência passada e pelas particularidades das
timentos muitas características ou marcadores como possuem os condições em constante mutação nas quais ele toma forma.
objetos físicos que permitem associações, tais como forma, ta­ Portanto, não é possível conhecê-lo com antecedência.
manho, cor, textura etc. Os qualia temporalmente dinâmicos, 9. O momento presente envolve certo senso de self. Durante o mo­
em contraste, fornecem afetos com marcadores que são muito mento presente, você é o único experimentador de suas próprias
mais altamente marcados, e por isso podem permitir atividade experiências subjetivas. Você sabe que é você que as está experi­
associativa. Exatamente onde é necessário um número maior de mentando. A experiência não apenas pertence a você, ela é você.
características para uma base de associação. Em resumo, a dinâ­ Nossas experiências subjetivas mentais estão tão profundamente
mica temporal é um fenômeno insuficientemente estudado. incorporadas em nossas ações e movimentos, e nas mudanças
Além disso, usando a capacidade de cronometragem e as fisiológicas que permitem, variam e acompanham a experiência,
capacidades de tipificação de afeto de vitalidade das neuro- que não é de estranhar que saibamos exatamente o que estamos
ciências, aspectos da intersubjetividade poderiam ser explora­ experimentando (Clark, 1997; Damasio, 1999; Sheets-Johnstone,
dos. Até que ponto duas mentes podem compartilhar a mesma 1984, 1999). Embora isso seja auto-evidente, suas bases
experiência, pelo menos como medidas pela forma temporal neurocientíficas ainda precisam ser esclarecidas. (Algumas expe­
dos afetos de vitalidade vista no nível da atividade neural? Isso riências subjetivas são exceções em potencial que vamos abordar
cria novas oportunidade de explorações a respeito de contágio mais tarde.) Há outro problema. Considera-se que a subjetivida­
mental, ressonância, identificação, empatia, afinidade etc. de, em si, é construída a partir da experiência. Por outro lado, há
Uma questão correlata diz respeito a como os aspectos tem­ também uma posição essencialista que afirma que a subjetivida­
porais da experiência polifônica e polirrítmica são tratados no de é um fato humano, e que o construtivismo precisa de uma
nível neural e coordenados no nível fenomenal. Cabe lembrar base sobre a qual possa se desenvolver (Zahavi, 2002). Acredito
que grande parte de nossa atividade mental subjetiva é polifônica que ambas as visões sejam verdadeiras.
e polirrítmica, mesmo quando estamos sós, quanto mais ao 10. O self experimentador adota um ponto de vista em relação ao
interagir com alguém. Por exemplo, a metáfora, e o que mais momento presente. Um “ponto de vista” se refere ao distan­
tarde chamarei de apresentações multitemporais, saltando en­ ciamento ou à proximidade da experiência, ao grau de
tre o primeiro e o segundo planos, e as progressões relacionais, envolvimento, à participação, ao interesse, ao investimento
todas dependem de manter em ordem dois ou mais dados pro­ emocional e à avaliação do que está acontecendo. Mais uma
cessados ao mesmo tempo, enquanto estão sendo comparados. vez, não está claro como sentimos e registramos nossa posição

60 61
O MOMENTO PRESENTE

em relação às ações que vivemos, mas mesmo assim fazemos


isso sem esforço e sem pensar. Aqui, também, as bases
neurocientíficas continuam ainda por elucidar, pois envolvem
aspectos do self subjetivo e do self experimentador. Capítulo 3
11. Momentos presentes diferentes têm importâncias diferentes.
Existe um amplo espectro de momentos presentes, desde o raro A ARQUITETURA TEMPORAL
e importante (kairos com K maiúsculo), no qual o largo alcance DO MOMENTO PRESENTE
de uma vida pode mudar, até o quase inconseqüente. Depen­
dendo do contexto local e do que está em jogo, esses diversos
momentos recebem muitos nomes: “um momento no tempo”,
“um momento fora do tempo”, “o momento decisivo” (ao ti­
rar uma fotografia, Cartier-Bresson, 1952), “um momento de
definição” (como ao capturar a essência de uma situação), “um
momento de verdade” (como na tourada), um “momento mui­
to esquisito” (como no jargão policial quando uma vida ou um
relacionamento se equilibra numa decisão momentânea, ao es­
Pa r a COMPREENDER AS INTERAÇÕES humanas que se desenrolam em
tilo do escritor Scott Turow [1987]), e um “momento agora”
tempo real, como ocorre com quase todas elas, é necessária uma
(em terapia, Stern, Sander, Nahum e colegas [1998]).
Existem também momentos presentes extremamente banais unidade de processo com uma duração. Leva tempo para analisar o
(microkairos) que alteram o curso de uma vida, de momento que está acontecendo quando se observa alguém fazendo ou dizen­
em momento, de modos ínfimos porém possíveis de rastrear: do algo. Leva tempo para reunir as unidades do próprio comporta­
“Não tem manteiga.” Eles são a matéria, as peças de nossa ex­ mento. E é preciso um período de exposição para que eventos
periência em andamento e, muito importante, são o que traz a causados por seres humanos aflorem à consciência. O momento
mudança em nível local na psicoterapia. presente é essa unidade de processo. É fundamental conhecer seus
parâmetros temporais.
O momento presente abrange entre um e dez segundos, com
uma duração média de três ou quatro segundos. Há três razões prin­
cipais para este intervalo de tempo. É o período necessário para
que se formem agrupamentos significativos dos estímulos mais
perceptuais que emanam das pessoas, para compor unidades fun­
cionais de nossos desempenhos comportamentais e para permitir
que a consciência aflore.

62 63
O MOMENTO PRESENTE A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

AGRUPAMENTOS DE ESTÍMULOS PERCEPTUAIS cam-se momentos presentes contínuos mais longos em estados medi­
tativos atingidos por meio de várias técnicas praticadas em tradições
Os seres humanos podem perceber eventos separados numa seqüên­ como o vedanta, o budismo, o taoísmo e a do monge Hsuan-Tsang
cia que dura apenas de 20 a 150 milissegundos. Estas são as unida­ (ver Kern, 1988; Lancaster, 1997; Shear e Jevning, 1999; Wallace,
des de percepção básicas. No entanto, por si sós, elas não conferem 1999), ou quando se entra no que foi denominado “fluxo” de expe­
sentido à vida. Somos bombardeados com seqüências quase cons­ riência ótima (Csikszentmihalyi, 1990). De modo semelhante, alguns
tantes dessas pequenas unidades. Se considerássemos cada uma das dos momentos que Virginia Woolf (1977) chamou de “momentos de
unidades perceptuais como um evento potencialmente importante ser” podem durar muito mais.
e significativo, que requerem atenção e consciência perceptiva, se­ Tais estados mentais, contudo, são diferentes do que estamos
ria como estar continuamente sob o fogo de uma metralhadora. chamando de momentos presentes. Nos estados meditativo ou de
Essas seqüências precisam ser agrupadas em unidades maiores, mais fluxo, a idéia é perder o senso de s e lfe que a consciência mante­
adequadas à adaptação. nha um foco concentrado, relativamente impermeável a outra esti­
Embora os momentos presentes sejam geralmente experiências mulação. Por outro lado, durante os momentos presentes que nos
não-verbais, a fala fornece o exemplo mais estudado da aglomera­ interessam, a atenção e a consciência tendem a esvoaçar e focali­
ção de unidades perceptuais menores em todos os significativos zar um único acontecimento por períodos de tempo mais curtos,
maiores. Os fenômenos são as unidades perceptuais básicas da fala. enquanto permanecem abertas a toda e qualquer outra estimulação
Duram em média de 40 a 150 milissegundos. Há também unidades potencialmente interessante ou distrativa. Como diz William
(tais como uma palavra) numa faixa intermediária, de 150 a 1.000 James: “Como a vida de um pássaro, [o fluxo de consciência] pa­
milissegundos. (As palavras, porém, têm um significado limitado rece ser feito de uma alternância de vôos e pousos” (modificado
fora do contexto da frase.) Diversas palavras se aglomeram e for­ por Bailey, 1999 [citando James, 1890/1972], p. 243). Os mo­
mam um agregado psicológico único, a frase, que é um agrupamen­ mentos presentes são os pousos. Os vôos são os espaço entre os
to altamente significativo que dura diversos segundos. A duração momentos de consciência que fazem parte do momento presente.
de um momento presente é a duração de uma frase. Esta hierarquia Esses “vôos” são inacessíveis e inapreensíveis. Assim, a consciên­
temporal é um fenômeno geral (ver Trevarthen, 1999/2000; Varela, cia fica livre para desviar seu foco de um momento presente para
1999). Uma importante tarefa para a mente é entender o fluxo de o seguinte, e o senso de seif com o experimentador nunca é inter­
estimulação quase ininterrupto. A frase é a menor aglomeração rompido, embora os pousos sejam descontínuos. Os momentos
que nos fornece o máximo de significado para que possamos nos presentes são a matéria da subjetividade durante estados mentais
entender no mundo da linguagem. Encontramos os mesmos comuns.
parâmetros de tempo na música, na poesia, na dança, nos gestos, O limite de tempo de dez segundos dos momentos presentes
na cínética e no discurso. Cada disciplina que lida com o fluxo de não significa que não existam unidades de tempo maiores formadas
eventos em série no tempo teve de lidar com esse problema em por vários momentos presentes aglomerados. Este é claramente o
seus próprios termos. caso da música, entre outros. Trevarthen (1999/2000) argumentou
Por que o momento presente não dura mais do que dez segun­ que existe uma unidade maior de cerca de 30 segundos vinculada a
dos? Na verdade, isso pode acontecer em condições especiais. Bus­ ciclos de ativação do sistema nervoso autônomo. No meu entender,

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0 MOMENTO PRESENTE A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

estas unidades maiores são normalmente formadas por variações dentemente, os fonemas e as palavras exatas são registrados e po­
de diversos momentos presentes em seqüência que aprofundam ou dem ser recordados depois com uma fidelidade bastante boa por
prolongam a experiência. (Esta idéia será abordada novamente nos um curto período. O significado da frase, porém, é muito mais
capítulos sobre aplicações clínicas quando discuto as “progressões duradouro.
relacionais”.) Mas o momento presente permanece como a unida­ Embora a lingüística tenha se concentrado nestas unidades do
de fundamental. ponto de vista de sua contribuição para o significado, existe tam­
Em resumo, o fluxo de estimulação perceptual deve ser aglome­ bém uma dimensão temporal. Sob essa luz, é instrutivo fazer um
rado em unidades significativas mais bem dimensionadas para nos breve levantamento da duração de algumas unidades de análise do
tornar mais adaptativos, de modo rápido e eficiente. Aglomerar é o significado na fala, bem como da duração de agrupamentos que
trabalho do momento presente. E o bloco de construção básico de regulam o discurso verbal em situações diádicas (Jaffe e Feldstein,
experiências subjetivas psicologicamente significativas que se pro­ 1970; Trevarthen, 1999/2000). Em geral:
longam no tempo.
• A maioria das frases faladas dura cerca de três segundos. Senten­
ças faladas mais longas raramente duram mais de quatro ou cin­
UNIDADES FUNCIO NAIS DE co segundos (Trevarthen, 1999/2000).
DESEM PENHO COM PORTAM ENTAL • Ao escutar uma fala normal gravada, um sujeito vai interromper o
fluxo para relatar o que acabou de ouvir aproximadamente a cada
A segunda razão pela qual os momentos presentes não duram mais três segundos — em outras palavras, nas fronteiras das frases. A
do que dez segundos é porque o comportamento humano significa­ frase atua como um aglomerado de processamento (Wingfield e
tivo (comunicativo, expressivo etc.) parece ser naturalmente pro­ Nolan, 1980).
duzido/desempenhado/comprimido em unidades de um a dez • Demora-se em média três segundos e no máximo cinco para re­
segundos. A seguir, alguns exemplos de diferentes domínios. citar em voz alta um verso de poesia (Turner e Põppel, 1988).
• Demora em média de dois a três segundos para que duas pessoas
A duração do momento presente na linguagem alternem a vez de falar (isto é, a vocalização de um falante, mais
a pausa de troca depois que o primeiro falante parou e antes que
A lingüística enfrentou, com bastante sucesso, o problema de even­ o segundo comece) Oaffe e Feldstein, 1970).
tos hierarquizantes de durações diferentes: o fonema, a palavra, a • Um ciclo de respiração (uma inspiração e uma expiração) de­
frase (oração), o período, o parágrafo e assim por diante. Embora mora cerca de três segundos (e ocorre por volta de 15 vezes
os dois níveis de freqüência alta (o fonema, 20-150 milissegundos, por minuto).
e a palavra, 150-1.000 milissegundos) sejam ouvidos, a frase é a
unidade usada para analisar o sentido do que está sendo dito. Ouve- Aparentemente, a unidade fisiológica para produzir um agrupamento
se além dos fonemas e das palavras, digamos assim, para chegar à de sons (o ciclo de respiração), a unidade mental para analisar a
frase, que é a gestalt básica da fala que é ouvida. E a unidade na fala (a frase) e as unidades do discurso que governam a conversa (a
qual a sintaxe é revelada e o sentido funcional, apreendido. Evi­ vez) têm durações semelhantes. É provável que as unidades tempo­

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O MOMENTO PRESENTE A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

rais para a produção da fala, para a análise de significado e para o verdadeiro na fala; após uma pausa de três segundos, a vez ou o
diálogo tenham evoluído todas juntas. Qualquer outro arranjo se­ tópico tende a mudar.)
ria muito difícil de manejar.
A duração do momento presente nas ações
A duração do momento presente na música
O mesmo problema de agrupamento precisa ser resolvido para ati­
A música teve de resolver os mesmos problemas gerais de agrupa­ vidades como movimentos, rituais e danças. Isso é especialmente
mento, mas aqui a dimensão do tempo está na linha de frente. Em verdade no caso da dança moderna, que fica fechada num tempo
vez de fonemas e palavras, temos notas, tempos e compassos, que musical com menos freqüência do que, digamos, o balé clássico.
devem ser agrupados em frases (ou motivos), sejam elas dominadas Com o movimento, diversas unidades de tempo diferentes podem
por uma linha melódica ou padrão rítmico. E aqui, também, assim atuar para compor unidades de significado: o ciclo de respiração
como na linguagem e na vocalização, a faixa de 3-4 segundos pare­ (três segundos); o ciclo de contração-relaxamento (variável na dan­
ce ser a mais comum. Eis alguns exemplos reveladores: ça moderna, mas normalmente entre um e dez segundos); e as limi­
tações temporais impostas por tamanho, velocidade, extensão,
• Na música, o presente perceptual é considerado um período de abdução/adução e força das partes do corpo.
tempo durante o qual o conteúdo do presente está ativo e direta­ A freqüência de muitos movimentos, sejam eles gestos, passos,
mente disponível sem qualquer mediação da memória (o presen­ expressões faciais ou outros, encontra-se na faixa intermediária
te de três partes de Husserl). Uma frase musical percebida como de 150-1.000 milissegundos. Por exemplo, numa caminhada rápi­
uma gestalt preencheria tal presente perceptual. Se o presente da, um passo demora 300-700 milissegundos; num ritmo mais
perceptual pode ou não ser visto em termos de memória tranqüilo, 700-1.500 milissegundos (Trevarthen, 1999/2000). In­
operacional é uma questão discutida mais tarde (Clarke, 1999; teressante notar que temos a tendência de criar agrupamentos de
Michon, 1978). séries de passos. Assim, muitas vezes, quando alguém toma cons­
• Fraisse (1978) sugeriu que o presente perceptual na música dura ciência de estar andando, seus passos se sincronizam com o ciclo
não mais do que cinco segundos. de respiração. A tendência é de dois passos por inspiração e dois
• Clarke (1999), estudando diversos autores, situou o presente ou três por expiração. O resultado é de quatro ou cinco passos
perceptual na música em torno de dois a oito segundos. por agrupamento. E se os passos ocorrem em intervalos de 700
• A sensação subjetiva de movimento para a frente na música só é milissegundos, serão 2,8 a 3,5 segundos para cada agrupamento.
sentida se dois eventos tonais ocorrem dentro de um intervalo Chegamos mais uma vez à duração média da frase de um momen­
de três segundos. Após um silêncio de três segundos, sente-se to presente. (Estas frações mudam de acordo com a velocidade e
parar o deslocamento para a frente (Whittman e Poppel, 1999/ o esforço.)
2000). Alguns músicos modernos violam estes limites de tempo Outro exemplo de agrupamento é facilmente encontrado no
separando eventos tonais por mais de três segundos, criando com âmbito militar. Para sincronizar a marcha, alguém conta o tempo
isso efeitos tais como mudanças nas superfícies e texturas tonais em voz alta. São quatro tempos por agrupamento — em outras
no lugar do movimento para a frente. (Um efeito semelhante é palavras, quatro passos por frase, com o pé esquerdo no som mais

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O MOMENTO PRESENTE A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

forte (por exemplo, UM dois, TRÊS quatro). Acabamos com um 1999) relatou que episódios de imitação entre adultos e bebês em
agrupamento de dois ou três segundos. (Na verdade, os quatro tem­ suas primeiras semanas e meses de vida duram cerca de dois a sete
pos não precisam ser acentuados uniformemente; a psicologia da segundos. Nadei (1986) e Nadei e Peze (1993) encontraram surtos
gestalt demonstra que, quando dois tempos iguais são ouvidos, o de imitação entre crianças mais velhas com uma duração de aproxi­
primeiro é sentido subjetivamente como enfatizado.) madamente quatro segundos. A imitação é particularmente interes­
A dança e o ritual podem usar som (música), ciclos de respiração, sante sob esta luz porque requer a montagem da percepção do outro
ciclos de contração-relaxamento, agrupamentos naturais ou qualquer com um movimento do self proprioceptivamente guiado.
combinação destes elementos para criar suas frases. Novamente a
A mente dispõe de estratégias tanto inatas quanto culturais para
fraseologia corresponde à faixa temporal de um a dez segundos.
agrupar esses conjuntos e descontinuidades em unidades significa­
Por exemplo: um ritual de cumprimento completo de dois amigos
tivas maiores — em todos coerentes. Um estudo recente de Zacks e
que se encontram consiste em sorrisos mais ou menos simultâneos,
colegas (2001) demonstrou que ambas podem operar juntas. Eles
elevação das sobrancelhas e da cabeça, vocalizações e alguns gestos
mostraram aos sujeitos gravações de televisão de atividades rotinei­
de mão ou abraço compartilhados (Kendon, 1990). Este processo
ras, tais como passar uma camisa ou outras ações menos óbvias, e
físico e mental leva diversos segundos e estabelece um novo con­
registraram a atividade neural em regiões específicas do cérebro
texto de significado local para o que vem a seguir. “Algum proble­
usando imagens de Ressonância Magnética funcional (RMf). Quan­
ma?” ou “Você parece feliz hoje”.
do foi solicitado aos sujeitos que segmentassem a atividade em uni­
Em interações parcialmente ritualizadas e culturalmente mol­
dades, houve um aumento da atividade neural em torno das
dadas entre díades, há uma hierarquia de movimentos que vai de
fronteiras dos movimentos funcionais, o que sugere que o conheci­
pequenos a grandes (desde os olhos até a cabeça, o tronco, a pélvis
mento deles acerca da atividade estava dirigindo a análise durante
ou as partes que sustentam o peso do corpo). Os movimentos maio­
essa visualização ativa. Entretanto, quando foi pedido aos mesmos
res e mais lentos delimitam os menores (Fivaz-Depeursinge, 1991;
sujeitos que assistissem à televisão sem ter em mente qualquer ins­
Frey, Hirsbrunner, Florin, Daw e Crawford, 1983; Frey, Jorns e
trução nem tarefa (ou seja, visualização passiva), eles mostraram
Daw, 1980). Por exemplo, durante uma conversa entre duas pessoas
sentadas, quando uma delas muda de posição na altura da pélvis, uma atividade neural aumentada nas mesmas fronteiras. Isso suge­
descruzando uma perna, transferindo o peso do corpo de quadril, re que existem muitas pistas que um processo inato poderia seguir,
cruzando a outra perna e reacomodando o tronco e a cabeça, uma tais como mudanças na densidade, na direção ou na velocidade do
mudança significativa no estado interativo é sinalizada. Toda a pos­ movimento, mesmo quando o sujeito não está familiarizado com a
tura é reposicionada. Isso é análogo a fechar um parágrafo e abrir função da atividade nem prestando atenção a ela.
outro. Um novo ou alterado tópico ou atitude interpessoal está sen­
do introduzido. Um novo momento presente entrou. Mudanças A duração do momento presente
nesse nível levam cerca de dois a cinco segundos. na interação mãe-bebê não verbal
A imitação é um complexo ato perceptual, motor e pro-
prioceptivo de comunicação e pertencimento. Pode ser de ações ou Desde o princípio da vida, os bebês são expostos a várias formas da
de vocalizações (que também são ações). Kugiumutzakis (1998, fraseologia humana com duração aproximada de três segundos:

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O MOMENTO PRESENTE A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

• As alternâncias de vocalização entre mães e crianças não verbais Duração do momento presente em operações
(balbucios e fala infantilizada recíprocos) demoram cerca de dois mentais gerais
a três segundos (Beebe, Jaffe, Feldstein, Mays e Alson, 1985;
Jaffe, Beebe, Feldstein, Crown e Jasnow, 2001; Malloch, 1999/ Muitos sugeriram que o presente psicológico (isto é, o momento
2000; Stern, 1977). presente) é, em essência, o mesmo que memória operacional. A
• Frases curtas nas canções que as mães cantam para seus bebês memória operacional é o armazenamento de curto prazo que guar­
encontram-se na mesma faixa (Malloch, 1999/2000; Trevarthen, da uma pequena quantidade de informações em armazenamento
1999/2000). ativo por um tempo limitado. Enquanto se encontram no ar­
• Durante uma brincadeira face-a-face com crianças pequenas, as mazenamento ativo, as informações podem ser recuperadas e usa­
mães fazem séries curtas de expressões faciais exageradas ou ca­ das conforme a necessidade (Baddeley, 1986, 1989). A duração do
deias de gestos ou seqüências de toques. Estes grupos de movi­ armazenamento ativo (sem repetição) é aproximadamente a mes­
mentos (e sons) maternais fornecem o espetáculo de estímulos ma do momento presente. Novamente, o tempo de espera da me­
que pais e filhos usam para regular mutuamente o estado de aler­ mória depende de uma multiplicidade de variáveis, assim como a
ta e ativação do bebê de momento em momento. Estes grupos duração do momento presente.
duram cerca de dois a cinco segundos (Beebe etal., 1985; Beebe, Há muitos motivos, no entanto, para não se igualar momento
Stern e Jaffe, 1979; Stern, 1974, 1977; Stern eta l., 1985; Wein- presente e memória operacional. Em primeiro lugar, o momento
berg e Tronick, 1994). presente é uma unidade de processo subjetiva. A memória
• Fivaz (comunicação pessoal, 12 de janeiro de 2002) constatou operacional é objetiva. Além disso, uma noção básica da memó­
que os episódios de atividade na tríade (mãe, pai, bebê) duram ria operacional é que ela contém ao menos dois componentes: o
em média 3,5 segundos, numa faixa de dois a dez segundos. material que está atualmente sob o foco da atenção ativa e o mate­
• Bebês aprendem com rapidez, mas a situação de aprendizado deve rial que está fora do foco da atenção, mas permanece ativado e
respeitar a duração do momento presente. Aos três meses de ida­ pode ser recuperado ou reconduzido ao foco da atenção, durante
de, eles adquirem um repertório de comportamentos instrumen­ um período de tempo limitado (Cowan, 1988). O momento pre­
tais (para obter uma resposta), tais como o sorriso social e a sente, ao contrário, não tem nenhum elemento fora do foco de
vocalização. Esses comportamentos são facilmente reforçados atenção. Se algo pode ser reconduzido à atenção, onde isso estava
pelos pais num ambiente natural. Entretanto, para que esse tipo fenomenologicamente antes de ser recuperado? Não poderia es­
de condicionamento funcione, o reforçador dos pais (um sorriso tar no momento presente.
ou uma vocalização de retribuição) deve ser feito até três segun­ A memória operacional decai rapidamente ao longo dos dois
dos após o comportamento do bebê. Se o lapso entre o comporta­ segundos iniciais e depois mais devagar por outros 15 a 30 segun­
mento desejado e o reforçador for maior, não haverá aprendizado dos (Baddeley, 1984, 1989; Cowan, 1984, 1988). Ela pode, po­
(Watson, 1979). Em outras palavras, o comportamento e seu rém, ser mantida por mais tempo mediante repetições. E por este
reforçador devem ocorrer no mesmo momento presente para motivo que a maioria dos experimentos sobre a memória operacional
que o bebê os associe. É como se o movimento para a frente da utiliza paradigmas de interferência, nos quais a informação é apre­
música cessasse para o bebê. sentada e, em seguida, informações não relacionadas (interferen-

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0 MOMENTO PRESENTE A ARQUITETURA TEMPORAL DO MOMENTO PRESENTE

tes) são expostas para evitar a repetição antes que a recuperação da da mais uma segunda ou terceira sobre a original é o que abre a
informação original seja testada. porta para o fenômeno da consciência.
Tal procedimento contraria a idéia central de um momento pre­ A primeira volta do circuito de reentrada é rápida, e a ativação
sente, especificamente, de que um evento contínuo coerente preen­ do circuito tende a ser muito curta. Sua duração fica em torno de
che toda a sua duração. O momento presente é um todo único. um quarto de segundo. Este é o tempo que se leva para se ter atra­
Concerne a eventos analógicos. A memória operacional, por outro ções ou aversões intuitivas inconscientes. Se, entretanto, existem
lado, normalmente diz respeito a uma série de informações não diversas voltas em torno do circuito de reentrada, sua ativação pode
relacionadas (isto é, eventos digitais), algumas das quais podem ser ser estabilizada por um tempo longo o bastante para que a experiên­
reconduzidas ao foco da atenção depois que a mente se distraiu. cia fenomenal da consciência desperte. Se houvesse quatro ou mais
Existem diversos desenhos bem conhecidos que podem ser vis­ voltas no circuito, estaríamos na faixa de tempo de um momento
tos de dois modos muito diferentes. Um é um vaso ou duas pessoas: presente.
vista de um modo, a imagem parece ser um vaso no centro da figu­ A ativação estabilizante continuada do circuito de reentrada que
ra; vista de outro modo, parece ser o perfil de duas pessoas uma de dura um ou mais segundos tem a função de proteger a mente de
frente para a outra. Podemos ver apenas uma das duas imagens por tornar-se consciente dos acontecimentos a cada fração de segundo.
vez, mas também alternar entre ver o vaso e os perfis. Normalmen­ Os eventos precisam, digamos, ganhar consciência tornando-se su­
te leva de um a três segundos para que a troca tenha efeito (quando ficientemente proeminentes (carregados de valor) para estabilizar
não se tem prática). Isso sugere que certas manipulações mentais momentaneamente um circuito de reentrada. O momento presente
também exigem um período de um a alguns segundos para criar um é o tempo necessário para que esse circuito esteja estabilizado o
novo todo (Kelso, Holroyd, Hovarth, Raczaszek, Tuller e Ding, bastante para dar margem à consciência.
1994; Rubin, 2001).
É tentador pensar que o tempo necessário para aglomerar estímu­
los perceptuais, desempenhar unidades de comportamento funcio­
O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA nais e se tornar consciente de um evento devia ser o mesmo para
todos: por volta de três ou quatro segundos. Caso contrário, seria
É preciso um certo tempo para que a estimulação recebida alcance muito mais difícil tornar nossa experiência coerente. Os seres hu­
a consciência. Conforme discutido no capítulo 8, acredita-se que a manos parecem ser construídos de modo a dimensionar na mente
consciência desperte, em termos neurais, por meio do processo de os eventos em unidades básicas de momentos presentes: as unida­
reentrada (por exemplo, Edelman, 1990). Dito de maneira muito des fundamentais para compreender as experiências temporalmen­
simples, quando um grupo de neurônios é ativado por um estímulo te dinâmicas que ocorrem entre as pessoas.
de entrada, este pode mandar um sinal para outro grupo de Dependendo do que está sendo agrupado exatamente, pode­
neurônios. O segundo grupo então reativa (leva em resposta para) mos esperar variabilidade na duração, dentro de limites. É uma
o primeiro, e um circuito de reentrada ou recursivo é criado. Isso unidade psicobiológica flexível, e não rigidamente fixa. Fatores como
poderia em seguida espalhar-se para um terceiro grupo que respon­ modalidade, número ou freqüência de eventos a serem agrupados,
deria ao primeiro e ao segundo. Esta combinação de uma experiên- complexidade, se o tempo (ou espaço) está vazio ou cheio, familia­
O MOMENTO PRESENTE

ridade, entre outros, podem influenciar a real duração do processo


de agrupamento. Por este motivo, é mais sensato pensar em termos
de uma faixa de aproximadamente um a dez segundos para o mo­
mento presente. Capítulo 4
Momentos presentes são reunidos de maneiras extremamente
variáveis, e pode ser difícil determinar o tempo entre dois desses O MOMENTO PRESENTE COMO UMA
momentos. Às vezes, lacunas na consciência os separam (como os HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO
vôos do pássaro da consciência de William James rumo ao próximo
pouso). Outras vezes eles estão apertados em seqüências de mo­
mentos adjacentes, com transições breves como um corte brusco
para uma nova cena na montagem de um filme. Nossa consciência
perceptiva destas transições é, na melhor das hipóteses, vaga e nor­
malmente inexistente. Mas a seqüência pode traçar um tema, uma
progressão direcional ou algum outro padrão.
Adicionalmente, o tempo entre os momentos presentes varia
amplamente, dependendo do que está acontecendo. Em algumas Um MOMENTO PRESENTE contém os elementos essenciais para com­
situações de concentração focalizada ou carga altamente afetiva, os por uma história vivida. Este é um tipo especial de história porque
momentos presentes parecem suceder-se em intervalos curtos. Ou­ é vivido quando acontece, e não quando é colocado em palavras
tras vezes parecem prolongar-se bem além dos dez segundos. Exa­ posteriormente. Ela é não-verbal e não precisa ser posta em pala­
minando mais de perto, porém, parece haver uma renovação do vras, embora isso pudesse ser feito, com alguma dificuldade. E de
“mesmo” momento presente a cada intervalo de diversos segun­ curtíssima duração comparada à maioria das histórias. E feita prin­
dos. Por exemplo, ao observar algo fascinante, mas relativamente cipalmente de sentimentos que se desdobram, uma espécie de nar­
constante, como um eclipse do sol, uma pessoa pode parecer per­ rativa emocional não contada.
der-se na mesma cena do momento presente por longos períodos Certos termos precisam ser esclarecidos. O form ato narrativo é
— 30 segundos ou mais. Entretanto, dentro desse período de 30 uma estrutura para organizar mentalmente (sem linguagem) nossa
segundos, a cada poucos segundos há uma ligeira mudança nos pen­ experiência com comportamento humano motivado. Histórias vi­
samentos, sentimentos, ações, posições etc., o que rapidamente re­ vidas são experiências moldadas narrativamente na mente mas não
nova ou reocupa a mente. A unidade básica do momento presente é verbalizadas nem contadas. Uma história contada — ou seja, uma
preservada; ele só é reaplicado algumas vezes. narrativa — é a narração a alguém sobre a história vivida.
Agora que temos uma idéia do que queremos dizer com agora , Um olhar sobre o desenvolvimento infantil pode ajudar a escla­
do quanto dura um momento presente e do que ele realiza nesse recer estas distinções. Em primeiro lugar, a criança precisa ser ca­
tempo, podemos perguntar, no próximo capítulo, como os momen­ paz de analisar e moldar sua experiência no formato narrativo —
tos presentes estão organizados. numa história vivida. Isso ocorre muito cedo, antes da linguagem,
bem antes dos 18 meses de vida. A idéia central é a de que os bebês,
O MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE COMO UMA HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO

muito cedo na vida pré-verbal, tendem a analisar e experimentar o ria para ajustar a expectativa original, levando em conta o que aca­
mundo humano em termos de intenções, como fazem os adultos. É bou de ocorrer (Bruner, 2002). (E como a necessidade de assimilação
uma tendência natural da mente. O formato narrativo é concebido e acomodação concebida por Piaget.) Bruner forneceu um exemplo
para construir significados em torno das intenções (existem signifi­ do que se quer dizer com contrariar. “Estava andando na rua quando
cados emocionais, bem como cognitivos). Foi isto que Bruner (1990) um homem chegou para mim e perguntou: ‘Gostaria de comprar um
quis dizer, em linhas gerais, quando defendeu a primazia dos “atos mito pessoal?”’ A questão viola a expectativa normal de que mitos
de significação” em nossa análise das interações sociais humanas. pessoais não são vendidos (Bruner, 2002). A coda poderia ser algo
Em segundo lugar, a criança precisa tornar-se verbal, empregando simples como pensar: “O mundo é esquisito às vezes.”
razoavelmente bem os tempos verbais (isto é, passado, presente, O que então desencadeou os momentos presentes identificados
futuro). Isso acontece durante o segundo ano de vida. Por último, a nas entrevistas do café-da-manhã do capítulo 1 ? Elas parecem ex­
criança tem de adquirir a capacidade de transformar em linguagem tremamente banais. E são, mas cada uma delas é acionada por uma
a história vivida na forma de uma história contada. A partir dos 3 aflição, ainda que insignificante, do mundo cotidiano. “Onde está a
ou 4 anos, as crianças começam a contar narrativas autobiográfi­ manteiga?” e os sentimentos negativos que acompanham a pergun­
cas. Suas histórias contadas continuam bastante primitivas até por ta refletem a violação de uma expectativa diária comum. “Ok, não
volta dos 6 anos (Favez, 2003; Nelson, 1989; Peterson e McCabe, tem problema — é bom para a dieta” e a inundação de boas sensa­
1983). Esta seqüência de desenvolvimento de histórias vividas, de­ ções resolve isso. “O que faço com este pão?” é a reação à novida­
pois linguagem, depois histórias contadas, é bem conhecida no de­ de, e daí em diante. A estrutura da situação é mais ou menos a
senvolvimento em que a compreensão aparece muito antes da mesma, ainda que a magnitude da conseqüência varie muito.
produção. Em segundo lugar, as histórias são estruturadas em torno de um
A história vivida e a história contada (bem como o formato nar­ enredo. Elas contêm um quem, por quê, o quê, quando, onde e
rativo) têm elementos essenciais em comum. No momento presen­ como que fazem com que todos os seus elementos fiquem coesos.
te, alguns podem aparecer de forma incompleta, como descrito a Na faculdade de jornalismo aprende-se a posicionar os elementos
seguir. da narrativa de forma a capturar rapidamente o interesse humano
Primeiro, deve haver um motivo para criar a história ou tornar- respondendo às perguntas de quem? o quê? onde? quando? por
se consciente da história sendo vivida. Algo precisa acontecer para quê? e como? logo nas primeiras frases. Os detalhes são completa­
trazê-la para a vida psicológica. O gatilho pode ser uma novidade, dos mais tarde. Estas perguntas fornecem as informações que pren­
algo inesperado, um problema, um conflito ou algum tipo de afli­ dem a atenção das pessoas. São a espinha dorsal do formato narrativo
ção ou aborrecimento que requer uma solução. Não pode ser sim­ usado para entender e falar sobre comportamento motivado (Burke,
plesmente uma lista de acontecimentos. É por isso que as histórias 1945). São a matéria da fofoca, aquela forma quintessencial de com­
nos cativam. Uma história depende de uma suposição implícita so­ preender e relacionar certos assuntos humanos, bem como a maté­
bre como o mundo funciona e o que pode ser normalmente espera­ ria de romances, mitos, processos criminais (Bruner, 2002) e de
do (Bruner, 2002a, 2002b). Quando a expectativa normal não se narrativas de vida clínicas (Schafer, 1981; Spense, 1976).
confirma ou é contrariada pelos acontecimentos, é feita uma tenta­ Finalmente, uma história precisa ter uma linha de tensão dra­
tiva para normalizar a situação. E, finalmente, uma coda é necessá­ mática que age para levar e empurrar a história para a frente desde
O MOMENTO PRESENTE 0 MOMENTO PRESENTE COMO UMA HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO

sua construção, passando pela crise, até a solução (Labov, 1972). adultos. Além disso, considero-o mais uma narrativa emocional sen­
Isso amarra a história temporalmente. tida do que uma história cognitivamente construída verbalizada.
Não deve ser surpresa o fato de que possa ser contida num Por estes motivos, troquei o nome de envelope protonarrativo para
momento presente; afinal, o formato narrativo é nosso modo fun­ história vivida.
damental de perceber e organizar (bem como de falar sobre) o com­ A seguir, uma exploração de cada um dos elementos necessários
portamento humano motivado. Este parece ser o caso nas menores a uma história vivida que segue o formato narrativo e a forma que
das unidades de experiência coerentes bem como nas maiores, e assumem dentro dos estreitos confins de um momento presente.
para experiências emocionais e cognitivas.
O momento presente como uma história vivida também pode
ser compartilhado. Quando isso acontece, a intersubjetividade co­ OS ELEMENTOS DO ENREDO
meça a ganhar corpo. No momento em que alguém pode participar
da história vivida de outra pessoa, ou pode criar uma história mu­ Quem?
tuamente vivida com eles, um tipo diferente de contato humano é
criado. Houve mais do que uma troca de informações. Este é o Durante o momento presente, de algum modo temos a consciência
segredo do aqui e agora. Voltaremos a esta questão mais tarde. perceptiva em segundo plano de que somos nós que estamos viven­
O momento presente carrega em sua breve existência uma his­ do a experiência. (Os “sentimentos de fundo” do corpo, de Damasio
tória vivida, uma espécie de “mundo num grão de areia”. Normal­ [1999] — sua posição, seu tônus, despertar etc. —, seriam essenciais
mente, o tamanho ou a duração de uma estrutura narrativa contada para qualquer senso de self existencial.) Esta consciência perceptiva
é maior e mais longa. Isso é especialmente verdade no domínio também está de acordo com idéias atuais do self como um produto
clínico, onde falamos de narrativas de vida ou mesmo de narrativas da mente incorporada (Clark, 1 9 9 7 ; Schore, 19 9 4 ; Sheets-
transgeracionais. Mesmo assim, estruturas narrativas maiores são Johnstone, 1999; Varela, Thompson e Roach, 1993). Tem-se sus­
feitas de estruturas menores que nelas se encontram embutidas. tentado que a diferenciação precoce de um s elf que realiza a
Normalmente, o tamanho dessas histórias de vida menores não é experiência talvez ocorra desde o nascimento (Stern, 1985). O sen­
explorado em detalhe. O que acarreta a pergunta: existem histórias so de um self experimentador sobrevive às muitas experiências que
vividas mínimas a partir das quais se constroem todas as estruturas obliteram parcialmente as fronteiras mentais entre as pessoas, tais
narrativas maiores? Vou responder que sim, e proponho que os como contágio emocional, empatia, identificação, identificação
momentos presentes sejam os blocos de construção básicos. projetiva, imitação, compartilhamento intersubjetivo, organismo
A idéia inicial de um momento presente que contém uma histó­ sexual, entre outras.
ria vivida foi apresentada de forma preliminar sob o nome de “en­ Independentemente, ou talvez ao lado, dessas explicações alta­
velope protonarrativo” (Stern, 1994). O antepositivo proto foi mente plausíveis, permanece a realidade fenomenal de que estamos
empregado porque supunha-se ser o envelope mais primitivo do cientes de nosso status como experimentadores. Isso é particular­
que a linguagem e anterior a ela. No entanto, aqui, não vejo absolu­ mente verdade durante um momento presente quando o pássaro
tamente este fenômeno como primitivo, mas sim um aspecto total­ da consciência de James está pousado e uma nova paisagem presen­
mente desenvolvido, normal e penetrante da vida de crianças e te se abre. Também é verdade, mas não tanto, quando o pássaro da
O MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE COMO UMA HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO

consciência de James está em vôo, porque há pouca experiência mento presente é temporalmente dinâmico. Flui em tempo ana­
formada à qual ele possa se segurar, apenas o processo. lógico. Não há seqüenciamento de entidades separadas e distintas;
O quem somos nós, como donos da experiência. Dependendo apenas um todo contornado no tempo — como numa frase musi­
da natureza da experiência, o selfé sentido como sujeito, agente ou cal. Esse desdobrar-se tem uma sensação de movimento para a frente,
paciente. Esta consciência perceptiva da experiência fica suspensa de direcionalidade orientada para alguma meta que se torna mais
em segundo ou primeiro plano durante todo o momento presente. específica no caminho. O momento presente está indo a algum lu­
gar. Ele pode chegar ao destino ou parar abruptamente e nunca
Quando? chegar. Pode ser de tão pouco interesse que não o guardamos para
a viagem. Independentemente do resultado, ele tem um ímpeto.
Argumentei que o momento presente é sentido como algo que ocorre Em outras palavras, o momento presente tem a sensação de
durante um agora prolongado, com um passado imediato, presente intencionalidade em movimento (mesmo que a intenção seja de nada
e futuro. Mas não abordei a realidade fenomenal de que “conhece­ fazer, nada dizer, nada pensar e se manter imóvel). Vou chamar este
mos” ou sentimos que a experiência que estamos vivendo está acon­ senso de movimento de “fluxo-de-sentimento-intencional”. Entre­
tecendo agora, não importando se ela se refere a um acontecimento tanto, mesmo no sentido filosófico de intenção ou temática há uma
passado ou futuro. Husserl e outros descreveram isso amplamente, direcionalidade, um “tentar pegar” ou “esticar-se” da mente em
e não pretendo me estender nesta questão, exceto para apontar que direção a algo. A mente foi posta em movimento mental, digamos.
o momento presente está claramente situado fenomenologicamente A literatura sobre desenvolvimento infantil, em particular, preo­
no tempo. Possui um quando, mesmo que este quando seja comple­ cupou-se em definir os critérios necessários para uma “verdadeira”
xo (por exemplo, “Ontem me lembrei de que na semana que vem (psicológica) intenção, para que eles possam razoavelmente per­
vou encontrá-la na estação”). O presente vivido é ao mesmo tempo guntar quando as intenções despertam em termos de desenvolvi­
o ponto de referência e o momento da experiência — em outras mento. Há um consenso de que as intenções verdadeiras devem ter
palavras, é quando a recordação da lembrança de ontem sobre o um propósito e ser direcionadas para a meta, o que significa ajusta­
futuro está ocorrendo. da até as extremidades, e ter alguma existência mental anterior à
ação. Todos estes critérios são satisfeitos por volta dos 18 meses de
Por quê? vida (ver Zelazo, 1999).
Vale a pena avançar um pouco mais na questão das intenções
A pergunta “Por quê?” indaga sobre intenções. Intenções são fun­ verdadeiras versus proto-intenções ou intenções parciais, não só
damentais, tanto para narrativas quanto para o momento presente porque os bebês parecem ter muitos comportamentos semelhantes
como uma história vivida. Intenções fornecem o impulso. Vamos a intenções bem antes dos 18 meses, mas também porque intenções
examinar isso mais de perto. não-pensadas, não-verbalizadas e implícitas, bem como àquelas que
Um fluxo-sentimento de intencionalidade corre pelo momento não são verdadeiras (nas quais nem todos os critérios estão presen­
presente. Uma vez que um novo presente se encontra diante de nós, tes), também existem em adultos. E provável que exista muito mais
sua intencionalidade começa a se desdobrar durante seus segundos destas intenções do que das verdadeiras, dada a natureza ad hoc e
no palco. O que quer que seja experimentado durante o novo mo­ ad libitum da maior parte da vida.
O MOMENTO PRESENTE 0 MOMENTO PRESENTE COMO UMA HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO

Sejam quais forem os critérios usados para definir uma inten­ à estimulação que invade o sistema nervoso pelo lado de dentro
ção verdadeira, a psicologia vê os elementos desses critérios como ou de fora. A maior parte das estimulações é contornada em tem­
entidades distintas e separadas que formam as partes de uma se­ po real. Tem uma forma ou contorno temporal que consiste em
qüência. Por outro lado, da perspectiva fenomenológica, o fluxo- mudanças analógicas (de fração de segundo em fração de segun­
de-sentim ento-intencional é form a-de-tem po analógica da do) na intensidade, no ritmo ou na forma do estímulo. (Recorde o
experiência. Ele corre como uma frase completa por baixo do con­ exemplo dos fogos de artifício comentado anteriormente.) Isso
teúdo específico da intenção. E isso, em parte, que faz com que a foi mencionado antes como uma forma-de-tempo. Vou reservar o
intenção dê a sensação de estar se inclinando para a frente. Ele termo contorno temporal para a forma-de-tempo objetificável de
acrescenta aquilo que chamamos de linha de tensão dramática à um estímulo.
medida que a ação se aproxima do ponto final. E parte da dinâmi­ Por exemplo, um sorriso visto no rosto de outra pessoa tem
ca temporal da experiência. um contorno temporal distinto que demora para se formar. Ele
Em resumo, podemos considerar o lugar das intenções — o por aumenta (pode-se dizer que em crescendos) em cerca de um se­
quê — um dos principais elementos do momento presente. gundo, talvez; atinge seu ápice de completude, que é mantido por
um momento com pequenas modulações; e depois desaparece em,
O quê, como e onde? digamos, um segundo. Este desaparecimento pode ser rápido, como
uma parada, ou lento, como um esmaecimento, ou algo entre os
Estes elementos da estrutura narrativa começam a se encaixar em dois. A performance completa flui junto, como um só pacote de
virtude das especificidades do contexto exato do nível local em que estímulos ininterrupto de diversos segundos. Há um desdobrar
o momento presente ocorre e das possibilidades que ele apresenta. analógico, não uma seqüência de estados ou eventos distintos. E
Resumindo, os elementos essenciais do enredo podem ser dis­ uma frase comportamental capturada num momento presente
cernidos num momento presente. único.
Existe, é claro, um milhão de sorrisos. E a diferença entre eles
reside, em parte, em seus contornos temporais. Tais diferenças não
A UNHA DE TENSÃO DRAMÁTICA: são triviais porque muito do valor de sinal reside na orquestração
AFETOS DE VITALIDADE do contorno temporal da performance, e não no simples fato de
que é um sorriso com um sentido convencional. Imagine que al­
Os contornos temporais e os afetos de vitalidade estão no coração guém que você conhece o cumprimenta na rua com um sorriso. O
da dinâmica microtemporal e do senso de tensão dramática, crucial tempo crescendo do sorriso (ele é explosivo ou chega devagar?)
para as histórias vividas. pode indicar um prazer instantâneo ou uma surpresa culpada ao
Os afetos de vitalidade foram inicialmente introduzidos para ver você. A duração da sustentação do ápice pode refletir o nível de
explicar a harmonização afetiva da mãe com seu bebê como uma prazer. A velocidade de desaparecimento pode indicar a autentici­
forma precoce de intersubjetividade (Stern et al., 1984; Stern, dade da expressão e assim por diante. A forma convencional de um
1985). A idéia, contudo, tem uma aplicação muito mais ampla. sorriso é somente um esqueleto no qual a parte verdadeiramente
Há duas noções complementares envolvidas. A primeira concerne importante da comunicação é preenchida no formato de seu con­

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0 MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE COMO UMA HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO

torno temporal: até que ponto eles estão realmente contentes de culminar, estouro, prolongado, alcançar, hesitar, inclinar-se para
ver você? Estão surpresos por vê-lo simplesmente ou por vê-lo na­ a frente, inclinar-se para trás etc. Desde o momento em que nas­
quele lugar ou naquela hora? Querem algo de você que você não cemos, somos expostos contínua e diariamente a essas experiên­
esperava? Seu relacionamento com eles foi alterado de alguma for­ cias na forma de respirar, sugar, mover-se, defecar, engolir, sentir
ma desde que vocês se encontraram da última vez? O mesmo se cólicas etc. Cada um tem seu próprio contorno temporal e afeto
aplica a gestos e à maioria dos comportamentos humanos. de vitalidade.
As palavras são apenas exceções parciais. A referência simbóli­ Os afetos de vitalidade são intrínsecos a todas as experiênci­
ca é capturada tão depressa que é impossível falar do contorno as em todas as modalidades, domínios e tipos de situação. Ocor­
temporal da transmissão do símbolo. Mas a palavra quando fala­ rem tanto na presença como na ausência dos afetos dos princípios
da, como um som, é muito rica em contornos temporais, por cau­ darwinianos. Por exemplo, um ímpeto de raiva ou alegria, uma
sa da presença da paralingüística. Isso fica evidente na vida repentina inundação de luz, uma acelerada seqüência de pensa­
cotidiana e na psicoterapia (Crystal, 1975; Knoblauch, 2000). Sem
mentos, uma onda de sentimento evocada por uma música, um
contornos, as palavras soariam como se fossem pronunciadas por
espasmo de dor e uma dose de narcótico podem todos ser senti­
um robô. Como se comenta, não é o que você diz, mas sim como
dos como “ímpetos”. Eles compartilham uma distribuição seme­
você diz.
lhante de excitação/ativação ao longo do tempo, um padrão de
Tudo que fazemos, sentimos e ouvimos das pessoas tem um con­
fluxo-de-sentimento semelhante — em outras palavras, um afe­
torno temporal. Também atribuímos contornos a muitos eventos
to de vitalidade semelhante. E, por causa de nossa capacidade de
na natureza. Estamos imersos numa “música” do mundo no nível
tradução multimodal, um afeto de vitalidade evocado por uma
local — uma complexa cerca polifônica e polirrítmica onde dife­
modalidade pode ser associado a um afeto de vitalidade de qual­
rentes contornos temporais movem-se para a frente e para trás en­
quer outra modalidade ou de qualquer outro tempo ou situação.
tre o primeiro e o segundo planos psicológicos.
Estes contornos temporais de estimulações agem sobre e dentro Assim como os símbolos, os afetos de vitalidade prestam-se à
do nosso sistema nervoso e são traduzidos como contornos de sen­ formação de redes associativas. Eles refletem a maneira pela qual
timentos em nós. São estes sentimentos contornados que estou cha­ um ato é realizado e o sentimento por trás do ato que lhe dá
mando de afetos de vitalidade. Eles são o complemento dos forma final.
contornos temporais. Em outras palavras, contorno temporal são Exatamente como o sistema nervoso executa a transformação
as mudanças objetivas (ainda que pequenas) ao longo do tempo dos contornos temporais da estimulação para os afetos de vitalida­
(ainda que curto) na intensidade ou na qualidade da estimulação de dos nossos sentimentos subjetivos ainda não foi totalmente com­
(interna ou externa). Afeto de vitalidade consiste nas mudanças ex­ preendido. Tomkins (1962) sugeriu que o contorno temporal da
perimentadas subjetivamente nos estados de sentimento internos estimulação evoca um contorno temporal correspondente da den­
que acompanham o contorno temporal do estímulo. sidade do disparo neural no sistema nervoso. Além disso, ligou
A qualidade de sentimento dos afetos de vitalidade é mais padrões específicos de disparo neural a emoções darwinianas espe­
bem captada por termos cinéticos tais como surto, esmaecer, de­ cíficas distintas, sugerindo que, seja qual for a modalidade da
saparecer, explosivo, provisório, esforçado, acelerar, desacelerar, estimulação, um aumento rápido na intensidade do estímulo (por

86 R7
O MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE COMO UMA HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO

exemplo, uma motocicleta que não se vê acelerando a pequena dis­ vitalidade. No entanto, ele está menos preocupado com os aspectos
tância) provoca medo, um aumento mais lento provoca interesse e diacrônicos e analógicos, concentrando-se sobretudo, mas não ex­
assim por diante. Há uma espécie de isomorfismo temporal entre o clusivamente, nos sentimentos que emanam do corpo.
contorno do estímulo e o contorno da atividade neural. Clynes Os afetos de vitalidade também estão na base da apreciação da
(1978) propôs um modelo semelhante, mas associa a forma tempo­ maioria das formas de arte abstrata que são formalmente desprovi­
ral de estimulação a uma paleta de sentimentos diferente. das de “conteúdo”, como a maior parte da música e grande parte
A transposição dos contornos temporais observados no com­ da dança (ver Jowitt, 1988; Langer, 1967; Stern, 1985). Qualquer
portamento do outro para os afetos de vitalidade evocados no ob­ pessoa envolvida com arte tem isso como certo. Ainda assim, pode
servador está se tornando mais explicável à luz da pesquisa sobre ser instrutivo examinar o nível local momentâneo no âmbito das
neurônios-espelho, osciladores adaptativos e mecanismos internos artes performáticas.
de cronometragem (por exemplo, a teoria do tau). Dado que na música a frase é a unidade de processo no nível
A noção básica por trás dos afetos de vitalidade vem circulan­ local, é fascinante escutar um maestro dar forma à performance de
do há tempos. O filósofo Langer (1967) falou em termos de “for­ sua orquestra. Muitos programas de rádio transmitem ensaios ou
mas de sentimento” na experiência da música. Em movimento, aulas magnas. O maestro diz coisas como: “Não, ataquem estas
música e dança, a noção de “forma de esforço” descrita por Lamb primeiras notas com mais intensidade, ta ta taaa... Isso, bom. Ago­
(1979) e os métodos de Dalcroze (Bachmann, 1994; Boepple, ra, mais pianíssimo logo depois, e na frase seguinte também... Agora,
1910) estão essencialmente baseados na intuição de afetos de vi­ aqui, prossigam mais devagar, de-va-gar... Não, não parem de todo,
talidade. Kestenberg (1965a, 1965b, 1967) desenvolveu um siste­ as notas vão esmaecendo, assim...”
ma de análise de movimento para crianças com vários distúrbios, Coreógrafos fazem o mesmo tipo de modelagem e refinamento.
usando o trabalho dos autores supracitados, particularmente o de E novamente isso se dá no nível do gesto e da frase. “Quando vocês
Laban (1967). viram a cabeça ali, não basta virarem depressa. Ela tem que girar
Os afetos de vitalidade também são uma característica pene­ bruscamente para o outro lado, como se tivessem levado um tapa...
trante da dança moderna, sob várias roupagens e estilos (Jowitt, Aqui, esperem só um momento, atrasando o tempo, antes que avan­
1988). Tustin (1990) descreveu as “formas de sentimentos” experi­ cem juntos, e depois explodam, bam... Parem como se estivessem
mentadas por crianças autistas durante seus comportamentos mo­ surpresos... Não, aquela posição está sólida demais; façam como se
tores estereotípicos. Minha noção de afetos de vitalidade é menos estivessem debruçados num penhasco e pudessem cair...”
específica do que a de Tomkins ou Clynes, mais geral em termos Este polimento de notas escritas ou passos de dança envolvem o
situacionais do que a de Langer ou Tustin e focaliza mais os senti­ ajuste dos afetos de vitalidades incorporados nas frases. É isso que
mentos do que os movimentos. Presumo que os afetos de vitalidade produz uma interpretação e o que distingue uma performance ar­
resultem de toda e qualquer experiência, e o tipo de sentimento tística de uma técnica. A diferença é a de ritmos elásticos versus
evocado não é inato nem estritamente vinculado à natureza do con­ ritmos formais. A magia dos ritmos elásticos está na modelagem
torno temporal da estimulação. Os “sentimentos de fundo” identi­ precisa dos afetos de vitalidade de modo a expressar os sentimen­
ficados por Damasio (1999) parecem sobrepor-se aos afetos de tos exatos que se encontram por trás dos atos transmitidos ao pú­

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0 MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE COMO UMA HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO

blico. E a magia numa sessão de terapia ou nas relações íntimas, por mitindo ao olho viajar por seus detalhes sem obstáculos” (Melikian,
trás ou por baixo dos significados explícitos, também está ali. E 2002, p. 9).
onde reside a autenticidade.* O pintor David Hockney explorou conscientemente esta reali­
Todos estes aspectos são altamente relevantes, porque uma de dade, criando colagens de fotografias do “mesmo” tema de vários
nossas perguntas mais importantes é: “Como transmitimos aos ou­ ângulos e distâncias levemente diferentes. Sua idéia é que a atividade
tros o que sentimos e como é sermos nós?” de ver, especialmente bem de perto (por exemplo, olhar o rosto da
Muitas artes visuais como a pintura e a fotografia parecem não pessoa que está na cama com você), envolve muitas visões diferen­
ter contorno temporal, porque congelam uma imagem no tempo tes do mesmo objeto por um curto período de tempo, de modo que
que se torna eterna. Embora isso seja verdade para a obra, não se a realidade é mais como uma pintura cubista (Hockney, 1986). E
pode dizer o mesmo para os atos de ver, físicos e mentais. Fisica­ quanto mais se olha, mais os padrões de varredura mudam.
mente, existem movimentos de varredura oculares, ajustes de cabe­ Além do ato físico de ver, que tem um contorno temporal, exis­
ça e às vezes mudanças de posição necessárias para “ver” a obra tem dois atos mentais diferentes que ocorrem quando se está diante
(Clark, 1977; Sheets-Johnstone, 1984; Varela, Thompson e Rosch, de uma imagem estática. Ambos têm uma dimensão temporal. O pri­
1993). Estes levam tempo para serem executados, e normalmente o meiro é a interação entre percepção imediata e memória imediata. A
artista constrói a obra para que o olho siga certos caminhos de var­ visualização de uma seção de uma pintura durante um instante ocor­
redura com formas-de-tempo próprias, baseadas em complemen­ re com a memória imediata de outra seção que acabou de ser vista, e
assim por diante. O caminho de varredura tem um desdobramento
tos ou contrastes de cores, linhas de força, movimentos entre
memorial-perceptual. Não é tão diferente da situação na música.
primeiro e segundo planos etc. Estes caminhos de varredura são
O segundo ato mental envolve imaginar uma linha narrativa
frases visuais-motoras-afetivas-cognitivas que produzem afetos de
temporal. Isso fica mais evidente na fotografia, que captura uma
vitalidade temporalmente preenchidos. O pintor impressionista
ação ou “história” no meio ou, como Cartier-Bresson (1952) deno­
Bonnard supostamente teria dito: “Um quadro é uma sucessão de
minou, o “momento decisivo”. O que é fascinante sobre o momen­
gotas que se ligam e que acabam por dar sua forma ao objeto, per­
to decisivo é que o espectador fornece, na imaginação, a ação que
leva ao momento decisivo e à ação decisória. Um contorno tempo­
ral imaginário é adicionado enquanto alguém observa uma imagem
*A distinção entre performances técnicas e interpretações artísticas sempre foi considera­
da importante, até mesmo essencial. Ela tem uma interessante história técnica na evolução estática. Torna-se uma pequena narrativa emocional — novamente,
da música “gravada”. No fim do século X IX , os pianos acionados por tiras de papel dobra­ “um mundo num grão de areia”.
das com endentações estavam bem avançados. Produziam um ritmo mecânico característi­
co. Para capturar o som temporalmente dinâmico de uma interpretação, um welte-mignon A forma como uma imagem estática é enquadrada e centralizada
foi projetado em 1904. Consistia num piano dotado de uma máquina que girava um papel também pode evocar uma experiência temporal. Por exemplo, um
e, sempre que uma nota era tocada, ela desenhava uma linha no papel. Artistas famosos
eram convidados a tocar suas interpretações de clássicos da música nessa máquina e, assim,
pergaminho japonês de um peixe num rio, criado por Maruyama
seu estilo temporal ficava fielmente registrado. Posteriormente, as linhas que as notas Okyo (1733-1795),* levou a três diferentes sensos de movimen-
produziam enquanto o artista estava tocando eram recortadas, deixando um papel endentado
que podia ser tocado novamente num piano especialmente adaptado e produzir uma répli­
ca da interpretação real, com todos os afetos de vitalidade característicos do artista (Benhôte, * “Truta de água doce no outono e no verão”, em Exposição de arte japonesa da coleção de
1972). O fonógrafo logo tornou obsoleto o welte-mignon. Mas os esforços aplicados di­ Mary Griggs Burke, Metropolitan Museum of Art, Nova York, de 2 2 de março a I o de
zem muito. junho de 2000.

91
O MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE COMO UMA HISTÓRIA VIVIDA: SUA ORGANIZAÇÃO

to: o fluxo rápido da água, o movimento circular do peixe a favor CONTRARIANDO EXPECTATIVAS OU "PERTURBAÇÃO"
e contra a correnteza e, o mais extraordinário, o desejo do
observador de mover a cabeça e os olhos. A figura está enquadra­ Não se pode falar de contrariar o esperado ou perturbação na nar­
da de tal modo que se vê apenas uma parte muito pequena do rio, rativa a menos que os elementos da estrutura narrativa estejam cla­
como se você estivesse na margem, curvado sobre o rio e inclinan­ ros, seu equilíbrio intuitivamente medido e sua não-canonicidade
do a cabeça. Você sente que no segundo seguinte você terá de se detectada. No entanto, fenomenologicamente, enquanto se está no
endireitar e erguer a cabeça para olhar rio acima ou rio abaixo meio do desdobramento de um momento presente, seu resultado
para situar a cena. Mas, é claro, você é mantido ali pelo enqua­ exato é imprevisível e se acha aberto a toda sorte de eventualidades
dramento. Uma dinâmica muscular é desencadeada com seu pró­ e contrariedades. Nesse sentido existe uma incerteza inerente em
prio afeto de vitalidade. relação ao que pode acontecer. Isso é um tipo de perturbação não
Os contornos temporais e afetos de vitalidade fazem parte de específica e potencial. Há também contrariedades específicas de
todas as nossas experiências, banais e estéticas. Elas formam não só afetos inesperados ou indesejáveis que afloram à medida que o
o estilo ou jeito de fazer as coisas, mas também fornecem o senti­ momento se desenrola.
mento por trás de nossa experiência. Elas devolvem o tempo dinâ­ Em resumo, o momento presente é subjetivamente experimen­
mico à experiência. O estilo em que as performances são realizadas, tado como uma história vivida. E pode ser objetivamente descrito
todos os dias ou não, requer muito mais atenção do campo da psi­ como uma experiência que tem um formato narrativo, estrutural e
cologia. Envolve dinâmica temporal (ver Sheets-Johnstone, 1999). temporalmente. Conforme veremos mais tarde, isso o faz mais uti­
Os afetos de vitalidade fazem parte do que tem faltado às nossas lizável como fenômeno clínico.
psicologias. Temos sido surpreendentemente cegos em relação à Agora, deve-se proporcionar um contexto ao momento presente
dinâmica temporal, especialmente à dinâmica microtemporal, apesar para que sua relevância em situações clínicas se torne mais evidente.
de a vivermos a todo momento e de não podermos começar a ex­
plicar a peculiaridade de uma performance interpretativa sem ela.
Agora podemos retornar à sensação de mover-se ou inclinar-se
para a frente que atravessa o momento presente. Recorde o movi­
mento para a frente de uma frase musical em direção a uma resolu­
ção. Os afetos de vitalidade, como frases musicais, carregam a
sensação de inclinar-se para a frente através do momento presente.
Em suma, os afetos de vitalidade que atuam com o fluxo-de-
sentimento-intencional fornecem uma linha de tensão dramática
que dá uma coerência-de-sentimento ao desenrolar do momento
presente. Os afetos de vitalidade atuam como uma espinha dorsal
temporal da qual pende o enredo. Também auxiliam o processo de
aglomeração ao conter a frase dentro de um envelope. Dão ao mo­
mento presente a sensação dramática de uma história vivida.

92 93
Parte II
CONTEXTUALIZANDO
O MOMENTO PRESENTE
Capítulo 5

A MATRIZ INTERSUBJETIVA

Os MOMENTOS PRESENTES que mais nos interessam são aqueles que


afloram quando duas pessoas fazem um tipo especial de contato
mental — especificamente, um contato intersubjetivo. Isso envolve
a interpenetraçâo mútua de mentes que nos permite dizer: “Eu sei
que você sabe que eu sei” ou “Eu sinto que você sente que eu sin­
to”. Há uma leitura do conteúdo da mente do outro. Tais leituras
podem ser mútuas. Duas pessoas vêem e sentem mais ou menos a
mesma paisagem mental ao menos por um momento. Estes encon­
tros são responsáveis por grande parte da razão de ser da psico­
terapia. Também propiciam os acontecimentos que mudam nossa
vida e se tornam as lembranças que compõem a história de nossos
relacionamentos íntimos. Conseqüentemente, os momentos de con­
tato intersubjetivo entre as pessoas se tornam um contexto extre­
mamente relevante para o nosso exame.
Momentos de criação intersubjetivos são momentos presentes
especiais. Volto à questão levantada no início do livro. Como o ago­
ra, ou o momento presente, é experimentado quando é co-criado e
mpartilhado com alguém num momento de contato intersubjetivo?
Somos capazes de “ler” as intenções de outra pessoa e de sentir
em nosso corpo o que o outro está sentindo. Não de forma mística,
O MOMENTO PRESENTE A MATRIZ INTERSUBJETIVA

mas ao observar seu rosto, seus movimentos e postura, ao escutar o ticamente o comportamento dos outros em termos dos estados
tom da voz e notar o contexto imediato do seu comportamento. internos que conseguimos apreender, sentir, tomar parte e, por­
Somos muito bons nessa “leitura de mente”, embora nossas intui- tanto, compartilhar.
ções precisem ser verificadas e refinadas (Whiten, 1991). Isso deve ser observado à luz do fato de sermos animais extre­
A natureza projetou nosso cérebro e nossa mente para que pos­ mamente sociais que em geral passam a maior parte da vida na
samos intuir diretamente as possíveis intenções do outro ao obser­ presença de outros, reais ou imaginários. Às vezes nossos compa­
var suas ações direcionadas a um objetivo (mesmo sem saber qual é nheiros imaginários são presenças vividas; outras, são vagas figuras
ele). Quando alguém leva a mão à lateral da cabeça, imediatamente em segundo plano, platéias ou testemunhas que flutuam entrando e
supomos que a pessoa vai coçar a cabeça, ajeitar os óculos, mexer saindo de nossa percepção. Mas eles estão lá, mesmo assim.
na orelha ou ajeitar o cabelo. Quando a mão chega mais perto e Quando juntamos tudo isso, um mundo intersubjetivo emerge.
começa a se posicionar para o objetivo escolhido, nós o adivinha­ Já não vemos nossa mente como tão independente, separada e iso­
mos. De forma semelhante, vendo-lhe a expressão facial, postura e lada. Não somos mais os únicos donos, mestres e guardiães de nos­
movimentos, podemos sentir diretamente algo muito similar ao que sa subjetividade. As fronteiras entre o self e o outro permanecem
o outro está sentindo. E, enquanto falamos com ele e ele escuta em claras, porém mais permeáveis. Na verdade, um self diferenciado é
silêncio, podemos sentir suas reações ao que estamos dizendo, ob­ uma condição da intersubjetividade. Sem ele haveria somente uma
servando os pequenos movimentos dos traços do rosto, a direção fusão (Rochat e Morgan, 1995; Stern, 1985). Vivemos cercados
da cabeça e do olhar, e o tom dos sons de fundo de sua voz. Expres­ por intenções, sentimentos e pensamentos dos outros que interagem
sões afetivas dizem o que estamos pensando bem como o que estamos com os nossos, de modo que a distinção entre o que é nosso e o que
sentindo. E, quando a pessoa se move, podemos sentir como deve pertence aos outros começa a ceder. Nossas intenções são modifi­
ser mover-se daquele jeito. Sentimos em nosso corpo e sentimos em cadas ou nascem no diálogo com as intenções sentidas dos outros.
nossa mente, junto. Também podemos apreender o que um grupo Nossos sentimentos são moldados pelas intenções, pensamentos e
está experimentando. sentimentos dos outros. E nossos pensamentos são co-criados em
Nosso sistema nervoso é construído para ser captado pelo siste­ diálogo, ainda que num diálogo com nós mesmos.
ma nervoso dos outros, para que possamos experimentar os outros Em resumo, nossa vida mental é co-criada. Este diálogo co-cria-
com o se estivéssemos em sua pele, bem como na nossa própria. tivo contínuo com outras mentes é o que chamo de matriz inter-
Uma espécie de rota de sentimento direta para dentro da outra pes­ subjetiva.
soa está potencialmente aberta e nós ressoamos a experiência do A idéia de uma psicologia de uma só pessoa ou de fenômenos
outro e dela participamos, e ele da nossa. (Fornecerei em breve as puramente intrapsíquicos não mais se sustenta sob essa luz. Num
evidências que sustentam esta visão.) passado recente, o pensamento corrente em psicanálise atravessou
As outras pessoas não são apenas outros objetos, mas são uma grande distância de uma psicologia de uma pessoa para a de
imediatamente reconhecidas como tipos especiais de objetos, ob­ duas pessoas (Renik, 1993). Estou sugerindo aqui que nos deslo­
jetos como nós, disponíveis para compartilhar estados internos. quemos ainda mais. Costumávamos pensar a intersubjetividade como
Na verdade, nossa mente funciona naturalmente para buscar nos uma espécie de epifenômeno que aparece ocasionalmente quando
outros as experiências que podemos ressoar. Analisamos automa­ duas mentes separadas e independentes interagem. Agora vemos a

98 nn
O MOMENTO PRESENTE A MATRIZ INTERSUBJETIVA

matriz intersubjetiva (que é um subconjunto especial da cultura e cer contato intersubjetivo (Gallese e Goldman, 1998; Rizzolatti e
da psicoterapia) como o cadinho prevalente no qual mentes em Arbib, 1998; Rizzolatti, Fadiga, Fogassi e Gallese, 1996; Rizzolatti,
interação assumem sua forma atual. Fogassi e Gallese, 2001).
Duas mentes criam intersubjetividade. Mas, igualmente, a Os neurônios-espelho são adjacentes aos neurônios motores.
intersubjetividade dá forma às duas mentes. O centro de gravidade Eles disparam num observador que não está fazendo nada além de
mudou do intrapsíquico para o intersubjetivo. assistir ao comportamento de outra pessoa (por exemplo, estender
De modo semelhante, a intersubjetividade na situação clínica a mão para pegar um copo). E esse padrão de disparo imita o exato
não pode mais ser considerada apenas como uma ferramenta útil padrão que o observador usaria se ele próprio estivesse estendendo
ou uma das muitas maneiras de ser com o outro que vem e vai a mão para pegar o copo. Em resumo, a informação visual que re­
conforme necessário. Ao contrário, o processo terapêutico será vis­ cebemos quando observamos as ações de outra pessoa é mapeada
to como algo que ocorre numa matriz intersubjetiva contínua. To­ na representação motora equivalente em nosso cérebro pela ativi­
dos os atos físicos e mentais serão vistos como dotados de um dade dos neurônios-espelho. Isso nos permite participar diretamente
determinante intersubjetivo importante porque estão embutidos das ações de outra pessoa sem ter de imitá-las. Experimentamos o
nesse tecido intersubjetivo. Evidentemente, algum material se ori­ outro como se estivéssemos executando a mesma ação, sentindo as
gina do repertório (passado e presente) de um indivíduo, mas, mes­ mesmas emoções, fazendo a mesma vocalização ou sendo tocados
mo assim, seu momento de surgimento na cena, a exata forma final como ele. Estes mecanismos com o se foram descritos por Damasio
que ele assume e a coloração de seu significado ganham forma na (1999) e Gallese (2001). A “participação” na vida mental do outro
matriz intersubjetiva. cria um senso de sentir/compartilhar com/compreender a pessoa,
em particular, suas intenções e sentimentos. (Estou propositalmen-
te usando o termo sentimentos em vez de afetos a fim de incluir
EV ID ÊN CIA S DA MATRIZ IN TERSUBJETIVA impressões, sensações sensoriais e sensações motoras, junto dos afe­
tos darwinianos clássicos.)
Quais são, então, as evidências da matriz intersubjetiva? A discus­ Claramente, o sistema de neurônios-espelho pode nos levar longe
são que se segue tenta responder a esta pergunta. Não pretende ser na compreensão (no nível neural) de contágio, ressonância, empatia,
exaustiva, mas simplesmente dar apoio à idéia. simpatia, identificação e intersubjetividade. Neste ponto, a evidên­
cia para este sistema de ressonância é sólida para ações das mãos,
Evidências neurocientíficas da boca, do rosto, da voz e dos pés. Alguns enfatizaram um possível
papel para os neurônios-espelho na aquisição da linguagem. Acre­
A descoberta dos neurôtiios-espelho foi crucial. Eles fornecem possí­ dito que este seja um caminho menos interessante do que sua im­
veis mecanismos neurobiológicos para a compreensão dos seguintes portância para a subjetividade em geral.
fenômenos: ler estados de espírito de outras pessoas, especialmente Este sistema tem outra característica: é particularmente sensível
intenções; ressoar a emoção do outro; experimentar o que o outro a ações direcionadas a um objetivo (isto é, movimentos com uma
está experimentando; e captar uma ação observada para que se possa intenção que possa ser prontamente inferida). Além disso, a per­
imitá-la — em resumo, criar uma empatia com o outro e estabele­ cepção de uma intenção atribuível parece ter uma localização pró­
A MATRIZ INTERSUBJETIVA
O MOMENTO PRESENTE

dido de quem está enxugando os pratos é perfeitamente coordena­


pria no cérebro — uma espécie de centro de detecção de intenções
do no tempo com a mão estendida de quem está entregando o pra­
(Blakemore e Decety, 2001). Por exemplo, o centro cerebral detector
to. Lee (1998) concebeu modelos elegantes (teoria do tau) para
de intenções é ativado se a ação, em seu contexto, parece ter uma
descrever como este tipo de coordenação e sincronia diádica pode
intenção. Se exatamente o mesmo movimento é visto num contex­
ocorrer.
to diferente em que nenhuma intenção pode ser atribuída, o centro
A necessidade de tal mecanismo fica evidente quando se pensa
cerebral não será ativado.
na extraordinária coordenação temporal de que seres humanos e
A idéia, há muito existente, de uma tendência mental humana
animais são capazes. Pense em como é fácil para nós chutar uma
para perceber e interpretar o mundo humano em termos de inten­
bola de futebol em movimento enquanto corremos ou agarrar
ções é reforçada por estas descobertas. E a leitura das intenções do
uma bola no ar. Nas interações interpessoais os problemas de coor­
outro é fundamental para a intersubjetividade.
Outra descoberta pode servir como um correlato neural para denação temporal podem ser ainda mais complexos, porque altera­
mos trajetórias mais rápida e imprevisivelmente do que bolas em
a intersubjetividade. Para ressoar com alguém, você pode ter de
estar inconscientemente em sincronia com essa pessoa. Vocês po­ movimento. Ainda assim, quando duas pessoas movem a cabeça ao
mesmo tempo para trocar um beijo, mesmo que seja o primeiro,
dem se movimentar em sincronia, como fazem os apaixonados
repentino e apaixonado, raramente terminam quebrando o dente
quando se sentam a uma mesa frente a frente e esboçam uma dan­
da frente. Em geral, ocorre uma suave aterrissagem.
ça quando simultaneamente aproximam e afastam o rosto um do
outro ou unem as mãos ao mesmo tempo. Ou vocês podem coor­ Outro trabalho recente sobre sincronização de fases e in­
tegração em larga escala no cérebro promete esclarecer estes fe­
denar a velocidade e a taxa de mudança dos seus movimentos a
nômenos em níveis fundamentais (Varela, Lachaux, Rodriguez e
fim de juntos criarem algum tipo de pas de deux prático cotidiano
Martinerie, 2001).
— por exemplo, você lava os pratos e o outro enxuga. Você passa
o prato limpo molhado para o “enxugador” num único e suave O ponto essencial é que, quando se movem sincronicamente ou
movimento conjunto, sem pausas. E vocês se olham apenas com em coordenação temporal, as pessoas estão participando de um as­
pecto da experiência do outro. Estão vivendo parcialmente a partir
um olhar periférico.
do centro do outro.
Alguns mecanismos precisam estar disponíveis para esta coor­
denação diádica. A descoberta dos osciladores adaptativos pode Até agora, estas evidências se aplicam à intersubjetividade de
fornecer uma pista. Estes osciladores atuam como relógios dentro mão única (“Sei o que você está sentindo”). Mas e a intersub­
do nosso corpo. Podem ser reiniciados diversas vezes e seu ritmo de jetividade de mão dupla, ou completa? Uma aparente redundância?
disparo pode ser ajustado para coincidir com o ritmo de uma (“Eu sei que você sabe que eu sei o que você está sentindo, e vice-
estimulação recebida. Estes relógios internos usam as propriedades versa.”) Isso requer outra etapa. Seriam suficientes os mecanismos
de tempo real de sinais de entrada (por exemplo, de alguém que lhe anteriormente descritos? Pelo menos duas “leituras” do outro são
estende um prato) para “acertar” seus osciladores adaptativos de necessárias para a intersubjetividade de mão dupla. Entretanto, algo
forma que eles imediatamente sincronizem seu próprio ritmo de mais do que um mecanismo de ressonância, ainda que reiterado,
disparo neural com a periodicidade do sinal de entrada (Port e pode ser necessário. Vamos abordar este ponto mais adiante, como
van Gelden, 1995; Torras, 1985). O resultado é que o braço esten­ uma questão do desenvolvimento.
0 MOMENTO PRESENTE A MATRIZ INTERSUBJETIVA

Há um problema. Se esses mecanismos funcionam bem a ponto Evidências do desenvolvimento


de vivermos completamente numa matriz intersubjetiva, por que
não somos constantemente capturados pelo sistema nervoso dos Iniciando logo depois do nascimento, formas precoces de intersub­
jetividade podem ser observadas em bebês. Isso argumenta em fa­
outros e permeados pela experiência deles? Agora que sabemos que
vor da natureza fundamental da matriz intersubjetiva na qual nos
existem mecanismos claros para permitir a intersubjetividade, a
desenvolvemos. Diversos pesquisadores descreveram comportamen­
questão não é mais como fazer isso, mas como parar. Evidentemen­
tos intersubjetivos em crianças pré-verbais e pré-simbólicas. Essa
te o sistema precisa de freios. Na verdade, existem três conjuntos
manifestação muito precoce de intersubjetividade está vinculada à
de freios. O primeiro é a seleção. É preciso haver um controle da
questão do inatismo. Beebe, Knoblauch, Rustin e Sorter (2002)
atenção para que o outro seja suficientemente recebido e retido
analisaram e compararam de forma brilhante três abordagens para­
pela mente ou seja excluído do processo. Outro conjunto é necessá­
lelas da intersubjetividade precoce.
rio para garantir que a ativação dos neurônios-espelho não se espa­
Trevarthen (1974, 1979, 1980, 1988, 1993, 1999/2000; Tre­
lhe, acionando os neurônios motores correspondentes e resultando
varthen e Hubley, 1978) encontrou a intersubjetividade primária
em imitação automática ou reflexiva, como visto em pacientes de­ em crianças muito pequenas observando a estreita coordenação
mentes que sofrem de ecopraxia, ou “comportamento imitativo” mútua do comportamento de mãe e bebê em situação de brinquedo
(citado em Gallese, 2001). Um terceiro conjunto é necessário para livre: a sincronia dos movimentos, a formação das expressões faciais
inibir, ou melhor dizendo, dosar o grau de ressonância com o ou­ e a antecipação das intenções do outro. Por exemplo, num experi­
tro. Esta é uma área com grande potencial, tanto em termos mento, a mãe e o bebê interagem por intermédio de um aparelho
neurocientíficos quanto clínicos. Lembre-se de que muitos distúr­ de TV — eles estão em cômodos separados mas se vêem e se ouvem
bios psiquiátricos são caracterizados em parte por falta de empatia um ao outro num monitor, como se estivessem sentados frente a
e incapacidade de adotar o ponto de vista do outro. Não estou pen­ frente. Entretanto, se o atraso de uma fração de segundo no som ou
sando no caso extremo do autismo, mas em personalidades nar- na visão da mãe é introduzido experimentalmente, a criança rapi­
cisísticas, lim ítrofes e anti-sociais, onde essa falta pode ser damente nota e a interação se quebra. A correspondência já é espe­
surpreendente e causa aos pacientes problemas que os conduzem à rada no contato inter-humano. Correspondência é a palavra-chave
psicoterapia. que leva Trevarthen a falar de “intersubjetividade primária”.
Mesmo dentro de uma faixa normal, as pessoas diferem enor­ A imitação precoce foi outra rota principal para se proporem
memente na manifestação de certas formas de intersubjetividade. formas precoces de intersubjetividade (Kugiumutzakis, 1998,1999,
Estariam comprometidos seus mecanismos básicos de ressonância? 2002; Maratos, 1973; Meltzoff, 1981,1995; Meltzoff e Gopnik, 1993;
Ou seus sistemas de freio e inibição da imersão intersubjetiva estão Meltzoff e Moore, 1977, 1999). Meltzoff e colegas começaram
sobrecarregados? Qual o papel da experiência durante o desenvol­ enfocando recém-nascidos imitando ações vistas no rosto de um
vimento, ao estabelecer esses parâmetros? Este tema ainda requer experimentador (por exemplo, mostrar a língua). Como explicar
muita pesquisa. tais comportamentos quando o bebê, mesmo sem saber que tinha
um rosto e uma língua — quando ele via somente uma imagem
visual do gesto do experimentador —, respondeu com um ato mo­

105
O MOMENTO PRESENTE A MATRIZ INTERSUBJETIVA

tor guiado pelo seu próprio feedback proprioceptivo (não visual)? nho fascinante em que a criança torna-se sensível ao comporta­
E quando não houve testes de aprendizado prévios para estabelecer mento e à cronometragem dos outros. Eles propõem que nós e os
essa imitação (invisível)? A resposta está num modo precoce de bebês possuímos “analisadores inatos de detecção de contingên­
intersubjetividade baseado em transferência transmodal de forma e cia”. Estes módulos medem até que ponto o comportamento de
sincronia. Outros exemplos de imitação precoce foram encontra­ alguém é exatamente síncrono ou responsivo em relação ao nos-
dos. Meltzoff e colegas concluíram que os bebês absorvem algo do ■80. Eles descobriram que, antes dos 3 meses, os bebês estão mais
outro no ato da imitação, o que solidifica o senso de que o outro é interessados em eventos que são perfeitamente contingentes ao
“como eu” e “eu sou como eles”. Eles especulam ainda que, para seu comportamento. Isso os tornaria mais sensíveis a si mesmos.
que um bebê aprenda sobre (faça representações internas de) obje­ Entre 4 e 6 meses, ocorre uma mudança. As crianças se interessam
tos inanimados, ele necessita manipulá-los ou levá-los à boca, mas, por eventos que são muito, mas não completamente, contingentes
para aprender sobre (e representar) pessoas, a mente do bebê usa ao próprio comportamento. Isso é exatamente o que uma outra
canais diferentes e, então, ele precisa imitá-las. pessoa interagindo faz. Eles agora ficam mais interessados na
Meus colegas e eu tomamos uma terceira rota (Stern, 1977, cronometragem comportamental dos outros, usando a si mesmos
1 9 8 5 ,2 0 0 0 ; Stern et a i , 1984). Interessei-me mais em saber como como padrão.
a díade faz para que ambas as partes conheçam seus estados de O trabalho de muitos outros autores também contribui signifi­
sentimentos internos. Por exemplo, se um bebê expressasse um com­ cativamente para estas questões (por exemplo, Emde e Sorce, 1983;
portamento afetivo após um evento, como poderia a mãe demons­ Klinnert, Compos, Sorce, Emde eSvejda, 1983; Sander, 1975,1977,
trar que ela captou o que ele fez e também o sentimento que ele 1995b; Stern, 1971, Stern e Gibbon, 1978; Tronik, 1989; Tronick,
experimentou, que está por trás do seu comportamento? A ênfase Ais e Adamson, 1979; Tronick, Ais e Brazelton, 1977). O mais im­
deslocou-se do comportamento aberto para a experiência subjetiva portante é que todos eles concordam que os bebês nascem com
subjacente. Propus a harmonização afetiva, uma forma de imitação mentes especialmente afinadas com outras mentes, como seu com­
transmodal e seletiva, como o caminho para compartilhar estados portamento expressa. Isso se baseia em grande parte na detecção de
de sentimentos internos, em contraste com a imitação fiel como correspondências na cronometragem, na intensidade e na forma
direção para compartilhar o comportamento aberto. que são transponíveis intermodalmente. O resultado é que, desde o
Jaffe e colegas (2001) acrescentaram mais uma evidência su­ nascimento, se pode falar de uma psicologia de mentes mutuamen­
gestiva. Eles mostraram como crianças não-verbais (de 4 e 12 te sensíveis.
meses) e mães cronometram com precisão o início, o término e as Além disso, esses pesquisadores também estão de acordo que
pausas de suas vocalizações para criar um acoplamento rítmico e durante a infância pré-verbal o bebê é especialmente sensível ao
uma coordenação bidirecional de seus diálogos vocais. Isso impli­ comportamento de outros seres humanos; eles usam diferentes ha­
ca que eles “captaram” não só a própria cronometragem como bilidades perceptuais e expectacionais nas interações interpessoais,
também a do outro. comparadas a interações consigo mesmos ou objetos inanimados.
A questão da cronometragem coordenada é obviamente es­ Eles consideram os outros e esperam que sejam semelhantes a eles,
sencial para a sincronicidade e o acesso à experiência do outro. mas não idênticos. Formam representações pré-simbólicas dos ou­
Watson (1994) e Gergely e Watson (1999) encontraram um cami­ tros ou de estar-com-os-outros. Podem participar do estado de es­

106 107
O M 0 M E N I U KKtSLiMic
A MATRIZ INTERSUBJETIVA

pírito de outra pessoa. Em resumo, uma forma precoce de inter­


podem ser o desejo, a crença, o objetivo, o motivo ou o conflito. As
subjetividade está presente.
intenções, sob uma forma ou outra, e num estado de completude
Nenhum estudo sobre neurônios-espelho ou osciladores
ou não, estão sempre lá, atuando como o motor que impulsiona
adaptativos foi realizado com crianças dessa idade. Entretanto, tais
para a frente a ação, a história ou a mente.
osciladores, ou algo muito semelhante a eles, devem estar presentes.
Vemos o mundo humano em função das intenções. E agimos
Depois dos 7 a 9 meses, aproximadamente, o cenário muda
em função das nossas. Você não pode se relacionar com outros se­
um pouco. A criança se torna capaz de uma forma mais elaborada
res humanos sem ler ou inferir seus motivos ou intenções. Essa lei­
de intersubjetividade — aquilo que Trevarthen e Hubley (1978)
tura ou atribuição de intenções é nosso guia principal para reagir e
chamaram de “intersubjetividade secundária” (ver também Stern,
iniciar uma ação. A capacidade de inferir as intenções do compor­
2000) — , que se instala bem antes de a criança desenvolver capaci­
tamento humano parece ser universal. É um primitivo mental. É
dade verbal ou simbólica. Os estados mentais compartilháveis co­
como analisamos e interpretamos nosso ambiente humano. Quan­
meçam a incluir intenções direcionadas a um objetivo, foco de
do alguém é incapaz de inferir as intenções dos outros, ou não tem
atenção, afetos e avaliações hedônicas e, como antes, a experiência
absolutamente nenhum interesse em fazê-lo, tem uma atitude fora
da ação. Cada um é um domínio parcialmente separado da
do padrão. Os autistas foram enquadrados nessa posição, assim como
intersubjetividade. A participação nos sentimentos do outro é apenas
alguns esquizofrênicos. (Para uma discussão sobre autismo na
um deles. Existem muitos outros mecanismos em operação relativos
esquizofrenia de uma perspectiva fenomenológica, ver Parnas, Bovet
ao compartilhamento do foco de atenção a fim de triangular um ob­
e Zahavi [2002].) Reconhecer e decifrar a intencionalidade é um
jeto, no qual a criança “passa através do outro” para alcançar esse
razoável ponto de partida para a adaptação e a sobrevivência.
objeto. Este é um aspecto mais cognitivo da intersubjetividade neces­
Existe outro motivo para dar tamanho peso à análise do com­
sário à simbolização e à linguagem (por exemplo, Hobson, 2002).
portamento em termos de intenções como um tipo de primitivo
Nosso interesse está mais voltado para o domínio dos senti­
mental: o ato de perceber/inferir intenções nas ações humanas co­
mentos/experiência da intersubjetividade. Nesse domínio, a leitura
meça muito cedo na vida. Meltzoff (1995; Meltzoff e Moore, 1999)
de intenções merece especial menção, porque as intenções são fun­
descreveu duas situações nas quais crianças pré-verbais apreendem
damentais para as formas de subjetividade que vão nos interessar
a intenção da atitude de alguém, mesmo quando nunca viram a
mais clinicamente. Em resumo, o argumento é que a capacidade de
intenção completamente encenada, ou seja, após ter alcançado seu
ler intenções aparece muito cedo na criança.
objetivo pretendido. Em tal situação, apreender a intenção exige
Em todas as perspectivas sobre a atividade humana motivada, a
uma inferência.
intenção é essencial. E necessário um elemento psicológico para
Em um experimento, uma criança pré-verbal observou enquan­
empurrar, puxar, ativar ou de alguma maneira desencadear os even­
to um experimentador pegou um objeto e “tentou” colocá-lo den­
tos. As intenções se ocultam sob muitas aparências e variações. Na
tro de um recipiente. Mas ele deixou o objeto cair no meio do
psicologia popular, usando os exemplos do jornalismo e da fofoca,
caminho e o objetivo pretendido não foi alcançado. Mais tarde,
elas são o motivo — o por quê? — que impulsiona a história. Na
quando foi trazida de volta à cena e recebeu o mesmo material, a
psicanálise, o desejo ou a vontade. Na etologia, a motivação ativa­
criança pegou o objeto e colocou-o diretamente no recipiente. Em
da. Na cibernética, o objetivo e seu valor. Nas teorias narrativas,
outras palavras, ela encenou a ação que presumiu que era pretendi­

108
109
O MOMENTO PRESENTE A MATRIZ INTERSUBJETIVA

da, e não a que viu. A criança preferiu a intenção não-vista e presu­ sença de mecanismos subjacentes de neurônios-espelho e osciladores
mida à ação vista e real. adaptativos. A noção de outros virtuais serve aqui como um prelú­
Em outro experimento semelhante, uma criança pré-verbal ob­ dio da perspectiva fenomenológica discutida no fim do capítulo.
servou um experimentador agir como se quisesse tirar a esfera de Aos 12 meses, o “referenciamento social” é observado na crian­
um objeto semelhante a um halter, sem ter êxito. Mais tarde, quan­ ça (Emde e Sorce, 1983; Klinnert, Campos, Sorce, Emde e Svejda,
do recebeu o objeto, a criança de imediato tentou tirar a esfera. 1983). Um exemplo comum é quando uma criança que está apren­
Conseguiu, e pareceu contente. Quando, porém, um robô assumiu dendo a andar cai e leva um susto, mas não se machuca de fato. Ela
as funções do “experimentador” e executou as mesmas ações frus­ vai olhar para o rosto da mãe para “saber” o que sentir. Se a mãe
tradas, a criança não tentou puxar a esfera. As crianças parecem expressar medo e preocupação, a criança vai chorar. Se a mãe der
supor que apenas pessoas, e não robôs, têm intenções que valem a um sorriso, ela provavelmente vai rir. Em outras palavras, em situ­
pena inferir e imitar. ações de incerteza ou ambivalência, o estado afetivo mostrado no
Gergely, Nadsasdy, Csibra e Biro (1995) e Gergely e Csibra outro é relevante para como a criança vai se sentir.
(1997) realizaram um experimento correlato com crianças mais Após 18 meses, quando a criança se torna verbal, novas formas
novas, usando desenhos animados na televisão. Também neste caso de intersubjetividade são rapidamente acrescentadas (Astington,
as crianças assistindo ao desenho interpretaram a cena em função 1993). É provável que, tão logo possa fazer, sentir ou pensar por si
das intenções que inferiram, e não das ações que viram. (O fato de mesma, ela participe do que é feito, sentido ou pensado por outros.
os objetos serem animados — isto é, de agirem como pessoas — é A amplitude da intersubjetividade da criança aguarda apenas seu
certamente crucial.) Rochat mostrou a mesma primazia das inten­ próprio desenvolvimento. (Há uma interessante pergunta sem res­
ções inferidas sobre a ação vista em bebês de 9 meses (Rochat, 1995, posta aqui. Poderia um bebê participar da experiência de outra pes­
1999; Rochat e Morgan, 1995). soa antes mesmo que ele possa fazê-lo por si mesmo? Esta é uma
Em todo caso, a leitura de intenções (em qualquer nível do de­ dúvida legítima, pois, como uma regra do desenvolvimento, as ca­
senvolvimento) é possível e necessária desde muito cedo na vida. pacidades receptivas aparecem antes das produtivas.)
Mais uma vez, pode-se fazer uma pergunta neuroanatômica. Não A psicologia cognitiva pressupõe que as crianças, por volta dos
haveria um centro já desenvolvido no cérebro do bebê, como existe 5 anos, adquirem uma “teoria da mente” mais geral, desenvolven­
nos adultos, que é ativado na presença de um comportamento ao do uma capacidade mais formal de representar estados mentais de
qual uma intenção direcionada a um objetivo pode ser atribuída? outras pessoas. Diversas versões da teoria da mente em crianças
Teria de haver. estão atualmente em discussão (por exemplo, Baron-Cohen, 1995;
Braten (1998a, 1998b) aperfeiçoou a evidência de desenvolvi­ Fodor, 1992; Goldman, 1992; Gopnik e Meltzoff, 1998; Harris,
mento acima na criança pré-simbólica, cunhando o termo partici­ 1989; Hobson, 2002; Hobson e Lee, 1999; Leslie, 1987). Um im­
pação alterocêntrica. Com isso ele quis dizer que a intersubjetividade portante ponto de discordância é se (e até que ponto) a capacidade
está disponível na infância em virtude da habilidade inata de pene­ de representar outras mentes é um processo cognitivo formal ou se
trar a experiência do outro e participar dela. Braten sugeriu que a depende da capacidade de ressonância ou de imitação que permita
mente humana é construída para encontrar “outros virtuais” e, evi­ algum tipo de acesso de sentimento direto à experiência do outro.
dentemente, outros reais. Suas conclusões ajustam-se bem à pre­ Certamente um poderia reforçar o outro à medida que o desenvol­

110 111
O MOMENTO PRESENTE A MATRIZ INTERSUBJETIVA

vimento avança. Mas não consigo imaginar nenhuma base funda­ uma ontogenia própria. A amplitude e a complexidade dessa ma­
mental para a intersubjetividade sem a ressonância, ou empatia, por triz se expandem rapidamente, mesmo durante o primeiro ano de
seja qual for o mecanismo. Em última análise, é uma questão de vida, quando o bebê ainda é pré-simbólico e pré-verbal. Depois,
sentimento, e não de cognição (ver também Widlocher, 1996). quando a criança atinge o segundo ano e é capaz de novas experiên­
Há outros dois pontos que merecem ser mencionados. A cias, como, por exemplo, as emoções “morais” de vergonha, culpa
intersubjetividade diádica requer algum tipo de participação e constrangimento, estas emoções são atraídas para a matriz
recursiva ou representação da mente do outro. A teoria da mente intersubjetiva como algo que ela pode agora experimentar dentro
pode ser útil em tais considerações, ao menos após a infância. Por dela e em outros. A riqueza intersubjetiva se expande novamente
exemplo, a intersubjetividade de mão única “Eu sei/sinto que você...” com o advento de mais habilidades cognitivas desenvolvidas duran­
não exige uma teoria da mente. Entretanto, a reiteração inter- te a infância. E, mais uma vez, a cada fase do desenvolvimento da
subjetiva necessária à intersubjetividade de mão dupla — “Eu (ou vida, a matriz intersubjetiva fica mais profunda e mais rica.
nós) sei (sabemos)/sinto (sentimos) que você sabe que eu (nós) sei O trabalho de Hofer (1994) forneceu uma espécie de análogo
(sabemos)...” — também pode não precisar de uma teoria da men­ neurobiológico para a matriz intersubjetiva. Ele descobriu em ra­
te, mas seria extremamente realçada por ela quando se desenvol­ tos, no relacionamento mãe-filhote, que o comportamento da mãe
vesse. (A nitidez da distinção que formulei entre a intersubjetividade (por exemplo, lamber, tocar, vocalizar) tem um papel crucial na
de mão única e a diádica é excessiva, especialmente na prática. Na regulação da fisiologia da cria (freqüência cardíaca, temperatura
maioria das situações, é mais frutífero pensar em termos de graus corporal, digestão, níveis hormonais). O mais surpreendente é a
de simetria e assimetria, que representam os pólos de um espectro.) especificidade segundo a qual cada comportamento materno regu­
Acredito que muitos conhecedores da teoria da mente estabele­ la determinados mecanismos fisiológicos. Estas descobertas são aná­
çam critérios rígidos demais em relação a quando uma verdadeira logas no sentido de que os filhotes de rato que estão desenvolvendo
teoria da mente pode ser presumida, muitas vezes usando a capaci­ uma homeostase fisiológica podem parecer estar sob o controle de
dade de representar falsas crenças nos outros como o único e fun­ seus próprios mecanismos reguladores — uma biopsicologia de um
damental critério (por volta dos 5 anos). No entanto, os trabalhos rato. Ao contrário, eles estão também sob o controle dos compor­
de Dunn (1999) e de Reddy e colegas (Reddy, 1991; Reddy, Williams tamentos abertos das mães — uma biopsicologia de dois ratos. De
e Vaughn, 2002) sobre crianças mais novas fazendo piadas, provo­ forma semelhante para a intersubjetividade, as intenções e os senti­
cações, pregando peças, mentindo e praticando maldades sugere mentos estabelecidos no bebê humano em desenvolvimento são al­
que formas ainda mais precoces de teoria da mente são fre­ tamente regulados pela influência da experiência que a mãe expressa
qüentemente vistas em situações naturais. e sujeitos a ela.
Em suma, as evidências do desenvolvimento sugerem que, co­
meçando no nascim ento, a criança penetra numa matriz Evidências clínicas sugestivas
intersubjetiva. Isso está assegurado porque formas básicas de in­
tersubjetividade manifestam-se de imediato. À medida que novas O mundo experimentado pelos autistas continua a causar espanto. O
habilidades são desenvolvidas e que novas experiências se tornam que os torna tão estranhos e ao mesmo tempo fascinantes é o fato
disponíveis, a criança é tragada pela matriz intersubjetiva, que tem de parecerem totalmente humanos mas violarem tanto do que se

113
O MOMENTO PRESENTE A MATRIZ INTERSUBJETIVA

espera dos humanos. Parecem viver do lado de fora da nossa co­ formas de defesa, para protegê-los de limiares dolorosamente bai­
nhecida matriz intersubjetiva. Existem diversos relatos comoventes xos para a estimulação humana. Mesmo que essa explicação esteja
dessa situação. Alguns, como o retrato autobiográfico de Temple correta, absolutamente em alguns casos ou parcialmente em ou­
Grandin — com introdução de Oliver Sacks — , dizem respeito a tros, o resultado é o mesmo. O mundo humano não é considerado
adultos com síndrome de Asperger, uma subcategoria mais funcio­ especial, “como eles”.
nal do espectro autista. Tais relatos são os mais eficazes, porque na Há uma extensa falha na intersubjetividade nos autistas, que
síndrome de Asperger o quadro clínico não está tão repleto de inca- parecem ser “mentalmente cegos”. E isso que faz com que muitas
pacidades e outras formas patológicas observadas em muitos ou­ vezes sejam vistos como “esquisitos”, ou “de outro mundo”, como
tros tipos de autismo quando algum grau de transtorno invasivo de diz Sacks ao descrever Temple Grandin como uma “antropóloga de
desenvolvimento encontra-se presente. Marte” que luta para compreender os outros humanos que a cer­
Outros relatos focalizam mais as crianças com várias formas de cam. Não há deficiência intelectual nela. É uma Ph.D. de renome
autismo (por exemplo, Baron-Cohen, 1995; Happé, 1998; Hobson, mundial em sua especialidade; no entanto, precisa se lembrar de
1993; Maestro, Muratori, Cavallaro et al., 2002; Nadei e Butter- perguntar se alguém está com fome ou com sede porque isso não
worth, 1999; Nadei e Peze, 1993; Sigman e Capps, 1997). Mas lhe ocorre diretamente, empaticamente, mas sim como uma proba­
nesses estudos, também, o fato de essas crianças evitarem o contato bilidade lógica dadas as circunstâncias. Um dos acontecimentos
visual (a janela para a alma e a mente do outro), a relativa ausência humanos que mais a intrigam é a brincadeira entre crianças. Ela
de resposta ao contato humano (físico e psicológico) e seu desinte­ não entende o que as faz rir ou brigar de repente. Também não se
resse ou incapacidade de se comunicar verbal ou não-verbalmente envolve em amizades sociais íntimas, que considera muito compli­
(exceto de modos instrumentais) são invariavelmente mencionados. cadas e incompreensíveis.
Em relação ao último aspecto, um exemplo pode ser ilustrativo. De fato, muitos dos esforços educativos com autistas altamente
Quando, no fim do primeiro ano de vida, as crianças começam a funcionais são direcionados para a interação social do tipo mais
apontar, pode-se distinguir duas situações: apontar para ter algo e instrumental, como quando se deve dizer “obrigado”, “não há de
apontar para mostrar algo interessante ou novo. Apenas o segundo quê”, “gostaria de sentar-se” etc. Normalmente, estas respostas fluem
tipo de situação é intersubjetivo, no sentido de que a intenção é diretamente ao participarmos da experiência do outro.
compartilhar a mesma experiência. Algumas crianças autistas apon­ Braten (1998b) forneceu um caso clínico a este respeito. Quan­
tam, mas somente para ter algo que querem, muito raramente para do a mãe levanta as mãos, com a palma virada para a frente, a
compartilhar uma experiência. tendência é que seu bebê normal também estenda as mãos, de modo
O que mais chama a atenção sobre os autistas é que eles não que as palmas se toquem (gestos preliminares para a brincadeira
estão imersos numa matriz intersubjetiva. Parece haver uma falha de bater palmas). Isso é uma imitação? Sim, no sentido de que a
de “leitura da mente”. Ademais, tem-se a impressão de que não há criança fez o que a mãe fez. No entanto, a criança está vendo a
interesse em ler o comportamento ou a mente do outro, como se palma, e não as costas, das mãos da mãe. Por que ela não põe as
este não tivesse qualquer atrativo especial ou potenciais, não mais costas de suas mãos contra a palma das mãos da mãe, e assim
do que um objeto inanimado. Outros, como Tustin (1990), afirma­ poderia ver a palma das próprias mãos da mesma maneira que
ram que esse “desinteresse” e desatenção às coisas humanas são está vendo a das mãos da mãe? É exatamente isso que muitas

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O MOMENTO PRESENTE A MATRIZ INTERSUBJETIVA

crianças autistas fazem. Crianças normais imitaram do ponto de da em grande parte no trabalho do filósofo da fenomenologia,
vista da mãe, do qual elas participaram. Crianças autistas imita­ Edmund Husserl (1931/1962,1930/1980,1930/1989,1931/1960,
ram do seu próprio ponto de vista, com uma participação apenas 1964). A abordagem fenomenológica foi revitalizada por filósofos
parcial da experiência da mãe. contemporâneos e incorporada por alguns cientistas às atuais con­
A existência do autismo não é, em si, evidência da matriz inter­ cepções alternativas da natureza humana que estão rapidamente
subjetiva. Entretanto, a imagem de pessoas vivendo sem estarem ganhando força (por exemplo, Beer, 1995; Clark, 1997, 1999;
imersas numa matriz intersubjetiva dá uma perspectiva sobre a matriz Damasio, 1994, 1999; Freeman, 1999a, 1999b; Gallagher, 1997;
em que vivemos normalmente. Essa matriz é como o oxigênio. Nós Marbach, 1999; Sheets-Johnstone, 1999; Thompson, 2001; Varela,
o respiramos o tempo inteiro sem notar sua presença. Quando con­ 1996, 1999; Zahavi, 1996, 1999, 2001).
frontados com o autismo, podemos sentir o mundo sem oxigênio, e Essa nova visão supõe que a mente está sempre incorporada na
sofremos um choque. atividade sensório-motora da pessoa e por ela é possibilitada; que
está entretecida no ambiente físico imediato que a cerca e é co-
Apoio da fenomenologia criada por ele; e que se constitui por meio de suas interações com
outras mentes. A mente assume e conserva sua forma e sua nature­
Eu tinha esperança de encontrar um deus ou uma deusa da Antigüi­ za a partir desse tráfego aberto: emerge e existe, de processos auto-
dade que tivesse o dom de ler as mentes (não o de prever o futuro) organizadores intrínsecos, interagindo com outras mentes. Sem estas
e pudesse oferecê-lo aos seres humanos. Esse dom tornaria transpa­ interações constantes, não haveria mente reconhecível.
rente a mente do outro. Ainda continuo em busca de tal divindade. Uma das conseqüências desta visão de “cognição incorporada”
Meus colegas entendidos nesses assuntos me asseguraram que mi­ é o fato de ser a mente, por natureza, “intersubjetivamente aberta”,
nha procura é vã. Ao menos na Antigüidade ocidental, a mente não pois que parcialmente constituída através de sua interação com
estava confinada nem aprisionada na cabeça ou no coração da pes­ outras mentes (Husserl, 1931/1960; Thompson, 2001; Zahavi,
soa. A mente circulava mais livremente, constantemente recebendo 1996, 2001). Isso significa que os seres humanos possuem um pri­
contribuições da natureza e dos deuses. Ela não pertencia à pessoa mitivo mental descrito como “a experiência passiva (não iniciada
como uma propriedade privada e secreta. Havia pouca necessidade voluntariamente) e pré-refletida do outro como um ser incorpora­
do dom de tornar a mente do outro transparente. do como ele mesmo...” (Thompson, 2001, p. 12).
Em termos históricos, nós, no Ocidente moderno, cientifica­ Em termos neurobiológicos, essa experiência pré-reflexiva de
mente orientado, isolamos a mente do corpo, da natureza e das abertura intersubjetiva pode ser vista como emergindo de mecanis­
outras mentes. Nossa experiência com nosso corpo, nossa natureza mos tais como neurônios-espelho, osciladores adaptativos e outros
e outras mentes tem de ser construída particularmente e, quem sabe, processos semelhantes que devem ser encontrados em breve. No
bastante idiossincraticamente dentro de nossa própria mente. Até nível da experiência, porém, essa abertura intersubjetiva cria as con­
recentemente, essa visão foi a dominante e seguia imune a dições para a intersubjetividade primária (sincronia, imitação,
questionamentos, exceto por filósofos. harmonização etc.) vista na primeira infância, e para as manifesta­
Agora, estamos experimentando uma revolução, não de volta ções de intersubjetividade secundária (tais como a empatia “verda­
às concepções da Antigüidade, porém mais próxima delas, inspira­ deira”) vista mais tarde. É neste sentido, creio eu, que Braten (1998a)

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O MOMENTO PRESENTE

escreveu sobre a criança ser feita pela natureza para encontrar “ou­
tros virtuais”. Somos preparados para entrar na matriz intersubjetiva,
que é uma condição de humanidade.
Qualquer consideração sobre o processo de psicoterapia deve Capítulo 6
levar em conta estas premissas. A existência de uma matriz inter­
subjetiva define o contexto psicológico no qual o relacionamento A INTERSUBJETIVIDADE COMO
terapêutico toma forma. Transferência e contratransferência são UM SISTEMA MOTIVACIONAL
apenas casos especiais de um processo constante. A idéia de uma BÁSICO E PRIMÁRIO
psicologia de uma só pessoa é impensável nessa situação.
Estas considerações jogam outra luz sobre os momentos pre­
sentes. Encontros intersubjetivos têm duração relativamente curta.
São criados em um ou vários momentos presentes. Assim, o mo­
mento presente permanece como uma unidade de processo funda­
mental na co-criação da matriz intersubjetiva.

A INTERSUBJETIVIDADE É UMA condição de humanidade. Sugiro que é


também um sistema de motivação inato e primário, essencial para a
sobrevivência da espécie e que goza de status comparável ao do
sexo ou do apego.
O desejo de intersubjetividade é uma das mais importantes mo­
tivações que impulsionam uma psicoterapia. Os pacientes desejam
ser conhecidos e compartilhar como é ser eles. Evidentemente, esta
vontade é em parte contrabalançada por várias trepidações. Quan­
do olhamos de perto o processo terapêutico descobrimos que ele é
mais facilmente compreendido como a regulação do campo
intersubjetivo entre terapeuta e paciente. O desejo de ser conheci­
do e a contínua regulação do espaço intersubjetivo também são ca­
racterísticas essenciais de qualquer amizade íntima.
Estas considerações levaram-me a examinar a intersubjetividade
de uma perspectiva ainda mais ampla do que a psicoterapia e a
verificar se ela é mais bem visualizada como uma necessidade hu­
mana básica. Um sistema motivacional básico deve ser uma ten­
dência universal a se comportar de um modo característico de uma

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O MOMENTO PRESENTE A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

espécie, que deve favorecer enormemente sua sobrevivência. Deve Warnery, 1998) assume particular importância. Eles demonstraram
ser universal e inata, embora possa exigir uma modelagem ambiental que, nas primeiras fases da formação da família, quando o bebê tem
importante. Precisa ter uma qualidade de preempção para que seu apenas de 3 a 6 meses de idade, começa-se a ver o início de uma
valor para o organismo tenha precedência e os comportamentos intersubjetividade de mão tripla entre mãe, pai e bebê, que tem de
possam ser arrolados, montados e organizados conforme necessá­ existir entre três assim como entre dois, a fim de forjar uma tríade
rio. Não é uma pressão constante, mas pode ser ativada e desativada. psicológica com reciprocidade, ainda que assimétrica — em outras
Até que ponto a intersubjetividade preenche estes requisitos? palavras, uma família intersubjetivamente íntima.
Esses autores mostraram por exemplo que, quando um bebê de
3 meses, a mãe e o pai estão sentados num triângulo, uma fascinan­
CONFERINDO A VANTAGEM DE SOBREVIVÊNCIA te interação de mão tripla pode ocorrer, sugerindo uma inter­
subjetividade triádica. Por exemplo, enquanto eles atuam juntos
A intersubjetividade faz três contribuições principais ao asse- como um grupo, é provável que o bebê alterne rapidamente suas
guramento da sobrevivência: promove a formação de grupos, aper­ orientações e sinais afetivos entre os pais, como que para comparti­
feiçoa o seu funcionamento e garante a coesão do grupo ao criar lhar seu prazer e interesse, ou frustração, com ambos. Ora, quando
moralidade. O mesmo impulso que contribui para a sobrevivência o bebê atua com, digamos, o pai e algo excitante e prazeroso trans­
das espécies também pode servir para tornar possível a psicoterapia pira entre eles, a criança tende a voltar-se para olhar para a mãe,
e a intimidade psíquica entre amigos. como se dissesse: “Você viu isto?” Mais interessante ainda, se algo
inesperado ou estranho acontece entre o bebê e um dos pais, o bebê
Formação de grupos tende a voltar-se para o outro, como um olhar que diz: “O que é
isto?” Aqui podemos estar testemunhando uma forma primitiva de
Os seres humanos são uma espécie relativamente indefesa. Sobrevi­ referenciamento social.
vemos graças ao nosso cérebro e à atividade coordenada dos gru­ Aos 9 meses, o referenciamento social de mão tripla (triangu­
pos. A sobrevivência humana depende da formação de grupos lar) já foi diferenciado; o bebê vai “consultar” regularmente o rosto
(famílias, tribos, sociedades) e da coesão quase constante deles. Nós dos pais sobre o que está acontecendo entre eles ou no ambiente.
somos os mais hipersociais e interdependentes de todos os mamífe­ Os processos pelos quais eles respondem — leitura da mente do
ros. Muitas capacidades e motivações diferentes atuam em conjun­ bebê, harmonizando-se afetivamente com os sentimentos dele, às
to para formar e manter os grupos: vínculos afetivos, atração sexual, vezes acertando, outras, errando — vão permanecer no modo im­
hierarquias de dominação, amor, sociabilidade. A intersubjetividade plícito e podem constituir momentos-chave de criação de significa­
deve ser adicionada à lista. dos como um trio.
Independentemente de como a definimos, a intersubjetividade O domínio da experiência intersubjetiva da família cresce com
tem de operar tanto para grupos como para díades. O casal é um o tempo. Ele ganha novas dimensões com o desenvolvimento (por
subsistema das unidades básicas da adaptabilidade evolutiva: a fa­ exemplo, com o advento de emoções morais e em seguida co-nar-
mília e a tribo. A este respeito, o trabalho de Fivaz e do Grupo de rativas) e também com o tamanho da família. Os mesmos fenôme­
Lausanne (Fivaz-Depeursinge, 2001; Fivaz-Depeursinge e Corboz- nos observados no triângulo emergem na unidade familiar quando
O MOMENTO PRESENTE
A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

esta aumenta para quatro membros ou mais (F. Frascarolo, comu­


O sistema motivacional intersubjetivo pode ser considerado se­
nicação pessoal, 8 de abril de 1998).
parado e complementar em relação ao sistema motivacional de apego
Essa história compartilhada é parte da cola que define a identi­
— e igualmente fundamental. Clinicamente, vemos comportamen­
dade e o status da família como uma unidade única. As famílias
tos sexuais ou de apego a serviço do pertencimento intersubjetivo
podem, na verdade, atingir níveis notáveis de riqueza e sutileza
(e vice-versa). (Para uma discussão mais detalhada destas questões,
intersubjetiva. Isso fica muitas vezes evidente quando uma pessoa
ver Domes, 2002; Lichtenberg, 1989; e McDonald, 1992.) Na teo­
de fora senta-se a uma animada mesa de jantar de uma família. A
ria do apego, existem dois motivos e pólos opostos: num extremo,
linguagem flerta com particularidades da experiência compartilha­
proximidade/segurança e, no outro, distância/exploração-curiosi-
da da família, fazendo apenas referências passageiras. São abun­
dade. O sistema de apego faz a mediação entre estes dois pólos. A
dantes os curtos-circuitos, as elipses e os códigos. Seus membros
vantagem de sobrevivência básica reside em manter-se fisicamente
imediatamente entendem o que está na mente dos demais. E a pes­
próximo para se proteger contra os perigos do meio ambiente, se­
soa de fora, embora tenha compreendido o significado de cada pa­
jam eles tigres, automóveis, tomadas ou outras pessoas, e ao mes­
lavra, não consegue entender os momentos em que todos caem na
mo tempo permitir a exploração para aprender sobre o mundo. O
gargalhada ou quando ocorre uma mudança no tom afetivo.
sistema de apego é concebido mais para a proximidade física e liga­
Em termos gerais, o sistema motivacional intersubjetivo diz res­
ção do grupo do que para a intimidade psicológica. Muitas pessoas
peito à regulação do pertencimento psicológico versus solidão psi­
que são “fortemente” ligadas não compartilham uma proximidade
cológica. Os pólos deste espectro são, num extremo, a solidão
ou intimidade psicológica (na verdade, é o contrário). O sistema de
cósmica e, no outro, transparência mental, fusão e desaparecimen­
intersubjetividade é necessário para isso.
to do self. O sistema motivacional intersubjetivo regula a zona de
Estou estabelecendo uma distinção clara entre os sistemas
conforto intersubjetivo em algum ponto entre os dois pólos. O exa­
motivacionais de apego e de subjetividade, embora eles possam
to ponto de conforto depende do papel que se tem no grupo, de
apoiar-se e complementar-se mutuamente. O autismo oferece algu­
com quem se está e da história pessoal do relacionamento que desá­
mas evidências para esta distinção. Crianças autistas apresentam
gua naquele momento. O ponto no continuum tem de ser mano­
habilidades intersubjetivas extensamente deficientes, mas são ape­
brado ininterruptamente com ajustes segundo a segundo. Há muito
gadas aos pais. Shapiro, Sherman, Calamari e Koch (1987), bem
em jogo para que não seja assim.
como Sigman e Capps (1997), relataram que crianças autistas apre­
Em jogo estão a intimidade e o pertencimento psicológicos que
sentam comportamentos de apego claros e identificáveis, mesmo
desempenham um poderoso papel na formação e na manutenção
que com padrões fora do normal. A pesquisa sobre o apego não
do grupo. O pertencimento psicológico é diferente de vínculos físi­
mede a sua força, apenas os padrões comportamentais usados para
cos, sexuais, afetivos ou de dependência. E uma ordem separada do
apegar-se, mas ninguém sugere que as crianças autistas parecem
parentesco. É uma forma de pertencer a um grupo que ou é exclu­
desapegadas ou frouxamente apegadas.
siva dos seres humanos ou deu um enorme salto quantitativo e qua­
Separar os dois sistemas motivacionais é importante tanto teórica
litativo em nossa espécie. Pode-se argumentar que o salto é a
quanto clinicamente. As pessoas podem ser apegadas sem compar­
linguagem, e que, entretanto, sem a intersubjetividade não poderia
tilhar intimidade intersubjetiva, ou ser íntimas intersubjetivamente
se desenvolver.
sem serem apegadas, ou ambos, ou nenhum dos dois. Para a máxi-

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0 MOMENTO PRESENTE A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

ma conexão entre as pessoas, apego e intersubjetividade são neces­ te, procuramos um terapeuta para formarmos um parentesco sub-
sários, além do amor. Na situação clínica, a intersubjetividade é jedvo, o que às vezes pode significar a sobrevivência.
essencial, o apego e o amor nem tanto. Contudo, existe em geral
uma mistura dos três, as proporções variando amplamente. Funcionamento do grupo
Em todo caso, apego e intersubjetividade apóiam-se um ao ou­
tro. O apego mantém as pessoas juntas para que a intersubjetividade Para sobreviver, os seres humanos precisam agir em conjunto. A
possa desenvolver-se ou aprofundar-se, e esta, por sua vez, cria con­ capacidade de ler intenções e sentimentos das outras pessoas propi­
dições que conduzem à formação dos apegos. No desenvolvimen­ cia uma coordenação da ação em grupo extremamente flexível. A
to, é difícil dizer qual surge primeiro. Sabemos que a sensibilidade e capacidade de se comunicar rápida e sutilmente no âmbito do gru­
a receptividade do cuidador nos primeiros meses da vida são tanto po, mediante o uso de movimentos intencionais, sinais e lingua­
uma manifestação de intersubjetividade quanto uma precondição gem, expande a eficiência e a velocidade de ação do grupo — em
para tornar seguro o apego (Fonagy, 2001). Os dois sistemas moti- outras palavras, sua adaptabilidade. A própria linguagem não po­
vacionais atuam em conjunto para garantir a coesão do grupo ne­ deria emergir se não tivesse uma base intersubjetiva. Você só fala
cessária para a sobrevivência. Apesar da grande colaboração mútua, com alguém porque acredita que ele pode compartilhar sua paisa­
eles permanecem como sistemas independentes. gem mental e agir de acordo com ela. Supõe-se ser esta uma das
Em algumas sociedades, a mente individual não é vista como razões pelas quais crianças autistas têm tanta dificuldade com a aqui­
particular, única e independente. O conceito do self é menos indivi­ sição da linguagem.
dualista e mais conectado à matriz intersubjetiva do grupo. Nessas Além da linguagem, os seres humanos possuem o mais altamen­
situações, o pertencimento é mantido mais por intermédio de ri­ te desenvolvido e rico repertório de expressões faciais e vocais (para-
tuais e atividades do grupo (danças, movimentos, cantos, narração lingüísticas). Estas, também, assumem uma capacidade intersubjetiva
de histórias, cânticos) do que de trocas intersubjetivas diádicas ver­ dentro do grupo que vai além da simples decodificação de sinais ou
bais isoladas. Em tais situações, ser expulso ou marginalizado pelo comunicação instrumental.
grupo causa uma alienação que é uma mistura de apego rompido e Os seres humanos também passam um tempo enorme tornan­
solidão psíquica. do-se eficientes em intersubjetividade e praticando-a em termos do
Na maioria das culturas ocidentais, o pertencimento físico é atin­ desenvolvimento. Somos a mais imitativa das espécies. Nadei (1986)
gido em grande parte por meio de contatos intersubjetivos familia­ relatou que a imitação recíproca constitui a principal forma de brin­
res e diádicos. Não somos apenas uma espécie muito social, somos cadeira entre crianças de até cerca de 3 anos. (Isso prossegue após
também uma espécie muito particular, na qual a intimidade mental os 3 anos, mas com menos freqüência.) Na mesma idade, a provo­
é a chave dos relacionamentos. Na maior parte das nossas concep­ cação, a gozação, as travessuras etc. tornam-se atividades infantis
ções ocidentais modernas de amor e amizade, a intersubjetividade importantes (Dunn, 1999; Reddy, 1991). Estes comportamentos tam­
talvez seja o elemento indispensável. Com o desenvolvimento, as bém têm uma base intersubjetiva (ver Nadei e Butterworth [1999]
pessoas com quem buscamos mais avidamente um parentesco para estudos sobre comunicação em mão tripla na primeira infân­
intersubjetivo mudam: dos pais para os amigos, na adolescência; ao cia). Somos a espécie mais brincalhona e passamos anos afiando
ser amado, na juventude. E, quando estamos sofrendo mentalmen­ essas habilidades. Como seria de se esperar, crianças autistas, com

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0 MOMENTO PRESENTE A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

seu relativo déficit intersubjetivo, têm dificuldade em provocar, condição básica para a moralidade. As “emoções morais” (vergo­
pregar peças, “fazer bobagens” e em brincar normalmente com as nha, culpa, constrangimento) são provenientes da capacidade que
outras. Estão menos aptas a aumentar sua capacidade intersubjetiva temos de nos vermos nos olhos do outro — em outras palavras,
extremamente reduzida. percebemos que o outro nos vê. O relato de Freud da origem da
E quanto à intersubjetividade dentro dos grupos? É mais fácil moralidade via superego — o olhar internalizado dos pais — faz a
ver como a intersubjetividade diádica emerge do que ver a inter­ mesma suposição.
subjetividade de grupo. Com grupos, existem dois aspectos: como A intersubjetividade desempenha um papel essencial no surgi­
eles agem em conjunto ou mesmo em sincronia, e como são lidos mento da consciência reflexiva. A idéia de consciência reflexiva como
como uma unidade, mesmo num olhar de relance. Lemos os grupos originária da interação social não é nova. Alguma forma de um
como uma unidade na nossa vida cotidiana. Por exemplo, numa “outro” é sua característica fundamental. O outro pode ser externo
discussão de grupo ou numa sessão de terapia de família, conferir ou interno, mas a experiência primária deve ser compartilhada de
se todos estão “ali”, presentes na conversa e compartilhando a co­ um segundo ponto de vista. (O capítulo 8 aborda esse problema na
municação afetiva do grupo, é algo que se faz com facilidade, em criação da consciência reflexiva.)
segundos. Terapeutas de família desenvolveram teorias e técnicas O advento da consciência reflexiva, ao lado da linguagem, é
para melhorar o compartilhamento intersubjetivo da família, em considerado fundamental para o sucesso evolutivo da espécie hu­
particular reintroduzindo rituais na vida familiar para ajudar a re­ mana. A consciência reflexiva e a linguagem aperfeiçoam a adapta­
solver transições ou perdas difíceis (Imber-Black e Roberts, 1992). bilidade ao dar à luz novas opções que podem transcender padrões
Mas a complexidade envolvida na comunicação de grupo obstruiu de ação fixos, hábitos e algumas experiências passadas.
as pesquisas, apesar dos trabalhos pioneiros de Scheflen (1973),
Kendon (1990) e Reiss (1981). (Para uma aplicação à terapia de Em suma, a intersubjetividade contribui para a sobrevivência do
casal, ver de Roten, Fivaz-Depeursinge, Stern, Darwish e Corboz- grupo. Promove sua formação e coerência. Permite-lhe funcionar
Warnery [2000].) O aprofundamento destas questões está além do com mais eficiência, rapidez, flexibilidade e coordenação. E forne­
escopo deste livro, exceto para dizer que a intersubjetividade de ce a base para que a moralidade atue mantendo a coesão do grupo
grupo acontece e que a sobrevivência da espécie através do grupo e que a linguagem aja na comunicação do grupo.
está em jogo.
Além disso, considere o papel do altruísmo na sobrevivência da
espécie. Este é um assunto complexo, mas aspectos ou etapas do A INTERSUBJETIVIDADE COMO UMA
comportamento altruísta entre os seres humanos podem repousar MOTIVAÇÃO COM VALOR DE PREEMPÇÃO
sobre a base da intersubjetividade.
Um sistema motivacional precisa conter motivações experienciadas
Coesão mediante pressão moral subjetivamente que organizem e direcionem comportamentos para
um objetivo valorizado. Quando alguém busca um objetivo e se des­
A coesão dentro de grupos humanos é extremamente intensificada loca em direção a ele, há uma experiência subjetiva de preempção,
pela persuasão moral. Vou argumentar que a intersubjetividade é a sentida como desejo ou necessidade. Quando se atinge o objetivo, há

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O M OM ENTO PRESENTE A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

um sentimento subjetivo de gratificação ou de relativo bem-estar ou, tem claramente dois medos diferentes. O medo da solidão psíquica
minimamente, uma desativação da motivação. Podemos falar de uma pertence à nossa condição intersubjetiva.
motivação intersubjetiva com a qualidade subjetiva de preempção? Essa sondagem do estado da díade é uma forma de “psi-
Existem dois desses motivos intersubjetivos. O primeiro é uma coetologia”. Imagine dois cães se encontrando. Eles iniciam um rico
necessidade de ler as intenções e os sentimentos do outro, que serve repertório de sinais e comportamentos a fim de explorar e estabele­
ao propósito de descobrir “Onde vocês dois estão?”; “O que está cer seu relacionamento imediato (por exemplo, sexual, agressivo,
acontecendo?”; “Em que pé estão as coisas?”; “Onde eles devem brincalhão, dominante e uma mistura matizada destes). Agora, ima­
ir?”. Essa sondagem da imediata situação diádica ou do grupo e de gine que os dois cães são duas pessoas “atadas” (por convenções) às
suas possibilidades ocorre num encontro e em seguida é continua­ suas respectivas cadeiras num consultório, ou paradas de pé,
mente atualizada, muitas vezes segundo a segundo ou minuto a educadamente, num coquetel. A maioria das ações de exploração e
minuto, conforme necessário. É uma forma de orientação. Se não de estabelecimento do atual status entre elas terá de ocorrer na for­
podemos nos orientar no tempo e no espaço, ficamos confusos e ma de comportamentos que foram mentalizados, e não postos em
ansiosos, e comportamentos de busca são postos em ação para re­ ação. Há também signos e sinais (por exemplo, linguagem corporal
solver o desconforto. O mesmo se aplica à orientação subjetiva no e tom de voz) que podem ser lidos claramente com a intersub­
espaço psíquico. Precisamos conhecer nossa posição no campo jetividade de mão única (uma pessoa lê a outra). Quando a
intersubjetivo em relação a um indivíduo, uma família ou um gru­ intersubjetividade de mão dupla (duas pessoas lêem uma a outra) é
po. A “orientação intersubjetiva” também é um acontecimento con­ adicionada, a leitura fica mais minuciosa, mais quente afetivamente,
tínuo vital em psicoterapia. Ela é buscada e tem alto valor afetivo. e adquire mais nuances. Existe ainda outra característica: o status
Cada uma das manobras para procurar e ajustar a orientação do relacionamento que está sendo criado é revelado no instante de
intersubjetiva é um momento presente. São momentos de kairos sua criação.
porque é necessário agir de acordo com o estado intersubjetivo; é Uma segunda necessidade sentida de orientação subjetiva é de­
preciso explorar o campo intersubjetivo para descobrir/criar “onde finir, manter ou restabelecer a auto-identidade e a autocoesão — a
você está”. A necessidade de ser orientado intersubjetivamente é fim de fazermos contato com nós mesmos. Precisamos dos olhos
sentida como uma “força” de preempção que mobiliza o comporta­ dos outros para nos formarmos e continuarmos a existir. Aqui, tam­
mento. Motivações são postas em ação. Essa questão é discutida bém, a necessidade do olhar do outro pode ser preemptiva. Prisio­
mais detalhadamente na parte III. neiros do sexo masculino em confinamento solitário com sentenças
A orientação intersubjetiva é uma necessidade básica no contexto muito longas ou perpétuas apresentam um exemplo interessante.
do contato social direto. Quando não somos orientados intersub­ Falar não vai lhes garantir uma liberdade condicional nem absolvê-
jetivamente, surge a ansiedade, e os mecanismos de enfrentamento los, e não há ambiente sob seu controle ao qual necessitem se adap­
ou de defesa são mobilizados. Essa ansiedade poderia ser chamada tar. Mesmo assim, com freqüência eles querem falar com alguém,
de ansiedade intersubjetiva. A psicologia dinâmica e outras psicologi­ compartilhar seu mundo interior. Por quê? Um motivo pode ser o
as exploraram de forma profícua aquilo que é melhor chamar de fato de que precisam de encontros intersubjetivos para se mante­
“ansiedades ou medos básicos”. Estar só sempre aparece na lista, mas rem em contato consigo mesmos. No isolamento da prisão, cerca­
não costuma ficar claro se trata-se de solidão física ou mental. Exis­ dos por um ambiente de tão poucas escolhas e atitudes próprias,
0 MOMENTO PRESENTE A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

eles precisam do olhar intersubjetivo do outro para reencontrar e tornos mentais — IV e provavelmente é composto de uma organi­
manter sua identidade (Colette Simonet e Phillip Jaffe, comunica­ zação mental igualmente específica, com “representações neurais”
ções pessoais, 23 de fevereiro de 2000 e 27 de abril de 2000). características. A seguir, alguns dos elementos do apaixonamento
Sem receber alguma informação contínua de uma matriz que são movidos por um motivo intersubjetivo (muitos destes são
intersubjetiva, a identidade humana se dissolve ou se desvia do cur­ compartilhados tanto por namorados como por pais em relação a
so de estranhas maneiras. Não importa se esse contato é feito na seus bebês): apaixonados podem se olhar nos olhos, sem falar, por
forma de troca de idéias diádica, rituais de grupo ou de algum ou­ minutos a fio — uma espécie de mergulho na “janela da alma” para
tro modo. Estamos familiarizados com a idéia de selves múltiplos encontrar o outro interior. Não apaixonados (nesta cultura), por
ou selves distribuídos que mudam consideravelmente, dependendo outro lado, não conseguem suportar a intensidade crescente de um
de com quem se está ou do contexto predominante. Isso é conside­ olhar mútuo silencioso por mais de 7 a 9 segundos sem brigar, fazer
rado normal. Mas quando é que a agulha da bússola aponta para o amor ou virar o rosto. Também há uma atenção minuciosa em rela­
“self verdadeiro”? Ou esta é uma questão sem sentido? Em todo ção às intenções e sentimentos do outro, não só para lê-los correta­
caso, o olhar do outro ajuda a fixar nossa autoposição relativa e a mente, mas também para adivinhá-los. Existe uma ludicidade que
encontrar nosso senso de self verdadeiro (mesmo que este seja ilu­ envolve muita imitação facial, gestual e postural. E há a criação de
sório). Na cultura ocidental, o senso ou mesmo a ilusão de um self um mundo particular, uma espécie de espaço intersubjetivo privile­
mais ou menos verdadeiro pode ser uma condição vital. giado do qual somente os dois têm as chaves: palavras especiais
A esse respeito, é fascinante considerar que a maioria das crian­ com significados específicos, siglas secretas, rituais e espaço sagra­
ças entre 6 e 12 anos nas várias culturas ocidentais estudadas tem dos etc. Tudo isso cria um nicho psicológico no qual a intersub­
“amigos imaginários” (Pearson et al., 2001). O número é mais alto jetividade pode florescer.
entre as meninas, mas provavelmente há mais meninos do que o Person (1988) ressaltou que neste processo criamos um mundo
relatado. Por que tantas crianças? Na maior parte das vezes existe de duas pessoas no qual um casal se forma e onde nos recriamos a
alguma forma de diálogo com esses amigos. Eles parecem ser cria­ nós mesmos. Somos atirados num processo turbulento de autotrans-
dos para complementar, estabilizar, validar ou orientar a identida­ formação (se permanente ou não é outra questão). A situação é
de da criança por meio de um relacionamento wteriwfra-subjetivo. quase oposta à do prisioneiro perpétuo, na qual nada pode mudar e
O ato de apaixonar-se fornece outra situação para explorar a ele só pode permanecer o mesmo, com esforço. O apaixonado tam­
força do impulso subjetivo. Apaixonar-se tem uma ampla variabili­ bém precisa dos olhos do outro para verificar e validar sua meta­
dade cultural e histórica. Entretanto, é um estado bastante invasivo, morfose, para mantê-lo em contato consigo mesmo, com sua
com um número de características comuns suficiente para justificar identidade movediça. O olhar do outro ajuda a manter a autocoesão
um exame. Antes de tudo, poderia ser chamado de um estado espe­ em face do desejo de comunhão e fusão.
cial de organização mental porque reúne numerosos e diversos com­ O poder e a freqüente convocação do contato intersubjetivo
portamentos, sentimentos e pensamentos num conjunto integrado para situar e confirmar a identidade não são suficientemente reco­
que é prontamente reconhecido. Na verdade, o “diagnóstico” de nhecidos. Por exemplo, a participação em rituais, apresentações
uma pessoa que está se apaixonando é muito mais nítido do que a artísticas, espetáculos e atividades coletivas, como dançar ou cantar
maioria das categorias no Manual diagnóstico e estatístico de trans­ em conjunto, tudo isso pode resultar num contato intersubjetivo
O MOMENTO PRESENTE
A INTERSUBJETIVIDADE COMO UM SISTEMA MOTIVACIONAL BÁSICO E PRIMÁRIO

(real ou imaginado). Todos os participantes presumem que os ou­


Meu contra-argumento é que, embora a intersubjetividade pos­
tros experimentam o que está acontecendo mais ou menos da mes­ sa estar a serviço de outros sistemas motivacionais, ela é fortemente
ma forma que eles. Eles (mesmo que estranhos) se olham e um ativada em situações inter-humanas altamente específicas e impor­
contato intersubjetivo imaginado ocorre entre eles, e, junto com tantes nas quais é o estado final desejado em si mesma. Estas situa­
esse contato, um senso de pertencimento psíquico. Não só eles se ções são: quando surge a ameaça da desorientação intersubjetiva,
divertiram num evento, mas também imergiram na matriz acompanhada da ansiedade intersubjetiva (por exemplo, quando o
intersubjetiva humana e confirmaram sua auto-identidade. lugar ou a posição de alguém num grupo é questionado ou se torna
indefinido); quando o desejo de intimidade psíquica é grande (como
no apaixonamento); quando é necessário um funcionamento de
INATO E UNIVERSAL grupo rapidamente coordenado e essa coordenação tem de ser alte­
rada espontânea, rápida e flexivelmente de um momento para o
Um sistema motivacional básico tem de ser inato e universal, ainda outro (por exemplo, caçando um perigoso animal selvagem); e quan­
que diverso em seus modos de expressão. As evidências apresenta­ do a auto-identidade é ameaçada e é necessário imergir na matriz
das no capítulo 3 sobre as bases neurobiológicas e de desenvolvi­ intersubjetiva para evitar a autodissolução ou fragmentação. Em
mento da intersubjetividade avançam até certo ponto na abordagem tais situações, o contato intersubjetivo se torna específico e primário.
da questão do inatismo — pelo menos da capacidade humana para Para os nossos propósitos, o motivo intersubjetivo também está
a intersubjetividade. A maneira como essa capacidade é usada em atuando, direcionando a regulação segundo a segundo do processo
qualquer sociedade ou cultura é um assunto fascinante, mas não é terapêutico, no qual o compartilhamento das paisagens mentais é
tratado aqui. Basta dizer que não consigo imaginar a capacidade desejado e precisa ser negociado. É nesse contexto que o momento
não sendo usada de alguma forma adaptativa em todas as sociedades. presente assume seu papel e relevância como o movimento básico
Nas modernas sociedades ocidentais existem grandes diferen­ de negociação ou como o passo para determinar a natureza do es­
ças individuais e culturais no talento intersubjetivo. Evidentemente paço intersubjetivo na psicoterapia.
há fatores constitucionais. O caso de certas formas de autismo dei­
xa isso claro. Existem períodos sensíveis? Gunnar (2001) sugeriu
que crianças que foram tremendamente privadas de convívio social
durante o primeiro ano de vida, como observado em alguns orfana­
tos, sofrem conseqüências afetivas mais tarde na infância, inclusive
redução das habilidades intersubjetivas, tais como a empatia.

Alguns podem argumentar que a intersubjetividade é uma condição


humana e não um sistema motivacional em si mesmo, porque ela é
não-específica e é usada em quase todos os sistemas motivacionais.
Neste sentido, o motivo intersubjetivo seria mais equivalente à “moti­
vação para a competência”.
Capítulo 7

SABER IMPLÍCITO

COMO O MOMENTO PRESENTE é mentalmente apreendido enquanto


ainda está se desdobrando, o saber que se tem a respeito dele não
pode ser verbal, simbólico e explícito. Estes atributos somente são
anexados depois que o momento passou. Sob que forma, então, é o
momento original apreendido? Isso pertence a um domínio chama­
do “saber implícito”.
Durante os anos 90, a psicologia começou a dar mais ênfase ao
conhecimento implícito em comparação ao conhecimento explíci­
to (Bucci, 1997; French e Cleeremans, 2002; Lyons-Ruth, 1997,
1998; Lyons-Ruth, Bruschweiler-Stern, Harrison et al., 1998; Scha-
cter, 1994,1996). Esta concepção emergente do saber implícito foi
extremamente enriquecida não só por observações de bebês, mas
também por um considerável trabalho anterior sobre comunicação
não-verbal que preparou o caminho (Bánninger-Huber, 1992; de
Roten et al., 2000; Frey et al., 1980; Frey et al., 1983; Gendlin,
1 981,1991; Kendon, 1990; Krause e Lütolf, 1988; Krause, Steimer-
Krause e Ullrich, 1992; Scheflen, 1973; Scherer, 1992; Steimer-Krause,
Krause e Wagner, 1990). Esta mudança altera nossa maneira de
ver o momento presente, bem como de pensar sobre consciência e
O MOMENTO PRESENTE SABER IMPLÍCITO

inconsciente. As implicações na teoria e na prática terapêuticas se­ desenvolvimento, os dois vivem lado a lado e crescem pela vida
rão imediatamente evidentes. afora (Fischer e Granott, 1995; Mareei, 1983).
Primeiro, entretanto, é preciso esclarecer a distinção entre o O conhecimento implícito não se restringe ao rico mundo da
implícito e o explícito. Simplificando, o conhecimento implícito é comunicação não-verbal ou dos movimentos corporais e das sensa­
não-simbólico, não-verbal, procedural e inconsciente no sentido de ções, mas também se aplica aos afetos e às palavras, ao menos ao
não ser reflexivamente consciente. O conhecimento explícito é sim­ que se encontra nas entrelinhas. Por exemplo, se alguém diz repeti­
bólico, verbalizável, declarativo, capaz de ser narrado e reflexiva­ damente “Sim, mas...” você rapidamente percebe que esse “sim” é
mente consciente. Vou desenvolver brevemente estes pontos. um cavalo de Tróia para penetrar seus muros. O “mas” libera os
Anos de pesquisa observacional sobre bebês e suas mães, em soldados. (A pessoa poderia ter transmitido a mesma mensagem
paralelo à prática psicoterápica com adultos, tornaram-nos sensí­ implícita jogando a cabeça para trás.)
veis à importância do conhecimento implícito. Bebês só se comuni­ O saber implícito é muitas vezes considerado mais limitado e
cam no registro explícito verbal depois dos 18 meses de idade, primitivo do que o conhecimento explícito, e as primeiras noções
aproximadamente, quando começam a falar. Conseqüentemente, sobre este o equiparavam aos procedimentos físicos ou à inteligên­
todas as interações ricas, analogicamente matizadas, sociais e afetivas cia sensório-motora (por exemplo, levar o polegar à boca). Acredi­
que têm lugar nesse período de vida ocorrem, por padrão, no do­ tava-se que o conhecimento implícito dominava as fases iniciais do
mínio não-verbal implícito. Além disso, todo o considerável conhe­ desenvolvimento e que em seguida era amplamente superado e trans­
cimento que o bebê adquire sobre o que esperar das pessoas, como formado em conhecimento verbal e simbólico à medida que o de­
lidar com elas, como se sentir em relação a elas e como estar-com- senvolvimento (isto é, a aquisição da linguagem) avançava. Nossa
elas se insere nesse domínio não-verbal. (A natureza foi sábia ao concepção atual é diferente. Hoje vemos o saber implícito como
não apresentar os bebês à linguagem simbólica antes dos 18 meses extremamente rico e não apenas ligado a procedimentos motores.
de vida, para que tivessem tempo bastante para aprender como o Ele também inclui afetos, expectativas, mudanças na ativação e na
mundo humano realmente funciona sem a distração e a complica­ motivação, e estilos de pensamento — tudo aquilo que pode ocor­
ção das palavras, mas com a ajuda da música da linguagem [Stern, rer durante os poucos segundos de um momento presente. Por exem­
1977, 1985].) plo, os padrões de apego vistos entre mãe e bebê de apenas 1 ano de
Esse conhecimento nos tornou sensíveis ao domínio implícito, idade (bem antes da fala) foram avaliados no momento de encontro
mesmo quando este está entretecido com o mundo explícito da lin­ quando a mãe retornava após uma breve separação (Ainsworth,
guagem. Ele responde, em parte, pelo fato de darmos primazia aos Blehar, Waters e Wall, 1978). O bebê sabia implicitamente o que
acontecimentos implícitos que ocupam o momento presente no fazer com seu corpo, rosto, sentimentos, expectativas, excitação,
processo terapêutico que tem sido menos estudado. inibições, redirecionamento de atividades e assim por diante. Ele
O que é, então, o domínio implícito do conhecimento e o que “sabia se devia” aproximar-se dela, levantando os braços para ser
ele contém? Muitos vêem os domínios implícito e explícito como abraçado e ter contato físico, ou se devia não se mexer e fingir que
dois sistemas de conhecimento e memória separados, paralelos e sua volta não tinha importância, ou se devia exagerar seu desejo e
parcialmente independentes que emergem juntos. Mais do que um necessidade de contato para receber mais dela. Ele “sabe” se deve
conhecimento implícito que passa a conhecimento explícito com o deixar de lado a brincadeira ou continuar a se concentrar nos brin­
O MOMENTO PRESENTE SABER IMPLÍCITO

quedos, mesmo que desinteressadamente. Ele “sabia” se devia es­ ou de um self objetivo (Rochat, 1995), bem como à formação da
perar uma gratificação físico-psicológica ou tolerar um estado de origem afetiva do self (Schore, 1994). A segunda categoria de Fogel
estresse. Ele “sabia” quando se aproximar dela, se não o fez de ime­ é a “memória participativa”, que é ativada em contextos específicos
diato, e com que velocidade, e com passos que não eram nem tão e traz à tona uma memória implícita que vem do passado, mas é
largos ou tão rápidos que a fizessem rejeitá-lo. Este é um rico paco­ experimentada como acontecendo no presente. Um exemplo seria
te de saber implícito (por exemplo, Lyons-Ruth, 1997). O “modelo uma memória traumática (Siegel, 1995, 1996).
funcional” de apego de Bowlby (1969), que é a representação do Em geral, não há motivo para colocar o implícito em palavras.
que a criança não-verbal vai esperar, fazer, sentir e pensar quando Ele permanece silencioso a menos que os acontecimentos forcem uma
ameaçada de algum modo, é implicitamente conhecido. descrição verbal. E então apenas uma pequena porção de toda a base
Similarmente, a noção de que durante o desenvolvimento o sa­ do conhecimento implícito é traduzível em palavras. Bollas (1987)
ber implícito será traduzido para o conhecimento verbal explícito cunhou a expressão “conhecido não pensado” como uma importan­
quando a linguagem entrar em cena é questionável. E mais prová­ te realidade clínica. Este é um rótulo muito apropriado, porque o
vel que a maior parte de tudo que sabemos sobre como estar com conhecimento implícito, embora não-consciente, em geral é potenci­
os outros resida no saber implícito e ali permaneça. Isso é especial­ almente consciente e portanto potencialmente verbalizável. (Estas
mente verdade se presumirmos a existência de dois sistemas parale­ distinções serão esclarecidas mais tarde.) Por este motivo, uso o ter­
los relativamente independentes, como sugerido anteriormente. mo saber em vez de conhecimento implícito. Saber oferece uma im­
Duas sugestões interessantes foram feitas para redividir os do­ precisão construtiva e, ainda, um conceito mais dinâmico de saber
mínios implícito/explícito. Bucci (1997, 2001) dividiu-os em três em andamento em oposição a conhecimento estático, que pode ser
categorias: o código subsimbólico e não-verbal (consistindo em ex­ visto como estando no passado. Stolorow e Atwood (1992) usaram
periências contínuas e analógicas, tais como pintar um quadro); o outra expressão adequada, muito conhecida na psicologia clínica: o
código simbólico e não-verbal (consistindo em experiências e in­ consciente pré-reflexivo (que no entanto não precisa ser considerado
formações não-verbais, tais como o conhecimento imagético do rosto “pré” em nenhum sentido de desenvolvimento).
de alguém); e o código simbólico e verbal (consistindo em pala­
vras). Este retraçar das fronteiras é de extrema utilidade e será usa­
do periodicamente neste livro. Na maior parte das vezes, porém, O RELACIONAMENTO COM O INCONSCIENTE
ficaremos com a divisão mais bruta estabelecida entre implícito e
explícito. Fogel (2001, 2003) propôs outra interessante e útil divi­ A relevância clínica do saber implícito aparece imponente. Ele é
são da memória implícita em dois tipos. O primeiro é uma “memória “descritivamente (topograficamente) inconsciente”. O termo “in­
implícita reguladora” que nos permite negociar, não-conscientemen- consciente” deve ser reservado para o material reprimido no qual
te, nossas respostas aos aspectos sensoriais, motores e afetivos do existe uma barreira defensiva à entrada na consciência. Mais preci­
nosso meio ambiente físico e social. Isso está vinculado, por exem­ samente, o saber implícito é não-consciente. Não é reprimido. Em
plo, a padrões de apego (Siegel, 1999) e à formação de um self contraste, o “inconsciente dinâmico” psicanalítico é não-conscien­
“nuclear” (Stern, 1985), de um self “primário” (Damasio, 1999), te porque a força da repressão o mantém ativamente fora da cons­
de um “self dialógico” (Fogel, de Koeyer, Bellagamba e Bell, 2002); ciência. Pode-se supor que a repressão não esteja atuando no saber
O MOMENTO PRESENTE
SABER IMPLÍCITO

implícito. Por conseguinte, o implícito é simplesmente não-cons- uma invenção de Descartes, são uma fraude, idéias claras não exis­
ciente, ao passo que o material reprimido é inconsciente. tem, idéias são obscuras por definição, se você tem uma idéia clara
O implícito inclui uma vasta gama de saberes nos quais a vida não é uma idéia... Eis o problema... Quando expressa uma idéia,
social cotidiana se baseia. Por exemplo, o que você faz com a dire­ você lhe dá uma coerência que ela não possuía originalmente. De
ção do seu olhar quando está escutando outra pessoa? Quando você algum modo você tem de lhe dar uma forma que é organizada e
está falando? O que você faz com seu corpo e com o tom da sua voz concisa, e compreensível para os outros. Enquanto você se limita a
quando está falando com uma figura de autoridade ou com um pensar nela, a idéia pode permanecer a bagunça maravilhosa que é.
terapeuta pela primeira vez? Como faz com que saibam que você Mas quando você decide expressá-la (em palavras) você começa a
descartar uma coisa, a resumir algo mais, a simplificar isto e cortar
está prestes a encerrar uma discussão sem dizê-lo, ou que discorda
aquilo, a pôr em ordem impondo uma certa lógica: você trabalha
da pessoa mas não quer polemizar? Como sabe quando alguém
um pouco nela e no fim tem algo que as pessoas podem entender.
gosta de você? Como sabe que a pessoa sabe que você gosta dela?
Uma idéia “clara e distinta”. A princípio você tenta fazer isso de
Grande parte desse saber implícito nem mesmo pode ser tradu­
forma responsável: procura não jogar fora coisas demais, gostaria
zido em palavras. Existem casos clínicos em abundância. Por exem­ de preservar a total infinitude da idéia que tinha na cabeça. Você
plo, pacientes quando descrevem sua infância podem mencionar tenta. Mas eles não lhe dão tempo, estão em cima de você, eles
jantares de domingo que reuniam toda a família. O que acontecia a querem saber... (p. 206-7)
cada domingo era implicitamente conhecido: o papel de cada mem­
bro da família, os lugares à mesa, como a ação fluía, como as dis­ (Note que a noção de uma idéia para Baricco é um conceito amplo
cussões brotavam e como eram abortadas ou resolvidas, quem que abarca o implícito, a captura sem palavras de certos aspectos
bancava o bobo da corte para o alívio cômico — em outras pala­ essenciais de nossa vida ou do universo. Por este motivo senti-me à
vras, o roteiro da família (ver Byng-Hall, 1996; Reiss, 1989). Em vontade para substituir idéia por saber implícito.) Momentos pre­
terapia, esse paciente e seu terapeuta poderiam passar horas, ao sentes como experiências no domínio implícito são como as idéias
longo de semanas e meses, para juntar todas as peças numa forma de Baricco.
narrativa coerente, completa, consistente e contínua. Isso requer Da perspectiva clínica, precisamos examinar esta concepção do
muito trabalho. E a versão final só será adequada para alguns as­ modo implícito porque a regulação do campo intersubjetivo, em
pectos realçados da construção da narrativa e da interpretação; o terapia, momento presente a momento presente, ocorre em grande
restante permanecerá implícito. parte não-verbalmente, não-conscientemente e implicitamente.
Uma citação do romancista Alessandro Baricco (2002) vai mais Grande parte da transferência insere-se na categoria de saber implí­
diretamente ao cerne da questão (leia saberes implícitos no lugar de cito de um tipo ou de outro. Apenas parte dele pode e será tornada
idéias): verbal, quando necessário. Nas terapias mãe-bebê, é muito comum
para o terapeuta deixar grande parte do saber implícito transferenciai
Idéias são como galáxias de pequenas intuições, uma coisa confu­ da mãe exatamente onde está, sem tentar interpretá-lo para torná-
sa... que está mudando continuamente... elas são belas. Mas são lo explícito e consciente. A natureza psicológica particular da ma­
bagunçadas... em seu estado puro são uma bagunça maravilhosa.
ternidade precoce defende essa solução terapêutica como a mais
São aparições provisórias da infinitude. Idéias claras e distintas são benéfica (Stern, 1995).

140 141
0 MOMENTO PRESENTE SABER IMPLlCITO

Esta nova concepção de saber implícito propõe um importante verbais. O conteúdo verbal aflora de fontes implícitas e não-ver-
problema para a psicanálise tradicional. Isso porque o saber implí­ bais, mas em seguida é conectado à agenda explícita da construção
da narrativa.
cito não é dinamicamente inconsciente e, portanto, não é mantido
fora da consciência por resistências. Ele é não-consciente por ou­ A segunda agenda refere-se à regulação do estado implícito do
tros motivos. O conceito de resistência ou repressão não se aplica relacionamento entre terapeuta e paciente. Isso inclui muito da alian­
aqui. Parece que a parte principal do material descritivamente não- ça terapêutica, do ambiente de apoio, da aliança de trabalho, do
consciente permanece não verbalizada por motivos outros que não relacionamento de transferência/contratransferência e do relacio­
a resistência. Conseqüentemente, a “resistência” fica restrita ape­ namento “real”. Co-criar e regular esses relacionamentos fora da
nas àquelas situações em que o material inconsciente dinâmico re­ consciência perceptiva constitui a “agenda implícita”.
primido está envolvido — ou seja, a menor parte do trabalho A regulação do campo intersubjetivo imediato é o aspecto da
terapêutico. Isso constitui uma considerável limitação para um im­ agenda implícita que mais nos interessa. A agenda implícita é fun­
portante aspecto do esforço psicanalítico. Tal limitação ganha im­ damental, pois ela contextualiza a agenda explícita e restringe e
portância ainda maior quando consideramos o enorme escopo do determina o que pode ser conversado — em outras palavras, seus
graus de liberdade.
saber implícito tanto na vida cotidiana quanto na psicoterapia. Lem­
branças e representações reguladoras implícitas desempenham um Na psicoterapia, a principal tarefa implícita é regular o campo
papel constante na moldagem da transferência e do relacionamen­ intersubjetivo imediato. Isso é realizado na seqüência de momentos
to terapêutico, em geral, bem como na constituição de boa parte de e momentos presentes que são os pequenos passos na negociação e
nosso passado vivido e presente sintomático. sintonia fina do campo intersubjetivo. Em cada momento presente,
Existem duas agendas principais na situação clínica. A primeira fazemos a regulação sondando, testando e corrigindo a leitura do
diz respeito ao conteúdo verbal explícito que aflora na sessão. Em estado mental do outro à luz do nosso. Este processo diádico de
“terapias através da conversa”, é sobre isso que o paciente fala: o leitura paralela e simultânea de paciente e terapeuta ocorre em gran­
passado, o futuro, sonhos, fantasias, problemas fora do consultório de parte de maneira não-consciente. Momentos presentes são, por­
(por exemplo, trabalho, família, sentimentos negativos, pensamen­ tanto, dedicados a perguntas intersubjetivas, tais como “O que está
tos perturbadores). Este é o tema tradicional que tem a prioridade acontecendo aqui e agora entre nós?”; “O que eu percebo ou sei
na maior parte do tempo. Poder-se-ia também chamar isso de agen­ sobre como você me experimenta, agora?”; “O que você sabe sobre
da narrativa. Vamos chamar de “agenda explícita”. Quando lidam como eu agora experimento você?”; e assim por diante. Num nível
com a agenda explícita, terapeuta e paciente ficam lado a lado, di­ mais local, estas questões se reduzem a perguntas menores: “Você
gamos, olhando para um terceiro elemento — o conteúdo externo entendeu o que acabei de dizer?”; “Mas você entendeu mesmo?”;
a seu relacionamento imediato. A procura é por significado, co- “Não quero continuar com este assunto agora, ainda não”; “Sinto
construído por paciente e terapeuta num formato narrativo. que você não gostou do que eu disse e recuou”; “Você está chegan­
A agenda explícita também pode ser percebida nas terapias de do perto demais, por favor, não faça nada”; “Pare de me pressio­
corpo, movimento, expressiva, gestalt-terapia e dramaterapia. Por nar"; Você está me ouvindo?”; “Você não respondeu totalmente”;
exemplo, as respostas a indagações tais como “O que você está sen­ “Estou entendendo o que você quer dizer?”; ou “Não sabemos de
tindo agora?” ou “Em que parte do corpo você sente isso?” são verdade o que fazer agora, sabemos?” Ao lidarem com essa agenda

142 143
O MOMENTO PRESENTE

de processo relacionai, paciente e terapeuta já não ficam lado a


lado olhando para um terceiro elemento. Estão frente a frente, olhan­
do um para o outro, mesmo que seja com o canto do olho, ou estão
lado a lado, olhando para si mesmos, olhando um para o outro, ou Capítulo 8
alternando entre as duas posições.
De um ponto de vista clínico, qualquer saber implícito sobre o O PAPEL DA CO NSCIÊN CIA E A NOÇÃO
relacionamento vai influenciar a agenda explícita e vice-versa. Um DE CO NSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA
não pode ser considerado independentemente do outro. Este livro,
porém, enfoca intensamente o domínio implícito do saber, em par­
ticular o campo intersubjetivo entre terapeuta e paciente, e mais
especificamente como esse campo é regulado momento a momento
durante os momentos presentes — nossa unidade básica da experiên­
cia subjetiva. Em terapia, essa área não foi tratada tão profunda­
mente quanto a explícita.
O fato de o saber implícito não ser consciente reflexivamente
nem tampouco inconsciente dinamicamente nos leva a considerar a ElS O PROBLEMA: formar o momento presente à medida que ele se
distinção entre consciente e não-consciente, em relação ao implíci­ desdobra é um processo implícito, e, no entanto, para uma experi­
to e ao explícito, para a qual agora nos voltamos. ência qualificar-se como um momento presente ela precisa pene­
trar a consciência perceptiva ou outro tipo de consciência. Mas qual?
Um olhar sobre a questão geral da consciência e seu histórico pare­
ce necessário a esta altura.

HISTÓRICO

Historicamente, a psicologia acadêmica tem se interessado apenas


periodicamente pela consciência, até muito pouco tempo. As teorias
psicodinâmicas se interessaram muito mais pelo inconsciente. Freud
(1926/1959) pressupôs que a consciência não precisava ser discuti­
da porque era evidente e não deixava espaço para dúvidas. Ele en­
tão passou a explorar a estrutura do inconsciente dinâmico, o qual,
na época, não era tão evidente e aceito como é hoje. Esta aborda­
gem negligenciou o momento presente e as experiências fenome­
nais em geral, já que estas estão entretecidas com a consciência.

144
O MOMENTO PRESENTE 0 PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

Mas uma ênfase no momento presente nos deixa frente a frente de formas diferentes. A distinção entre consciência perceptiva e
com a questão da consciência. Afinal, o momento presente é o con­ consciência é remodelada como a distinção entre consciência feno­
teúdo fenomenal de um período limitado de consciência perceptiva menal e consciência introspectiva. A consciência fenomenal diz res­
ou consciência. Ele existe apenas durante um momento de consciên­ peito à experiência direta, “a sensação crua” (Rorty, 1982), à maneira
cia perceptiva. Ou precisa ser um momento de consciência? E qual pela qual as coisas parecem estar no “palco da mente”, “como é”
a diferença? (Nagel, 1998) e à experiência dos qualia (por exemplo, rubor). A
Existem várias maneiras de pensar sobre consciência perceptiva consciência introspectiva, ou consciência de acesso (Block, 1995),
e consciência. Consciência perceptiva concerne a um foco mental é a consciência perceptiva de ter a experiência fenomenal. (Ver Block,
num objeto de experiência. Consciência refere-se ao processo de Flanagan e Guzeldere, 1997, para uma discussão completa sobre
perceber que você está percebendo, ou metapercepção. estas distinções de muitos pontos de vista.) Nos debates filosóficos,
Os desenvolvimentistas foram forçados a definir variados tipos a distinção entre consciência perceptiva e consciência é menos evi­
de consciência, a fim de descrever a ontogenia da consciência desde dente, em parte porque pode-se ter uma experiência de consciência
a infância. Usando um modelo que chama de Modelo de Níveis fenomenal sem percebê-la (Dretscke, 1998). A fronteira entre estes
de Consciência, Zelazo (1996,1999) listou os primeiros três níveis da dois tipos de consciência não é muito clara. Entretanto, pode-se
seguinte maneira: consciência mínima (normalmente chamada de argumentar que a consciência reflexiva encontra-se necessariamen­
“consciência perceptiva”), consciência reflexiva (às vezes chamada te num contexto temporal diferente daquele da consciência
de consciência “secundária” ou “recursiva”) e autoconsciência. A perceptiva, por esta ser pós-fato. Descrições do fluxo da consciên­
distinção entre consciência perceptiva (consciência mínima) e cons­ cia na literatura não esclarecem as fronteiras tênues entre consci­
ciência (consciência reflexiva) é o que mais nos interessa. Em ter­ ência e consciência perceptiva.
mos desenvolvimentistas, a consciência perceptiva é considerada Um problema da distinção entre consciente/não-consciente quan­
uma forma primitiva de consciência confinada nas fronteiras do do aplicada à situação clínica é que paciente e terapeuta estão sem­
momento presente no qual a experiência está ocorrendo. Como diz pre lidando com duas agendas simultâneas que interagem. Existe a
Zelazo: “Um bebê está consciente [leia-se: percebe] daquilo que vê, agenda explícita do conteúdo do que eles estão dizendo e seu signi­
mas não está consciente de ver o que vê, muito menos de que ele ficado, que é, sem dúvida, um material reflexivamente consciente
(como um agente) está vendo o que vê” (1999, p. 98). A experiên­ porque é acessado verbalmente. Muitas noções clínicas de consci­
cia, portanto, não é refletida, é limitada ao presente, permanece ência apóiam-se extensamente na linguagem como elemento indis­
sem relação com o self e não penetra na memória. Portanto, é pensável. Extremamente falando, não pode haver consciência
irrecuperável. A consciência, por outro lado, é reflexiva — em ou­ introspectiva ou reflexiva sem um rótulo para os objetos da experiên­
tras palavras, percebe que percebe. Graças à reflexividade, este tipo cia na forma de linguagem ou símbolo. A maior parte da teoria
de consciência pode ser recordado, penetra na memória explícita e psicanalítica abraçou essa idéia em algum grau, maior ou menor.
pode ser verbalizado. (Por enquanto, vou me ater aos níveis mental Esta dependência da linguagem, entretanto, é problemática, por­
e comportamental enquanto tento desembaraçar estes termos, ig­ que grande parte da ação clínica envolve “objetos de experiência”
norando os relatos neurocientíficos.) não-conscientes — especificamente, enactments e a agenda implíci­
Os filósofos têm lutado com distinções semelhantes expressas ta que microrregula o campo intersubjetivo terapêutico.

146 147
O MOMENTO PRESENTE O PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

Normalmente, as terapias através da conversa enfatizam a cons­ compartilhado. É uma espécie de consciência potencial. Isso con­
ciência introspectiva ou reflexiva, o que é quase sempre sinônimo funde consciência diádica com saber implícito diádico, ou implica
de acesso verbal. Por outro lado, nas terapias de movimento, que eles são sinônimos. Em contrapartida, estou usando “consciên­
dramaterapias e terapias com orientação existencial, a consciência cia intersubjetiva” para me referir apenas ao que está acontecendo
fenomenal é enfatizada e em geral é sinônimo de enactments. agora num momento presente específico, e não como um espaço
potencial de saber compartilhado. A consciência não se estende além
do agora. Portanto, a consciência intersubjetiva só pode ser criada
CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA agora — e não expandida para um futuro (mesmo um futuro ao
alcance da mão) que ainda não está na consciência. Somente o cam­
Retorno à questão central: como pode um momento presente que é po intersubjetivo de saberes implícitos pode ser expandido por atos
apreendido implicitamente tornar-se consciente? E com que tipo da consciência intersubjetiva.
de consciência? A solução que proponho aqui envolve uma nova Antes de prosseguir com a definição de consciência intersub­
forma de consciência que vou chamar de consciência intersubjetiva. jetiva, é preciso examiná-la de diversas perspectivas. Cabe lem­
Ela é muito adequada aos intensos contatos diádicos característicos brar que as explicações neurocientíficas para a consciência têm
da psicoterapia. uma perspectiva intrapsíquica. Dentro de um cérebro, um agru­
Quando duas pessoas co-criam uma experiência intersubjetiva pamento neuronal inicial é ativado por uma experiência. Esse agru­
num momento presente compartilhado, a consciência fenomenal pamento, em seguida, ativa um segundo agrupamento neuronal
de uma sobrepõe-se à consciência fenomenal da outra e parcial­ no mesmo cérebro, que então se reporta ao agrupamento inicial,
mente a inclui. Você tem sua própria experiência mais a experiên­ reativando-o e criando um circuito de reentrada. Tais circuitos
cia do outro da sua experiência, como refletida em seus olhos, corpo, podem se estender a outros agrupamentos neuronais que se
tom de voz etc. Sua experiência e a do outro não precisam ser exa­ reativam mutuamente, criando uma rede recursiva. A experiência
tamente a mesma. Elas têm origem em loci e orientações diferentes. original, assim, é tratada sob diferentes perspectivas (em termos
Podem ter coloração, forma e textura ligeiramente distintas. Mas de circuitaria neural). Esta reiteração multifocada (uma forma de
são semelhantes o bastante para que, quando as duas experiências metaatividade) faz surgir uma experiência mais elevada no nível
são mutuamente validadas, uma “consciência” de compartilhar a mental — especificamente, a consciência.
mesma paisagem mental aflora. Isso é consciência intersubjetiva. E Já a consciência intersubjetiva é vista como um evento inter-
o que acontece durante momentos presentes especiais na psico­ psíquico que exige duas mentes. Uma experiência é vivida por um
terapia. Tronik (1998) chamou a atenção para um fenômeno seme­ indivíduo. Isso é sentido diretamente. Ativa quase a mesma experi­
lhante observado no relacionamento mãe-bebê e paciente-terapeuta. ência em outro indivíduo, via compartilhamento intersubjetivo. Isto
Ele o denominou “consciência diádica expandida”. Isso se refere é, então, refletido de volta para o primeiro indivíduo pelo olhar e
mais ao escopo ampliado do compartilhamento, como se este fosse comportamento do segundo indivíduo. Quando eles se encontram
uma crescente base de conhecimento conjunta que existe sem es­ mutuamente nesse momento presente compartilhado, um circuito
pecificar quando está existindo na consciência real e quando é ape­ de reentrada é criado entre as duas mentes. Em particular, o olhar
nas uma parte potencialm ente utilizável do conhecim ento mútuo deixa que o circuito de reentrada intersubjetivo reverbere e

1Afl 149
O MOMENTO PRESENTE
O PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

permaneça ativado pelos diversos segundos necessários para que o


nala Whitehead, estas idéias são baseadas numa longa tradição
momento presente faça seu trabalho. Essa recursão intersubjetiva
estabelecida por Dilthey (1976), Baldwin (1895), Cooley (1902) e
envolvendo a perspectiva de duas pessoas dá origem a uma expe­
Mead (1934/1988). Num viés semelhante, Vigostski (1934/1962)
riência “mais elevada” em ambos (exatamente como a reiteração
argumentou que a linguagem é socialmente construída — que sua
neurológica dá origem a uma experiência mais elevada). Essa expe­
aquisição somente ocorre em interação com outros falantes da lin­
riência mais elevada é a consciência intersubjetiva.
guagem, que a linguagem pública precede a linguagem privada, que
Estou sugerindo uma concepção mais social da consciência. Que
o uso da linguagem está inevitavelmente imerso na participação
conceitos e evidências levam a essa direção? Na pesquisa da consci­
cultural. Bruner, Olver e Greenfield (1966) chegaram à mesma con­
ência, existe uma antiga questão sobre para qual estrutura cerebral
clusão sobre a construção do significado. Os significados são co-
ou para a estrutura cerebral de quem nossa experiência está sendo
construídos a partir da interação com mentes e artefatos da cultura
relatada para torná-la consciente. As primeiras idéias cartesianas
circundante. Feldman e Kalmar (1996) defenderam o argumento
sugeriam que um homúnculo existente na nossa cabeça observava
de que a identidade é socialmente construída. Mesmo memórias
os objetos de experiência atravessarem uma espécie de palco men­
autobiográficas que são contadas e recontadas a outros em forma
tal. Muitos trabalhos deixaram bastante claro que tais soluções não
narrativa são socialmente modeladas. Portanto, podemos adicionar
se sustentam (por exemplo, Block, 1995; Chalmers, 1996; Damasio,
a consciência intersubjetiva à lista de fenômenos que parecem ter
1994; Dennett, 1998; Nagel, 1998). Ainda assim, a questão sobre a
uma origem social muito significativa.
existência ou não de um relator persiste (Cotterill, 2001).
Estas sugestões abrem um escopo mais amplo de questões para
A perspectiva neurobiológica faz a versão moderna da pergunta
as neurociências. Como explicamos os circuitos recursivos que se
de Descartes: que estruturas cerebrais “recebem o relatório” para
estabelecem entre dois cérebros?
de alguma forma torná-lo consciente sem a intervenção de um
Segundo a teoria do espelho social, não pode haver espelhos na
homúnculo? Até hoje, não há um local central da consciência no
mente se não há espelhos na sociedade: tornamo-nos cientes de
cérebro aceito. E muitos sugeriram que esse local não existe — ao
nossos estados internos quando descobrimos que outros também
contrário, que a consciência é um atributo coletivo do corpo intei­
os têm. Mais ainda, outra pessoa pode perceber um estado existen­
ro em seu envolvimento mental e motor com o meio ambiente (por
te dentro de nós e expressar essa percepção de seu ponto de vista
exemplo, Cotterill, 2001; Freeman, 1999b; LeDoux, 1996; Sheets-
(Whitehead, 2001). A consciência reflexiva não vai ocorrer a me­
Johnsone, 1999). Um envolvimento com o meio ambiente inclui,
nos que haja um “outro” presente para testemunhar o fato de viver­
sobretudo, interações com a mente das outras pessoas, bem como
mos uma experiência fenomenal — em outras palavras, para
com a cultura.
desempenhar o papel do homúnculo sentado no teatro da mente. A
Essa linha de raciocínio leva a uma perspectiva mais social, na
reentrada ocorre por meio da sua experiência da experiência do
qual a pergunta “Quem recebe o relatório?” se abre para além da
outro vivendo uma experiência sua (na qual a experiência do outro
mente ou do cérebro de uma pessoa. E sob essa luz que a teoria do
é apreendida intersubjetivamente).
espelho social sugere que a consciência reflexiva tem origem social
O outro tem de ser diferente do se/^-que-está-vivendo-a-
e depende de um mundo experiencial compartilhado e de uma
experiência. Existem diversos “outros” que podem cumprir esta
reflexividade social (por exemplo, Whitehead, 2001). Como assi­
função. Pode-se comparrilhá-la com outros aspectos do self. Hoje é

150
i<;i
O MOMENTO PRESENTE o PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

amplamente aceito que existem múltiplos (específicos de contex­ ciência reflexiva, fundada em duas visões de dois selves operando
tos) selves que podem interagir e observar-se mutuamente, e dialo­ dentro de uma só pessoa.
gar fora da consciência. Isso é algo normal, que não se restringe a Agora podemos retornar à concepção desenvolvimentista da cons­
estados dissociativos patológicos. Em termos psicanalíticos, o ego ciência. Zelazo (1996,1999) observou que, por volta dos 9 a 12 meses
observador testemunha o ego experimentador, ou o superego ob­ de idade, um conjunto inteiro de novas capacidades aparece. Os bebês
serva e julga o ego experimentador. Existem ainda outros observa­ começam a usar palavras para designar coisas. Também apontam para
dores dentro da mente, tais como “companheiros evocados” (Stern, mostrar algo para outra pessoa, procuram objetos escondidos, exibem
1985) e amigos imaginários. Portanto, aspectos do self (que não imitações postergadas, buscam atenção conjunta e pedem referências
estão diretamente vivendo a experiência) podem atuar como o ou­ sociais (olham na direção do rosto de um adulto quando uma situação
tro, ou um outro virtual pode ser imaginado ou fantasiado como é emocionalmente incerta para ajudá-los a saber o que fazer ou sentir).
testemunha ou participante. Nestas últimas situações, a consciência Seriam todas essas ações não-verbais também reflexivamente consci­
reflexiva é, digamos, social-de-segundo-grau. entes? (Sua ciência da consciência é menos óbvia.) Zelazo sugere que
Mas a situação é muito diferente e muito mais social numa psi­ sim, tratam-se todas da manifestação da nova capacidade mental de
coterapia. O outro é muito real. Está interagindo com você. Juntos, recursividade neurofisiologicamente baseada. A recursividade dentro
vocês co-criam experiências. Sua experiência fenomenal inclui a da mente de alguém é, para ele, o salto de desenvolvimento que cria a
sua experiência direta da experiência fenomenal do outro. O setting condição necessária para estar consciente.
não é apenas social, é quintessencialmente intersubjetivo. Pesquisas Zelazo (1996, 1999) forneceu uma explicação neurofisiológica
recentes trataram de algumas das questões fundamentais envolvi­ para a manifestação no desenvolvimento dos vários comportamen­
das nessa situação (ver Boston CPSG, Report n° 3, 2003; Boston tos, mas até hoje não existem evidências de tal salto de desenvolvi­
CPSG, Report n° 4, no prelo). mento no processamento neurofisiológico nessa idade. Ele parece
A idéia de um outro real atuando como refletor (espelho) da ter raciocinado de trás para a frente, do comportamento para a
experiência do self recebe apoio do crescente consenso sobre quan­ neurofisiologia. Existe alguma outra maneira de imaginar como to­
to é forte o compartilhar experiências diretas com os outros. As dos esses comportamentos surgem ao mesmo tempo que não seja
evidências comportamentais, desenvolvimentistas e neurocientíficas baseada na aquisição de vocabulário ou na mudança no funciona­
desse compartilhamento ou combinação são formidáveis, como mento do circuito neural proposta? Agora, eis uma sugestão no ní­
descrito no capítulo 5. vel fenomenal. Por volta dos 9 a 12 meses de idade, os bebês
Retornando brevemente à história do neurônio-espelho, existe mostram-se capazes de intersubjetividade secundária (Stern, 1985;
outra descoberta interessante. Quando agimos em determinadas Trevarthen e Hubley, 1978). Acredito que o salto crucial que faz
circunstâncias, alguns conjuntos dos nossos próprios neurônios-es- surgirem esses novos comportamentos nos bebês seja sua capacida­
pelho disparam. É como se estivéssemos mapeando nossas próprias de de intersubjetividade. O que Zelazo chamou de consciência
ações como faríamos com as de outra pessoa. Para quem estamos recursiva ou reflexiva começa como consciência intersubjetiva.
fazendo isso? Talvez seja para os outros que são membros de nossa Retornando ao nosso interesse principal, a situação clínica, há,
própria família de múltiplos selves. Isso permitiria o tráfego inter­ em termos práticos, três tipos de consciência em jogo (suas frontei­
subjetivo dentro de nós mesmos e forneceria uma base para a cons­ ras nem sempre são nítidas na vida real).

152 153
0 MOMENTO PRESENTE O PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA INTERSUBJETIVA

1. Consciência fenomenal. Diz respeito a experiências que são per­ Também pode existir uma forma negativa de consciência
cebidas apenas enquanto estão acontecendo. Não penetram na intersubjetiva, na qual houve falha na co-criação de uma expe­
memória de longo prazo, apenas na de curto prazo (memória riência esperada ou na correspondência ou ajuste. Nessa
operacional). Depois disso, desaparecem. Muito do que acon­ situação, a desejada e esperada co-criação ou correspondência
tece no processo de terapia segundo a segundo se insere nesta é sentida como uma ausência. O reflexo social ausente é apenas
categoria. imaginado, mas isso é suficiente para torná-lo intersub-
2. Consciência introspectiva. Diz respeito a experiências fenome­ jetivamente consciente e fechá-lo na memória.
nalmente conscientes que são refletidas (como anteriormente
descrito) e se ligam a um rótulo simbólico ou imagético para Em resumo, a consciência fenomenal é perceptualmente basea­
que possam ser verbalmente acessadas pela introspecção. A da. A consciência introspectiva é verbalmente baseada. E a consciên­
maior parte da agenda de conteúdo das terapias através da con­ cia intersubjetiva é socialmente baseada.
versa opera com essa forma de consciência. Em terapia, pode- Estou sugerindo que, no decorrer do processo momento a
se, para fins práticos, chamar a consciência introspectiva de momento da terapia, as experiências são co-criadas durante um mo­
“consciência verbal”, ainda que os símbolos de acesso não se­ mento presente intersubjetivo. Quando isso acontece, as condições
jam exclusivamente lingüísticos. (A operação de repressão ou para a reflexividade social são satisfeitas e a experiência se torna
outras defesas contra este tipo de consciência não requer mo­ intersubjetivamente consciente. É essencial que o encontro in­
dificações no conceito básico.) tersubjetivo ocorra no aqui e agora (isto é, num momento presente)
3. Consciência intersubjetiva. Diz respeito aos fenômenos que para que as duas tomadas da experiência (a do self e a refletida pelo
acontecem apenas em interações relativamente intensas, tais outro) aconteçam simultaneamente e juntas se tornem parte da
como aquelas que prevalecem na terapia e em momentos pre­ mesma estrutura. Esta inclui o desdobramento temporal da história
sentes especiais. Aqui, uma experiência é co-criada e existe uma vivida, que é experimentada por ambos os parceiros. Eles fizeram
correspondência ou pelo menos uma grande superposição da algo e passaram por algo juntos. Esse compartilhamento é o con­
consciência fenomenal de cada parceiro, mas a partir de um teúdo do momento presente, que é intersubjetivamente consciente.
centro de orientação diferente. Além do fato de cada membro Ele pode, então, penetrar na memória de longo prazo, tornar-se
ter uma experiência fenomenal semelhante, existe uma consci­ parte das redes associativas e talvez tornar-se suficientemente
ência perceptiva direta da experiência do outro e uma cons­ verbalizado para fins terapêuticos — com muito trabalho. A cons­
ciência perceptiva da concordância com a sua própria. Para que ciência intersubjetiva que se liga a momentos presentes é bem ade­
isso dê certo, a autoconsciência também deve estar operando, quada para lidar com o rico saber implícito que se acumula na
para que não haja confusão acerca de a quem pertence qual psicoterapia e trabalha para mudar as pessoas.
experiência fenomenal. As duas experiências estão entremeadas,
mas ao mesmo tempo separadas. São necessárias duas. Como é
um processo mútuo, a experiência compartilhada se torna “pú­
blica”. Uma forma de reflexividade social resulta em consciên­
cia intersubjetiva.

155
VISÕES DO PONTO
DE VISTA CLÍNICO
Capítulo 9

O MOMENTO PRESENTE
E A PSICOTERAPIA

NÃO ESTOU PROPONDO uma revisão da teoria psicoterapêutica nem


uma nova e diferente técnica abrangente. Sugiro, sim, que olhemos
a psicoterapia de um modo distinto, através das lentes de aumento
do momento presente e de uma perspectiva fenomenológica. Essa
visão modificada levará a mudanças na maneira como pensamos
nosso trabalho e o que fazemos de momento em momento. Qual
dessas alterações será a mais importante e duradoura ainda não está
daro. Para indicar algumas das implicações deste material para a
clínica, é necessária uma breve análise da natureza do momento
presente e de seu relacionamento com o saber implícito, a intersubje­
tividade e a consciência.
Uma das idéias de maior alcance é a proposta para que vejamos
as relações humanas íntimas e a psicoterapia num micronível feito
de momentos que ocupam um agora subjetivo — o que chamamos de
momentos presentes. A única novidade sobre essas unidades é que
as tratamos como o ponto de partida de nossa investigação. Em
termos fenomenológicos, consideramos os momentos presentes
como os menores aglomerados de experiência psicológica que têm

159
O MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

sentido clínico e como as unidades básicas para examinar o proces­ ele de fato. Mas o paciente tinha de contar aos experimentadores
so terapêutico. O momento presente é visto como o material vivido que estava ouvindo vozes e quando. A experiência subjetiva está
do qual verbalizações, interpretações, representações, generaliza­ no início e no fim de grande parte da ciência objetiva. É o inicia-
ções e metapsicologia são abstrações derivadas. Alguém bem que dor do aceito-como-verdadeiro e árbitro final do que aconteceu.
poderia perguntar: “Por que, então, uma unidade que consiste no Sua “realidade” não é questionada nem examinada. Sabemos dis­
agora subjetivo não desempenhou um papel mais central em nossas so muito bem.
psicologias?” E exatamente isso que estou tentando conseguir. Embora aceitas, as descobertas da psicologia da Gestalt, que se
Em geral o momento presente, tanto como unidade subjetiva apóiam muito na experiência subjetiva, não tiveram um papel tão
quanto como unidade de microprocesso, tem sido negligenciado. importante quanto poderiam ter.
Apesar dos supramencionados trabalhos de James, Fraisse, Koffka, Numa vertente semelhante, a psicologia contemporânea conse­
William Stern, Merleau-Ponty, Varela e outros, o assunto não en­ guiu viver com chronos como seu conceito de tempo e usá-lo pro­
trou no mainstream das preocupações psicológicas acadêmicas. A dutivamente. Por exemplo, se alguém está interessado nas noções
psicologia não-clínica autodefiniu-se como uma ciência objetiva e, de antes e depois, na estimativa de intervalos de tempo, nos limites
até muito recentemente, afastou-se do subjetivo e do fenome- temporais de perceber simultaneidade ou continuidade, na maioria
nológico. Essa relativa negligência tem razões históricas. As tentati­ dos estudos sobre a memória ou mesmo em como as narrativas ou
vas de tornar objetiva a experiência subjetiva tiveram até hoje um o mundo real são construídos na mente, não é necessário um mo­
sucesso limitado. A psicologia introspeccionista, na primeira parte mento presente tão denso quanto um ponto, nem unidades de tem­
do século X X , nunca cumpriu sua promessa. A concepção de que a po subjetivas e tampouco momentos presentes que se desdobram
introspecção era, na melhor das hipóteses, uma retrospecção pri­ com contornos de tempo característicos.
mitiva parece ter condenado a objetividade. Além disso, os relatos Em resumo, até recentemente, a psicologia acadêmica tradicio­
fenomenológicos de experiência são limitados a estudos de caso nal não sentiu a necessidade urgente de prestar atenção à natureza
único aos quais a replicação impõe grandes problemas. e à estrutura de experiências subjetivas como o momento presente.
Perto do fim do século X X , ocorreu uma mudança. Alguns pen­ A nova aliança da psicologia com as neurociências mudou isso, e
sadores (por exemplo, Marbach, 1 9 8 8 ,1 9 9 3 ,1 9 9 9 ; Naudin, Gros- um diálogo mais frutífero está ocorrendo agora.
Azorin, Mishara et al., 1999; Varela e Shear, 1999; Zahavi, 2001) Houve também uma negligência geral do momento presente por
sugeriram como uma abordagem fenomenológica poderia ser útil parte da psicanálise e das psicoterapias psicodinâmicas. De uma
para a psicologia objetiva. Com o advento de novas técnicas de perspectiva psicodinâmica, o significado e a coerência narrativa de
imagem do cérebro, relatos auto-reflexivos ganharam importân­ uma história de vida são as preocupações principais. Em termos
cia renovada (por exemplo, Cabeza, 1999; Gardiner, 2000). Na mais amplos, a psicanálise está interessada no relacionamento entre
verdade, importantes eles sempre foram, apenas passaram sem ser partes da experiência atual, das experiências passadas e de estrutu­
examinados. Por exemplo, Silbersweig e Stern (1998) determina­ ras pré-formadas que, juntas, compõem padrões significativos. A
ram que a atividade elétrica no córtex auditivo de um paciente sincronia entre essas partes (uma perspectiva de chronos) é impor­
paranóico durante uma alucinação auditiva era similar àquela ob­ tante para a psicanálise, mas não a sincronia dentro das partes indi­
servada quando o paciente estava escutando alguém falar com viduais, especialmente o presente. (A noção de tempo psíquico

160 161
O MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

fragmentado de Green [2000] é apenas uma exceção parcial.) No significados, e não uma descrição detalhada da experiência-como-
entanto, é o mundo microdiacrônico do presente que é nosso foco vivida subjetiva num momento presente qualquer.
principal. Meu argumento é o de que, quanto mais tempo o terapeuta
Na seguinte exploração do momento presente na terapia, estou puder permanecer no momento presente e explorá-lo, mais cami­
evidentemente falando do momento presente como recordado ver­ nhos diferentes se abrirão para ele seguir. Sugiro que existe um gran­
balmente, no qual a narração acontece após (mesmo que apenas de valor clínico num interesse mais demorado no momento presente.
instantes após) a experiência vivida. Ela foi remodelada pela lin­ Não é o mesmo que dizer que as redes associativas precisam ser
guagem. O que, então, torna esse exame do momento presente dife­ substituídas por um foco no momento presente, ou que os dois
rente do processo psicanalítico normal de exploração da experiência estão teoricamente em competição. Eles são diferentes e comple-
subjetiva? Existem duas diferenças. mentares. Qual deve ser seguido em que momento é uma decisão
A primeira reside no pressuposto de que o momento presente técnica. Muitos terapeutas dizem que se utilizam das explorações
(mesmo quando contado) revela um “mundo num grão de areia* do momento presente. Mas como podem usá-lo bem quando têm
que vale a pena examinar clinicamente em si e por si mesmo. Por um senso mínimo da natureza e da estrutura do momento presente
outro lado, o pressuposto mais tradicional é o de que o momento e não conseguem entender o que faz dele um pacote de experiência
presente, quando contado, serve principalmente como a matéria- em si psicodinamicamente fascinante? Quando a terapia é vista
prima da qual um fio associativo pode ser escolhido para criar uma ioroanaliticamente, tendo como foco o momento presente e as
rede associativa. É, então, a rede associativa que contém “o mundo lüências de momentos presentes, começa-se a vê-lo desdobrar-se
num grão de areia” — os significados buscados. A real experiênda- de uma forma um pouco diferente do que de costume. A compre­
como-vivida não tem de ser examinada à exaustão para permitir a ensão do processo se aproxima mais do primeiro plano, e a busca
operação de associação livre e depois a interpretação. Muitas ve­ ; do significado se desloca mais para o segundo plano. O resultado é
zes, quando o paciente (bem treinado psicodinamicamente) come­ uma grande valorização da experiência e um avanço menos apres­
ça a contar sobre um momento presente, assim que chega a uma sado para a interpretação.
sensação, sentimento, imagem ou palavra que leve a um caminho Sob condições especiais e periódicas, a psicanálise tem um con­
associativo, ele tende a tomar tal caminho. Isso significa que a ex­ fronto total, prolongado e direto com momentos presentes que
ploração da experiência-como-vivida é interrompida pelo trabalh estão sendo verbalizados quase no instante em que estão aconte­
associativo que o leva para longe do momento presente original O cendo: durante o surgimento do material de transferência/contra-
paciente pode ou não voltar a ele e retomá-lo de onde o deixo" isferência no palco mental no instante em que ela ocorre no
Normalmente ele não o faz, preferindo saltar adiante para outro aqui e agora. Este aspecto da psicanálise se destaca como bastante
elemento da experiência ou para outra experiência que pareça pr diferente da investigação psicodinâmica em geral. O enactment
missora para uma viagem secundária associativa relacionada que da transferência e contratransferência requer uma abordagem que
possa ampliar o significado. é muito mais fenomenológica. Existe uma tradição de quase um
Tecnicamente, estas não são viagens secundárias. São a essênc século por trás disso. Ele é solidamente abordado no trabalho de
do trabalho psicanalítico, porque é a rede associativa que revela gí alguns psicanalistas (por exemplo, Ehrenberg, 1992; Knoblauch,
O MOMENTO PRESENTE
O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

2000). É por esta razão que o Boston CPSG trabalhou tão inten­
Vale a pena desvendar o conceito de revisão-pós-fato para que
samente para compreender os encontros intersubjetivos no mo­
possamos ver melhor o momento presente, que de outro modo pa­
mento presente. rece desaparecer após ser revisado. Creio que a revisão se enquadra
Na maior parte da prática clínica, porém, o foco no relaciona­
em quatro categorias ou níveis. A primeira é uma “revisão por eta­
mento de transferência no momento presente é mantido apenas pas”, que se dá enquanto o momento presente ainda está se desdo­
por tempo suficiente para ser interpretável na hora certa. Teorica­ brando. Cada instante subseqüente do momento presente que passa
mente, após a interpretação, a parte da transferência explicada em revisa o passado-do-momento-presente imediato. (Lembre-se do
termos do passado se afasta. O terapeuta, então, deixa o presente presente de três partes de Husserl.) Este é um processo constante,
fenomenológico do relacionamento para retornar ao passado, aos que termina quando a gestalt do momento presente é apreendida.
aspectos históricos e narrativos mais tranqüilos da psicodinâmica. Em outras palavras, o après-coup opera no presente prolongado,
O relacionamento como ele ocorre no aqui e agora é abandonado e no presente, e não apenas depois. A linguagem não é necessária a
o tratamento prossegue em outro plano. essa contínua revisão por etapas. Isso faz da revisão um processo
Em resumo, na maioria dos tratamentos psicodinâmicos, existe mais geral. Todas as experiências estão sendo constante e sucessiva­
uma pressa rumo ao significado, deixando para trás o momento mente revisadas instante a instante. Não se trata de uma ocorrência
presente. Esquecemos que há uma diferença entre significado, no incomum ou periódica, é como a mente funciona.
sentido de compreender o suficiente para explicar, e experimentar O segundo tipo de revisão-pós-fato é aquela produzida pela
algo com profundidade cada vez maior. Retornarei mais tarde a transposição da experiência para a linguagem — a revisão através
esta distinção vital. da verbalização.
A segunda diferença entre minha busca do momento presente e O terceiro tipo é o que foi originalmente concebido pelo só-
o processo psicanalítico usual de exploração da experiência subjeti­ depois — especificamente, no qual uma experiência posterior modi­
va concerne à questão da revisão pós-fato (o après-coup ou só- fica significativamente o passado ao compreender um acontecimento
depois) — em outras palavras, ao relacionamento problemático entre anterior. E uma espécie de reavaliação que poderia se chamada uma
uma experiência vivida (um momento presente) e sua (re)construção revisão “conceituai”.
lingüística posterior. Isso sempre foi uma grande preocupação para O quarto tipo de revisão é aquele que ocorre durante a entre­
a psicanálise, que, normalmente, se interessa mais pela (re)construção vista microanalítica. (Ver o Apêndice para mais detalhes.) Em resu­
do que pelo acontecimento (se conhecível). Afinal, é a (re)cons- mo, não se trata de uma simples e única descrição lingüística de um
trução que revisa o acontecimento e o transforma numa realidade momento presente, mas de uma detalhada composição e integração
psíquica psicodinamicamente pertinente. Num certo sentido, a psi­ de camadas para se chegar à experiência do momento presente.
canálise está tão focada no aspecto verbalmente reconstruído da Tem como objetivo a verossimilhança da vida — e não o significa­
experiência que o fenomenal se perde. Tudo no tratamento é pós- do. Grande parte das informações para os capítulos que se seguem
fato. É como se as funções intelectual e lingüística sempre operas­ foi reunida usando aspectos, modificações ou abreviações deste úl­
sem no que pode acontecer ou no que aconteceu, mas nunca no timo tipo de revisão. Muitos terapeutas acreditam fazer algo bas­
que está acontecendo (Merleau-Ponty, 1945/1962). tante semelhante em determinados pontos de seu tratamento ou ao
longo do tempo. Questiono veementemente esta afirmação.

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0 MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

Este último tipo de revisão não é uma questão psicoterapêutica então representado verbalmente e usado psicodinamicamente. Em
comum. Os pressupostos básicos que a guiam são diferentes, o co­ outras palavras, o que as torna diferentes das terapias “através da
nhecimento a respeito da natureza de um momento presente é dife­ conversa” é, sobretudo, o método utilizado para evocar esse mate­
rente, o método é diferente, o objetivo é diferente e as descrições rial e sua fonte. Como esse material é finalmente usado não difere
resultantes são diferentes. muito das terapias através da conversa. Embora dispensem muita
Em suma, a psicanálise trata os acontecimentos conforme estes atenção à estrutura microtemporal do processo na prática, essas
se desdobram no momento presente como eventos deslocados no terapias dão menos importância a sua descrição detalhada e
tempo e na pessoa (transferência), como mais uma representação conceitualização.
de padrões passados, como trampolins para associações livres ou
como apenas acontecimentos superficiais, como o conteúdo mani­ A natureza e o amplo escopo do saber implícito trazem diversas
festo dos sonhos. Muito se perde. implicações para a clínica. Um dos conceitos mais inclusivos usados
Algumas psicoterapias dão especial atenção ao “aqui e agora”, no tratamento psicanalítico tradicional é o da resistência. Uma de­
especialmente as escolas de psicoterapia existencial, relacionai e finição simples e abrangente de resistência é feita por Laplanche e
gestalt-terapia, bem como as terapias de movimento, dançaterapia, Pontalis: “O nome ‘resistência’ é dado a tudo que nas palavras e
musicoterapia e terapias expressivas. Elas tentam manter o foco, nos atos do analisando obstrui seu acesso ao inconsciente” (1967/
o máximo possível, no que está se desenrolando no momento pre­ 1988, p. 394). Inconsciente, aqui, refere-se ao inconsciente dinâmi­
sente do relacionamento. Essa interação centrada no presente é co reprimido. No pensamento de Freud, repressão e resistência eram
vista como o contexto principal para a emergência do material a essencialmente a mesma coisa, no sentido de que ambas impediam
ser trabalhado. Tradicionalmente, as terapias sistêmicas também o inconsciente dinâmico de ganhar a consciência. Segundo Laplanche
têm voltado bastante atenção para o presente. Muitas das mano­ e Pontalis, Freud acabou por ver a resistência como um conceito
bras terapêuticas tradicionais tentam alterar o contexto prevalente, mais amplo, como demonstra sua descrição dos cinco diferentes
físico ou psicológico, para que os pacientes se encontrem num tipos de resistência: recalque, resistência de transferência, resistên­
presente modificado. Nesse contexto alterado, novos comporta­ cia do benefício secundário da doença (estas são defesas do ego),
mentos, pensamentos e sentimentos emergem e são usados resistência do superego, proveniente da culpa inconsciente e da ne­
terapeuticamente. cessidade de punição, e resistência do id, na forma da compulsão à
Mas, embora o presente tenha sido usado clinicamente, não repetição.
houve tentativas sistemáticas de explorar e descrever a feno- O problema com que agora deparamos é que o saber implícito
menologia da experiência no momento presente. Da mesma forma, não é dinamicamente inconsciente e não é, portanto, impedido de
em muitas psicoterapias corporais e terapias de movimento, embo­ chegar à consciência por resistências (recalque). Ele é não conscien­
ra a ação presente esteja se desdobrando em contornos temporal­ te por outras razões que mencionei. O conceito de resistência não
mente dinâmicos, poucas vezes tentou-se conceitualizar esse aspecto se aplica ao saber implícito. Esta limitação adquire importância ainda
microdiacrônico. Muitas dessas “terapias que extrapolam a conver­ maior quando consideramos o enorme escopo do saber implícito,
sa” usam suas técnicas poderosas para evocar um material que é tanto na vida cotidiana quanto na psicoterapia. Memórias e repre­

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0 MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

sentações reguladoras implícitas desempenham um papel constante Quando a mãe pára de falar, os pedaços do mundo do bebê
na modelagem da transferência e do relacionamento terapêutico, jazem espalhados por toda parte. Aquele mundo original se foi.
em geral, bem como na constituição de boa parte de nosso passado Algo se ganha e algo se perde quando a experiência é posta em
vivido e presente sintomático. palavras. A perda é de completude, verdade sentida, riqueza e sin­
Aparentemente, a maior parte do material descritivamente ceridade. Existe algum tipo de resistência operando para reagir a
inconsciente prescinde do conceito de resistência, que deve ago­ essa perda — uma resistência que mantenha algumas experiências
ra ficar confinado apenas a situações que envolvem um material protegidas em seu estado ricamente complexo, não-verbal, não-
inconsciente dinâmico recalcado. Os enactments, que estão re­ reflexivamente consciente? Talvez seja uma resistência estética e
cebendo a atenção de que tanto necessitam, caem numa zona moral fiel a si mesma, uma resistência existencial contra o empo­
cinzenta entre o dinamicamente inconsciente e implicitamente brecimento da experiência vivida. Em todo caso, com o reconhe­
não-consciente. cimento da natureza e do alcance do saber implícito, o escopo e a
Poderia a tipologia inicial de Freud das resistências ser útil para aplicabilidade do conceito de resistência foram significativamente
a compreensão das dificuldades de se passar do implícito para o reduzidos.
explícito? Vem à tona a questão da violação de alguma espécie de Outra implicação crucial de uma melhor compreensão do do­
completude e pureza. Vale recordar a citação de Alessandro Baricco mínio do saber implícito concerne à mudança psicoterapêutica. Nós
no capítulo 7, que descreveu o estado puro de uma idéia não ver­ do Boston Group (BCPSG) e muitos outros nos demos conta de
que, para efetuar a mudança terapêutica, nem sempre é necessário
balizada como uma “bela bagunça”, um saber implícito. Isso é co­
interpretar no domínio explícito. Ela pode vir através de alterações
mentado na descrição de Stern (1985) da criança que está adquirindo
no saber implícito.
a linguagem, cujo mundo confortável, rico, implícito e pré-verbal é
fraturado em pedaços irreconhecíveis quando a linguagem se ane­
Uma implicação diferente para a teoria clínica diz respeito ao lugar
xa às suas experiências implícitas. Em Diário de um bebê (Stern,
da ação versus linguagem. Quanto mais proeminente o saber implí­
1990, p. 122), uma criança de 9 meses, fictícia, brinca na parte
cito se torna, mais importância o não-verbal adquire. Todos os
iluminada pela luz do sol de um assoalho de madeira. Isso cria para
momentos presentes envolvendo contato intersubjetivo implicam
ela um mundo rico, sentido através de sensações multimodais. Ele
ações, seja um olhar mútuo, uma mudança de posição, um gesto,
tenta lamber o raio de sol no chão. A mãe o impede abruptamente
uma expressão facial, uma alteração na respiração ou no tom ou
e diz: “É só um raio de sol, querido. É só para olhar. É apenas luz
força da voz. Esquecemos que todos os contornos paralingüísticos
no chão. Você não pode comer o raio de sol. E sujo.”
dos sons da fala são atos motores sentidos por um ouvinte que está
Se a criança fictícia tivesse compreendido as palavras da mãe,
participando da experiência proprioceptiva vocal do falante.
teria pensado algo como: “Cada uma das palavras dela é um golpe
Knoblauch (2000) descreveu isso de uma bela maneira na situação
abafado que parte meu espaço em pedaços. ‘Só um raio de sol’ — clínica. Cabe lembrar que todas as vinhetas clínicas usadas como
mas era a minha poça, uma poça especial! ‘E só para olhar’ — eu exemplos de momentos presentes no capítulo 1 contêm uma ação
ouvi. Eu senti, também! ‘Apenas luz no chão’ — Como? ‘E sujo’ — básica — por exemplo, o cumprimento com ambas as mãos e o
Eu estava dentro dela.” olhar mútuo que o acompanhou.

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O MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

Estaria eu dando prioridade à ação (ou ação conjunta) em rela­ o mental. Como, então, devemos justificar o fato de que agora ve­
ção ao pensamento? Sim e não. Tal pergunta não faz sentido da pers­ mos a terapia, até a psicanálise, como extremamente baseada na
pectiva contemporânea de uma mente incorporada e de uma ação no domínio implícito, mesmo quando estamos apenas falando
capacidade para a participação centrada no outro. A recente mudan­ e escutando?
ça de paradigma nas ciências cognitivas propõe uma mente que não é O problema real não é a ação em si, mas certos tipos de ações
uma entidade desincorporada independente. Na verdade, o próprio que permitem possíveis interpretações (equivocadas). A expres­
pensar requer e depende de sentimentos que emanam do corpo, bem são de amor de um paciente por seu terapeuta que é carregada no
como de movimentos e ações (ver Clark, 1997; Damasio, 1999; tom de voz, no olhar e na maneira de se movimentar, e não ence­
Sheets-Johnstone, 1999; Varela, Thompson e Rosch, 1993). Momen­ nada de forma clara e inegável, é permitida (Stern, 1992). Por
tos presentes envolvendo encontros intersubjetivos baseiam-se em quê? Porque as ações são negáveis? Inconscientes? Não-conscien-
pessoas com mentes incorporadas que agem e reagem tanto física tes? Ações pouco reais? Tecnicamente capazes de serem manipu­
quanto mentalmente. ladas e utilizadas? Dessa forma, a linha divisória entre ações
Antes dessa mudança conceituai, quando corpo e mente ainda permissíveis e não-permissíveis se torna técnica ou moral e legal
se achavam separados, era pertinente perguntar: “Estamos dando em vez de teórica.
prioridade à ação em relação ao pensamento?” As respostas deter­ Estas considerações levantam questões antigas sobre a divisão
minaram a teoria e a prática. Por exemplo, Freud foi cartesiano ao entre as terapias mais psicanalíticas e aquelas de corpo, ação, movi­
separar o mental do físico. Ele concebeu o pensamento como um mento e expressão. Dada a tradicional posição da psicanálise, com
derivado da (secundário à) ação inibida. A ação era primária para sua concentração no verbal, era inevitável que terapias privilegian­
ele. Muitas vezes nos esquecemos disso. Seu exemplo clássico era do o físico surgissem. Nesse ponto no tempo, ninguém pode reivin­
um bebê faminto que não conseguia dar início à “ação específica” dicar um caminho real para o inconsciente. O sonho, a associação
da pulsão (sugar para satisfazer o desejo) porque a mãe não estava livre, o momento presente, sensações ou expressões corporais e ações
presente. Conseqüentemente, a energia psíquica em geral dire­ são todos, senão reais, ainda bons caminhos para a mente, incluin­
cionada para as funções motoras e sensoriais da boca foi do o inconsciente e o implícito.
redirecionada e canalizada para a parte perceptual da mente para Outra importante implicação diz respeito à visão da inter­
criar uma alucinação de sugar-beber. A ação inibida se transforma subjetividade como um sistema motivacional importante, como
num produto derivado, os fenômenos mentais. descrito no capítulo 6. Quantos sistemas motivacionais importan­
De forma semelhante, a técnica do divã e a proibição do acting- tes e menores existem, afinal? Esta questão ultrapassa o escopo des­
in ou do acting-out eram para empurrar a energia psíquica para a te livro, portanto a abordaremos apenas de passagem (ver Dornes,
expressão via pensamento, onde ela poderia ser seguida com a as­ 2002; Lichtenberg, 1989).
sociação livre e a “cura pela fala”. As proibições técnicas e teóricas Num extremo, a psicanálise propôs somentes dois sistemas im­
da ação, especialmente do acting-in, também foram originalmente portantes prioritários: os instintos de vida e os de morte. Estes ten­
utilizadas pela psicanálise para conter e redirecionar enactments de diam a absorver todos os outros sistemas motivacionais importantes,
transferência e contratransferência potencialmente disruptivos para desse modo borrando suas fronteiras e impedindo-os de ser de­

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0 MOMENTO PRESENTE O MOMENTO PRESENTE E A PSICOTERAPIA

vidamente considerados. O caso da teoria do apego é instrutivo. A psicanálise começou com o inconsciente e descartou a consciên­
Por muitas décadas a psicanálise ou rejeitou a teoria do apego ou a cia como auto-evidente. Entretanto, o inconsciente psicanalítico,
assimilou, fazendo-a desaparecer, apesar do fato de que esse siste­ em sua máxima simplicidade, é a consciência mascarada pela re­
ma motivacional importante originou-se, em parte, de uma pers­ pressão. Portanto, a questão mais crucial é: o que é a consciência e
pectiva psicanalítica. Só mais recentemente é que a teoria do apego como algo se torna consciente? Como mascarar esse fenômeno
está assumindo um lugar confortável no pensamento psicodinâmico misterioso é uma questão importante, porém secundária. A virada
vigente. Vejo a intersubjetividade ocupando uma posição semelhante para a consciência está ligada à virada para o momento presente.
à que o apego mantinha anteriormente. Ambos se originam da mesma tendência.
No outro extremo, muitos sistemas motivacionais desempenham
papéis diferentes na sobreviência da espécie e do indivíduo. Mas
sem uma hierarquia clinicamente útil, os terapeutas estariam
extremamente limitados. Atualmente, parece que fomos pegos en­
tre estes dois extremos. A quantidade e a ordenação dos sistemas
motivacionais que são clínica e teoricamente satisfatórias são um
trabalho em curso.
Talvez as duas conseqüências clínicas que mais se destacam por
ser a intersubjetividade um sistema motivacional importante sejam:
(1) que ela afirma a idéia de que o relacionamento terapêutico é
essencialmente um fenômeno de duas pessoas e co-criado (o
intrapsíquico tornou-se subordinado ao intersubjetivo), significan­
do que a terapia é uma jornada co-criada; e (2) que é clinicamente
benéfico ver o desejo de ser conhecido e realizar o contato inter­
subjetivo como um motivo importante para levar em frente a
psicoterapia. Também nos permite olhar o processo terapêutico
como uma tentativa de regular o campo intersubjetivo, o que nos
fornece uma perspectiva de organização. Nos capítulos seguintes
isso vai se tornar evidente.
Finalmente, que implicações fluem por se desviar a investigação
do inconsciente e apontá-la para a consciência? Talvez o verdadeiro
mistério seja a consciência, e não o inconsciente. Lembre-se de que
o momento presente, ainda que formado intuitiva e implicitamen­
te, atinge a consciência. A psicologia acadêmica começou com a
consciência como o problema e ignorou o inconsciente dinâmico.

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Capítulo 10

O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

SEGUIR a d ia n t e É O TERMO que o Boston CPSG usa para o diálogo


cotidiano que leva à frente uma sessão de terapia, ao menos no
tempo. É o que terapeuta e paciente fazem juntos. E o que torna o
seguir adiante especial é a escala na qual observamos o diálogo. E o
processo terapêutico visto através de uma lente microanalítica, na
qual as unidades têm duração de alguns segundos. Como vimos, a
vida entre as pessoas é vivida diretamente numa escala relativamen­
te pequena: uma frase, uma pausa, uma expressão facial, um gesto,
um sentimento, um pensamento. Evidentemente, tudo isso pode
ser amarrado e reunido em unidades abrangentes. Chamaremos esta
escala pequena de nível local. E nele que os momentos presentes
emergem (Boston CPSG, Report n° 3 ,2 0 0 3 ; Boston CPSG, Report
n° 4, no prelo; Stern et al., 1998; Tronick, Bruschweiler-Stern,
Harrison, 1998).*
Quando uma sessão de terapia completa é analisada após seu
término, é fácil reconstruir sua trajetória, ver seus principais temas

*Muitas das idéias centrais deste capitulo e dos dois subseqüentes são oriundas do trabalho
do Boston Change Process Study Group (Boston CPSG). A colaboração do grupo apareceu
em diversas publicações citadas no texto. Assumo a responsabilidade pelas várias mudan­
ças feitas em nossas formulações coletivas.

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0 MOMENTO PRESENTE O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

e estimar onde ela se encaixa no seu curso geral. Entretanto, quan­ trospecção e à co-(re)construção. O movimento relacionai, por ou­
do a sessão é vista de dentro, enquanto ainda está acontecendo, seu tro lado, como não penetra a consciência, só pode ser descrito obje­
caminho fica menos claro, simples e direcional. O seguir adiante tivamente, como um fenômeno de terceira pessoa, ainda que seja
captura o processo muitas vezes sem direção e perambulante de uma experiência de primeira pessoa enquanto está acontecendo. Os
procurar e encontrar um caminho a seguir, de perdê-lo e depois aspectos mentais do movimento relacionai precisam ser inferidos.
reencontrá-lo (ou achar um novo), e de escolher objetivos a atingir Os momentos presentes conscientes podem ser divididos em
— objetivos que são com freqüência descobertos apenas à medida três grupos. Primeiro, há o momento presente normal, descrito em
que se avança. Esta é a visão do processo no nível local à medida que detalhe em capítulos anteriores. Segundo, há o momento agora. É
ele se desdobra. um momento presente que espoca de súbito, altamente carregado
O que é único nesta abordagem é a perspectiva do processo: de de conseqüências imediatamente iminentes. E um momento de
dentro da terapia no nível local. (O trabalho de Labov e Fanshel kairos, repleto de presentidade e de necessidade de agir. Terceiro,
[1977] é um estudo pioneiro que aponta nessa direção.) há o momento de encontro. E um momento presente no qual as
Vou explorar o seguir adiante no nível local na forma de diver­ duas partes têm um encontro intersubjetivo. Nele, os dois se dão
sas perguntas: Quais são os elementos que o compõem? O que leva conta do que cada um está experimentando. Eles compartilham uma
o seguir adiante à frente e regula o seu fluxo? Qual é a natureza do paisagem mental suficientemente similar para que um senso de
processo do seguir adiante? E para onde vai o seguir adiante? “adaptabilidade específica” seja atingido (Sander, 1995a, 1995b,
2002), Em geral, momentos de encontro vêm imediatamente em
seguida a momentos agora, que os montam, e resolvem, então, a
QUE ELEMENTOS COMPÕEM O SEGUIR ADIANTE? necessidade de solução criada no momento agora.

Dois elementos formam o seguir adiante: momentos presentes dos


quais simplesmente se está ciente e momentos presentes que pene­ O QUE LEVA O SEGUIR ADIANTE
tram a consciência. Os últimos são as unidades que aglomeram pa­ À FRENTE E REGULA O SEU FLUXO?
lavras, gestos, silêncios etc. em agrupamentos significativos. Eles
envolvem o fluxo do comportamento. Chamarei os momentos pre­ Em grande parte, o que impulsiona o seguir adiante é a necessidade
sentes que só estão na consciência perceptiva de movimentos re­ de estabelecer um contato intersubjetivo. É por este motivo que
lacionais. A pessoa está ciente de um movimento relacionai enquanto consideramos o motivo intersubjetivo geral como particularmente
este está sendo executado. Mas ele não penetra a memória de longo relevante para a situação clínica. Existem três motivos intersubjetivos
prazo nem aparece mais tarde em relatos narrativos como um acon­ principais que impelem o processo clínico. O primeiro é sondar o
tecimento autobiográfico recordado. E provável que tenha a mes­ outro e verificar onde nos encontramos no campo intersubjetivo.
ma arquitetura temporal e estrutura de história vivida que um Foi isso que chamei de orientação intersubjetiva. Ela envolve o exa­
momento presente consciente. me momento a momento, sobretudo fora da consciência, de onde
Metodologicamente, o momento presente consciente pode ser está o relacionamento entre paciente e terapeuta e para onde este se
descrito como um fenômeno de primeira pessoa aberto à in- dirige. Esta é uma precondição do trabalho em conjunto.

176 177
O MOMENTO PRESENTE O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

O segundo motivo intersubjetivo é compartilhar a experiência, está dizendo que ainda não está disponível ou não deseja esse tra­
ser conhecido. Implica o desejo de aumentar constantemente o cam­ balho em conjunto.)
po intersubjetivo — em outras palavras, o território mental manti­
do em comum. Toda vez que o campo intersubjetivo é aumentado, Movimento relacionai 2
o relacionamento é implicitamente alterado. Isso significa que o
paciente está experimentando um novo modo-de-estar-com o Terapeuta: Ah. (Dito com um aumento no tom da voz no fim. Isso
terapeuta e, tomara, com os outros. A mudança é implícita. Não é serve como um reconhecimento da declaração da paciente. Não
preciso que ela se torne explícita e que se fale dela. Ela se torna está claro se é uma aceitação total do estado intersubjetivo que a
parte do saber relacionai implícito do paciente. Outra conseqüên­ paciente externou, um discreto questionamento dele, ou ambos.
cia é que sempre que o campo intersubjetivo é ampliado, abrem-se De qualquer modo, é preciso um pequeno passo à frente em dire­
novos caminhos para a exploração explícita. Um pouco mais do ção ao trabalho em conjunto — pequeno, porém significativo, com­
mundo do paciente se torna consciente e verbalmente compreensível. parado a um silêncio ou mesmo a um “humm” [com uma queda
O terceiro motivo intersubjetivo é definir e redefinir nosso self
final no tom da voz]. O “ah” é mais aberto e questionador do que o
usando o self refletido nos olhos do outro. Nossa identidade é re­
“humm”. Ele implica um acontecimento futuro.)
modelada ou consolidada nesse processo.
Estes objetivos são atingidos no nível local pelas seqüências de Movimento relacionai 3
movimentos relacionais e momentos presentes que formam a
sessão. Ambos: [Um silêncio de seis segundos se segue.] (A paciente sinaliza
O exemplo a seguir ilustra um diálogo de movimentos relacionais
sua hesitação em se apressar para mudar o statu quo intersubjetivo
e momentos presentes que ajustam o campo intersubjetivo. Ele pro­
imediato. Ao deixar o silêncio evoluir, o terapeuta expressa uma
vém da experiência clínica de um membro do Boston CPSG. Com­
intenção implícita de não modificar as coisas por enquanto. É tam­
parado a muitos casos clínicos, este é bastante banal, e não contém
bém um convite implícito e talvez uma pressão suave para que a
acontecimentos dramáticos. Isso vale para a maioria dos exemplos
paciente quebre o silêncio. Ou ambos. De uma forma ou de outra,
clínicos que utilizo. Lembre-se de que estamos investigando o pro­
cesso e não o conteúdo. Teoricamente, poderíamos aterrissar numa eles estão co-criando uma espécie de aceitação mútua do statu quo
sessão quase em qualquer lugar para vislumbrar algumas das carac­ imediato — em outras palavras, não fazer nem dizer nada. Resta
saber se se trata de uma aceitação sólida ou instável.)
terísticas de seu processo.

Movimento relacionai 1 (abertura da sessão) Movimento relacionai 4

Paciente: N ão m e sinto inteiram ente aqui hoje. (A intenção Paciente: É. (A posição intersubjetiva original é reafirmada pela
intersubjetiva é anunciar o estado imediato da posição dela no paciente. Ela ainda não está pronta para ir em frente ou chegar
relacionamento. Isso estabelece uma certa distância e relutância mais perto. Entretanto, indica que deseja manter contato ao dizer
em fazer o trabalho intersubjetivo, ao menos por enquanto. Ela algo. Ela não se aproximou, mas não se retraiu.)

17R 179
O MOMENTO PRESENTE O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

Movimento relacionai 5 com os silêncios. A paciente mantém distância mas também o con­
tato, para que uma sensação de que ela está se decidindo paire no
Ambos: [Mais uma vez um silêncio intervém .] (A paciente ainda ar. Está claro que as posições intersubjetivas de um em relação ao
não aceita o convite implícito para continuar do último movimen­ outro são instáveis. Mas sinalizaram que por enquanto podem tole­
to. No entanto, como o contato foi mantido com o “E”, o silêncio rar este modo de estar-junto limitado e temporário. O compar­
pode prosseguir sem criar nenhuma perda importante de território tilhamento desta tolerância conjunta, em si, traz uma ligeira mudança
intersubjetivo. O terapeuta está guardando seu território, mas, como no campo intersubjetivo.)
sua posição exata não ficou clara, o relacionamento pode tolerá-la.
Eles estão se deixando estar-juntos neste estado um tanto instável.) Momento agora

Movimento relacionai 6 Paciente: Aconteceu uma coisa na última sessão que me aborreceu...
[pausa]... mas não sei se quero falar sobre isso. (A paciente dá um
Terapeuta: Onde você está hoje? (O terapeuta agora faz um nítido grande passo à frente na direção do terapeuta no sentido de com­
movimento na direção da paciente na forma de um convite para partilhar uma experiência e expandir o campo intersubjetivo. Há
alargar o campo intersubjetivo.) também um hesitante passo atrás. A tensão anterior é quebrada e
uma nova é criada. Foi feita uma abertura que promete expandir
Movimento relacionai 7 mais o campo intersubjetivo. Isso se qualifica como um pequeno
momento agora porque concentra a atenção em novas implicações
Paciente: Não sei, só não estou muito aqui. (A paciente dá um passo do momento presente e sua solução.)
à frente e meio passo atrás. O passo à frente é provavelmente o maior,
porque ela compartilha algo, especificamente, o não saber onde está Tentativa de um momento de encontro
hoje. [Mais tarde, fica claro que isso não é verdade. Ela sabe, mas não
está pronta para falar sobre isso. As condições intersubjetivas ainda Terapeuta: Entendo... Então, nossa última sessão é o outro lugar
não estão boas.] Seu “só não estou muito aqui” reafirma seu primei­ onde você está agora? (Ele valida o que ela disse como um agora
ro movimento relacionai. A paciente também recusa parcialmente o intersubjetivamente compartilhado — especificamente, que ela não
convite do analista para aumentar o campo intersubjetivo.) está inteiramente ali, estando ainda ocupada por algo inquietante
que aconteceu na última sessão. Ele se aproxima dela, mas sem
Movimento relacionai 8 pressioná-la.)

Ambos: [Um silêncio relativamente longo.] (Com seu silêncio, o Movimento relacionai 9
terapeuta indica que não pretende fazer outro convite, pelo menos
não agora. Nem vai pressioná-la mais fortemente. Vai esperar que a Paciente: É... Não gostei quando você disse... (A paciente explica o
paciente tome a iniciativa. Isso, também, é uma espécie de convite e que a desagradou na última sessão. Um campo de intersubjetividade
pressão, fraco ou forte, dependendo do padrão habitual para lidar maior agora começa a ser reivindicado e compartilhado.)

ia n 181
O MOMENTO PRESENTE O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

Interrompo aqui a transcrição para evitar discutir o conteúdo "Desordem" e co-criação: as virtudes criativas
pertencente à primeira agenda e restringir-me à segunda agenda de da "desordem" no processo psicoterapêutico
regular o ambiente microintersubjetivo.
Ainda que pouco pareça ter acontecido até agora no nível da A desordem resulta da interação de duas mentes trabalhando num
agenda de conteúdo, paciente e terapeuta estão se posicionando regime de “acerta-erra-conserta-elabora”, a fim de co-criarem e
intersubjetivamente para que algo possa emergir no nível do con­ compartilharem mundos semelhantes. Como o processo de enca­
teúdo. Mais importante ainda, de nosso ponto de vista, eles estão dear (às vezes bem frouxamente) movimentos relacionais e momen­
tos presentes é altamente espontâneo e imprevisível de movimento
estabelecendo um corpo de saber implícito sobre como trabalham
a movimento, existem muitas combinações inadequadas, descar­
juntos para chegar a algum lugar. Estão estabelecendo padrões im­
rilamentos, desentendimentos e indeterminação. Estes “erros” re­
plícitos complicados, exclusivos a eles, de como regular seu campo
querem um processo de conserto. O termo “desordenado” tornou-se
intersubjetivo.
um conceito legítimo no discurso científico graças à teoria dos sis­
temas dinâmicos, na qual tal fenômeno é crucial.
Minhas observações de pais e bebês me familiarizaram com esse
QUAL A NATUREZA DO processo de constante descarrilar e consertar em interações diádicas.
PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE? Existem muitos “maus passos” a cada minuto nas melhores in­
terações, e a maioria deles é rapidamente consertada por um ou
Imprevisibilidade ambos os parceiros. Em alguns períodos de interação, ruptura e
conserto constituem a principal atividade da mãe e do bebê. Des­
Enquanto está acontecendo, o seguir adiante é em grande parte um crevi esses descarrilamentos e escorregões como “maus passos na
processo espontâneo e localmente imprevisível. O terapeuta não dança” (Stern, 1977). Tronick (1986) dedicou ainda mais atenção a
tem como saber exatamente o que o paciente vai dizer em seguida, este fenômeno. Nós dois comentamos que os maus passos são mui­
muito menos o que ele mesmo vai dizer depois, até que o diga ou to valiosos porque a maneira de negociar os consertos e de corrigir
faça. E o mesmo se aplica ao paciente. Mesmo quando o terapeuta os escorregões é um dos mais importantes modos-de-estar-com-o-
sabe de antemão que o paciente em breve terá de falar sobre certo outro que se tornam implicitamente conhecidos. Eles eqüivalem a
assunto, não pode saber quando tal assunto virá à baila ou a exata mecanismos de enfrentamento. Assim, a seqüência ruptura-conser-
forma que irá assumir. Muitas vezes o tema que está à mão é bem to é uma das experiências de aprendizado mais importantes para
conhecido, mas ainda não se sabe o que vai acontecer em seguida. que o bebê enfrente o imperfeito mundo humano. Os maus passos
(Se o terapeuta acha que sabe, está tratando uma teoria e não uma na dança também foram descritos na tríade mãe-pai-bebê (Fivaz-
pessoa.) Por esta razão, a psicoterapia (como experimentada de Depeursinge e Corboz-Warnery, 1998; Fivaz-Depeursinge, Corboz-
dentro) é também um processo muito “desordenado”. Warnery e Frascarolo, 1998). Outros maus passos foram descritos
em situações de consultas médicas (Heath, 1988).
Quanto mais o Boston Group examinava o processo de seguir
adiante, mais começávamos a notar a desordem no processo mo­

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mento-a-momento da psicoterapia. (O Boston Group Report n° 4 segue, um movimento relacionai após o outro, de forma que a dire­
[no prelo] é dedicado a uma discussão muito mais ampla e profunda ção que vão tomar juntos é em grande parte determinada diadi-
da desordem. A atual discussão é um resumo.) Identificamos diver­ camente. Segundo, cada movimento relacionai e momento presente
sas fontes ou elementos da desordem. Em primeiro lugar, a dificul­ é projetado para expressar uma intenção relativa às intenções in­
dade do indivíduo de conhecer as próprias intenções, de transmiti-las feridas do outro. Os dois acabam por buscar, perseguir, perder, en­
e a dificuldade do outro de lê-las corretamente. Chamamos isso de contrar e moldar a intencionalidade de cada um. Nesse sentido,
difusão intencional. Em segundo, existe a imprevisibilidade. Em também, o processo de seguir adiante é co-criado.
terceiro, uma grande redundância, mais freqüentemente com vari­ Para desenvolver um pouco mais esta linha de raciocínio, a de­
ações de evolução. E, finalmente, o processo de seguir adiante é sordem numa psicologia de duas pessoas pode ser vista como aná­
por natureza improvisado. loga às irrupções de material inconsciente numa psicologia de uma
Progressivamente, começamos a apreciar o papel fundamental pessoa (associação livre, lapsus linguae). Ao lado de outros eventos
da desordem e vê-la não como um erro ou ruído no sistema, mas emergentes não planejados, os dois criam as descobertas-surpresa
como uma característica inerente das interações. A desordem do que empurram a díade para sua singularidade. Potencialmente, eles
processo joga elementos novos, inesperados e muitas vezes confu­ estão em meio a seus elementos mais criativos. Afinal, sozinha, a
sos no diálogo. Mas estes podem ser usados para criar novas possi­ teoria só fornece os ossos, a desordem e as irrupções de material
bilidades. A desordem não é para ser evitada nem lamentada, mas inconsciente são dois modos diferentes de prover a carne.
é, sim, necessária para compreender a co-criatividade quase ilimitada Os produtos da desordem são, assim, propriedades emergentes
do processo de seguir adiante. que brotam da contribuição mais ou menos igual de duas mentes e
De pouco valeria a desordem se não ocorresse num contexto de não tinham existência prévia, nem em forma latente. Conseqüente­
co-criatividade. Tanto a desordem como seu conserto ou uso ines­ mente, nada há para ser analisado de maneira psicodinâmica. A
perado são o produto de duas mentes trabalhando juntas para desordem cria algo que, mais do que compreendido, precisa ser
maximizar a coerência. Note que uso a palavra co-criar em vez de
vivido por completo e trabalhado. A idéia tradicional da análise da
co-construir porque esta última carrega a sugestão de que um plano
defesa não se aplica aqui. Um lapsus linguae não é desordem. Isso
prévio está sendo executado com peças já formadas, montadas con­
não eqüivale a dizer que algumas pequenas porções da desordem
forme um modelo conhecido.
não possam ser determinadas dinamicamente. Mas nem todas elas
Um conhecimento mais completo do papel dos movimentos
o são. São mais um produto inerente da interação do que do funcio­
relacionais e momentos presentes no processo de seguir adiante
namento psicodinâmico.
baseia-se na idéia de que o que quer que aconteça é co-criado, ou
A seguir, um exemplo de desordem e seu uso criativo.* Pode ser
co-ajustado. Este é um processo profundamente diádico embutido
que pareça um tanto confuso; afinal, é desordenado.
numa matriz intersubjetiva. Diversas idéias deixam isso claro. Pri­
meiro, cada movimento e momento cria o contexto para o seguinte.
Portanto, se o paciente (ou terapeuta) encena um movimento ‘ A fonte deste material é um caso conduzido por um dos membros do Boston Group. A
transcrição completa e os acontecimentos precedentes e subseqüentes estão incluídos no
relacionai, o movimento relacionai seguinte por parte do parceiro Boston CPSG, Report n° 4 (no prelo). Eles ampliam e enriquecem enormemente os argu­
já foi restringido e preparado. Esta mútua criação de contexto pros­ mentos expostos aqui.

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A paciente tinha um histórico de abuso infantil. As questões de Paciente: Hum. (Isso “significa”: “Não sei aonde vou chegar com
auto-estima, aceitação e capacidade de ação eram preponderantes. isso. Ou, se eu sei, não tenho certeza se vou chegar lá. Parece
Ela teve dois sonhos, um alguns dias antes da sessão (o “sonho de que você não vai me ajudar muito. Ou vai?” [o terapeuta aju­
sexta-feira”) e um na noite anterior (o “sonho de terça-feira”). Além da, sim].)
disso, após a primeira sessão, o terapeuta havia oferecido uma ses­ Terapeuta: Você realmente pensou em me ligar no sábado para fa ­
são extra e estava preocupado se a paciente se sentira coagida a lar do outro sonho. (Aqui temos a primeira surpresa. O terapeuta
aceitar. repentinamente muda para o sonho de sexta-feira, embora a
paciente tenha começado com o de terça-feira. Na verdade, a
Paciente: Então, são dois completamente diferentes... O sonho que mudança não é nem mesmo de sonho, mas do que ela pensou
tive ontem à noite fez com que eu me sentisse muito ligada a em fazer após o sonho — telefonar para ele. Por quê? Ele parece
você, e você sabe que isso me fez sentir... Não sei, acho que mais ter alterado radicalmente a direção das coisas. Ele sabia por quê,
perto de você, que você me dizia que não era perfeito. (Dois so­ no momento em que o fez? A palavra realmente se destaca. Ou é
nhos já haviam sido trazidos para a sessão. A paciente decide um pedido de esclarecimento de que ela de fato pensou em ligar
falar sobre o mais recente, o de terça-feira. Ela decidiu isso na ou uma afirmação da própria surpresa dele de que ela tenha
hora? Embora possa haver muitos motivos para a escolha — pensado nisso. Ou estaria a palavra relacionada à preocupação
estar na defensiva, proximidade no tempo etc. — , este é um exem­ que ele sente de tê-la previamente pressionado a aceitar a sessão
plo de intencionalidade difusa. Isso também deixa o primeiro extra? Ou à sensação dele de que o sonho de sexta-feira está
sonho, o de sexta-feira, não abordado, pendente no ar. De ime­ pairando no ar? Em qualquer um dos casos, as intenções dele
diato, a situação torna-se potencialmente mais complexa. E, são provavelmente múltiplas, e ainda não estão bem formadas.
mesmo dentro da escolha que fez — o sonho de terça-feira —, A mudança deu certo, mas isso não quer dizer que ele soubesse o
ela introduz algumas pequenas incertezas: “Não sei, acho...” Estes que estava fazendo. E não queremos recorrer à sua intuição clí­
esclarecimentos poderiam ser resistências, relutâncias ou uma nica para esclarecer, pós-fato, algo que na ocasião era difuso. O
questão real no momento sobre o que ela estava dizendo. De abandono do sonho de terça-feira por parte do terapeuta tam­
qualquer modo, eles colaboram com difusão intencional. O fato bém é surpreendente, porque ele parece conter um material de
de que eles podem ser defensivos não afasta a difusão, apenas a transferência mais intenso.)
elucida.) Paciente: É! (Ela trabalha parte da difusão concentrando-se em
Terapeuta: Ahã. (Isso “significa”: “Vá em frente, porque estou acom­ apenas um ponto que não está claro: ela pensou mesmo em ligar
panhando. Porque ainda não entendi bem e preciso ouvir mais. para ele?)
Porque não tenho nada a dizer, ainda. Porque nem sei aonde você Terapeuta: Qual teria sido, ahn, e o motivo de você estar pensando
quer chegar. Porque preciso de mais tempo. Porque talvez o outro nisso, esse tipo de ligação muito real, era o quê? (Ele aqui está
sonho seja mais importante. Porque talvez tudo isso esteja ope­ lutando para encontrar seu caminho. De repente, ele mudou de
rando.” A paciente vai entender a idéia geral por causa das con­ direção novamente. Faz quatro diferentes investidas incomple­
venções e de sua história passada. A difusão está presente, mais tas e rapidamente as abandona para descobrir e expressar sua
ainda não tem grande importância.) intenção. Ao fazer isso, ele chega, ou melhor, retorna de uma

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orientação diferente, às palavras ligação real, que ela usou antes, Paciente: É isso que eu não entendo bem — quero dizer, acho. (Ela
em sua primeira afirmação sobre o sonho de terça-feira. Ele avança aos tropeções aqui.)
recontextualizou o termo. Ele está agora começando a fazer uma Terapeuta: Tem uma pressão, não tem? Aqui vamos nós falar de
ponte pequena e experimental entre os dois sonhos. Esta inten­ coação para fazer alguma coisa. E nesse sonho você realmente
ção ainda permanece difusa. Mas o termo “ligação real” está está sendo pressionada a dizer algo mais. E acho que eu me
começando a se tornar uma noção co-criada enriquecida que pergunto o que isso, ahn, tem a ver com o fato de que tivemos
mais tarde vai ajudar a organizar a sessão. O enriquecimento aquela sessão extra na sexta-feira. (A nova noção de coação e
desta noção é um produto conjunto da desordem e das tentati­ pressão está emergindo agora. Nesse instante têm de trabalhar
vas de lidar com ela.) as intenções difusas que vão compor e esclarecer essa noção.
Paciente: A que você está se referindo, ao telefonema? (Aqui, ela Ele a interrompe sugerindo que a pressão é sobre a coação da
está fazendo um conserto.) sessão extra.)
Terapeuta: É, ao telefonem a. (Eles trocam tentativas de reduzir Paciente: O que a mim parece é que... o sonho estava mais ligado à
a desordem e descobrir/criar menos intenções difusas. Tam­ idéia de eu sentir que tenho de me igualar, trazer as coisas cer­
bém vemos aqui recorrências e variações para fixar os escla­ tas... (O terapeuta estava em parte certo e em parte errado. Para
recimentos.) a paciente, a sugestão do terapeuta de que o sonho estava ligado
Paciente: Bom, porque eu o tinha visto na sex... e senti que havia à sessão extra foi um caminho errado. Ela não o segue. Neste
com o um fio de consciência que tinha entrado naquele sonho. momento, o mais importante é que ela está explicando o que a
(Ela, também, vagamente sente existir um relacionamento entre pressão significa — especificamente, “trazer as coisas certas”. O
os dois sonhos. Suas intenções difusas estão começando a con­ surgimento deste esclarecimento crucial da parte dela foi facili­
vergir. A desordem entre eles em relação a qual sonho abordar e tado pelo erro de ênfase do terapeuta e as tentativas dela de
a troca de um sonho para o outro fez emergir o tema do relaci­ consertar e reposicionar a ênfase, para ele e em sua própria mente.
onamento entre os dois sonhos. No entanto, esta não era a in­ Outro fruto proporcionado pela desordem.)
tenção original do terapeuta nem da paciente. Isso emergiu no Terapeuta: ... ahã... (Com ela retomando o caminho, ele está ob­
processo.) servando e encorajando este desdobramento inesperado.)
Terapeuta: E. Paciente: ... do que o sentimento de coação para vir aqui. De algu­
Paciente: Pareceu meio confuso para mim que... Não sei com o di­ ma forma existe uma diferença qualquer ali meio que fazendo
zer isso exatamente. E com o um retrocesso ou algo assim. Estar uma ligação com... (Ela está refinando o esclarecimento e avan­
sonhando com X [um terapeuta de grupo de uma terapia anteri­ çando aos tropeços. O nível de desordem parece ter por um ins­
or] e sentir aquele tipo de pressão. (De modo instável, ela retoma tante aumentado de novo.)
o sonho de sexta-feira. Existe um ir e voltar disjuntivo. Neste Terapeuta: ... É, ahã... (Ele a está instigando a continuar a procurar
e desbravar seu caminho, o caminho deles.)
contexto, a “sensação de pressão” emerge. Vem à tona como um
Paciente: ... o fato de me sentir coagida a vir aqui na sexta-feira, o
novo elemento interessante, mas não foi prevista.)
que eu não senti, ao menos conscientemente. Porque o que eu
Terapeuta: E. (Leia-se: “Ainda não a acompanho totalmente, con­
estava sentindo tinha mais a ver com o fato de eles [o grupo] me
tinue.”)
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O MOMENTO PRESENTE

perguntarem — fo i com o se eu tivesse de estar mais doente do periência e se sinta confortável. Não estou absolutamente advogan­
que estava. E acho que muitas vezes essa é uma parte da minha do pela “psicanálise selvagem”. Antes, estou indicando que, mesmo
atitude quando venho aqui, de que existe uma parte doente da dentro das fronteiras normais de qualquer abordagem, existe mui­
to espaço para a desordem. Além disso, dentro do estilo idiossin­
minha mente que preciso acessar.
crático de cada indivíduo para aplicar uma abordagem, existe um
amplo grau de liberdade para a desordem ser co-criada.
Terapeuta e paciente avançam aos tropeços durante o restante
da sessão abordando vários tópicos inter-relacionados, entre eles: A desordem realmente nos surpreendeu. Passou de um grande
problema na compreensão do tratamento a uma das chaves para
apreender sua enorme criatividade. Este insight não teria sido pos­
• A pergunta: Ela precisa estar doente para ser tratada pelo terapeuta?
sível sem a aplicação da perspectiva da teoria dos sistemas dinâmi­
• O fato de que ela agora não se sente tão mal acerca de si mesma;
cos no nível local dos momentos presentes.
ela está bem, mais forte.
• O sonho de terça-feira no qual ela se sentia igual ao terapeuta,
graças, em parte, ao fato de ele ser humanamente falível.
PARA ONDE VAI O SEGUIR ADIANTE?
• A razão de ter sido este o motivo pelo qual ela não teve de ligar
para ele após o sonho de sexta-feira.
O desejo de contato intersubjetivo mobiliza a co-criatividade de
• Um sentimento de igualdade e aceitação. duas mentes que trabalham juntas no nível local (tendo em vista
• Um desejo de sentar-se e encarar o terapeuta, o que ela fez no
metas terapêuticas de longo e curto prazos), para chegar a algum
início da sessão seguinte. lugar. Mas aonde?
• O fato de ela ter-se dado conta de que ela tem seus próprios Vou descrever cinco destinos do processo de seguir adiante: (1)
meios de agir na vida e na terapia, o que lhe permitiu deitar-se resulta em mudanças terapêuticas repentinas e drásticas; (2) resulta
no divã para continuar trabalhando. em oportunidades de mudança fracassadas, com conseqüências te­
• Um sentimento de estar “muito mais ligada aqui”. rapêuticas negativas; (3) resulta em mudanças implícitas progressi­
• Trabalhar mais livre e profundamente na terapia. vas no relacionamento terapêutico que favorecem mudanças
desejadas; (4) prepara o caminho para novas explorações de mate­
Progressivamente, eles co-criaram ilhas de adaptabilidade a partir rial explícito; (5) prepara o caminho para interpretações.
da desordem. Estas depois coalesceram por meio do mesmo pro­
cesso de utilizar a potencial criatividade da desordem para criar Mudança terapêutica drástica
espaços mais amplos de saber relacionai implícito compartilhado.
O campo intersubjetivo mudou e novos caminhos se abriram. O seguir adiante pode levar a mudanças terapêuticas repentinas e
É importante enfatizar que a desordem só é potencialmente cria­ drásticas, por meio de "momentos agora” e "momentos de encon­
tiva quando ocorre dentro de uma estrutura bem estabelecida. Sem t r o O campo intersubjetivo pode ser reorganizado drasticamente
ela, é apenas desorganização. Conseqüentemente, o terapeuta pre­ em momentos-chave. Isso ocorre quando o atual estado do saber
cisa trabalhar com técnicas e diretrizes teóricas nas quais tenha ex­ relacionai implícito é abruptamente questionado e os pressupostos
O MOMENTO PRESENTE
O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

básicos sobre o relacionamento são colocados em risco. A mudança


parede e o terapeuta está de frente para as costas do paciente. Um
se dá pelo surgimento imprevisível de uma propriedade emergente,
silêncio se instala. Este também é um momento agora.
que estava sendo preparada, sem ser vista, no processo de seguir
Ou um paciente diz algo muito engraçado e o terapeuta cai na
adiante. Ela ameaça lançar o campo intersubjetivo inteiro num novo
gargalhada, o que nunca aconteceu antes. Ou um terapeuta vai ao
estado, seja quais forem as conseqüências.
cinema e se vê na fila dos ingressos bem atrás de um paciente. Exis­
Tais momentos capturam a essência de kairos. Um novo estado
tem muitos momentos agora, dentro, fora e nas margens da estru­
está ganhando vida ou ameaçando ganhar vida, com conseqüências
tura terapêutica. Uma estrutura clara é crucial para o processo.
para o futuro. Existem inovação e uma “contrariedade”, bem como
Nunca é demais enfatizar a necessidade de uma estrutura clara para
uma carga emocional crescente. A situação emerge inesperadamen­
que estes acontecimentos ganhem significado.
te e algo precisa ser feito (incluindo a opção de não fazer nada).
Quando uma propriedade emergente dessa importância se de­
Esta confluência de elementos resulta na emergência de momentos
clara, ela imediatamente ocupa o centro do palco. Um momento
agora e de momentos de encontro.
agora é assim chamado porque há uma sensação imediata de que o
Neste ponto, são necessários exemplos destes tipos de momento
campo intersubjetivo existente está ameaçado, que uma importante
presente. Começo pelo momento agora. Suponhamos que uma
mudança no relacionamento é possível (seja quais forem as conse­
paciente já se submetia a terapia analítica, deitada no divã, havia
qüências), e que a natureza preexistente do relacionamento foi pos­
alguns anos e ocasionalmente expressava sua preocupação por não
ta sobre a mesa para renegociação. Estas conclusões (na maioria
saber o que a terapeuta fazia ali atrás — se dormia, tricotava ou
das vezes sentidas mais do que verbalizadas) tornam a atmosfera
fazia caretas. Então, certa manhã, a paciente entra sem aviso, dei­
diádica altamente carregada afetivamente. O terapeuta se sente de­
ta-se no divã e diz: “Quero me sentar e ver seu rosto.” E, sem
sarmado e o nível de ansiedade se eleva porque ele não sabe o que
maiores cerimônias, ela se senta e se vira. Terapeuta e paciente se
fazer. Além disso, em momentos como esses, os participantes são
vêem frente a frente num silêncio assustado. Este é um momento
empurrados totalmente, até mesmo com violência, para dentro do
agora. A paciente não sabia que ia fazer aquilo — logo antes, cer­
momento presente que agora os está olhando de frente. Muitas ve­
tamente não naquele dia, naquele momento. Foi uma erupção es­
zes, na terapia, não estamos inteiramente “ali”, no presente. Estamos
pontânea. Tampouco o previu a terapeuta, naquele momento,
pairando tanto no passado como no presente e no futuro. Mas, tão
daquela maneira. Entretanto, elas agora se encontram numa nova
logo chega um momento agora, tudo mais é abandonado e cada
situação interpessoal e intersubjetiva. Kairos paira pesadamente.
parceiro finca os dois pés no chão no presente. A presentidade ocupa
(Este é o relato clínico de um caso conduzido por Lynn Hofer,
o tempo e o espaço. Só existe agora.
psicanalista de Nova York [comunicação pessoal, 23 de fevereiro
A essência do momento agora é que a natureza estabelecida do
de 1999].)
relacionamento e o modo habitual de estar-com-o-outro são impli­
Ou suponhamos que um paciente esteja se submetendo à tera^
citamente questionados. Tais momentos poderiam ser descon­
pia face-a-face. Um dia, ele diz: “Estou farto de olhar para a sua
siderados como sendo várias formas de “acting-out ou acting-in”,
cara o tempo todo. Não consigo pensar sem saber ou imaginar como
mas com isso não se acerta o ponto central (mesmo quando parcial­
você está reagindo. Vou virar minha poltrona e olhar para a paredea)
mente verdadeiro). Todos os terapeutas e pacientes, independente­
Agora mesmo.” E assim ele faz. O paciente agora está virado para a
mente da abordagem teórica e do corpo de técnicas aceitáveis às
O MOMENTO PRESENTE 0 PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

quais aderem, estabelecem um modo de trabalhar juntos. Grande Após um momento, a paciente deitou-se novamente e continuou
parte desse estilo é único para o terapeuta e para a díade. Ele forne­ seu trabalho no divã, porém mais profundamente e num novo tom,
ce a estrutura habitual na qual o trabalho é realizado e o relaciona­ que abriu o caminho para novo material. A mudança foi drástica
mento é definido. Num sistema dinâmico como a terapia, é inevitável em seu trabalho terapêutico conjunto.
que a costumeira estrutura do estilo individual receba impactos e O “olá” (com expressão facial e movimento da cabeça) foi um
que até seja temporariamente rompida — mesmo quando as am­ “momento de encontro”, quando a terapeuta deu uma resposta
plas diretrizes técnicas da abordagem são respeitadas. Isso pode as­ pessoal autêntica lindamente ajustada à situação iminente (o mo­
sinalar a necessidade de redefinir seu modo de trabalhar juntos ou mento agora). Isso alterou a terapia de maneira singular. Formou-
seu relacionamento implícito, e pode ser extremamente positivo se um ponto nodal quando foi realizada uma modificação quantal
quando bem utilizado. Muito do trabalho que envolve diretamente no campo intersubjetivo. Na teoria dos sistemas dinâmicos, isso
transferência, e contratransferência se encaixa nesta categoria. Mas representa uma mudança irreversível para um novo estado.
aqui estamos falando sobre um material mais do que tradicional de Após um momento de encontro bem-sucedido, a terapia reto­
transferência-contratransferência. ma seu processo de seguir adiante, porém o faz num novo campo
Quando um momento agora ocorre, o terapeuta defronta-se intersubjetivo expandido que permite diferentes possibilidades.
com uma difícil tarefa para a qual nem sempre está preparado. Em O “olá” foi uma combinação ajustada específica. Foi moldado
geral, a natureza de um momento agora exige mais do que uma para o contexto local imediato. E por isso que a maioria das mano­
resposta tecnicamente aceitável: impõe um momento de encontro, bras técnicas padrão não funciona bem nestas situações. Imagine
que é o momento presente que resolve a crise deflagrada pelo mo­ se, em vez de “olá”, a terapeuta tivesse dito à paciente: “Sim?” ou
mento agora. (Vale lembrar que esta é apenas uma forma especial “No que está pensando agora?” ou “O que está vendo?” ou “Você
de momento presente.) Busca-se a “adaptabilidade” intersubjetiva, está vendo o que esperava?” ou “Hummm?” — ou deixasse o silên­
na qual ambos os parceiros compartilham uma experiência e sabem cio continuar. Todas estas são respostas tecnicamente aceitáveis (ain­
disso implicitamente. Isso requer uma resposta autêntica muito bem da que não necessariamente as melhores) dentro de uma estrutura
combinada com a situação local momentânea. Precisa ser espontâ­ psicanalítica. Elas podem levar a lugares interessantes, mas pare­
nea e deve levar, digamos, a assinatura pessoal do terapeuta. Assim, cem inadequadas à situação específica.
ela vai além de uma resposta neutra, técnica, e se torna uma adap­ Um dos obstáculos a se moldar uma resposta espontânea e au­
tação específica a uma situação específica. têntica para consumar um momento de encontro é a ansiedade ex­
Vejamos, por exemplo, a paciente que de súbito sentou-se para perimentada pelo terapeuta durante o momento agora. A forma
olhar para sua terapeuta. Logo depois que ela se sentou, as duas mais fácil e rápida de reduzi-la é apelar para movimentos técnicos
viram-se fitando uma a outra intensamente. O silêncio prevaleceu. padrão e se esconder atrás deles. Tanto a ansiedade quanto a sensa­
A terapeuta, sem saber exatamente o que a paciente ia fazer, suavi­ ção de ser desarmado são eliminadas, mas a terapia pode ter perdi­
zou a expressão do rosto lentamente e deixou a sugestão de um do a oportunidade de dar um salto à frente.
sorriso formar-se ao redor da boca. Então, inclinou a cabeça para a É essencial acrescentar que esse momento de encontro no exem­
frente ligeiramente e disse “olá”. A paciente continuou a olhar para plo anterior só foi discutido em uma sessão anos mais tarde, quan­
ela. Ficaram assim presas num olhar mútuo por longos segundos. do a paciente disse, de passagem, que o “olá” foi um ponto nodal
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na terapia, que a fez perceber, em algum nível, que sua analista Outra maneira de descrever o momento de encontro é falar de
estava “do lado dela” e “verdadeiramente aberta para ela”. Para a “adaptabilidade de intenções”. (As vezes, em seus textos o Boston
paciente, isso mudou seu relacionamento e reorganizou de modo Group usa “adaptabilidade de intenções”, “reconhecimento de adap­
irreversível o campo intersubjetivo. Entretanto, esse momento não tabilidade” e “momentos de encontro” quase que intercam-
foi verbalizado na ocasião, nem jamais foi interpretado durante o biavelmente.) O termo adaptabilidade vem do trabalho de Sander
tratamento. Ele exerceu sua mágica implicitamente. acerca da interação pais-bebê (Sander, 1995a, 1995b, 1997, 2002;
Diversos colegas perguntaram-me por que a terapeuta, a certa Lyons-Ruth, 2000; Seligman, 2002), no qual ele fala do “reconhe­
altura, não marcou verbalmente esse acontecimento nodal — di­ cimento da adaptabilidade” e da “especificidade da adaptabilida­
zendo, por exemplo: “Algo importante acabou de acontecer entre de”. Inicialmente, ele estava preocupado com a regulação dos estados
nós.” O motivo é este: a terapeuta e a paciente já sabem que algo fisiológicos, especialmente o sono. As intenções (encenadas) pelos
importante ocorreu. Ainda estão atordoadas sob a força do aconte­ dois parceiros podem começar a fluir juntas. Eles começam a com­
cimento. Uma tal resposta pode fazer muitas coisas interessantes partilhar a mesma intenção — por exemplo, para que o bebê passe
emergirem, mas tem uma grande desvantagem. Ela torna o implíci­ da irritação/sonolência ao sono. E em determinado momento suas
to explícito, o que necessariamente empurra o processo para longe intenções se adaptam uma à outra. A essa altura o bebê pode mudar
do aqui e agora que está se desenrolando, para um aqui e agora seu estado fisiológico.
diferente no qual o ponto de vista é mais abstrato e distanciado. O Num belo caso, que eu microanalisei com Sander usando um
fluxo sofre um corte. Em vez disso, deve-se deixar o fluxo realizar editor de filmes especial, um pai estava de pé, embalando seu filho
seu trabalho e encontrar seu próprio destino imediato. nos braços. O bebê estava irritado e sonolento, mas não conseguia
Tomemos como exemplo este exagerado paralelo da vida cotidia­ romper a barreira e pegar no sono. O pai estava interagindo com
na. Suponhamos que um menino diga a uma menina: “Eu gosto mui­ outras pessoas naquele instante mas ao mesmo tempo balançava
to, muito de você.” Qual seria o efeito se ela respondesse: “Acho que é suavemente o bebê. Num determinado momento, ele olhou para o
muito importante que você tenha dito isso para mim”? (Se fosse esper­ bebê e o bebê olhou para ele. Logo depois disso, o bebê estendeu
to, iria fugir correndo.) Ela não permitiu que o acontecimento se esgo­ devagar o bracinho para o lado e para cima e abriu a mão. O pai,
tasse. Chutou-o para um nível diferente e mais distanciado. Recusou-se quase no mesmo exato instante, levantou a mão de forma a encon­
a encontrá-lo onde ele está. Redefiniu a natureza de seu relacionamen­ trar a do bebê. (O pai estava apenas parcialmente prestando aten­
to imediato. Este é o risco de marcar verbalmente o implícito. O fluxo ção ao próprio gesto.) As duas mãos se tocaram. O bebê passou os
do processo é interrompido, a perspectiva muda e o relacionamento dedos em torno do dedo mindinho do pai. E a mão do pai fechou-
imediato é abandonado e segue para outro lugar. se suavemente em torno da mão do bebê, agora repousada na pal­
É muito provável que um material interessante, mas diferente, ma da mão dele. Nesse instante, o bebê perfurou a barreira fisiológica
aflorasse se esses momentos de encontro fossem marcados verbal­ e adormeceu. A última alavanca da fechadura foi para o lugar (adap­
mente e não vivenciados até se esgotarem. A questão é que estamos tabilidade) e a porta para o sono se abriu. Para Sander, esse mo­
geralmente menos inclinados a tolerar a crescente tensão de perma­ mento foi o “reconhecimento de adaptabilidade intencional” (para
necer no aqui e agora. Este se torna o caminho não seguido, com um sistema sociofisiológico).
todas as oportunidades perdidas que ele implica. Aqui, a idéia básica de Sander é mantida, mas se aplica mais a

IQfi 197
mudanças nos estados intersubjetivos do que nos fisiológicos. Bus­ Elas passaram juntas pela viagem. Os participantes criaram um
camos intenções compartilhadas, intenções adaptadas e algo como mundo particular compartilhado. E, tendo entrado nesse mundo,
“reconhecimento de adequação”. A palavra reconhecimento carre­ eles descobrem que, ao deixá-lo, seu relacionamento mudou. Hou­
ga a implicação de se perceber conscientemente a adequação. Te­ ve um salto descontínuo. A fronteira entre ordem e caos foi rede­
nho em mente algo menos explícito — um senso de adaptação. finida. A coerência e a complexidade foram ampliadas. Eles criaram
O momento de encontro é um dos eventos-chave no surgimento um campo intersubjetivo expandido que abre novas possibilidades
da mudança. Um momento de encontro cria uma experiência com de modos-de-estar-com-o-outro. Estão mudados, e ligados de ma­
neira diferente por terem modificado um ao outro.
outra pessoa que é vivenciada pessoalmente ou verdadeiramente
Por que uma viagem de sentimentos compartilhada é tão dife­
vivida no presente. Quero deixar claro o que quero dizer com
rente de apenas escutar um amigo ou paciente narrar episódios da
“verdadeiramente vivida”, quando estão envolvidas duas (ou mais)
história de sua vida? Nesse caso, também, ficamos imersos nas ex­
pessoas. Chamarei este processo de viagem de sentimentos com­
periências do outro através de uma compreensão empática. Aí está
partilhada. Este termo mantém o aspecto temporal em primeiro
a diferença. Numa viagem de sentimentos compartilhada, a experiên­
plano e o sentimento no centro. E uma espécie de viagem, que dura
cia é compartilhada à medida que ela se desdobra originalmente.
segundos, feita por duas pessoas, mais ou menos juntas através do
Não há afastamento no tempo. Ela é direta — e não transmitida e
tempo e do espaço. reformulada por palavras. Ela é co-criada pelos dois parceiros e
Durante uma viagem de sentimentos compartilhada (que é o vivida originalmente por ambos.
momento de encontro), duas pessoas atravessam juntas uma paisa- Apesar de tão simples e naturais, as viagens de sentimentos com­
gem-sentimento à medida que ela se desdobra em tempo real. Cabe partilhadas são muito difíceis de explicar ou mesmo de comentar.
lembrar que o momento presente pode ser uma rica e emocional Precisamos de outra linguagem que não existe (além da poesia) —
história vivida. Durante essa jornada de alguns segundos, os parti­ uma linguagem encharcada na dinâmica temporal. Isso é parado­
cipantes descem a crista do instante presente enquanto este cruza a xal, porque estas experiências fornecem os momentos nodais da
extensão do momento presente, desde seu horizonte do passado nossa vida. As viagens de sentimentos compartilhadas estão entre
até seu horizonte do futuro. À medida que se deslocam, eles passam os acontecimentos mais surpreendentes, porém normais, da vida,
por uma paisagem narrativa emocional com suas montanhas e vales capazes de alterar nosso mundo passo a passo ou num único salto.
de afetos de vitalidade, ao longo de seu rio de intencionalidade Uma grande dificuldade para se apreender o conceito é que o
(que corre por toda a sua extensão) e sobre seu pico de crise dramá­ conteúdo explícito precisa ser temporariamente posto de lado e
tica. E uma viagem feita à medida que o presente se desenrola. Uma afastado da mente. Outra dificuldade é manter o foco no desdobra­
paisagem subjetiva transitória é criada e forma um mundo num grão mento temporal dos sentimentos. Finalmente, é difícil pensar em
de areia. duas pessoas co-criando sua experiência conjunta numa matriz
Como esta viagem é realizada com a participação de alguém, intersubjetiva. Outro exemplo não-clínico que aproveita partes de
durante um ato de intersubjetividade afetiva, as duas pessoas fize­ capítulos anteriores pode ser útil aqui.
ram a viagem juntas. Embora esta viagem compartilhada dure ape­ Um rapaz e uma moça saem juntos pela primeira vez numa noi­
nas os segundos de um momento de encontro, isso é o suficiente. te de inverno. Eles mal se conhecem. Por acaso, passam por um

198 199
0 PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE
0 MOMENTO PRESENTE

dir. O que quer que seja dito, será contra o pano de fundo do rela­
rinque de patinação no gelo. Num impulso, decidem patinar. Ne­
cionamento implícito que foi expandido antes, através das viagens
nhum dos dois é muito bom naquilo. Alugam patins e vão para o
de sentimentos compartilhadas que fizeram no gelo. Uma vez que
gelo. Eles fazem uma dança desajeitada. Ela quase cai de costas. Ele
começarem a falar, também vão atuar junto com as palavras — pe­
se adianta e a estabiliza. Ele perde o equilíbrio e se inclina para a
quenos movimentos do rosto, das mãos, da cabeça, da postura. Eles
direita. Ela estica a mão e ele a segura. (Note que cada um também
acompanham, seguem ou precedem as palavras. O explícito torna-
está participando neurológica e experiencialmente do sentimento
se, então, temporariamente, o pano de fundo para o implícito. A
corporal centrado no outro. E cada um deles sabe, em certos mo­
expansão dos domínios implícito e explícito brinca de pular carni­
mentos, que o outro sabe como é ser ele ou ela.) Durante alguns
ça, construindo uma história compartilhada — um relacionamento.
períodos eles conseguem andar para a frente juntos, de mãos dadas,
Se seu campo intersubjetivo compartilhado implícito e explíci­
com uma variedade de contrações musculares repentinas enviadas
to foi alterado o bastante para que eles sintam mutuamente que
da mão e do braço de um para o outro, a fim de mantê-los juntos,
gostam um do outro, o suficiente para desejar continuar a explorar
estáveis e em movimento. São muitas risadas, arquejos e tombos.
o relacionamento, o que pode acontecer? Eles vão encetar uma se­
Não há espaço para conversa.
qüência de movimentos de intenção. Kendon (1990) descreveu os
Ao fim de meia hora, cansados, eles param e vão tomar uma
movimentos de intenção trocados pelas pessoas a fim de testar a
bebida quente nas imediações do rinque. Mas agora seu relaciona­
motivação de um em relação ao outro. Consistem em movimentos
mento está num lugar diferente. Eles experimentaram diretamente,
de milésimos de segundo, incompletos, parcialmente demonstra­
cada um deles, algo da experiência do outro. Estiveram indireta-:
dos e abreviados que pertencem à seqüência comportamental que
mente dentro da mente e do corpo um do outro, através de uma
leva à consumação de uma intenção ou motivação. (São os análo­
série de viagens de sentimentos compartilhadas. Criaram um cam­
gos físico-comportamentais da orientação intersubjetiva.)
po intersubjetivo implícito que perdura como parte de sua breve
Nossos patinadores vão agora encetar uma série de movimen­
história juntos. Quando agora se encontram fisicamente descon­
tos de intenção. Um curto movimento de cabeça para a frente,
traídos e livres para se olharem de frente sentados à mesa, o que vai
interrompido após diversos centímetros, discretas aberturas da
acontecer? Pode haver uma desorientação social inicial entre eles.
boca, olhares para os lábios do outro e depois para os seus olhos,
Eles ainda não se conhecem oficial e explicitamente. Mas começaram
para a frente e para trás, inclinações para a frente etc. vão aconte­
a se conhecer implicitamente. Estão numa terra de ninguém. E o
cer. Essa coreografia de movimentos de intenção passa por fora
que eles vão ver? Pessoas diferentes com um passado diferente e
da consciência mas é claramente capturada como “vibrações”, que
futuros possíveis diferentes de antes de patinarem. Poderíamos ten­
são viagens de sentimentos compartilhadas em curto-circuito e
tar explicar o relacionamento modificado em termos dos significa­
produzem um senso do que está acontecendo. Um padrão em
dos simbólicos e associativos incorporados aos seus toques e atos
evolução se desenvolve à medida que a seqüência de intensida­
mútuos. Acho esta explicação fraca e imprecisa, ainda que possa
de, proximidade e demonstração de seus movimentos de inten­
contribuir com significados adicionais.
ção avança. Estes movimentos relacionais são encenados fora da
O que dirão nossos patinadores? Vão conversar sentados à mesa
consciência, levando ao momento de encontro — suas mãos se
e compartilhar significados. E, enquanto estiverem conversando, o
movem até se tocar.
domínio explícito de seu relacionamento vai começar a se expan­
5m
200
O MOMENTO PRESENTE O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

Aqui, também, uma noção de prontidão é necessária, porque acontece de o terapeuta simplesmente não perceber que um mo­
repentinamente o ato completo é executado num salto. O momen­ mento agora está sendo experimentado pelo paciente, ou ele se dá
to presente emerge rapidamente como uma baleia rompendo a su­ conta de que um momento agora foi penetrado, mas isso o deixa
perfície da água. Não existe uma progressão incessante e agonizante ansioso demais e ele foge e se esconde por trás de movimentos téc­
até o ato final. nicos. Ou então os terapeutas entram e ficam no momento agora
Esse relato só terá um valor bastante limitado se permanecemos mas não conseguem encontrar uma resposta autêntica e espontânea
cegos à dinâmica temporal e não a vemos como o tecido da expe­ e adequada à situação imediata. Na maioria dessas situações fracassa­
riência vivida. das, as conseqüências não são desastrosas. Um momento agora se­
Em suma, momentos de encontro propiciam algumas das mais melhante vai provavelmente reaparecer. Em geral, há diversas chances.
nodais experiências para mudanças em psicoterapia. Com muita No entanto, às vezes uma terapia pode ser gravemente ferida ou
freqüência eles são os momentos mais recordados, anos depois, que mesmo levada ao fim por esses fracassos. Por exemplo:
mudaram o curso da terapia. Estamos falando de algo basicamente Um adolescente estava sendo submetido a terapia psicodinâmica.
tão simples quanto “fazer alguma coisa juntos”, seja mental, afetiva Quando criança, ele sofrerá uma grave queimadura em grande par­
ou física. Um momento de encontro é um caso especial de “fazer te do peito e abdome, que deixou uma cicatriz descolorida impres­
alguma coisa juntos”. Entretanto, não é tão simples, afinal. Certas sionante. Muito tempo terapêutico havia sido empregado falando,
coisas que fazemos juntos ocorrem sob condições especiais que são em particular, sobre até que ponto a cicatriz repugnava ou repelia
reunidas num momento de encontro, tais como: quando duas men­ as garotas. Um dia, durante a sessão, sem planejar, ele disse: “De­
tes fazendo algo juntas são parcialmente permeáveis, promovendo pois de toda essa conversa, você deveria ver como ela é.” E imedia­
a intersubjetividade; quando a experiência da participação-centrada- tamente começou a levantar a camisa. (Um momento agora.) O
no-outro resulta daquela intersubjetividade; quando o momento terapeuta rapidamente disse: “Não”, com muita ênfase e pressa.
presente de “fazer alguma coisa juntos” está carregado com um “Não precisa me mostrar — basta me dizer como ela é para você.”
grande afeto e um forte kairos, de tal modo que se eleva como uma O menino estancou e expressou sua incompreensão do porquê do
espécie de pico em meio aos outros movimentos circundantes e terapeuta não querer ver a cicatriz. Eles discutiram sobre isso o
momentos presentes; quando a coisa que é feita em conjunto en­ resto da sessão e na seguinte também. (Pode ter havido diversos
volve uma viagem no tempo sobre afetos de vitalidade que cruza motivos convincentes para a recusa do terapeuta. Talvez ele tenha
toda a extensão de um momento presente. Quando todas estas con­ visto o gesto como exibicionista, homossexual ou alguma outra for­
dições são satisfeitas, ocorre um acontecimento nodal que pode ma de acting-in. Embora qualquer um desses motivos possa ser ver­
modificar uma vida. dadeiro, o terapeuta agiu com uma rapidez excessiva que impediu a
reflexão, e o menino pescou isso.) Finalmente, na sessão seguinte, o
Oportunidades perdidas terapeuta disse: “Tenho pensado no que aconteceu e acho que de­
cepcionei a mim mesmo ao não olhar sua cicatriz.” Ao que o meni­
O seguir adiante pode resultar em oportunidades de mudança fra­ no respondeu: “Não me importa se você decepcionou a si mesmo,
cassadas ou perdidas, com conseqüências terapêuticas negativas. você decepcionou a mim.” E iniciaram outro desentendimento. Para
Momentos de encontro sucedem momentos agora. Muitas vezes o paciente, o assunto nunca ficou completamente resolvido. A cica­

202
0 MOMENTO PRESENTE 0 PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

triz jamais foi olhada. E a terapia ficou gravemente ferida apesar de ainda encorajar gentilmente, mas sem aplicar pressão demasiada; e
ter continuado. Mas uma parte significativa do mundo do paciente como lidar com silêncios e tolerá-los nesta situação, e que durações
foi cortada de um maior compartilhamento intersubjetivo. O mun­ de silêncio são aceitáveis nesta tarefa. A paciente está adquirindo a
do terapêutico se encolheu, em vez de se expandir. confiança de que estas situações difíceis podem ser superadas com
Ainda pior, às vezes um momento de encontro fracassado traz sucesso. O terapeuta está aprendendo a confiar no modo de a paci­
um fim bastante súbito ao tratamento. Em tais casos o paciente sente ente chegar lá (com alguma ajuda). Ambos estão aprendendo (im­
(com ou sem razão) que o terapeuta é incapaz de compreendê-lo. plicitamente) que, juntos, podem trabalhar esse tipo de situação.
Estão co-criando modos-de-estar-com-o-outro. Em resumo, estão
Mudanças progressivas implicitamente aprendendo modos de regular seu campo inter­
subjetivo. A delicada coreografia acontece sobretudo fora da cons­
O seguir adiante pode resultar em mudanças implícitas progressivas ciência.
no relacionamento terapêutico que facilitam as mudanças desejadas. Esse saber implícito pode ser generalizado para situações seme­
Nas primeiras publicações do Boston CPSG (Stern et al., 1998; lhantes à medida que elas surgem entre paciente e terapeuta. Ele
Tronick, 1998), dávamos ênfase aos momentos agora e aos momen­ também pode ser generalizado além da terapia, em situações seme­
tos de encontro afetivamente carregados — iluminados com luz lhantes em outros relacionamentos. Suponhamos que esse tipo de
piscante de neon, digamos. No entanto, sabíamos que momentos negociação e regulação seja uma novidade para a paciente. Em seus
agora/momentos de encontro são ocorrências bastante raras. Muitas relacionamentos anteriores, ela pode ter tido experiências negativas
sessões podem transcorrer sem que um deles aconteça. Ainda assim, com esse mesmo tipo de situação, na qual ela não está “inteiramen­
progressos e mudanças ocorrem durante os momentos mais silencio­ te aqui” porque existe algo que deseja dizer, mas tem de combater
sos e menos carregados que compõem o processo diário de seguir uma relutância em tocar no assunto. Isso pode ter levado a impaci­
adiante. De forma semelhante, reconhecemos que o seguir adiante ência e desistência por parte do seu interlocutor, ou raiva e rejei­
não tinha o propósito único de preparar as pessoas para esses mo­ ção, desdém e menosprezo, ou uma resposta agressiva que a fez
mentos presentes carregados, mas realizava mudanças por si mesmo. sentir que contar já não era possível. Com o terapeuta, ela experi­
Essa conclusão nos forçou a redirecionar nosso foco para o processo menta um novo modo de estar-com “quando não inteiramente ali”.
de seguir adiante e ver como ele funcionava. Nossas duas publica­ Alguns podem considerar esta interação como uma espécie de
ções seguintes concentraram-se nessa questão (Boston CPSG, Report “experiência emocional microcorretiva”. Vejo isso mais como uma
n° 3, 2003; Boston CPSG, Report n° 4, no prelo). nova experiência que não conserta o passado ao complementar um
O relato clínico apresentado no início deste capítulo é um bom défice, mas, antes, cria uma nova experiência que pode ser trans­
exemplo. Ele começa com a paciente dizendo: “Não me sinto intei­ portada para o futuro e se desenvolver,
ramente aqui hoje” e termina nove movimentos relacionais depois, Esta visão não se baseia num modelo de déficit, mas num mode­
quando ela diz: “É... Não gostei quando você disse...” Neste exem­ lo de criação de contextos nos quais novas propriedades emergentes
plo, paciente e terapeuta estão ganhando experiência em: como sejam permitidas e encorajadas a vir à tona. Essas novas propriedades
estar-juntos quando a paciente está relutante em trazer à tona um emergentes, então, estabelecem o novo contexto onde algo mais
assunto carregado e sobre eles dois; como aceitar a relutância e pode surgir. Este modelo é em grande parte baseado na teoria dos

204 205
O MOMENTO PRESENIt
O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

sistemas dinâmicos (Freeman, 1999a, 1999b; Prigogine, 1997;


dela em estar “ali” e ela pôde começar a contar o que estava em sua
Prigogine e Stengers, 1984) e sua aplicação ao desenvolvimento
mente. Eles mudaram radicalmente de direção e de metas. A se­
(Thelen e Smith, 1994).
qüência de movimentos relacionais fez seu trabalho; um pedaço do
A questão de como paciente e terapeuta podem estar-juntos em
campo intersubjetivo foi compartilhado e reivindicado. Eles agora
diferentes situações é maior do que a questão da técnica. As técni­
podem continuar a seguir adiante, mas numa área diferente do cam­
cas aceitáveis oferecem diretrizes rudimentares. Dentro delas,
po intersubjetivo, bem como com um novo conteúdo explícito até
terapeuta e paciente precisam dar forma ao seu estilo mútuo de
a co-criação do próximo encerramento.
regular o campo de intersubjetividade e, assim, negociar o curso da
Como devemos ver esses encerramentos? A teoria dos sistemas
terapia. O estilo deles terá seus próprios rituais, cânones, ritmo e
dinâmicos fornece uma descrição. Em sistemas complexos com variá­
flexibilidade. veis múltiplas, independentes e interdependentes (como o clima ou a
Onde e como uma seqüência de movimentos e momentos chega
psicoterapia), a mudança ocorre de maneira não linear, e portanto
ao fim? Ela não pode continuar para sempre. Pontos terminais têm
não se pode prever o exato momento da mudança ou a forma especí­
de algum modo fechar o processo (ainda que temporariamente).
fica que ela vai assumir. Esses saltos descontínuos se dão quando as
Precisa acontecer algo que sinalize “chegamos lá, agora podemos ir
variáveis interagem de tal modo que uma “propriedade emergente”
a outro lugar” ou “não chegamos lá, vamos deixar de lado e ir a
surge. Ela representa um novo elemento criado pela auto-organiza-
outro lugar”. O sinal é o senso de adaptabilidade de intenções ou,
ção do sistema e pode lançar o sistema num novo estado.
dizendo de outra forma, um grau suficiente de intersubjetividade. E
Como saber que se chegou lá? Grande parte do processo de
aí que entra o impacto emocional da intersubjetividade. Em tais
seguir adiante consiste em repetições e variações de movimentos
momentos um estado afetivo de completude é sentido. Sander
relacionais. Estas recorrências têm a vantagem de manter um movi­
(1995b) chamou esse estado de “vitalização”, uma espécie de afir­
mento relacionai na memória operacional, que é constantemente
mação emocional no sentido de suficiência intersubjetiva. Entre­
reativada por ensaio, neste caso por repetições. Manter uma se­
tanto, tais pontos terminais são também observáveis objetivamente.
qüência de movimentos relacionais na memória operacional per­
Quando o seguir adiante alcança um desses pontos, a progressão é
mite que as progressões de um movimento para o próximo sejam
levada a um encerramento intersubjetivo. No exemplo clínico ante­
notadas. Assim, um senso de fluxo ou de direcionalidade pode ser
rior, os pontos terminais foram:
captado e o ponto de encerramento, identificado mais prontamente.
Momento agora: Aconteceu uma coisa na última sessão que mel
O processo de seguir adiante leva a encerramentos intersubjetivos
aborreceu... [pausa]... mas não sei se quero falar sobre isso.
(mudanças de estado). Estes se acumulam e alteram o relaciona­
Tentativa de um momento de encontro: Entendo... então, nossa
mento terapêutico como implicitamente conhecido. E um processo
última sessão é o outro lugar onde você está agora?
gradativo, contínuo e normalmente silencioso verbalmente. Exerce
Movimento relacionai 9: É... Não gostei quando você disse...
seus efeitos mutatórios quase despercebidamente. O acúmulo de
Uma série de oito movimentos relacionais levou a este ponto
tais mudanças é o que pretendemos ao mudar terapeuticamente um
onde o movimento relacionai seguinte tornou-se um momento pre­
paciente implicitamente. Nada menos está em jogo. A maioria dos
sente e o ambiente intersubjetivo pôde mudar. Um claro encerra­
novos estados intersubjetivos emergentes que surgem nestes mo­
mento ocorreu, porque eles abandonaram a negociação da hesitação
mentos de encerramento não precisa ser irreversível.

206 on*7
O MOMENTO PRESENTE O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

Seria o processo que estamos chamando de mudança implícita Mariah: Acho que vou fazer uma sopa de legumes.
progressiva diferente do processo que denominamos mudança drás­ Terapeuta: Muito bem! Porque eu gosto de sopa de legumes!
tica repentina} Há uma diferença clara na magnitude da mudança. Mariah: Eu sei que você gosta.
Há também duas outras diferenças. A primeira concerne à irre- Terapeuta: Você é uma boa... você é uma boa... hummm, mãe.
versibilidade. As mudanças drásticas parecem ser irreversíveis, en­ Mariah: Não sou sua mãe.
quanto as progressivas podem precisar ser reaplicadas. Essa questão Terapeuta: Você é boa cozinheira.
deve ser observada com mais cuidado. Uma segunda diferença qua­ Mariah: Não sou cozinheira, estou num restaurante. E estou fazen­
litativa é que as mudanças drásticas resultam de momentos de en­ do [murmúrio].
contro. Estes encontros intersubjetivos levam o novo saber implícito Terapeuta: Ah, isso é muito melhor! Você é uma boa dona de restau­
rante!
para um estado de “consciência intersubjetiva”. Essa entrada na
Mariah: Nnnnn... uma chef.
consciência pode ser um dos motivos para a irreversibilidade. Ape­
Terapeuta: A ch ef de um restaurante.
sar disso, estamos sempre funcionando “nas margens da ordem e
Mariah: Sou uma menina.
do caos” (Waldorp, 1992), ou, em nossos termos, na fronteira en­
Terapeuta: A menina de um restaurante — muito bem! Este é nosso
tre desordem e coerência. Isso se aplica às mudanças drásticas
restaurante e...
irreversíveis tanto quanto às mudanças não drásticas reversíveis no
campo intersubjetivo.
O diálogo assim prosseguiu até que a menina de repente pergun­
tou: “Onde você estava na quinta-feira?” (a sessão cancelada).
Novas explorações Harrison (2003) comentou que ela tentou “estabelecer uma se­
qüência repetitiva de frases curtas que vão permitir muita negocia­
O seguir adiante pode preparar o caminho para novas explorações
ção entre elas, embora ainda mantendo Mariah no comando.
do material explícito. Uma mudança no campo intersubjetivo pode Claramente o padrão que estão criando juntas é mais importante
ter como efeito a criação de um novo contexto para que o material do que o conteúdo verbal. O diálogo ritmado e repetitivo tem a
explícito possa emergir. Cabe lembrar que a agenda implícita con- qualidade de uma canção de ninar ou canção infantil”. Isso permi­
textualiza a agenda explícita. Um caso relatado por Harrison (2003), tiu à terapeuta e à criança não apenas ficar em contato, mas tam­
psiquiatra e psicanalista infantil, demonstra isto. As sessões foram bém construir o impulso de experimentarem algo juntas. O campo
gravadas em vídeo. intersubjetivo estava crescendo apesar da falta de progressão linear
Um trecho muito curto de uma sessão é apresentado aqui.* A no nível explícito. Uma importante parte do acúmulo da experiên­
terapeuta havia cancelado sua última sessão com a criança. Embora cia implícita era que a menina tinha as rédeas soltas para afirmar
ambas explicitamente soubessem do fato, ele não foi comentado. A sua capacidade de ação com aceitação da terapeuta e sem medo de
transcrição começa em meados da sessão. (O diálogo foi realizado represálias ou rejeição. Este seguir adiante atingiu um ponto no
de forma muito ritmada e monocórdia.) qual o campo intersubjetivo ficou posicionado de tal forma que foi
possível para Mariah perguntar de repente: “Onde você estava na
‘ Para uma completa transcrição do caso e do diálogo terapêutico, ver Harrison (2003). quinta-feira?” (a sessão cancelada). Sem o teste preliminar do cam­

208 209
0 MOMENTO PRESENTE O PROCESSO DE SEGUIR ADIANTE

po intersubjetivo e a segurança que ele propiciou, é improvável que O PAPEL CENTRAL DA REGULAÇÃO INTERSUBJETIVA
essa menina tivesse mencionado a sessão cancelada. Para saber exa­
tamente como elas chegaram a esse ponto e as questões psicodi- Quase desde o início, a psicoterapia vem lutando com o encontro
nâmicas em jogo, ver Harrison (2003). terapêutico de duas subjetividades. Historicamente, na psicanálise,
Como o caso ilustra, o seguir adiante muitas vezes pavimenta o isto tomou a forma inicial de colisão da transferência com a contra-
caminho para o surgimento de um novo tópico explícito. Isso tam­ transferência. O atual foco na intersubjetividade em outras terapi­
bém aconteceu no primeiro relato clínico do capítulo (“Não me as, bem como na psicanálise, é um passo lógico na evolução deste
sinto inteiramente aqui hoje”). A seqüência de movimentos rela­ conceito. Atualmente, “a intersubjetividade emergiu como o con­
cionais levou a um novo conteúdo — especificamente o que havia ceito líder entre as abordagens psicanalíticas para a interação” (Beebe
acontecido na última sessão que “aborreceu” a paciente. A mudan­ e Lachman, 2002, p. 2). Este conceito, porém, foi aplicado de dife­
ça para um novo tópico não ocorreu de forma linear. Paciente e rentes maneiras. Beebe e Lachman (2002), Knoblauch (2000),
terapeuta não estavam seguindo uma linha lógica. Na verdade, o Mitchell (2000) e Aron (1996) analisaram e compararam os vários
campo intersubjetivo foi alterado (implicitamente) durante a seqüên­ usos do conceito de intersubjetividade na psicanálise por seus prin­
cia de movimentos relacionais, só o bastante para criar um contex­ cipais proponentes (Benjamin, 1995, Ehrenberg, 1982,1992; Jacobs,
to favorável para o surgimento de material explícito. A agenda do 1991; Lichtenberg, 1989; Mitchell, 1997; Ogden, 1994; Stolorow
processo agiu a serviço da agenda do conteúdo. E isso que quero e Atwood, 1992; Stolorow, Atwood e Bandschaft, 1994).
dizer com agenda implícita contextualizando o explícito. A abordagem adotada aqui difere da maioria das abordagens
intersubjetivas já mencionadas nos seguintes aspectos. Primeiro, vejo
Interpretações a troca intersubjetiva no âmbito da díade como algo que ocorre o
tempo todo, a cada minuto, e não como alguma coisa que aparece
O seguir adiante pode preparar o caminho para interpretações. É ex­ periodicamente. Segundo, vejo isso como uma condição básica da
tremamente comum nas terapias dinâmicas, nas quais a interpreta­ mente e dos relacionamentos (Stolorow e Atwood [1992] compar­
ção é uma ferramenta fundamental, que elas sejam preparadas no tilham dessa opinião). Terceiro, vejo-a como uma motivação básica
processo de seguir adiante. Momentos agora indicam a “pronti­ e não apenas como uma ferramenta, um método ou uma fonte de
dão” e a oportunidade propícia para uma interpretação, bem como informações para o tratamento. Quarto, vejo as trocas intersubjetivas
para um momento de encontro. A situação é resolvida explicita­ como algo que ocorre principalmente no domínio implícito e que
mente, e não implicitamente. Vou discutir isso com mais detalhes não requer verbalização para surtir efeito terapêutico. Quinto, vejo
no próximo capítulo. Aqui, estou concentrado nas mudanças im­ a intersubjetividade no “nível local” dos pequenos atos e microatos
plícitas. A situação, na realidade, não está tão claramente definida, subjacentes, e não em pinceladas clínicas mais largas. Finalmente,
porque, quando olhada de perto, a interpretação envolve tanto como considero que a terapia se passa na matriz intersubjetiva, não
enfatizo nenhuma das várias “formas de intersubjetividade” que
uma mudança no conhecimento explícito quanto no conhecimen­
Beebe e Lachman (2002) delinearam. Por exemplo, para Benjamin
to implícito.
(1995), o vetor mais importante é o reconhecimento por parte do
paciente da subjetividade do terapeuta. Para Stolorow e colegas

210 211
O MOMENTO PRESENTE

(1994), o vetor principal é a experiência do analista quanto à subje­


tividade do paciente. Em geral, há uma grande assimetria nos vetores
intersubjetivos clinicamente enfatizados. Em minha opinião, o pro­
cesso é sempre diádico, com graus de assimetria que mudam com Capítulo 11
freqüência, em ambas as direções.
A importância do aqui e agora é em grande parte presumida e O ENTRETECER DO IMPLÍCITO COM O
não enfatizada na maioria dessas abordagens. Ehrenberg (1992) e EXPLÍCITO NA SITUAÇÃO CLÍNICA
Knoblauch (2000) são exceções parciais, pois fundamentaram seu
trabalho no presente, no “calor e na intensidade” do aqui e agora,
como diz Ehrenberg. Essa é uma abordagem mais próxima da mi­
nha, que vê a presentidade do trabalho intersubjetivo como um ele­
mento absolutamente essencial. Estas opiniões estão amplamente
de acordo com a posição do Boston CPSG.
Neste capítulo, tentei trazer os acontecimentos cruciais de mu­
dança em psicoterapia para a mesma escala de microtempo e para o
mesmo nível local composto de momentos presentes que vimos dis­ A MAIORIA DAS TERAPIAS psicodinâmicas e cognitivas usa a interpre­
cutindo ao longo do livro. E esta perspectiva que forma o quadro tação (numa forma ou noutra) e a narrativização de uma história de
aqui descrito. vida como técnicas essenciais. Para tanto, o implícito precisa fazer-
se explícito e o inconsciente, consciente. O relacionamento entre o
implícito e o explícito tem sido menos estudado do que aquele en­
tre inconsciente e consciente. Ele propõe problemas e fascinantes
questões. O implícito e o explícito se entremesclam em muitos pon­
tos. Nas narrativas, existe um tráfego em mão dupla entre o implícito
e o explícito. Imagens, sentimentos, intuições no domínio implícito
precisam ser transpostos para o domínio explícito verbal pelo fa­
lante. E, na direção oposta, as palavras precisam ser traduzidas em
imagens, sentimentos e intuições pelo ouvinte. O implícito (o cam­
po intersubjetivo) também desempenha um papel na criação do
contexto “certo” para permitir que o material explícito emerja. E
contar e escutar, como atos em si mesmos, combinam elementos
tanto do implícito quanto do explícito.
Onde os momentos presentes se encaixam aqui? De um ponto
de vista fenomenológico, uma interpretação ou narrativa também

71?
cria momentos presentes no narrador e no ouvinte. Portanto, con­ “Acho que tenho que começar outra vez do zero.” “Onde eu estava
tinuamos a trabalhar com as mesmas unidades de processo subjetivas. todo esse tempo, droga?” “Fui muito prejudicado.” E então um si­
lêncio se segue enquanto o paciente assimila a informação. O silên­
cio é um momento carregado. O paciente está passando por uma
INTERPRETAÇÃO E MOMENTOS DE ENCONTRO importante reorganização na presença do terapeuta — uma reorga­
nização que foi catalisada pelos comentários do terapeuta. Sua rea­
O processo de seguir adiante leva não só a momentos de encontro, ção é, portanto, um acontecimento interpessoal e intersubjetivo
mas também a momentos que são propícios ao trabalho inter- porque tanto o paciente como o terapeuta sabem, mais ou menos, o
pretativo, ou trabalho de esclarecimento verbal. Os mesmos “bom que o paciente está experimentando. Esse silêncio, imediatamente
senso de oportunidade” e “prontidão” que se aplicam a momentos após a interpretação, é um tipo de momento agora. O que normal­
presentes de encontro podem se aplicar igualmente a momentos pre­ mente acontece é o seguinte: o terapeuta sente-se obrigado a dizer
sentes quando uma interpretação se faz necessária. Quando certas algo para deixar claro para o paciente que ele entendeu o impacto
condições confluem, o momento está maduro para uma interpreta­ afetivo da impretação. Ele pode dizer algo mínimo, como “sim”, algo
ção ou para um momento de encontro. Estes são: quando o relaci­ indistinto como “hum” ou algo mais elaborado, como: “Sim, às ve­
onamento terapêutico, na forma de transferência, vem à tona; zes a vida parece ser assim.” Mas o terapeuta diz isso de um modo
quando houve uma progressão de acontecimentos que levou a um especial, com um tom de voz especial que tem nuances de compreen­
clímax ou crise que requer algum tipo de ação (um momento de são empática, de um mergulhar na experiência de mundo deles e
kairos)', e quando esta urgência chama os dois parceiros inteira­ expressá-la, de estar ao lado do paciente neste momento de reavaliação
mente para o aqui e agora. freqüentemente dolorosa. (É comum que a vocalização dos terapeutas
Mesmo quando uma interpretação, mais do que um momento seja prolongada, com tonicidade na última sílaba e tenha um volume
de encontro, é escolhida como a rota terapêutica a seguir, os pro­ mais baixo.) Em outras palavras, o terapeuta cria um momento de
cessos implícitos ainda entram em jogo. Na verdade, eles facilitam encontro sobre a reação à interpretação. Às vezes isso assume a for­
o efeito da interpretação. O implícito e o explícito estão profunda­ ma de uma harmonização afetiva.
mente entretecidos. A maioria dos terapeutas experientes faz isso sem pensar muito.
Suponhamos que uma interpretação seja feita. Suponhamos, ade­ Quando se chama sua atenção para o fato, muitos colegas dizem:
mais, que seja uma excelente interpretação oferecida num momento “Bom, é claro que faço isso; é uma parte natural do processo
ideal na sessão e no tratamento. O paciente vai ter uma forte reação interpretativo.” Mesmo assim, vale a pena refletir sobre o assunto,
afetiva. O impacto emocional da interpretação nele é uma parte es­ porque se esse momento de encontro não foi adicionado aos acon­
perada do processo clínico quando este está correndo bem. O paci­ tecimentos afetivos desencadeados pela interpretação, esta poderia
ente pode ter uma reação do tipo “ahá”, como em “Agora entendi!" ser vivenciada como uma manobra técnica de um profissional neu­
Entretanto, freqüentemente, a reação é mais afetiva do que cognitiva. tro. Poderia ter vindo de qualquer lugar. Seria, nesse caso, estéril e
O corpo e a mente se juntam por completo na reavaliação, que pode apenas minimamente interpessoal e intersubjetiva. Pode ter altera­
ser sentida mais ou menos como: “Sim, eu realmente tenho sido as­ do o conhecimento explícito do paciente sobre si mesmo, mas não
sim.” “É assim mesmo que eles são e foi assim que me trataram.” o campo intersubjetivo entre ele e o terapeuta.

214 215
O MOMENTO PRESENTE O ENTRETECER DO IMPLÍCITO COM O EXPLÍCITO NA SITUAÇÃO CLÍNICA

Se, por outro lado, o terapeuta cria um momento de encontro “Deveria ter o meu nome nele.” O assunto de sua morte iminente
em torno do impacto da interpretação, o compartilhar do impacto assim brotou com certa força. Nunca havia sido mencionado antes.
amplia o campo intersubjetivo. Um momento de encontro acerca Sua interpretação comoveu-a profundamente. Ela comentou isso
da interpretação mira a interpretação e seu impacto como uma ex­ comigo como um exemplo do poder de uma interpretação.
periência conjunta. O paciente pode, então, prosseguir em novas Concordei, porém perguntei o que aconteceu logo depois que
direções com base num saber implícito alterado e também num co­ ele disse aquilo. Ela disse: “Bom, alguns momentos depois, desliga­
nhecimento explícito de si mesmo e do relacionamento terapêutico. mos.” Curioso para saber se ali havia ocorrido um momento de
E verdade que a maioria dos psicanalistas e psicoterapeutas ex­ encontro acerca dessa forte intervenção, questionei-a usando uma
perientes cria estes momentos de encontro em torno de interpreta­ versão abreviada da técnica da entrevista microanalítica. Perguntei-
ções de grande impacto. Mas isso não é considerado uma parte lhe o que se passou exatamente com ela quando ele fez o comentá­
formal da interpretação. Alguns dizem que é uma parte da catego­ rio. Ela contou que respirou fundo e prendeu o fôlego, e depois
ria mais ampla da “atividade interpretativa”, mas essa afirmação soltou o ar, exalando-o pesada e progressivamente. Do outro lado
nubla demais e muito facilmente as coisas. A análise destes momen­ da linha houve silêncio. Indaguei-lhe se ela chorara. Ela disse “não”.
tos intersubjetivos é ignorada e, quando eles chegam a ser mencio­ Sugeri que ela estava respirando como se estivesse chorando. Ela
nados, são tomados como certos. No entanto, desempenham um respondeu: “Sim, é verdade.” Em seguida, questionei o que ele fez
papel importante e requerem uma terminologia descritiva e um para quebrar o silêncio. Ela descreveu que ele disse algo não muito
modelo explanatório diferentes daqueles que se aplicam à interpre­ incomum ou memorável. Na verdade, ela não se lembrava do que
tação tomada isoladamente. era. Mas lembrava-se do tom de voz dele. Estava incomumente
Muitas vezes esta resposta ao impacto da interpretação não re­ suave, uma voz que jamais ouvira nele. Sentiu-a como uma carícia
cebe a devida atenção, pois ocorre no rastro turbulento da inter­ transmitida a ela através do telefone. Esse foi um momento de en­
pretação verbal. Mas ela acontece de qualquer maneira e faz seu contro. Eles haviam realizado um contato implícito além das pala­
trabalho. Um exemplo fornecido por Margherita Spagnuolo-Lobb vras. E a esse contato implícito juntou-se a intervenção verbal dele,
(comunicação pessoal, 22 de janeiro de 2000) se mostra muito ade­ formando uma experiência integral.
quado. Ela estava em tratamento com Isadore Form, um conhecido Assim como uma interpretação pode causar um momento de
gestalt-terapeuta, que estava doente, com câncer, e não tinha uma encontro, um momento de encontro pode causar uma interpreta­
expectativa de vida longa. Este fato era publicamente conhecido na ção. Mas não obrigatoriamente. Por exemplo, vale recordar o caso
comunidade terapêutica da qual Spagnuolo-Lobb também era mem­ no qual a terapeuta respondeu à paciente que se sentou no divã,
bro. Entretanto, ela e o terapeuta nunca tocaram no assunto, ape­ olhou para ela e disse “olá”. Nenhuma interpretação veio em segui­
sar de ambos terem necessariamente de saber que o outro sabia. da, mas pode-se facilmente imaginar uma. Sugeri anteriormente que
Um dia, ela teve uma sessão por telefone com ele, após um sonho uma tentativa de tornar este momento de encontro explícito, em
perturbador no qual viu um pôster típico daqueles impressos para especial imediatamente depois que ele ocorreu, poderia anular par­
anunciar um falecimento que são colados nos muros da Sicília. Ele te de seu efeito. Mas outras vezes uma interpretação pode ser útil.
caíra do muro e jazia na rua e trazia o nome dela. Os carros passa­ É uma questão de julgamento clínico, mas precisa-se estar ciente
vam por cima. Depois que ela contou o sonho, o terapeuta disse: das vantagens e desvantagens. Se a terapeuta tivesse perguntado à

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0 MOMENTO PRESENTE O ENTRETECER DO IMPLÍCITO COM 0 EXPLÍCITO NA SITUAÇÃO CLÍNICA

paciente após esta ter tornado a se deitar como ela se sentiu a res­ ção da narrativa, porém, envolve não apenas palavras, mas também
peito do que acabara de acontecer e a paciente tivesse respondido experiências diretas que estão no domínio implícito. São estas ex­
dizendo que pela primeira vez sentiu que a terapeuta estava aberta periências implícitas diretas que nos interessam.
para ela e do lado dela, esta poderia ter sido uma excelente abertu­ Três momentos presentes paralelos estão envolvidos: (1) o mo­
ra para uma interpretação mais ampla da parte da terapeuta. Ela mento presente de pôr na forma de narrativa verbal a experiência
poderia ter sugerido que a paciente sentiu que seus pais não esta- original; (2) o momento presente criado no narrador durante a
vam a seu lado nem abertos para ela, como acabava por esperar narração para alguém; e (3) o momento presente evocado no ou­
aquilo dos outros, como perdera diversas oportunidades na vida vinte durante a narração. Primeiro, o paciente precisa (re)viver (ago­
por causa daquilo que se tornara uma postura defensiva, como aquela ra) a experiência a ser verbalizada e moldá-la dentro de uma forma
situação havia acontecido no escritório semana passada, e como ela narrativa. Isso não é automático. Neste estágio, o pensar se dá prin­
vira a terapeuta sob aquela luz e tinha, assim, imposto limitações ao cipalmente na forma de imagens visuais, sensório-motoras, viscerais
trabalho terapêutico. Tal interpretação poderia ter feito o trabalho e sentimentos — não de linguagem. Existe uma compatibilidade
terapêutico avançar, mas também poderia tê-lo atrasado. Aparente­ forçada entre o relato verbal e a experiência. Este processo cria seus
mente, isso não foi necessário neste caso. próprios momentos presentes com suas próprias intenções, afetos
A questão é que interpretações verbais e expansões implícitas de vitalidade, e assim por diante. O ouvinte (o terapeuta) observa
do campo intersubjetivo são atos que se complementam. Na práti­ os atos mentais e físicos da transposição no narrador. Isso é uma
ca, servem um ao outro. No entanto, exigem modelos explanatórios performance. Naturalidade, dificuldade, tatear, hesitar, bloqueio,
diferentes. frustração, esforço, mudanças no fluxo, na velocidade, no volume
e na força, e um senso de alívio, surpresa ou inevitabilidade com­
põem a performance. Cada uma dessas experiências implícitas, em
CONSTRUINDO, CONTANDO si, poderia ser um foco produtivo para uma intervenção terapêuti­
E ESCUTANDO NARRATIVAS ca. Além das palavras que saem, e mesmo da paralingüística, existe
a performance como um todo, a qual, como qualquer outra
A linguagem é o veículo para transpor a experiência para uma nar­ performance, evoca no narrador e no ouvinte um fluxo constante
rativa contada. Em geral isso é verdade, mesmo em terapias que são de experiências implícitas, inclusive participações centradas no ou­
chamadas de terapias “além da fala” (Wiener, 1999). O que está tro acerca do ato de transposição. Em resumo, há um com­
“além da fala” é o meio para induzir e empurrar as experiências partilhamento intersubjetivo implícito sobre a experiência de
implícitas para o aberto explícito. Mas, uma vez que elas estão lá, o transpor o material implícito para uma forma narrativa explícita.
problema de colocá-las em algum tipo de forma que seja significati­ Mesmo enquanto estamos altamente concentrados nas palavras que
va permanece uma tarefa lingüística de criação da narrativa. Mas saem e em seu significado como formas, mantemo-nos intensamen­
ali, também, o implícito e o explícito fazem companhia um ao outro. te sensíveis à experiência implícita (parcialmente compartilhada)
Contar a narrativa é o caminho principal, comum e final para de transposição à medida que ela ocorre.
os dados, tanto nas terapias baseadas na fala como naquelas que E, finalmente, a narrativa precisa ser moldada para uma audiên­
usam outras técnicas para criar experiências explícitas. A constru­ cia, real ou imaginária. Contar uma narrativa é uma constante tare­

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O MOMENTO PRESENTE
O ENTRETECER DO IMPLlCITO COM O EXPLÍCITO NA SITUAÇÃO CLÍNICA

fa de procurar, testar e ajustar-se subjetivamente ao ouvinte. Exis­


nunciada (a duração do momento presente). Vale ainda ressaltar
tem muitos comportamentos implícitos durante este aspecto da
que o significado da frase falada é construído à medida que ela é
performance. Em última forma, a performance de chegar a uma
ouvida ao longo do tempo. E seu significado completo só se encai­
narrativa e contá-la é um tipo especial de enactment, no qual o
xa quando a última palavra é dita. Esta construção no tempo não é
conteúdo é tornado explícito, mas o processo permanece implícito.
simplesmente uma questão de compreensão progressiva da sintaxe,
Esses constituem os diversos momentos presentes paralelos.
mas também de traçar o curso da sintaxe encaixando-se em seus
Em psicoterapia, narrativas são contadas ou encenadas, e não
lugares cognitivo e afetivo. Por exemplo, considere uma frase sim­
lidas, de modo que a performance como performance é de funda­
ples, tal como: “Você gostaria de ir ao cinema hoje à noite?” Quando
mental importância. Uma narrativa contada em psicoterapia não só
o ouvinte embarca na crista da frase à medida que ela se desenvolve,
é uma história coerente, como também uma experiência emocional
ele primeiro escuta: “Você gostaria.” Fica imediatamente claro que
expressa. A história e sua expressão constituem um material clínico
uma pergunta está prestes a ser feita a ele. Há um aumento de inte­
valioso.
resse e atenção. O subgrupo seguinte é “de ir”. Isso mantém e tal­
Ricoeur (1984-88) comentou a respeito do tempo de contar
vez eleve o interesse e a atenção, à medida que as coisas se tornam
uma narrativa em contraste com o tempo da, ou na, história. Ao
mais específicas. Em seguida vem “ao cinema”. Dependendo do
pensar nos atos da criação da narrativa e da narração em termos de
contexto e da história, isso pode acrescentar prazer à mistura de
momentos presentes, estou acrescentando uma dinâmica temporal
sentimentos ou pode fazer com que tudo que veio perca o efeito,
interna como parte do ato de narrar — e de ouvir.
com uma resultante perda de interesse e aumento de sentimentos
O ponto central é que mesmo considerando as narrativas tera­
negativos, como em: “Você sempre quer fazer as mesmas coisas.”
pêuticas, não fugimos do mundo dos momentos presentes. E eviden­
Finalmente, chega o “hoje à noite”. Provavelmente isso estava im­
te que a narrativa, uma vez construída, pode ser vista objetivamente
plicitamente entendido pelo contexto e acrescenta pouco, entre­
e desconstruída. Mas não enquanto está sendo contada e ouvida. E
tanto estabiliza o tom emocional antes da resposta e, assim, o
mesmo depois de contada, quando é exposta e observada objetiva­
momento presente seguinte tem de começar.
mente, sua completude, inclusive seu significado central, será apre­
Nesta frase, então, há uma viagem sintática, uma viagem de
endido ainda em um momento presente de captura.
construção de significado explícito, e uma viagem de experiência
A fenomenologia de contar e ouvir narrativas requer muito mais
afetiva com contorno nítido. Quando a frase termina, esquecemos
atenção do que tem recebido ou que pode ser dada aqui.
a viagem sintática que teve lugar fora da percepção. Lembramo-nos
principalmente da gestalt da viagem de significado e, muito impor­
tante, de como ela foi colorida pela viagem afetiva.
INTERMESCLANDO O IMPLÍCITO E O EXPLÍCITO
Eis outro exemplo fornecido por Patel (2003). Ele sugere que
existe uma sobreposição surpreendente, neuroanatomicamente,
Uma frase com um claro significado explícito também constitui um
entre o processo de aglomeração e de organização de elementos
momento presente enquanto a frase está se desdobrando. Quando
seqüenciais na linguagem e na música. Eles não se acham tão sepa­
a frase é considerada do ponto de vista do ouvinte, cabe lembrar
rados como anteriormente se concebeu. A frase é: “A menina que
que, em média, uma frase falada leva 3-4 segundos para ser pro­
beijou o menino abriu a porta.” Mais uma vez, vamos seguir a via-
220
0 MOMENTO PRESENTE

gem afetiva. “A menina”, o primeiro subgrupo encontrado, cria sua


própria carga afetiva. Depois vem “que beijou o menino”. Com
isso, interesse, curiosidade e carga afetiva aumentam depressa. Se­
gue-se “abriu a porta”. Há uma queda na carga afetiva, substituída Capítulo 12
por um aumento devido a um possível problema cognitivo. Quem
abriu a porta? A frase diz “o menino abriu a porta”, mas sabemos, O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE
conforme a sintaxe, que foi a menina quem a abriu. Esta é uma
viagem curiosa. Agora, usando as mesmas palavras, suponhamos
que a frase dissesse: “A menina que abriu a porta beijou o menino.”
Teríamos sido levados numa viagem microafetiva bastante diferen­
te. A ordem e o momento da chegada do significado também deter­
minam a experiência afetiva sentida implicitamente. (Não é
necessário avançarmos em questões de estilo.)
Em suma, a intrincada interdependência entre o significado ex­
plícito e a experiência afetiva implícita fica clara no nível local do 0 PASSADO TEM DE SER CAPAZ de influenciar a experiência do presen­
momento presente. te. Dito de outro modo, o passado deve de alguma forma ser incor­
Há, ainda, uma importante diferença entre as duas análises (sig­ porado na experiência presente. Sem isso, o passado não pode ter
nificado e afeto) dentro do momento presente. A diferença reside papel algum na vida atual, e não pode haver determinismo psíquico
em seus respectivos enquadramentos no tempo. A viagem afetiva e nem psicodinâmica. Por outro lado, a experiência presente tem de
a jornada falada têm a mesma duração, poucos segundos. Entretan­ ser capaz de alterar o passado, reduzindo sua influência, selecio­
to, o acontecimento a que as palavras se referem durou muito mais. nando novamente quais elementos do passado vão desempenhar o
Existe uma discrepância no tempo, no nível de abstração e, neces­ papel de maior influência, ou simplesmente modificando o passado.
sariamente, na proximidade da experiência original. Sentir o con­ Se o presente não consegue fazer isso, não pode haver mudança
torno afetivo, ouvir as palavras e fazer seu significado se encaixar terapêutica. Entretanto, como vivemos apenas no presente, subjeti­
no lugar são experiências diretas e originais. As palavras, por outro vamente, a ação do passado no presente e a ação do presente no
lado, referem-se a uma experiência indireta, já removida. Retoma­ passado devem ser esgotadas no momento presente. O momento
remos essa importante diferença no capítulo 13. presente é o território de encontro entre o passado e o presente.

A AÇÃO DO PRESENTE SOBRE O PASSADO

O conceito de um contexto de recordação do presente ajuda a expli­


car um dos modos pelo qual o momento presente pode atuar sobre
o passado. O passado funcional é aquele que influencia o presente,

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O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE
O MOMENTO PRESENTE

presente e lidar com isso, seja como for. É nesse sentido que Edelman
por ser rearrumado no território de encontro do momento presente.
falou de “recordar o presente” (Edelman, 1990). Não recordamos
O exemplo da memória se adapta bem para esclarecer este concei­
um passado histórico fixo, só podemos “recordar” o presente. Sob
to. A noção de contexto de recordação do presente é amplamente
esse ponto de vista, as lembranças são mais centradas no presente
aceita no pensamento sobre a memória (por exemplo, Damasio,
do que no passado. Sua função é tornar a vida, como a encaramos
1999, 2000; Edelman, 1990). Em resumo, a memória não é vista
atualmente, mais familiar e mais fácil de adaptar. Um corolário dis­
como uma biblioteca de experiências na qual as primeiras edições
so é que cada lembrança, embora sobre a “mesma coisa”, é diferen­
são mantidas em sua forma original e uma delas pode ser solicitada
te, porque é selecionada e montada sob diferentes contextos de
e trazida para o presente como uma lembrança a ser revivida fiel­
recordação do presente, que quase nunca se repetem totalmente.
mente. Ao contrário, a memória é vista como um conjunto de frag­
Para cada contexto de recordação um conjunto ligeiramente dife­
mentos de experiências. Estes são transformados numa experiência
rente de fragmentos é selecionado, ou montado diferentemente.
recordada inteira, da seguinte maneira: acontecimentos e experiên­
Isso pode soar radical e contra-intuitivo, mas somente porque algu­
cias em curso no tempo presente atuam como um contexto (um
mas lembranças foram repetidamente ensaiadas, fechadas na forma
contexto de recordação do presente) que seleciona, monta e orga­
narrativa e parecem não variar entre diversas rememorações. O lu­
niza os fragmentos sob a forma de uma lembrança. O contexto de
gar das lembranças traumáticas não fica tão claro aqui (Siegel, 1995,
recordação do presente constitui o que quer que esteja acontecen­
1996, 1999).
do no palco mental neste momento presente. Isso pode incluir um
Um momento presente é um contexto de recordação do presen­
cheiro, um som, uma melodia, um palavra, um rosto, a qualidade
te por excelência. Durante o seu desdobramento, enquanto ele pas­
da luz, estados de sentimentos internos, sensações corporais, um
sa do horizonte do passado-do-presente para o horizonte do
pensamento etc. Também pode incluir experiências que são menos
futuro-do-presente, ocorrem mudanças analógicas ou categoriais
efêmeras e mais contínuas, como um estado de espírito, um pensa­
ao longo de seu curso. Cada mudança pode atuar como um contex­
mento ou sentimento preocupantes, um sonho persistente, um con­
to de recordação separado. Isso permite que o passado seja cons­
flito, um desejo de vingança, uma dor ou uma perda. O contexto de
tantemente incorporado, não na forma de memórias inteiras
recordação do presente não é apenas mais uma dessas experiências
distintas, mas sim de influências fora da percepção.
em curso, mas a totalidade do que está se passando agora. É o com­
Mas pode este encontro se dar num período tão curto quando
pleto amálgama de percepções, sensações, cognições, afetos, senti­
um momento presente? Recentes estudos de neurociência sobre
mentos e ações que estão atualmente atuando sobre nós, consciente
tomadas de decisão sugerem que, quando um novo estímulo é apre­
e inconscientemente, implícita e explicitamente. Nesse sentido, trau­
sentado, o efeito neurofisiológico de uma estimulação relacionada,
mas passados, conflitos e outros elementos básicos da psicanálise
porém passada, pode ser gravado dentro de poucas centenas de
tradicional que permanecem parcialmente ativados podem ser uma
milissegundos a partir do início do novo estímulo (Romo, Her-
parte de primeiro plano ou de pano de fundo do contexto de recor­
nandez, Zainos, Lemus e Brody, 2002) — em outras palavras, o
dação do presente.
passado é trazido para o presente presente ou para junto dele quase
Estas experiências atualmente em curso atuam como gatilhos
instantaneamente e muitas vezes durante a evolução de um mo­
para selecionar e montar fragmentos do passado que, quando inte­
mento presente. Assim, muitas influências passadas diferentes po­
grados, ajudam-nos a reconhecer o que está acontecendo agora no

225
O MOMENTO PRESENTE 0 PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

deriam ser incorporadas ao momento presente em vários pontos ao toma forma, ele refaz a fiação do registro neural real do passado e
longo de sua passagem. reescreve as possíveis memórias dele. Os originais são alterados e
Como o contexto de recordação do presente “seleciona”, não- não mais existem da maneira que foram inicialmente estocados.
conscientemente, que partes do passado ativar e remontar numa Esta é, em parte, a experiência que se tem ao ouvir música. Quando
nova lembrança? Em outras palavras, qual a natureza e o processo alguém escuta a frase que se desdobra atualmente, a experiência da
de criação de ligações e associações entre experiências com datas, frase precedente é alterada — uma forma de après coup.
endereços e naturezas diferentes? Há algumas dicas úteis a partir de Existem evidências neuroanatômicas que sustentam tal visão
descrições de níveis mentais e fenomenológicos em discussões de (Freeman, 1999a). Freeman demonstrou que, quando coelhos jo­
sonhos, associação livre, trabalhos com processo primário e disso­ vens são expostos pela primeira vez a um cheiro novo (por exem­
ciação. Desde o início Freud esteve extremamente ciente dos possí­ plo, cenouras), um padrão de ativação neural é estabelecido. Mais
veis mecanismos para a complexa ligação ou desligamento de tarde, quando são expostos a um segundo cheiro (por exemplo,
passado e presente. Os teóricos da Gestalt adicionaram outros pro­ nabos), um padrão de ativação diferente é estabelecido para aquele
cessos de ligação que governam a percepção e a associação, tais cheiro. No entanto, o estabelecimento do segundo padrão altera o
como proximidade ou destino comum. Atualmente, a metáfora é padrão de ativação do primeiro. E mais tarde, quando outro novo
um candidato interessante a este papel crucial. Modell (2003) suge­ padrão é estabelecido para um terceiro cheiro, os dois padrões an­
riu que ela é uma forma importante de conexão entre a memória teriores serão alterados. Em outras palavras, o passado está per­
autobiográfica inconsciente e a experiência consciente. Dando su­ manentemente sendo revisado, tanto como um padrão neural quanto
porte às idéias de Modell, lingüistas cognitivos como Lakoff e como uma experiência de recordação. Ou, em termos mais vigoro­
Johnson (1980, 1999), Turner (1991) e Gibbs (1994) propuseram sos, o presente pode mudar o passado. Evidentemente, ele não muda
que a metáfora não é simplesmente uma figura de linguagem mas de uma perspectiva histórica, mas é modificado funcional e
uma forma primária de cognição (anterior à formação do símbolo e experiencialmente, e é aí que vivemos.
à linguagem) que liga diferentes domínios da experiência, inclusive Pode um momento de encontro ou uma interpretação modifi­
o passado e o presente. A linguagem pode mais tarde usar estas car o passado dessa maneira? Sim, mas apenas em pequenos peda­
conexões e transformá-las em metáforas lingüísticas, mas isso não ços a cada vez. E isso não significa que não se pode reter uma
começa com a linguagem, exceto na mente da pessoa que está escu­ lembrança do passado antes que ela seja alterada. Duas lembranças
tando uma metáfora falada. A isso deve ser acrescentada toda a expe­ da mesma experiência não só é possível mas comum. As neuro-
riência clínica sobre metáforas proveniente de dramaterapia e terapias ciências terão de descobrir o circuito neural para tais passados pa­
do corpo (Landy, 1990, 1993). Bucci (1997) sugeriu que toda expe­ ralelos e como saber qual deles é o passado atualizado.
riência é multiplamente codificada (Teoria dos Códigos Múltiplos) e O fato clínico de padrões inflexíveis que parecem resistentes à
é conectada através de um processo referencial. As dificuldades de mudança a partir de novas experiências atuais vai de encontro à idéia
ligar e dissociar o passado e o presente permanecem em muitos ní­ de que o presente pode fácil, natural e rapidamente mudar o pas­
veis da investigação clínica (ver Siegel, 1999). sado. Este emperramento dá suporte à idéia da “compulsão à repe­
Um segundo modo mais radical de ver a ação do presente sobre tição”. Existem condições (conflitos, traumas, first-shot leartiing)
o passado é imaginar que quando cada novo momento presente que tornam algumas experiências passadas relativamente imunes à

226 227
O MOMENTO PRESENTE O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

influência do presente. Apesar disso, o princípio geral sustenta que Exemplos deste “passado” são o que Fogel (2003) chamou de “me­
o presente reescreve constantemente o passado. As exceções reque­ mórias implícitas reguladoras” de como negociar espaço social,
rem uma investigação, e não um questionamento do conceito básico. interações interpessoais e o campo intersubjetivo. Coisas que co­
Um terceiro modo pelo qual o presente pode modificar o passa­ meçamos a aprender na infância. Esses padrões reguladores se
do funcional é alterando o processo de seleção do contexto de re­ acumularam, ganharam forma ao longo da vida e são influências
cordação do presente para que diferentes partes do passado sejam contínuas sobre o presente. Muito do nosso passado é contínuo e
ativadas e usadas no presente. atualizado o tempo todo. Este “passado contínuo atualizado” é al­
Fenomenologicamente, o processo do presente alterando o pas­ tamente ativo, embora silencioso. A idéia de um passado feno­
sado ocorre fora da percepção. Em geral, só percebemos quando menologicamente silencioso porém ativo sempre foi intrigante.
somos confrontados com o produto final, e às vezes nem assim. Como podemos explicar que a experiência do presente pode
ser largamente determinada pelo passado silencioso? Costumamos
pensar em termos de acontecimentos passados influenciando pro­
A AÇÃO DO PASSADO SOBRE O PRESENTE cessos atencionais, percepções, sentimentos e cognições, de tal modo
que cada momento presente se torna apenas mais um exemplo de
Vou agora tratar da influência na outra direção, o efeito do passado padrões passados. Uma questão semelhante foi levantada em rela­
sobre o presente. Existem diversos passados diferentes. A natureza ção aos processos na natureza física. Por que cada câmara da con­
de sua influência e sua presença sentida assume formas variadas. cha de um caramujo tem exatamente a mesma forma, apenas numa
Vou adotar uma postura fenomenológica, mais uma vez, para ex­ escala diferente? A pergunta traz à mente uma comparação entre
plorar os vários tipos de passado que nos interessam clinicamente. um momento presente e um fractal, conforme descrita na teoria
dos sistemas dinâmicos. O fractal é um padrão que tem a mesma
O "passado silencioso" como um fractal Iforma geral independentemente de seu tamanho ou escala, como
um cristal ou a concha de um caramujo (Fivaz, 1989; Gleick, 1987).
Este tipo de passado está atuando sobre o presente sentido mas não Eles podem ter algumas variações, dependendo das condições ini­
é sentido em si mesmo. É silencioso e apenas reconhecível ao se ciais e locais de sua formação. Esses fractais foram identificados no
assumir uma postura objetiva. Consiste sobretudo no inconsciente mundo físico como um importante aspecto de auto-organização.
reprimido e no não-consciente implícito. Em psicanálise isso inclui­ Existiria aí uma analogia no mundo temporalmente dinâmico da
ria todas as influências do passado reprimido (por exemplo, confli­ experiência humana? Por exemplo, lembre-se do aluno de pós-gra­
tos, fantasias, traumas) que foram tornadas inconscientes e portanto duação da entrevista do café-da-manhã, no capítulo 1, que testou
não experimentadas como atuantes no presente sentido. Incluiria, os limites de até onde ele poderia ir enquanto abria a porta da gela­
ainda, traços de personalidade que são tradicionalmente encarados deira e enchia o copo de suco de laranja. A essência destes peque­
como não-conscientes por se tornarem automáticos. nos atos de testar limites é idêntica às lutas dele da noite anterior,
Também inclui o passado não-consciente das lembranças, re­ quando ele estava verificando até onde poderia ousar nas conclu­
presentações e padrões de resposta que pertencem ao saber implíci­ sões da pesquisa de sua tese. O tamanho é diferente. A importância
to. Estes, também, estão atuando no presente, sem serem sentidos. é diferente. Mas é a forma básica realmente diversa, exceto em va­

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U MU Mt N I U HKthtNlt O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

riações ditadas por condições locais alteradas? A abertura da porta ras”, como concebidas nas psicologias, por coerções intrínsecas e
da geladeira ou o encher do copo se tornam um mundo num grão graus de liberdade como definido num sistema físico dinâmico
de areia. O determinismo psíquico trabalha no nível do momento auto-organizador.
presente. Entretanto, importantes diferenças permanecem entre fractais
Outro exemplo retirado de uma “entrevista do café-da-manhã”: e exemplos psicodinâmicos ou enactments implícitos. O que nos
uma pessoa descreve como, durante o café-da-manhã, ela observou interessa mais é que não se supõe que um fractal contenha um pro­
as últimas gotas de café pingarem de sua antiquada e amada máqui­ jeto ou planta preestabelecidos. Em outras palavras, ele não tem
na de café expresso na xícara. Houve um acúmulo de expectativa e um passado ativo. Ele não tem um passado no sentido de que o
impaciência nela enquanto cada gota se formava, crescia e levava passado é um produto da subjetividade humana. Um fractal tem
cerca de 4 segundos para cair. Quando ela finalmente caiu na xíca­ apenas tendências intrínsecas que sempre operam. O padrão emer­
ra, a satisfação durou pouco e a expectativa pela gota seguinte co­ ge de um diálogo dinâmico das tendências intrínsecas com as con­
meçou num crescendo mais uma vez, quase imediatamente. Quando dições locais. Em contraste, para o passado psicodinâmico e para o
a entrevista terminou, ela refletiu que costumava sentir que vivia saber implícito existe a clara suposição de padrões passados pré-
demais no futuro, que ela se permitia estar no presente com pou­ formados e ativos que buscam expressão e, portanto, determinam
quíssima freqüência, e por períodos que eram curtos demais. No­ o comportamento. Nesta visão, cada momento presente sucessivo
vamente, é a atividade mental/afetiva de observar a gota de café na vida é um exemplo diferente do passado atuando no presente. A
semelhante ao fractal? variabilidade vem somente das coerções e permissões das condi­
De onde vem o padrão prioritário do fractal? Não é do passado ções locais imediatas. Se isso não fosse verdade, seriamos psico­
do cristal. Ele não preexiste em forma latente esperando para ser dinamicamente incorentes ou descontínuos, e apenas o enfileirar
expressado. Na natureza física ele vem das coerções internas e ex­ narrativo dos acontecimentos nos manteria junto ao tempo psiqui­
ternas/graus de liberdade enquanto eles operam num sistema dinâ­ camente fragmentado. Por outro lado, se isso fosse totalmente ver­
mico que se auto-organiza ao modificar as condições locais. Como dade, um momento conteria tudo e não poderíamos mudar.
traduzimos isso para um sistema humano com uma história, hábi­ Em resumo, no que‘diz respeito ao “passado silencioso”, a dife­
tos etc., onde coerções podem ser modificadas pela experiência de rença entre fractais e exemplos psicodinâmicos é apenas teórica, e
vida ou pela terapia? não fenomenológica. Um passado pessoal que age silenciosamente
Psicodinamicamente, presumimos que o momento presente é para fazer com que alguém repita padrões em toda e qualquer esca­
um exemplo de um padrão mais geral preexistente que (especial­ la e em toda e qualquer condição só pode ser sentido como uma
mente quando ele é inconsciente ou não-consciente) encontra sua coerção intrínseca que reduz os graus de liberdade no presente.
exata forma de expressão quando é posto em ação num determi­ Ao contrário de não-existente, o passado é fenomenologicamente
nado ambiente. Sua influência é expressa em todas as atividades silencioso. Mas é possível fazê-lo falar e revelar-se mediante as con­
independentemente de seu tamanho. Esta visão é surpreendente­ dições adequadas. Ele, então, torna-se um “passado vivo”. Quando
mente próxima à noção de fractais. E possível substituir represen­ o passado silencioso está atuando, há muitas vezes um senso de
tações/fantasias originais/conflitos/lembranças traumáticas/defesas/ familiaridade em segundo plano, de ter estado ali antes, ou de estar
estratégias de enfrentamento ou “memórias implícitas regulado­ onde você foi feito para estar. O frescor único foi subtraído à novi­

230 231
dade. O silêncio fenomenológico pode ser sentido como uma Iraca (sendo lembrado), jamais seria possível saber que o momento
sombra caindo sobre a experiência do momento presente. passado é uma lembrança e não uma realidade ou uma alucina­
ção. Portanto, temos um presente sentido no qual um passado
O passado não existente sentido está atuando. Esse é o passado que está vivo e sentido no
presente.
Existem acontecimentos passados que influenciam radicalmente o Esse passado vivo resulta de uma apresentação multitemporal
presente, mas não por moldá-lo ativamente numa maneira contí­ na qual dois acontecimentos, o passado reconstituído e o presente
nua e sim por impor coerções iniciais e graus de liberdade no que existencial, dialogam, embora cada um carregue um selo cronoló­
são experiências possíveis. Estas coerções incluem alterações gico diferente. E apenas mediante tal diálgo que podemos “recor­
neuropsicológicas que foram irreversivelmente fixadas no início do dar o presente”.
desenvolvimento devido a períodos sensíveis/críticos, traumas, con­ Esse passado é de extrema importância na compreensão do pro­
flitos (Schore, 1996, 1997, 1998, Siegel, 1996, 1999; Solomon e cesso de uma sessão ou de uma seqüência de sessões no nível local,
Siegel, 2003). As conseqüências de privações precoces, maciças e um quase-passado relativo. Nós, como terapeutas, empregamos
socioafetivas, como vistas em alguns orfanatos (Gunnar, 2001), ou muito tempo e esforço tentando discernir padrões ao longo do tem­
as conseqüências tardias no desenvolvimento advindas de padrões po, no âmbito de uma sessão ou por várias sessões. Esse passado
infantis precoces (Stroufe, 1999) são exemplos. consiste no que vem acontecendo antes do momento presente atual
Este passado não é mais uma influência ativa. E um passado e para onde é provável que ele vá. O passado se torna um padrão de
apenas no sentido histórico ou narrativo, quando visto de fora. mudança revelado em seqüências. Aqui, ele não é um acontecimen­
Fenomenologicamente ele não existe e nunca existirá. to único, mas sim as diferenças e semelhanças entre acontecimen­
tos sucessivos que traçam um padrão e direção de movimento. É
O passado vivo um passado feito de intermediários. E o momento presente que
apreende esse padrão em evolução é como o acorde final numa
A terceira combinação fenomenológica de passado e presente se sucessão de acordes. Existem muitos tipos de passados assim em
dá onde o passado é sentido como atuante agora, embora conti­ psicoterapia. A seguir, alguns exemplos gerais.
nue a ser reconhecido como um passado. Uma lembrança simples Expansão do momento presente.” A expansão é um conceito
fornece um bom exemplo. Durante a lembrança, experiências do familiar nas artes, mas não tanto na psicologia clínica. Ela é essenci­
passado são trazidas para o presente sentido. O senso de ter uma al para entender uma importante influência dos padrões de quase-
lembrança, do fato de ela pertencer a um passado pessoal mas que passado sobre o presente. Mais uma vez, um exemplo da música é
acontece agora, é o resultado de dois tempos sendo reunidos e útil. Minsky (1981, p. 15) concluiu sua descrição da Quinta sinfo­
sobrepostos: o passado recordado e o presente existencial. Se a nia de Beethoven indagando: “Qual é o tema da Quinta sinfonia de
presentidade existencial do momento presente (captada através Beethoven? São apenas aquelas primeiras quatro notas? Ele inclui o
de sensações corporais de fundo, luz ambiente, espaço e outras transposto companheiro gêmeo também [as quatro notas seguin­
imposições contextuais) não estivesse atuando como o tempo-espa- tes]? E as outras variações, aumentos e inversões? Derivam todos
ço sentido no qual o acontecimento passado está agora (re)ocorrendo de um único protótipo? Neste caso, sim. Ou não?”

232 233
O MOMENTO PRESENTE
O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

As primeiras quatro notas podem ter sido um protótipo para a uma abordagem fenomenológica porque não requer um afasta­
Beethoven ou para aqueles familiarizados com a música, mas para mento da posição de primeira pessoa para o modo objetivo. É um
o ouvinte de primeira viagem elas simplesmente preenchem um processo, por excelência, da posição subjetiva, que acarreta um en­
momento presente. (A maior parte da vida, ao contrário da arte, contro de nova experiência que oferece um mundo em camadas à
não repete fielmente.) Para esse ouvinte, existem, evidentemente, medida que é vivida — tudo em questão de segundos.
diretrizes culturais sobre música ocidental, mas, para esta peça em Progressões relacionais. As progressões relacionais são outro
particular, não há por enquanto nenhuma representação específica. exemplo de padrões que se acumulam no quase-passado e são sen­
Cada momento presente subseqüente (frase) progride em direção a tidos no presente. São abundantes na terapia. São “relacionais” no
quê? Uma generalização? Uma representação? Um protótipo? No­ sentido de que é o relacionamento terapêutico que está traçando
vamente, a resposta é sim e não. Sim, porque uma representação um padrão de mudança. Subjetivamente, à medida que uma sessão
está de fato se formando. Não, por causa de outras coisas igual­ de terapia avança, terapeuta e paciente têm de construir o que está
mente importantes que estão também acontecendo. acontecendo ao relacionamento à medida que isso ocorre, levando
Frases anteriores progridem até uma compreensão mais pro­ em conta, de algum modo, de onde aquilo veio e para onde parece
funda da frase que está sendo executada agora. E frases subseqüen­ estar indo. Um único momento presente obviamente não é suficiente
tes vão progredir até uma compreensão mais profunda do que já foi para esta tarefa. Entretanto, você não pode esperar o fim da sessão,
ouvido, como, por exemplo, a primeira frase de quatro notas de ou por mais uma ou duas sessões, para ver estes padrões se repeti­
Beethoven. As implicações e riqueza de ambas são expandidas. De­ rem diversas vezes. (E claro que se faz isso também.) Precisamos de
pois que todo o movimento é ouvido, terminamos com uma aprecia­ uma unidade de processo subjetiva que seja intermediária em tama­
ção mais rica e profunda de algo, mas, novamente, de quê? Não se nho, maior do que um único momento presente e mais curta do
trata de um aprofundamento ou enriquecimento de um significa­ que uma sessão inteira — uma unidade de processo que agrupe as
do, mas de uma experiência. Esta distinção não pode ser negligen­ seqüências em experiências maiores, coerentes e subjetivas que são,
ciada porque o enriquecimento da experiência está entre os aspectos digamos, estrofes ou movimentos da sessão. Diversas ocorrem den­
mais fortes e preciosos da vida humana. O mesmo enriquecimento tro de uma sessão. Chamo tais seqüências de “progressões
se dá nas interações humanas, não apenas na arte. relacionais” porque carregam um sentido de movimento em dire­
Expansão do momento. Coloca-se em posição de contraste à ção a pontos finais relacionais ou locais de repouso dentro da ses­
generalização no seguinte sentido: a generalização é o processo de são. (Muitos terapeutas acham útil também pensar na sessão como
estender-se de casos particulares, específicos, para conclusões ge­ um todo, como uma gestalt sentida — por exemplo, Spagnuolo-
rais, mais abstratas. Expansão é o processo de permanecer com ou Lobb [2001]. Esta seria, porém, uma unidade maior e provavel­
dentro de cada momento específico quando ele chega, tratando-o mente diferente.)
com mais totalidade e completude, e dotando-o de mais sentido e Como o presente momento incorpora em si mesmo uma pro­
apreciação mais profunda. gressão relacionai que é uma seqüência padronizada de acontecimen­
Durante as expansões, o passado é ativamente sentido como tos passados? E como isso é experimentado fenomenologicamente?
um pano de fundo contra o qual os acontecimentos do presente Passemos a um exemplo clínico para emoldurar a pergunta. O mate­
estão sendo encenados e tomam forma. A expansão adapta-se bem rial a seguir (resumido pelo autor) vem de um membro do Boston

234
0 MOMENTO PRESENTE 0 PASSADO E 0 MOMENTO PRESENTE

CPSG.* A paciente está falando sobre um sonho que ela teve na noite novos elementos introduzidos muito perifericamente e sem muita
anterior. ênfase. O terapeuta é introduzido explicitamente quando ela diz
“e você sabe”. Ela também ainda está se deslocando do sonho
Tema para a realidade: “Vou acordar com a sensação...”)
Paciente: Foi com o [no sonho] se eu estivesse me sentindo aceita
Variação 3
como sou, e alguma coisa em relação a isso me dá medo. (Ela
estabelece o tema “aceitação leva ao medo”. Ao mesmo tempo, Paciente: E aí, assim que tomo consciência de que é um sonho,
ela cria uma experiência com o terapeuta na narração. Ela tam­ começo a ter medo da sensação. (O tema original é agora recon-
bém estabelece o contexto para o que quer que venha depois. O textualizado ao ser posicionado na realidade e mais perto do pre­
contexto temporal [referente] para este tema está longe do aqui sente, como se o tema estivesse começando a mudar de tom — o do
e agora; nem mesmo está na realidade consciente. Ocorre no aqui e agora.)
passado, num sonho, e ao relatar o tema ela diz que foi “como”.
O terapeuta faz uma pausa e depois produz algum ruído de fun­ Variação 4
do para sinalizar para que ela prossiga.)
Paciente: É com o se eu realmente não quisesse sentir isso com você.
(Os elementos que vinham se desenvolvendo vieram para pri­
Variação 1 meiro plano e o mesmo tema está agora num tom alterado —
Paciente: Comecei a sentir medo de me machucar quando percebi especificamente, o contexto de aqui-e-agora-com-o-terapeuta.
que estava baixando a guarda. (O mesmo tema é reiniciado, mas Ela minimiza a inteireza do novo tom dizendo que “é como se”.
com ligeiras variações que fazem pouca diferença. O gatilho para Mas está claramente ali para ser visto pelos dois.)
o medo dela é enunciado com mais precisão. Mais importante,
ela o torna uma afirmação mais geral aplicável além do sonho. A progressão não está no desenvolvimento do tema em si. Ele quase
Não está mais fora da realidade. Ela alterou o contexto para o não se desenvolve. Foi claramente declarado no início. A progressão
surgimento do que pode vir depois. O terapeuta, novamente, está no contexto, incluindo a posição do falante — em outras pala­
faz uma pausa e produz ruídos de fundo para sugerir que ela vras, nos reajustes de direção do campo intersubjetivo. Há duas pro­
continue.) gressões nesse exemplo. A primeira refere-se ao fato de os pacientes
partirem de uma posição distante, num acontecimento passado, e
Variação 2 um tanto fora da realidade, e se deslocarem para mais perto, para o
Paciente: E você sabe, uma das coisas que estão me perturbando é aqui-e-agora e para o real. A segunda mudança é a substituição do
que vou acordar com a sensação de estar sendo aceita. (O mesmo tema estritamente dentro do relacionamento terapeuta-paciente.
tema sofre variação de novo, ligeiramente. Mas existem dois A última variação traz a dupla progressão para algo que se asse­
melha a um encerramento temporário, um local de repouso. O tera­
peuta sente claramente que algum ponto de chegada foi alcançado,
*Para uma exposição mais extensa deste exemplo dínico, ver Boston CPSG, Report N° 4
porque ele agora intervém.
(no prelo).

236 237
O MOMENTO PRESENTE
0 PASSADO E 0 MOMENTO PRESENTE

Terapeuta: Ah! Algo assustador. (Como se dissesse: “Tudo bem, en­


Como podemos captar o sentido de uma progressão que vem
tendi. Está sobre a mesa agora onde nós dois podemos ver e
de muitos movimentos já passados e imprensá-la num único mo­
lidar com isso.”) mento presente? Como fazer isso ao mesmo tempo ainda insistindo
que a experiência subjetiva acontece apenas no presente? Problema
Ação conjunta idêntico surge ao ouvir música. Só é possível escutar a parte da
A paciente responde: É. E o terapeuta imediatamente se une a ela, música que está sendo tocada agora. As frases precedentes desliza­
repetindo: E. ram para o passado embora continuem a a agir.
Como uma cadeia de eventos, enquanto estão acontecendo, são
Eles compartilharam uma breve viagem de movimentos incrementais reunidos de modo a formar uma unidade maior? É o “enquanto
que compõem a progressão relacionai. O acordo entre os dois é estão acontecendo” que é a parte difícil. A noção de apresentações
mutuamente ratificado o “É”, “E”. multitemporais é útil aqui. O primeiro momento da seqüência (que
Agora temos sete movimentos relacionais em seqüência (um tema acabou de passar) e o segundo momento (ocorrendo agora) for­
original, quatro variações da paciente, uma afirmação do terapeuta mam uma apresentação multitemporal quando reunidos. Supomos
e uma ratificação conjunta de sua aceitação mútua). A experiência que o primeiro (anterior) momento é reativado e trazido da memó­
de cada um dos movimentos relacionais deve penetrar a percepção. ria operacional por causa de sua similaridade (repetições e varia­
Mas cada um dos momentos que levam à variação 4 (“E como se eu ções) e adjacência ao segundo momento. O momento que está
realmente não quisesse sentir isso com você”) não requer muita ocorrendo agora atua como o contexto de recordação para evocar
consciência, não mais do que o necessário para colocá-la em pala­ o momento que acabou de passar. Isso é inevitável porque, se o
vras. (Lembre-se de que não é necessário ter a percepção de estar presente deve ser avaliado pelo que tem de novo, ele precisa ser
consciente de algo.) A paciente e o terapeuta estão lutando juntos comparado ao que é familiar, que se encontra no passado.
para deixar ou fazer algo emergir. E o que emerge é uma espécie de Com cada momento presente sucessivo a apresentação multi­
momento agora menor — “Eu não quero sentir isso com você” —•, temporal muda. A apresentação composta dos momentos 1 e 2 é
que o terapeuta mantém no centro do palco, no aqui e agora, ao adicionada ao momento 3, formando uma apresentação multi­
dizer: “Ah! Algo assustador.” Isso, então, leva a um pequeno mo­ temporal que combina os três momentos (experiências). E assim
mento de encontro e torna-se parte dele — o “É”, “É”. Isso confir­ por diante. A cada adição à seqüência, a apresentação multitemporal
ma mutuamente a completa progressão de trazer este padrão em evolução avança como uma série rápida de acordes em música,
seqüencial para a frente. É importante lembrar que existem gran­ na qual a progressão inteira é levada a um repouso e sentida no
des Momentos de Encontro , com iniciais maiúsculas, e pequenos último acorde, que contém a história da própria evolução. Dessa
momentos de encontro. maneira, o último momento presente da seqüência engloba o sentido
Não há razão para imaginar que cada etapa da progressão (por
da progressão, e o quase-passado formado de padrões mutantes é
exemplo, cada movimento relacionai individual) precise tornar-se levado para o momento presente.
um momento presente, com seu requisito de algum tipo de consciên­
Esse tipo de arrancada para um acontecimento final que englo­
cia, e de ser lembrado por si mesmo. A progressão reside não em
ba o processo seqüencial é semelhante ao modelo de avaliação afetiva
um movimento qualquer, mas nas mudanças seqüenciais.
proposto por Scherer (2001). Neste modelo, um acontecimento que

238
O MOMENTO PRESENTE O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

produz um afeto passa por uma rápida sucessão de avaliações ou resposta do terapeuta e o “É”, “É” conjunto) penetram a consciên­
verificações, cada qual com uma duração de centésimos de segundo cia intersubjetiva. Isso faz com que esses momentos sejam mais úteis
e sendo executada numa ordem seqüencial fixa: primeiro, uma ve­ terapeuticamente. Uma unidade maior com um passado sentido foi
rificação de novidade (o acontecimento é novidade?); segundo, uma fechada. A exigência de que toda experiência intersubjetiva ocorra
verificação de ação (é algo que requer aproximação ou afastamen­ apenas agora, no presente, é preservada, e ao mesmo tempo res­
to?); terceiro, uma verificação hedônica (é prazeroso ou pesaro­ ponda pela impressão de estar se desenvolvendo ao longo do tem­
so?); quarto, uma verificação cognitiva/perceptual (o que é?); quinto, po passado.
uma verificação de enfrentamento (pode-se lidar com isso?), e sex­ A memória operacional é um mecanismo necessário a este tipo
to, uma verificação moral (o mecanismo de enfrentamento é mo­ de evolução de apresentações multitemporais. Os momentos sepa­
ralmente aceitável?). A qualidade e o tipo de afeto que finalmente rados que formam a seqüência saíram do presente sentido quando
emerge e que é sentido são o resultado de todas essas avaliações o momento seguinte da seqüência chega. Eles já não são parte da
efetuadas juntas, o que lhe dá sua essência particular. E como uma “cauda do cometa”. Deslizaram para o passado descontínuo. A
série de apresentações multitemporais sendo sobrepostas, em que memória operacional serve para manter esses momentos passados
apenas a última penetra a percepção — como o último acorde na num estado de ativação para que eles possam ser evocados e vi-
seqüência, como o último momento presente na série de progres­ venciados como sobrepostos ou paralelos ao momento presente.
sões. Progressões relacionais são criadas muito bem na dança, na Aqui, o enorme número de repetições e variações que compõem
música^ nas terapias de movimento, nas quais a agenda implícita uma sessão de terapia adquire uma função. A memória operacional
está com freqüência em primeiro plano. é mantida ativada pela repetição. Se repetido, algo pode ser manti­
Por que ou como as progressões relacionais terminam ou pa­ do na memória de curto prazo bem além de seu limite habitual de
ram, formando uma unidade? Este é um ponto clínico chave. A alguns segundos. Uma espécie de ensaio (na forma de variações) é
percepção de uma progressão relacionai surge de repente na cons­ exatamente o que vemos nas seqüências de momentos que formam
ciência como uma propriedade emergente. Ela se dá mais ou menos uma sessão de terapia. Como os momentos têm duração relativa­
assim: as diferenças ou a direcionalidade inerente à progressão de mente curta, de apenas segundos, em geral com pausas entre eles,
apresentações multitemporais ficam em segundo plano. Estas dife­ uma repetição ou variação nova aparece bem dentro do limite da
renças (nas quais reside a progressão) vão sendo trabalhadas, fora memória operacional e constantemente prepara a memória para
da percepção, até que a progressão relacionai esteja “pronta” para mantê-la ativada. Dessa forma, os pedacinhos essenciais (variados)
emergir na consciência. Nesse ponto ela é montada e surge num da seqüência podem ser conservados na memória e, em última ins­
momento presente novo, e o padrão de progressão é apreendido. A tância, tornados contemporâneos dos acontecimentos do presente,
maior parte das fundações já foi executada. possibilitando, assim, as apresentações multitemporais nas quais a
No mesmo momento em que a progressão atinge um ponto de progressão é sentida.
completude suficiente, tanto paciente quanto terapeuta percebem Vale notar que as apresentações multitemporais são amplamen­
isso, assim como percebem que o outro também percebe. O mo­ te tratadas no domínio implícito. Elas envolvem processos não-li-
mento é compartilhado e penetra a consciência intersubjetiva. En­ neares e não-causais e têm um relacionamento mais próximo com a
tão, os últimos três momentos do exemplo anterior (variação 4, a metáfora como um modo fundamental de cognição.

240 241
0 MOMENTO PRESENTE 0 PASSADO E 0 MOMENTO PRESENTE

Existem muitos tipos diferentes de progressões relacionais, cada qual a ação principal está na flutuação do tom afetivo. Mariah, tam­
qual descrevendo um diferente passado sentido. Vou mencionar bém, por fim, “come os ovos verdes com presunto”.
apenas dois outros exemplos além daqueles que já forneci para com­ Um senso de possibilidades em explosão é outro exemplo de
pletar a idéia geral. uma progressão relacionai que no entanto guarda no presente um
Impulso emocional é outra progressão na qual o passado é o diferente passado sentido. Uma invenção musical é um exemplo
padrão de uma seqüência sentida no presente. É um bem conheci­ descomplicado. E normalmente definido como uma breve compo­
do modo-de-ser-com-alguém, uma técnica de retórica, uma tática sição que desenvolve um único tema (em geral em contraponto de
de diplomacia emocional, e uma forma de convencer-se a si mesmo duas partes como nas invenções para piano de Bach). Um exemplo
de algo. mais complicado pode ser o balé de Jerome Robbins, Dances at a
Dr. Seuss, escritor de livros infantis, ofereceu um excelente exem­ gathering, no qual não existe uma linha de história específica, mas
plo. Sam-Eu-Sou é o personagem principal de Green eggs and ham muitas variações das maneiras de as pessoas se movimentarem e
(1960). Perguntam-lhe repetidamente se ele vai comer ovos verdes estarem juntas em grupos de dois, três, quatro ou oito, executando
com presunto. A questão e sua resposta negativa ficam mais tolas, o que parecem ser ilimitadas variações que continuam espantosa­
mais divertidas e convincentes por causa do peso abreviado de sua mente. Cada momento sucessivo carrega uma sensação dos momen­
repetição e do acúmulo progressivo de novas maneiras de dizer tos passados. Mas qual é o tema dessas obras? Ficamos espantados
“Não!”. Sam-Eu-Sou responde à pergunta sobre se gosta de ovos a cada variação. E, quando acaba, nos vemos divertidos e satisfei­
verdes com presunto retrucando: “Não gosto deles/numa casa./Não tos. A seqüência de variações cria a experiência de expansão de
gosto deles/com um rato./Não gosto deles/nem aqui nem lá./Não múltiplas possibilidades. E a abertura de cada uma cria um senso de
gosto deles em nenhum lugar./Não gosto de ovos verdes com pre- surpresa e encanto. O fluxo de variações constantemente reanima
sunto./Não gosto deles, Sam-Eu-Sou.” Ele é então indagado se os nosso interesse nas infinitas possibilidades que existem no mundo.
comeria numa caixa ou com uma raposa. Ele responde: “Nem numa Isso é um tema ou um significado? Deixamos o espetáculo sentin­
caixa./Nem com uma raposa./Nem numa casa./Nem com um ratoV do-nos maiores, mais abertos, mais cientes das possibilidades em
Não os comeria nem aqui nem lá./Não os comeria em nenhum lu- nossas próprias vidas.
gar./Sam-Eu-Sou.” E assim por diante, com repetições e variações Isso também pode acontecer em psicoterapia em períodos cur­
divertidas. Qual é a progressão aqui? Além de diversão e prazer, a tos, por exemplo, quando o paciente apreende que pode dizer qual­
convicção emocional de Sam-Eu-Sou vai crescendo e ganhando quer coisa que pensar ou quiser dizer. Todos os caminhos de
impulso. Isso é aumentado pelo fato de ele acrescentar, após cada exploração de repente se abrem como trilhas potenciais a seguir. Esse
série de negativas, “Sam-Eu-Sou”, como se sua identidade estivesse é um momento presente afetivamente carregado. O conteúdo espe­
estritamente vinculada à sua recusa a comer ovos verdes com pre­ cífico de cada caminho possível não é tão importante quanto o senso
sunto. Isso confere impulso crescente às suas reafirmações. (No fi­ de possibilidades até-agora-impensadas a explorar. Uma atitude foi
nal, ele come e adora.) captada — uma que é extremamente valiosa na psicoterapia. Os pa­
Esse é mais um exemplo de um tipo de padrão acumulativo que cientes não cessam de redescobrir isso no curso de um tratamento.
é levado adiante em sucessivos momentos presentes. Já vimos esse Além da terapia, estar com determinadas pessoas pode dar esta
padrão no diálogo entre Mariah e seu terapeuta (capítulo 9), no pressão de possibilidades em explosão. Há um sentimento de
O MOMENTO PRESENTE
O PASSADO E O MOMENTO PRESENTE

que se pode falar sobre qualquer coisa com elas, que os assuntos diálogo entre o passado e o presente, a psicodinâmica não precisa
mudam inexplicavelmente e são inesgotáveis. Esta situação é um ser abandonada. Entretanto, a tradicional asfixia do passado sobre
poderoso modo-de-estar-junto, especialmente quando existe um o presente é minimizada. Passado e presente tornam-se sócios igua­
reconhecimento mútuo deste estado de coisas diádico. litários. Talvez o que seja mais importante em termos terapêuticos é
que se comece a enxergar como a experiência do momento presen­
O passado não ancorado temporalmente te pode reescrever o passado.

A emergência de certas memórias traumáticas dissociadas pode


representar uma quarta combinação fenomenal de passado e presen­
te. Quando tais memórias irrompem na cena, não são expe­
rimentadas como um passado sentido nem como vindas do passado.
Tampouco ocorrem num presente ambiente sentido, habitado por
um self que está existencialmente situado no presente. Os aspectos
relevantes do self encontram-se pendentes. Estas experiências “ape­
nas são”. Elas não estão temporalmente ancoradas. Normalmente,
as lembranças que emergem da memória operacional parecem
adentrar a sala do presente e sentar-se em sua cadeira designada.
Memórias episódicas recordadas ou memórias não reprimidas po­
dem irromper na sala do presente em total desorientação e circular
ruidosamente pelo lugar antes de se acomodarem. Em ambos os
casos, porém, existe um passado sentido habitando um presente
sentido separadamente. Este não é o caso de algumas memórias
traumáticas recordadas. Elas aniquilam tanto o presente sentido
como o passado sentido. E uma situação extrema de estar não an­
corado temporalmente.

Em resumo, tentei mostrar que o momento presente pode conter o


passado dentro de seu pequeno alcance, e que o passado só está
“vivo” quando no palco do momento presente. O passado tem um
papel constante influenciando o que experimentamos segundo a
segundo. E o momento presente incessantemente reordena nossa
memória do passado. O momento presente e o passado são cada
qual o pai e o filho um do outro. Isso é verdade independentemente
de se o passado é inconsciente, não-consciente ou consciente. No

244
Capítulo 13

MUDANÇA TERAPÊUTICA:
UM RESUMO E ALGUMAS
IMPLICAÇÕES CLÍNICAS GERAIS

AGORA, TODAS AS PEÇAS e s t ã o em seus lugares. Temos uma unidade


de processo de experiência subjetiva: o momento presente. Ele tem
uma duração e uma arquitetura temporal que lhe permite aglome­
rar e entender a experiência enquanto ela acontece. Isso resulta na
experiência de estar numa história vivida à medida que ela se de­
senvolve. A história vivida tem um início, um fim, pontos altos
afetivos, uma trama primitiva, intenções subentendidas e, acima de
tudo, uma duração com um contorno temporal ao longo do qual a
experiência se forma durante seu desdobramento. Esta é sua dinâ­
mica temporal. Em suma, o momento presente é direta e integral­
mente vivido em tempo real. Ele é vivenciado na realidade e à medida
que está acontecendo. É uma experiência direta e temporal. Não é
uma experiência produzida através da linguagem num segundo
momento, e nem produzida num terceiro momento através de abs­
tração, explicação ou narrativa.
Uma sessão de terapia (ou qualquer diálogo íntimo) é formada
por uma série de momentos presentes que são impulsionados pelo
desejo de contato intersubjedvo e ampliação do campo intersubjetivo

247
compartilhado. A intersubjetividade é uma motivação primária nesse participantes na presentidade do momento que eles estão vivendo
movimento. A medida que a díade avança, conectando momentos agora. Ambos estão experimentando o desdobramento de um pe­
presentes, um novo modo de-ser-com-o-outro pode aflorar a qual­ daço da realidade. Eles lêem no comportamento do outro um refle­
quer etapa do caminho. Essas novas experiências penetram a percep­ xo de sua própria experiência. Isso fornece uma forma de reentrada
ção mas não necessariamente a consciência o tempo todo. Elas através da mente do outro, de modo que a experiência se torna
contribuem para o domínio do saber implícito. Esse tipo de mudança subjetivamente consciente. Isso abre a porta para a experiência ser
ocorre no nível local. Esses momentos, cada um durando apenas se­ verbalizada e narrada, e tornar-se um marco na história narrativa
gundos, acumulam-se e provavelmente respondem pela maioria das do tratamento.
mudanças terapêuticas que são lentas, progressivas e silenciosas. A questão do mecanismo de mudança agora se apresenta. O
Com menos freqüência, de maneira mais sensacionalista e me­ motivo pelo qual dou ênfase à experiência e não ao significado é o
nos silenciosa, esses movimentos relacionais podem preparar o ter­ seguinte: é minha suposição básica que experiências originais são
reno para o surgimento de um momento presente especial, o expostas (inscritas na memória e na circuitaria neural) de uma for­
momento agora. Trata-se de uma propriedade emergente do pro­ ma que retém o fluxo em tempo real de seu desdobramento. São
cesso de seguir adiante, um processo que é imprevisível, de­ também um registro temporal. Suponho que estas memórias
sordenado, dinâmico e co-criado — um meio ideal para a irrupção formativas devem ser tão temporalmente baseadas quanto a vida é
de propriedades emergentes. Estes momentos presentes especiais, quando vivida subjetivamente. E por isso que a dinâmica temporal
quando afloram repentinamente, ameaçam o status quo do relacio­ foi acentuada ao longo do livro.
namento e desafiam o campo intersubjetivo como mutuamente acei­ Se experiências passadas devem ser mudadas, elas precisam ser
to até então. Estes são momentos de kairos. Eles testam o terapeuta reescritas ou substituídas por uma nova experiência temporal ocor­
e a terapia. Eles montam o palco para uma crise que precisa de rendo na mesma estrutura de tempo. A reescrita também precisa
algum tipo de solução. ser vivida inteiramente com sua própria dinâmica temporal. Em
A solução se dá num momento presente especial diferente, cha­ contraste, o conteúdo de linguagem e narrativa é uma experiência
mado momento de encontro. Quando bem-sucedido, o momento abstraída. Ela é removida uma vez da experiência direta e provoca
de encontro é uma resposta autêntica e adequada à crise criada pelo um curto-circuito em seu fluxo temporal. Tem uma dinâmica tem­
momento agora. É um momento que reorganiza implicitamente o poral diferente da experiência direta. Mas só pode reescrever o
campo intersubjetivo para que este se torne mais coerente e as duas passado explícito, não o passado experimentado implícito.
pessoas sintam uma abertura do relacionamento, que lhes permite Não é possível mudar sem alterar o passado funcional — em
explorar juntos novas áreas, implícita ou explicitamente. O mo­ outras palavras, o passado ativado e que agora influencia o com­
mento de encontro não precisa ser verbalizado para efetuar a mu­ portamento atual. O momento presente é um “contexto de recor­
dança. Um momento agora seguido de um momento de encontro é dação do presente” que seleciona quais partes do passado serão
o evento nodal que pode modificar drasticamente um relaciona­ ativadas e trazidas para o presente, e ainda como elas serão monta­
mento ou curso de uma terapia. das de modo a lidar melhor com a situação atual e influenciá-la.
Por causa de sua carga afetiva e importância para o futuro ime­ O momento presente modifica o passado funcional (não o pas­
diato, o momento agora e o momento de encontro focalizam os sado histórico, como visto de fora por uma terceira pessoa) de duas

248 249
maneiras. Primeiro, na medida em que o momento presente atual é ALGUMAS IMPLICAÇÕES CLÍNICAS GERAIS
uma experiência nova que surge no processo de seguir adiante, ela
vai atuar como um novo contexto de recordação do presente. Como O objetivo deste livro não foi desenvolver uma nova abordagem
tal, vai selecionar e montar partes do passado nunca-vistas-antes ou clínica, mas sim sugerir uma visão diferente do processo clínico
menos-usadas para criar um novo passado funcional para influeciar quando visto no nível momentâneo e local. No entanto, existem
o presente. O passado funcional antigo não é remontado nem trazi­ algumas implicações para a teoria e para a prática. Aonde elas vão
do para a frente. Ele é ignorado, e o novo passado funcional fica levar ainda está por ser descoberto. Minha experiência e a dos clí­
pronto para atuar sobre o futuro. Este processo precisa ser repetido nicos do Boston CPSG têm sido a de que nossas sensibilidades clínicas
diversas vezes para fortalecer a seleção do novo passado funcional foram alteradas por esta visão de um modo que é difícil estabelecer
particular e sua base neural. É por isso que este modo de mudar é com clareza. Todavia, eis algumas delas.
lento, progressivo e silencioso. O passado é, digamos, substituído Quando focalizamos no nível local formado de momentos pre­
ao ser remontado de forma diferente. sentes, uma sensibilidade clínica diferente aflora. Tornamo-nos mais
A segunda maneira pela qual o momento presente muda o pas­ cientes de pequenos eventos, especialmente dos não-verbais e im­
sado funcional é reescrevendo-o e apagando o registro antigo ao plícitos. Estes também ocorrem na forma de atos de fala. Eles cir­
longo de uma experiência. Aqui, torno a enfatizar que momentos cundam e acompanham o que está sendo falado e formam a agenda
presentes são experiências reais vividas em tempo real. Lembre-se implícita paralela. O observador/ouvinte precisa estar atento simul­
da evidência (por exemplo, o repertório de odores dos coelhos) de taneamente ao conteúdo verbal explícito e à experiência implícita.
que uma nova experiência pode reescrever a circuitaria neural e a Mas é difícil acompanhar os dois igualmente se não acreditamos
expressão fenomenal de uma experiência previamente escrita e re­ que ambos podem ter igual valor para o tratamento. E muitas abor­
cordada. A noção-chave, mais uma vez, é um acontecimento real dagens não crêem nisso. Entretanto, quando os dois recebem peso
em tempo real com uma dinâmica temporal — uma história vivida igual, torna-se tão razoável e frutífero intervir acerca de um peque­
no comportamento implícito quanto de uma verbalização. E a in­
que está sendo reescrita sobrescrevendo a antiga.
tervenção pode ser no domínio implícito ou no explícito. Isso
É importante lembrar que a experiência contida nos momentos
aumenta enormemente o espectro das oportunidades terapêuticas.
presentes está ocorrendo em paralelo à troca de linguagem durante
Quando se acredita que o fluxo de uma sessão é ditado pelo
a sessão. Os dois se apóiam e influenciam mutuamente em turnos.
desejo de regular e aumentar o campo intersubjetivo, alguns even­
Não estou tentando diminuir a importância da linguagem e do ex­
tos caem para segundo plano, particularmente a busca por um sig­
plícito em favor da experiência implícita. Estou tentando chamar a
nificado explícito (ao menos por um período). Outros eventos até
atenção para a experiência implícita e direta porque ela tem sido
agora menos esperados pulam para o primeiro plano, tais como a
relativamente negligenciada.
direção na qual o campo intersubjetivo está sendo levado. Estrate­
Com a ênfase na experiência implícita e não no conteúdo explí­
gicamente, é com freqüência mais importante seguir inicialmente o
cito, as metas terapêuticas voltam-se mais para o aprofundamento
movimento do campo intersubjetivo em direção a um lugar que
e enriquecimento da experiência e menos para a compreensão de
possa permitir que a agenda explícita se abra do que focalizar a
seu significado.
produção de material explícito no caminho. A ênfase desvia-se tem­

250 251
0 MOMENTO PRESENTE MUDANÇA TERAPÊUTICA: UM RESUMO E ALGUMAS IMPLICAÇÕES.

porariamente do conteúdo intrapsíquico para a regulação intersub­ respeito à co-criação. Ela ainda define uma direção que não era
jetiva. Vale lembrar o caso de Mariah e o tempo necessário para necessariamente o que estava acontecendo naquele momento do
estabelecer o campo intersubjetivo apropriado antes que qualquer processo. Durante e logo depois da interpretação, o terapeuta se
conteúdo explícito pudesse aparecer. Alguém poderia facilmente encontra num terreno muito diferente do paciente. Eles precisam
ter focalizado sua negatividade e agressividade enquanto seguia renegociar a distância entre eles enquanto negociam o valor da in-
adiante, em vez de em seu trabalho em direção a um ponto de par­ terpretação-como-hipótese. Todavia, interpretações precisam ser
tida intersubjetivo aceitável para falar do que estava em primeiro feitas quando julgado apropriado. O único modo de contornar este
lugar em sua mente. dilema é tratar as interpretações como uma desordem em potencial
O mesmo se aplica às progressões de momentos presentes. A tanto quanto uma hipótese discutida (possivelmente verdadeira).
ação clínica tende a estar na modelagem seqüencial do campo inter­ Tenho a impressão de que, em certas escolas terapêuticas, são
subjetivo, bem como, ou até mesmo mais do que, no desenvolvi­ feitas interpretações muito precoces e freqüentes. Estas parecem
mento de conteúdo explícito. forçar a direção do processo diádico ao longo das linhas teóricas,
Sob uma luz semelhante, os movimentos de transferência- deixando inexploradas as linhas únicas intrínsecas ao paciente.
contratransferência ficam subordinados à regulação mais abrangente A atenção ao fluxo implícito da sessão tem implicações no ob­
do relacionamento terapêutico, particularmente seus aspectos servar e lidar com a natureza desordenada do processo terapêutico,
intersubjetivos. Nem todos os atos para definir ou alterar a nature­ sua imprevisibilidade e sua espontaneidade. Se aceitamos que a de­
za do relacionamento terapêutico são originalmente transferenciais sordem não é apenas necessária mas também potencialmente criati­
ou defensivos. va, e não necessariamente psicodinamicamente determinada mas
Isso levanta um assunto mais amplo. O ponto de vista desenvol­ inerente ao processo de seguir adiante, nós a tratamos diferente.
vido aqui sugere a recomendabilidade de manter a teoria a uma Primeiro, ela não precisa ser tratada como o vazamento de material
maior distância durante a sessão para que o relacionamento imedi­ inconsciente, como um lapsus linguae ou uma palavra ouvida erra­
ato possa ser vivido em sua totalidade. Quando as interpretações do ou um mal-entendido, ao menos não de imediato. A questão
devem ser feitas ou adiadas a fim de se manter dentro do processo clínica passa a ser não por que aquele mal-entendido ocorreu, mas
diádico co-criado e esperar até que este tenha percorrido um tre­ aonde ele pode nos levar, agora; isso é o que interessa. Segundo, o
cho mais completo? Esta é uma questão de bom timing, que é terapeuta sempre pode voltar pelo mesmo caminho mais tarde e
determinante em técnicas tradicionais. Na prática, porém, uma in­ apanhar os aspectos psicodinâmicos se eles então ainda parecerem
terpretação é normalmente concebida e usada como uma hipótese salientes. Normalmente, isso não acontece. Dito de outra forma, a
a ser testada pelo paciente e terapeuta em termos de sua verdade e análise da defesa vem em segundo lugar. Entretanto, isso só vai
valor heurístico. Está tudo muito bem, mas isto adiciona uma forte acontecer quando houver um total reconhecimento do escopo e da
influência direcional sobre o fluxo do processo de seguir adiante criatividade em potencial de desordem e imprevisibilidade.
que vem em grande parte do exterior do processo diádico imediato Vale mencionar ainda uma outra questão em relação aos mo­
e se origina da teoria e da metapsicologia residindo apenas na men­ mentos agora. Eles levam em si um duplo perigo. Se não são respon­
te do terapeuta. A interpretação-como-hipótese puxa o processo didos e redirecionados para outro propósito, podem rapidamente
terapêutico para um relacionamento mais assimétrico no que diz levar a um acting-in maior e mais disruptivo. Adicionalmente, eles
0 MOMENTO PRESENTE MUDANÇA TERAPÊUTICA: UM RESUMO E ALGUMAS IMPLICAÇÕES...

podem provocar ansiedade no terapeuta, que reage escondendo-se As distinções entre implícito/explícito, não-verbal/verbal, reco­
por trás da técnica que impede que o momento agora dê muitos nhecimento/compreensão e experiência/significado podem ser re­
frutos. A aceitação do momento agora não apenas como um evento sumidas em termos de seu papel na mudança terapêutica. Em terapias
normal em terapia, mas também como uma rara oportunidade cri­ com base na fala o trabalho de interpretar, construir sentidos e narra-
ativa, muda o limiar do terapeuta para este tipo de ansiedade. Isso tivizar pode ser visto como um veículo quase não-específico, con­
lhe permite tolerar a situação com a naturalidade suficiente para veniente, mediante o qual paciente e terapeuta “fazem algo juntos”.
ser mais autêntico e encontrar uma resposta que seja ao mesmo E o fazer-juntos que enriquece a experiência e traz as mudanças nos
tempo ajustada à situação específica e que carregue a sua assinatura modos-de-ser-com-os-outros através do processo implícito discuti­
pessoal. Todos os membros do Boston CPSG notaram esta mudan­ do. Como um complemento, a construção verbal de sentidos e a
ça neles mesmos. narrativização como formas de explicar podem ser vistas como tam­
Finalmente, enfatizei em diversos pontos que a abordagem ado­ bém produzindo mudança terapêutica. Aqui, o fazer-junto implíci­
tada aqui focaliza a experiência e não o significado cognitivo. Nova­ to e o saber implícito alterado circunscrevem o fluxo de compreensão
mente recorro à experiência da música (poderia ser qualquer outra explícita e o fecha em casa.
forma de arte) para explorar melhor esta distinção. Podemos ouvir e Ambos são necessários. Mas cada um demanda um modelo des­
desconstruir a música, expressando um conhecimento explícito de critivo e explanatório diferente. Concentrei-me no implícito e no
como ela é construída. Isso exige certo treino. Mas, freqüentemente, experiencial por ser este um território menos mapeado. Para fazer
não fazemos isso. Ao contrário, ao escutarmos repetidamente, che­ isso, foi necessário observar o processo terapêutico através das len­
gamos a experimentá-la mais profundamente. Ela se enriquece. Dife­ tes do momento presente.
rentes aspectos nos interessam, surpreendem e deliciam em escutas
subseqüentes. Nós a “conhecemos” melhor, no sentido de que a ex­
periência é enriquecida. Quando paciente e terapeuta trabalham jun­
tos, algo semelhante acontece. A distinção entre a compreensão
cognitiva da experiência e o enriquecimento da experiência é vital.
Evidentemente, é necessário que haja uma busca por significa­
do para que uma compreensão psicodinâmica possa ser construída,
e uma narrativa de vida, criada. Para tanto, um relato explícito ver­
bal da experiência do paciente é essencial. Mas também é preciso
haver um processo de reconhecimento da experiência do paciente
com mais profundidade, de sentir sua experiência e compartilhá-la
com ele para que haja um enriquecimento de quem ele é, de como
é ser ele e de como é estar-com-ele. Para que ocorra este enriqueci­
mento da experiência do outro, o fluxo do seguir adiante na sessão,
os momentos presentes intersubjetivamente compartilhados e os sa­
beres implícitos são de suma importância.
Apêndice

A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

INTRODUÇÃO: O QUE ESTÁ SENDO ESTUDADO?

É importante sermos claros sobre qual aspecto da consciência está


sendo estudado. Ainda que o foco do livro seja a experiência
enquanto está sendo vivida, a exploração da entrevista micro-
analítica é um experimento piloto que concerne à narração pós-
fato sobre o que é vivido conscientemente. O sujeito do estudo,
então, é um tipo especial de narrativa sobre uma experiência cons­
ciente. É bom sublinhar que se trata de uma narrativa especial. Ela
é derivada de uma técnica de entrevista que constrói o relato nar­
rativo a partir de múltiplas narrações do mesmo material, em que
cada narração pode “corrigir”, acrescentar, subtrair ou enrique­
cer as anteriores; em que os eventos contados têm curta duração,
raramente ultrapassando um minuto; em que a entrevista é mi-
croanalítica no sentido de que o menor acontecimento, ação, sen­
timento ou pensamento recordado é explorado à exaustão do
conteúdo recordado; em que a narração é co-construída pelo
experimentador com o sujeito; em que todos os elementos narra­
dos são representados graficamente ao longo das dimensões de
tempo (estimado) e intensidade (julgada subjetivamente).

?«Í7
0 MOMENTO PRESENTE A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

O resultado é um relato único, uma narrativa em camadas, METODOLOGIA


microanaliticamente enfocada e co-construída. Provisoriamente, vou
chamá-la de narrativa compósita, que não é a experiência vivida A população
nem é uma narrativa construída de modo normal, a qual é rascu­
nhada rapidamente na mente mais ou menos à medida que vai sen­ A entrevista foi realizada com alunos, colegas e amigos. Inicialmen­
do contada e é em geral narrada apenas uma vez ou periodicamente. te, começando há 10 anos, 12 entrevistas foram conduzidas. Usei-as
Embora um relato narrativo normal seja derivado de uma experiên­ para estabelecer o método. Os resultados dessas entrevistas não es­
cia consciente original, ele é, em si, também um dado fundamental tão incluídos aqui, por não terem sido quantificados de maneira
no sentido de que este é o modo pelo qual nós comumente di­ padrão.
mensionamos na mente, ou pensamos e contamos sobre nossas ex­ Com a ajuda de alguns de meus assistentes de pesquisa na Uni­
periências. A narrativa compósita provavelmente se localiza em versidade de Genebra (Philip Santos, Janine de Haller e Pierre
algum ponto entre a experiência vivida e uma narrativa normal. Ela Scheidegger), entrevistei um segundo grupo de seis sujeitos. O mé­
é um produto mais artificial e experimental. todo e resultados quantitativos deste segundo grupo, resumidos
Por que, então, este nível de análise é justificado e possivelmente aqui, são descritos e discutidos em detalhe por Santos (2000). Um
interessante? É uma tentativa de chegar mais perto de uma dos sujeitos foi retirado do grupo por não conseguir manter a
objetificação da experiência subjetiva vivida. Os estudos da consci­ distinção entre aquilo de que se tem percepção e aquilo de que se
ência estão num estágio no qual se faz necessário um diálogo entre tem total consciência. Um terceiro grupo de cinco sujeitos foi reu­
diferentes níveis de descrição. O relato presente é uma tentativa de nido por mim após o fim do segundo experimento, com o propó­
desenvolver outro nível de descrição para juntar-se ao diálogo. A sito de esclarecer e refinar aspectos da entrevista. O número total
necessidade de tal diálogo foi amplamente sugerida por muitos ou­ de casos separados relatados quantitativamente com o mesmo
tros (citados em pontos deste livro). método é de oito.
A idéia por trás da entrevista microanalítica veio da experiência A perspicácia ou facilidade narrativa dos sujeitos não foi avali­
com a microanálise de interações entre pais-filhos usando filme e ada. Suficiente dizer que embora todos os sujeitos tivessem apro­
videoteipe como um microscópio para entender mais profundamente ximadamente status educacional e inteligência equivalente, havia
como elas funcionavam. As descrições no micronível das frações de uma ampla variação de perspicácia e facilidade narrativa. Não te­
segundo que emergiram foram fascinantes e muito úteis na con- nho dados sobre as variações referentes a diferentes culturas, ida­
ceitualização e tratamento do relacionamento pai-filho (ver cita­ des, sexos ou tipos de psicopatologia, embora isso teria sido
ções em outros pontos deste livro). Entretanto, sua realidade interessante.
fenomenal estava por explorar.
Suponho que a narrativa compósita, que é análoga à microanálise O tema das entrevistas
do comportamento, vá nos aproximar da experiência vivida e desse
modo permitir novos insights e idéias. E com esta disposição que o Todas as entrevistas relatadas tiveram apenas um assunto geral: o
método e os resultados são apresentados. que foi conscientemente experimentado naquele dia no café-da-
manhã (daí o nome original, “entrevista do café-da-manhã”). Essa

258 259
O MOMENTO PRESENTE A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

refeição foi escolhida porque podíamos contar com sua ocorrência favorecer qualquer modalidade ou tipo de experiência. Estas per­
na manhã logo antes da entrevista. Em outras palavras, tinha uma guntas específicas sobre modalidade vêm depois.
recentidade constante, estava suficientemente automatizada (signi­
ficando que a mente está mais livre para vagar) e normalmente não Escolhendo um segmento e suas fronteiras
contém eventos emocionais que exigiriam muita censura. Este últi­ A primeira tarefa é estabelecer o segmento da experiência do café-
mo motivo provou não ser tão verdadeiro. Os sujeitos escolheram da-manhã a ser explorado. O segmento não pode durar muito mais
qual segmento do período do café-da-manhã seria explorado. A que 30 a 90 segundos, por causa das restrições de tempo de um
base da escolha não era conhecida. Isso abriu a porta para uma
exame intensivo. Ele deve ser contínuo, em tempo real, mesmo que
seleção baseada em fatores psicodinâmicos, facilidade narrativa,
seja composto de diversos pedaços de consciência separados.
carga emocional etc. O segmento é escolhido da seguinte forma: primeiro, o sujeito
Também conduzi esta entrevista quando o tema era a experiên­
conta a experiência do café-da-manhã completa. Isso é invariavel­
cia mais efetivamente carregada que o sujeito tivera durante a se­
mente um breve resumo sem grande interesse. Em seguida, é pedi­
mana anterior. Um quadro ligeiramente diferente vem à tona. No
do a ele ou ela que escolha qualquer parte do todo que tenha início
entanto, isso não vai ser comentado aqui.
e fim claros. O sujeito então escolhe quais acontecimentos clara­
mente definidos (em sua mente) servirão de fronteiras.
O procedimento
Analisando o segmento
Instruções gerais
O sujeito quebra o segmento em partes (ver exemplo no capítulo 1).
Os voluntários, que nada sabiam a respeito de nosso estudo, fo­ A primeira análise se dá no nível do episódio de consciência. O epi­
ram convocados ao laboratório às 10 horas. Foi-lhes dito apenas
sódio é um período contínuo de consciência cercado por períodos
que estávamos realizando um estudo sobre a experiência da cons­
de não-consciência, ou non-CS holes. A segunda análise quebra os
ciência e que explicaríamos com mais detalhes ao fim do estudo.
episódios contínuos de consciência em momentos presentes.*
Em seguida, perguntaram-lhes: “Conte-me sobre as experiências
Alguns episódios de consciência contêm somente um momento
que você viveu conscientemente hoje durante o café-da-manhã.”
presente, caso em que os principais marcos de fronteira para esse
Examinei a diferença entre o que eles logicamente sabiam que devia
momento presente são também non-CS holes cercando o momento
ter acontecido (que é em geral bastante automático e não-consci- presente. Mais freqüentemente, cada episódio de consciência con­
ente) e aquilo de que estavam claramente conscientes. Também tém diversos momentos presentes que são temporalmente adjacen­
lhes foi pedido que me avisassem sobre qualquer parte da experi­ tes um ao outro. Nesse caso, as fronteiras entre momentos presentes
ência que eles não desejassem contar, para que eu soubesse se ha­ adjacentes consistem em mudanças observáveis na experiência. Es­
via lacunas no relato.
E importante perguntar o que eles experimentaram — e não
sobre o que aconteceu (o que leva a contar ações e eventos), sobre o *No trabalho de Santos (2000), o que estou chamando de episódios de consciência são
chamados de “momentos presentes”, e o que estou chamando de m om entos presentes
que pensaram , o que sentiram ou sobre qualquer coisa que os leve a são chamados de “tomadas”.

260
0 MOMENTO PRESENTE
A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

sas alterações em geral envolvem uma mudança de lugar, ação, per­


nados ao gráfico. Em passagens subseqüentes, ações, lembranças,
sonagens, tempo, ponto de vista do narrador em relação à experiência
posturas ou mudanças posturais, gestos, imagens, fantasias, senti­
ou qualquer combinação desses itens. O resultado é uma análise
mentos etc. são acrescentados separadamente em seqüência.
semelhante a esta:
Cada vez que uma nova passagem é feita e novos elementos são
Segm en to escolhid o para ser narrado acrescentados, em geral é necessário fazer correções nas anteriores,
o que pode modificar todo o gráfico, inclusive sua análise, tempo
ou a forma de curvas previamente posicionadas. A ordem das per­
lacuna------- episód io de con sc------- lacuna------- episód io de con sc------- lacuna
guntas feitas acerca de diferentes elementos (por exemplo, pensa­
mentos ou afetos) é variável e normalmente formulada com base
(m om ento presente 1) (m om en to presente 2 ) (etc.)
em sua aparente relevância. O resultado é um gráfico que se asse­
melha a uma partitura de sinfonia peculiar. Em seguida, isso é com­
Atenção repetida é dada à distinção entre coisas que devem ter ocor­ primido em um gráfico compósito.
rido e aquelas que claramente penetraram na consciência. A per­
gunta é feita ao sujeito diversas vezes. Uma verificação final na consciência

Representando graficamente o segmento Após terem sido assinaladas todas as passagens e adicionadas as alte­
analisado pela primeira vez rações progressivas, pede-se ao sujeito que escolha o momento exato
em que um elemento se tornou consciente engrossando a linha de
O sujeito recebe instruções sobre como representar graficamente
sua curva naquele ponto. Isso é necessário porque muitos atos físicos
sua experiência, em duas dimensões: duração estimada (em segun­
e mentais traçam uma longa linha que fica vagamente na percepção
dos ou frações de segundos) e intensidade subjetiva (1 a 10). (Ver
mas entra e sai da consciência em certos pontos (ver Figura 1.1).
Figura 1.1, capítulo 1.) Os elementos gráficos da experiência são
desenhados como linha, curvas ou contornos. A abscissa do gráfico Estimativas de duração
é o tempo e a ordenada é a intensidade da experiência. O primeiro
gráfico é muito tosco e aproximado. E um esboço de trabalho. Quando se tem um gráfico quase final, pede-se ao sujeito que esti­
me, em segundos, quanto tempo durou, em tempo real, cada ele­
Múltiplas passagens pela experiência mento, momento presente e episódio de consciência. Muitas das
para compor a narrativa compósita experiências são descritas como momentâneas ou flashes. Estas re­
cebem uma duração arbitrária de um quarto de segundo. O tempo
Qualquer dos elementos da experiência dentro de um momento
total é estimado de três maneiras. O tempo somado total é obtido
presente é então selecionado para uma exploração mais detalhada.
somando-se as durações separadas dadas a cada um dos momentos
Por exemplo, se os afetos são o primeiro elemento destacado, per-
presentes. O tempo global total é a duração estimada de todo o
gunta-se ao sujeito o que exatamente sentiu e pede-se que desenhe
segmento narrado. Pede-se também ao sujeito que encene a experi­
a forma de tempo-intensidade no gráfico. Esta é a primeira passa­
ência na mesma estrutura de tempo em que pareceu ocorrer. O
gem. Na segunda passagem, os pensamentos do sujeito são adicio­
tempo necessário para esse enactment é o tempo encenado total.

262
*)C3
O MOMENTO PRESENTE
A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

Quando termina a entrevista? segundos a 367 segundos, com uma duração média de 91,7 segun­
Feitas todas as passagens, e algumas delas são realizadas mais de dos e uma duração mediana de 28,5 segundos (ver Tabela A.l).
uma vez, chega-se a um ponto em que o sujeito sente que a entre­ Embora grande, esta variação não influenciou muito a duração das
unidades menores e mais básicas.
vista colheu todas as informações que a experiência continha. É
realizada, então, uma verificação final de verossimilhança. Pergun­
T abela A .l
ta-se ao sujeito se o gráfico final é uma representação fiel de como
A estrutura tem p oral d e ep isó d io s de co n sciên cia
foi a experiência. Se não for, são feitos ajustes.
e m o m en to s presentes (d u rações em segu n d os)

Perguntas sobre o status fenomenológico A. Episódios de consciência


de aspectos da experiência
SUJEITOS
Três perguntas são formuladas depois que o gráfico é finalizado. A 1 2 3 4 5 A B C média
primeira examina o status existencial da experiência durante o Número 11 3 7 4 6 3 4 1 4,9
momento presente. Ele envolve objetos da experiência que são reais Duração média 2,6 8,7 52 ,4 52 4,5 15 20 4.5 20,2
e presentes ou objetos ausentes ou virtuais? Duração mediana 2 8 5 8,5 4 9 12 4.5 6,6
A segunda pergunta examina a localização no tempo da expe­ B. Momentos presentes
riência. Ela se encontra no passado, no presente ou no futuro, ou
ocupa um tempo indeterminado? SUJEITOS
1 2 3 4 5 A B C média
A terceira pergunta examina o ponto de vista do narrador quanto
Número 29 10 19 14 22 10 16
à experiência narrada. O sujeito está observando a experiência a 1 16,4
Duração média 8 2 ,6 19,3 15,4 1,2 7 16
distância ou está inteiramente presente nela? O sujeito é mais um 4.5 9,3
Duração mediana 2 ,6 3,3 2 ,7 3,5 3 ,7 2,9 4,2
espectador ou um ator da experiência? O sujeito está pouco con­ 4.5 3,4

centrado e distraído ou altamente focalizado na experiência? C. Momentos presentes por episódio de consciência

SUJEITOS
Duração da entrevista
1 2 3 4 5 A B C média
A entrevista inteira dura cerca de uma hora e meia. Número 2 ,6 3,3 2 ,7 3,5 3 ,7 3,3 2,5 1 2,8

D. Tempo total do segmento escolhido para ser narrado


Os resultados
SUJEITOS
A estrutura temporal da experiência consciente 1 2 3 4 5 A B C média
como encontrada na narrativa compósita Tempo somado 25 26 367 216 27 30 38 4 ,5 9 1,7
Tempo global 35 10 720 210 600 40
A unidade mais longa é o segmento da experiência escolhido para 50 8 209,1
ser narrado. Usando o “tempo somado total”, a variação foi de 4,5

264
265
O MOMENTO PRESENTE A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

As unidades mais curtas seguintes, os episódios de consciência, fo­ sentes adjacentes, há uma mudança na cena (lugar, tempo, persona­
ram bem fáceis para os sujeitos identificarem, porque estavam cer­ gens ou ação) em 100% dos casos. Há uma mudança no ponto de
cadas por non-CS holes. Esses episódios tinham duração média de vista do sujeito em relação à ação em 98% dos casos (ver Tabela A.2).
20,2 segundos e duração mediana de 6,6 segundos (ver Tabela A. 1).
O status fenomenológico das experiências dentro de um momento
Essa variabilidade deve ser esperada porque o número de momen­
presente (aspectos selecionados)
tos presentes por episódio é variável.
As unidades mais curtas de todas, os momentos presentes, fo­ Três aspectos são identificados: o status existencial do objeto da
ram, às vezes, mais difíceis de separar e identificar, pois os critérios experiência, a localização temporal do objeto da experiência e o
ponto de vista do sujeito em relação ao objeto da experiência. Os
para as fronteiras são mais sutis. Houve, em média, 2,8 momentos
resultados são apresentados na Tabela A.3. Em geral, eles corrobo­
presentes por episódio de consciência, com uma variação de 1 a 3,7
ram a idéia de um momento presente polifônico, politemporal que
momentos presentes por episódio. Momentos presentes tiveram uma
se modifica dinamicamente à medida que se desdobra.
duração média de 9,3 segundos (com 2 entre 8 muito mais longos
do que os demais).
DISCUSSÃO
T ab ela A .2 .
A natureza das fronteiras entre m o m en to s presentes adjacentes Uma questão crítica envolve até que ponto a duração dos eventos
(exp ressa c o m o um p ercen tual d o to ta l d e adjacências) nas narrativas compósitas (como recordadas, contadas e co-monta-
das como um compósito) corresponde aos eventos como original­
SUJEITOS mente experimentados. Diversos autores sugeriram que a duração
1 2 3 4 5 A B C média
dos eventos como recordados ou representados é razoavelmente
Mudança de ponto
, . 100 100 95 100 91 100 94 100 98
próxima ao tempo real dos eventos vividos. Por exemplo, em rela­
de vista ção a movimentos físicos, Jeannerod (1999) sugeriu que a mente
Mudança de cena 100 100 100 100 100 100 100 100 100
representa com precisão o corpo em movimento no tempo e no
espaço. Pode haver, porém, diferenças específicas de domínio na
A descoberta mais impressionante, porém, foi que a duração mediana
exatidão dessa correspondência, como para afetos comparados a
foi bastante constante: 3,4 segundos, variando de 2,6 a 4,5 segun­ pensamentos, comparados a ações etc.
dos (ver Tabela A.1). Esta duração corresponde à que teria sido
Uma segunda questão crítica é: que tipo de validade pode ser
prevista a partir dos dados apresentados no capítulo 3 sobre a dura­ atribuída a estas descobertas? O argumento mais forte pode ser apre­
ção do presente momento em diferentes domínios. sentado em favor da validade aparente. As narrativas compósitas
são sentidas como o foram quando ocorreram. A verossimilhança
A natureza das fronteiras entre momentos presentes adjacentes em relação à vida-como-vivida é forte. Esta é uma impressão pene­
Como não existem non-CS holes separando momentos presentes trante. Muitas vezes, quando falo sobre os resultados da entrevista
adjacentes, são usados critérios menos óbvios. Entre momentos pre­ do café-da-manhã para os sujeitos, eles riem e dizem: “Isso, foi as­

266 267
O MOMENTO PRESENTE A ENTREVISTA MICROANALÍTICA

sim mesmo.” O fato de encontrarmos a mesma duração média e T abela A .3 .


variação para momentos presentes de diferentes domínios de expe­ Status fen o m e n o ló g ico da exp eriên cia dentro
riência (ver capítulo 3) empresta uma validade convergente à entre­ de um m o m en to presente
vista. Na última análise, estudos de registros cerebrais de atividade
A. Status existencial da experiência num momento presente (porcentagem)
neural vão conseguir estabelecer uma forma de validade corre­
SUJEITOS
lacionai acerca da duração de eventos como recordados e como
1 2 3 4 5 A B C média
vividos.
Objeto presente 5 1 ,7 5 0 5 7 ,9 74,1 4 5,6 49,4 35 100 57,5
Até hoje, apenas um estudo publicado levantou a questão da
Objeto ausente 44,8 30 36,8 28,6 4 5 ,6 5 0 ,6 65 0 45,8
utilidade da entrevista microanalítica na explicação de fenôme­ Objeto presente e
nos clínicos. O estudo de Nachman (2001) de identificação ma­ ausente 6,9 20 21,1 42,8 0 0 10 0 12,6

ternal com um filho em tempo real usou a técnica. Ele revelou


B. Localização do momento presente no tempo (porcentagem)
muitas mudanças rápidas na força e na natureza da identificação
(Pode haver localizações simultâneas)
da mãe com a criança. Tais alterações foram medidas em segun­
SUJEITOS
dos, dependendo dos contextos. Dessa perspectiva, a identifica­
1 2 3 4 5 A B C média
ção é vista como um processo altamente dinâmico temporalmente,
e não como um estado de longa duração ou mesmo estático, como Passado 6,9 90 10,5 2 8,6 4 5 ,6 33 40 0 31,8
Presente 79,3 10 84,2 78,5 77,3 80 60 100 71,2
às vezes pensamos.
Futuro 24,1 20 26,3 3 5 ,7 5 0 10 15 0 24,5
Minha previsão é de que a narrativa compósita que resulta da Indeterminado 3,4 10 15,5 2,1 0 5 12,5 0 7,6
entrevista microanalítica vai ajudar a explorar melhor característi­
C. Variação de posições assumidas ao longo de diferentes
cas fenomenológicas de interesse clínico e neurocientífico. Eu diria
momentos presentes (variação de 1-5)
que o perfil quantitativo de diferentes características da narrativa
compósita seria diverso sob variadas condições, ambientes, estados SUJEITOS
1 2 3 4 5 A B C
psicológicos ou outros estados patológicos e contextos culturais.
Mesmo a duração do momento presente, que parece ser o elemen­ A distância (1)
1-5 3-5 1-5 2-5 1-5 2-5 2-5 4
Totalmente presente (5)
to mais constante, pode variar sob condições diversas. Todas essas
Espectador (1)
diferenças, porém, favoreceriam nossa compreensão. Ator (5)
2-5 2-5 1-5 1-5 1-5 2-5 2-5 3
Em todo caso, os resultados atestam a riqueza do mundo micro- Sujeito a distração (1)
momentâneo de momentos presentes e sugere que a noção de um Absolutamente 1-5 2-5 2-5 2-5 1-5 2-5 1-5 4
momento presente como “um mundo num grão de areia” fornece concentrado (5)

uma hipótese sustentável.

268 269
Glossário*

Afetos de vitalidade são experiências subjetivas. Trata-se da dinâmica temporal


das alterações nos sentimentos, consistindo em mudanças analógicas, fração
de segundo a fração de segundo em tempo real, em afetos, pensamentos,
percepções ou sensações. Por exem plo, a aceleração sentida e a explosão de
raiva subseqüente. Em geral ocorrem em paralelo com os contornos tempo­
rais de estimulações. Afetos de vitalidade são experiências subjetivas. Con­
tornos temporais de estimulações, ao contrário, são eventos objetificáveis.
Há um isomorfismo incompleto entre os contornos temporais e os afetos de
vitalidade. Afetos de vitalidade são sinônimo de formas de sentimento tem­
porais, formas de sentimento ou formas temporais.
Ansiedade intersubjetiva é o sentimento que aflora quando o processo de orien­
tação intersubjetiva não oferece coordenadas suficientemente claras sobre
onde se está no campo intersubjetivo. É uma forma de ansiedade que não é
diretamente identificada nas teorias psicológicas nem nos princípios dar-
winianos. Talvez esteja mais próxima de uma ansiedade existencial.
Campo intersubjetivo é o domínio de sentimentos, pensamentos e conhecimento
que duas (ou mais) pessoas compartilham acerca da natureza de seu relacio­
namento atual. N ão só esse domínio intersubjetivo é compartilhado como
também o próprio compartilhar é validado entre eles, implícita ou explicita­
mente. Esse campo pode ser transformado. Pode-se entrar ou sair dele,
aumentá-lo ou diminuí-lo, torná-lo mais ou menos claro.
Consciência intersubjetiva é uma forma de consciência que aflora quando um
circuito de reentrada é estabelecido entre a experiência direta na mente de

•Os termos contidos aqui são específicos do uso do autor ou do Boston Change Process
Study Group (BCPSG).

271
O MOMENTO PRESENTE GLOSSÁRIO

uma pessoa e a experiência, dessa mesma pessoa, de segunda pessoa experi­ trás das ações se torna o referente. É um m odo de imitar, partindo do
mentando a experiência da primeira pessoa. Esse circuito recursivo inter­ interior, com o é uma experiência, e não a forma pela qual ela foi expressa
subjetivo permite que a experiência dupla da primeira pessoa emerja na numa ação.
consciência — consciência intersubjetiva. A consciência intersubjetiva é so­ História vivida (ou história microvivida) refere-se à estrutura da experiência que
cialmente baseada, e não derivada de circuitos de reentrada de experiência se desenrola durante um momento presente. Consiste num enredo seme­
originando-se exclusivamente de uma única mente. Ela não precisa se tornar lhante a uma narrativa e em uma linha de tensão dramática que sobe e desce
reflexivamente consciente nem ser verbalizada. Mas ela penetra na memória durante o momento presente. É uma história vivida, sentida ou experimen­
episódica. tada que não é verbalizada nem narrada. Posteriormente, narrativas reais
Contorno temporal é a forma temporal de estimulações que invadem o sistema podem ser engendradas a partir dessas histórias vividas.
nervoso, pelo lado de dentro ou pelo lado de fora. O contorno temporal Intencionalização difusa é (1) a natureza inexata de tentar expressar suas inten­
consiste nas mudanças analógicas, fração de segundo a fração de segundo ções sentidas — dizendo de outro modo, de colocá-las em palavras; (2) o
em tempo real, na intensidade, no ritmo ou na forma da estimulação. É, em processo equivocado de tentar inferir as intenções de outra pessoa coim base
teoria, uma entidade objetificável. em suas palavras, em seus comportamentos e no contexto; e (3) as aproxi­
Desordem refere-se à desorganização do processo de seguir adiante. Inclui o se­ mações negociadas quando duas pessoas tentam compartilhar ou compreen­
guinte: imprevisibilidade, intencionalização indefinida, redundância e varia­ der o estado intencional de um dos parceiros. Essa difusão é considerada
ções freqüentes, todas as quais tendem a tornar o processo de seguir adiante intrínseca ao processo de “ler” o outro. E claramente notada durante o se­
menos linear e mais complexo. Ao mésmo tempo, a desordem é vista como guir adiante no nível local durante a psicoterapia.
algo que acrescenta elementos potencialmente criativos ao processo. Esses Momento agora é um momento presente que aflora subitamente numa sessão
elementos criativos são propriedades emergentes que, quando bem utiliza­ com o uma propriedade emergente do processo de seguir adiante. É um mo­
das, podem desviar a natureza do campo intersubjetivo para novas direções. mento afetivamente carregado porque põe em questão a natureza do relacio­
Dinâmica temporal são mudanças no tempo ou ao longo do tempo, particular­ nam ento paciente-terapeuta. N orm alm ente isso envolve contrariar ou
mente mudanças na força, na intensidade, na qualidade, na forma ou no ameaçar romper a moldura ou as “regras” habituais de com o eles trabalham
ritmo de uma experiência ao longo do tempo. Como usado no livro, o termo juntos e são juntos. O que está em jogo é com o eles serão um com o outro. O
em geral se refere ao que poderia ser mais adequadamente chamado de dinâ­ nível de ansiedade no paciente e no terapeuta aumenta. Eles são ambos pu­
mica microtemporal, porque as mudanças ocorrem em segundos. xados com força para o presente. O terapeuta sente que uma resposta técni­
F lu x o-d e-sen tim en to-in ten cion al é o senso subjetivo de uma intenção que se move ca de rotina não vai ser suficiente, o que aumenta sua ansiedade. Uma crise
em direção ao seu objetivo. Ele inclui o senso de se inclinar na direção do que precisa de solução foi criada. A solução pode vir na forma de um m o­
objetivo e o senso de diminuir a “distância” do objetivo, bem com o mudan­ mento de encontro ou de uma interpretação.
ças na intensidade da expectativa e do prazer à medida que a trajetória é Momento de encontro é um momento presente entre dois participantes capaz de
percorrida. resolver a crise criada por um momento agora. Assim, ele dá nova forma ao
Harmonização afetiva (também harmonização) é uma forma especial de com ­ campo intersubjetivo e altera o relacionamento. É evocado com o uma pro­
portamento em resposta ao comportamento afetivo com unicativo de outra priedade emergente do microcontexto do momento agora e deve ser extra­
pessoa. Assim com o a imitação é uma fiel representação das ações abertas ordinariamente sensível a esse contexto. Envolve uma resposta à crise que
do outro, a harmonização afetiva é uma fiel representação do que o outro seja bem ajustada à especificidade dessa crise em particular. N ão pode ser
deve ter sentido quando se expressou por meio de tais ações. Isso requer uma resposta técnica geral, mas sim uma resposta específica e autêntica que
que a harmonização imite apenas a dinâmica temporal da intensidade, da leve a assinatura pessoal do terapeuta, digamos assim. Isso é necessário por­
forma ou do ritmo do comportamento do outro, mas numa modalidade ou que existe um compartilhamento intersubjetivo nesse momento que altera o
escala diferente. Assim, as ações reais do outro não se tornam o referente campo intersubjetivo entre os dois. O compartilhamento afetivamente car­
da harmonização (com o ocorreria na imitação); antes, o sentim ento por regado expande o campo intersubjetivo de tal forma que o relacionamento

272 273
O MOMENTO PRESENTE GLOSSÁRIO

Participação alterocêntrica (Braten, 1998b) é a capacidade inata de experimen­


conforme sentido por ambos de súbito torna-se diferente do que era antes
do momento de encontro. Essa mudança no campo intersubjetivo em virtu­ tar, normalmente sem estar consciente disso, o que outra pessoa está experi­
de do momento de encontro não requer verbalização nem narração para ser mentando. É um ato involuntário de experimentar com o se seu centro de
orientação e sua perspectiva estivessem localizados no outro. N ão é uma
efetiva e duradoura.
forma de conhecimento sobre o outro, e sim uma participação na experiên­
Momento presente é o intervalo de tempo no qual processos psicológicos agru­
cia do outro. É a capacidade intersubjetiva básica que torna possível a imita­
pam unidades muito pequenas de percepção na m enor unidade global possí­
ção, a empatia, a simpatia, o contágio emocional e a identificação. Apesar de
vel (uma gestalt), que tem um sentido ou significado no contexto de um
inata, a capacidade aumenta e se refina com o desenvolvimento.
relacionamento. Objetivamente, momentos presentes duram de um a dez
Saber relacionai implícito é o domínio do conhecimento e da representação não-
segundos, com uma média por volta de três ou quatro segundos. Subjetiva­
verbais, não-simbolizados, não-narrados e não-conscientes. Consiste em
mente, são aquilo que experimentamos com o um agora ininterrupto. O
procedimentos motores, padrões afetivos, expectativas e até padrões de ra­
m omento presente é estruturado com o uma história microvivida, com um
ciocínio. N este livro, diz respeito principalmente a saber com o ser com ou­
enredo mínimo e uma linha de tensão dramática feita de afetos de vitalida­
tras pessoas, uma forma de saber interpessoal e intersubjetivo. Daí o termo
de. Ele é, portanto, temporalmente dinâmico. Embora seja um fenômeno
saber relacionai implícito. Preferimos saber em vez de conhecimento porque
consciente, não precisa ser reflexivamente consciente, verbalizado ou narra­
este último, na maioria dos casos, implica um conhecimento consciente. O
do. É visto com o o bloco de construção básico de experiências de relaciona­ saber relacionai implícito é não-consciente; ele não é inconsciente no senti­
mento. Abstrações tais com o generalizações, explicações e interpretações,
do de reprimido. Ao contrário, até hoje, não foi necessário colocá-lo em
ou fenômenos de ordem superior, com o narrativas, são formadas dessas ex­ palavras e talvez nunca seja. Ele é não-consciente no sentido de jamais tor­
periências psicológicas básicas e primárias. São somente estas que aconte­ nar-se reflexivamente consciente. A grande maioria de tudo que “sabemos”
cem “agora” e somente estas que são diretamente vividas. sobre com o ser com os outros (inclusive a transferência) reside no saber
Movimentos relacionais são comportamentos abertos (entre os quais fala e silên­ relacionai implícito.
cios) que são as menores unidades às quais uma intenção de alterar ou ajus­ Seguir adiante é o processo de avançar através da sessão no nível local. Esse
tar o relacionamento pode ser atribuída por um parceiro ou observador processo encontra seu caminho à medida que segue adiante. Seu percurso
interativo. São momentos presentes que não se tornaram conscientes. Como não é conhecido com antecedência. Ele consiste em movimentos relacionais
os momentos presentes, formam o processo de seguir adiante. e momentos presentes que, reunidos, formam a sessão. É caracterizado por
Nível local é a interação vista numa microescala de momento em m omento, na tentativas de obter um campo intersubjetivo maior e mais coerente. Isso,
qual as unidades são feitas das menores gestalts comportamentais para as contudo, envolve muita imprevisibilidade quanto ao que vai acontecer em
quais uma intenção poderia ser inferida. Essas unidades consistem de movi­ seguida, pois o processo é extremamente inexato, não-linear e desordenado.
mentos relacionais e momentos presentes que têm sua duração medida em Devido à sua natureza, o processo dá origem a muitas propriedades emer­
segundos. O nível local é feito das seqüências dessas unidades. É o nível gentes, tais com o momentos agora e momentos de encontro.
psicológico fundamental para o enactment do parentesco. Viagem de sentimentos compartilhada refere-se à experiência conjunta de um
Orientação intersubjetiva é ao mesmo tempo a necessidade e o ato de testar o momento de encontro. Enfatiza que as duas pessoas viajam juntas durante
campo intersubjetivo, sabendo “onde ele se situa” entre duas pessoas, sen­ um m omento presente através de uma paisagem de sentimentos semelhante,
tindo “em que pé o relacionamento está” nesse m omento, sabendo “aonde na qual as alterações nos sentimentos servem com o marcos divisórios. É,
as duas pessoas estão indo uma com a outra”. Funciona para orientar a pes­ portanto, uma viagem de sentimentos. Além disso, existe um reconhecimen­
to mútuo entre essas pessoas de estarem fazendo a viagem juntas — em ou­
soa no campo intersubjetivo e para avaliar a natureza do campo no momen­
tras palavras, ela é compartilhada. É um fenômeno intersubjetivo.
to. É um processo quase contínuo e às vezes provoca uma impressão
imperativa (quando perdido e a ansiedade intersubjetiva aflora). Semelhante
à orientação espacial, mas num espaço intersubjetivo.

275
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adaptabilidade de intenções, 197 apresentação multitemporal, 60, 233,
afetos de vitalidade, 1 6 ,5 8 -5 9 , 84, 86- 239, 241
92 Aron, L., 211
artes visuais, 90-91 a sp ec to s tem p o ra is do m o m en to
dança, 89 presente, 57-60
definidos, 86 afetos de vitalidade, 58-59
música, 89 grupos de estímulos perceptuais,
natureza intrínseca dos, 87 63-66
agenda explícita, 142-143 na interação não-verbal mãe-filho,
agenda implícita, 143-144 71-72
aglomeração, 64, 65 na linguagem, 66-68
agora na música, 68-69
duração do, 47-49 nas ações, 69-71
gráficos, 32, 38 nas operações mentais em geral, 73-
mudança terapêutica e, 25-26 74
perspectiva fenomenológica do, 30- atos de significação, 78
31 autismo, 109, 125-126
Agostinho, Santo, 48 apego e, 123
matriz intersubjetiva e, 113-116
amor, intersubjetividade e, 130-131
autoconsciência, 146
analisadores de detecção de contin­
gência inatos, 107
Baldwin, J. M ., 150
ansiedade intersubjetiva, 128
Baricco, A., 140-141, 168
apaixonar-se, 130-131
bebês
apego, 123-124
conhecimento implícito e, 136
conhecimento implícito e, 137-138
formação da família e intersubje­
après-coup, 52, 164, 165, 227
tividade, 121

296 297
INDICE REMISSIVO
0 MOMENTO PRESENTE

duração do momento presente na, gráficos, 32, 38


matriz intersubjetiva e evidências consciência perceptiva
69 metodologia, 259-267
do desenvolvimento dos, 105-113 comparada a consciência, 146-147
desenvolvimento infantil o que está sendo estudado, 257-258
ver também desenvolvimento in­ definida, 146
evidências da matriz intersubjetiva população para a, 259
fantil; interações mãe-bebê no momento presente, 54-55
e, 105-113 procedimento para a, 260-267
Beebe, B., 1 0 5 ,2 1 1 consciência reflexiva, 146, 151, 153 história vivida, 77-78 tema de entrevistas, 259-260
Benjamin, J., 211 intersubjetividade e, 127 intenções, 83 envelope protonarrativo, 80
Bollas, C., 139 consciência temporal, 46 desordem do seguir adiante, 182-191, episódios de consciência, 261
Boston Change Process Study Group consciência, 18 253 gráficos, 32, 38
(BCPSG), 15, 20, 175, 183-184, circuito de reentrada, 75 co-criatividade e, 184-190 époché, 55
204, 212, 236, 251, 254 comparada a consciência percep­ difusão intencional, 183 escola introspeccionista, 160
Bowlby, J., 138 tiva, 146-147 devolver o tempo à experiência, 26-27 especificidade da adaptabilidade, 177,
Braten, S., 110, 115, 117 consciência conhecedora, 46 Diário de um bebê (Stern), 168 197
Bruner, J. S., 78, 151 consciência fenomenal, 153-154 difusão intencional, 183, 186 especioso, presente, 54
Bucci, W., 138, 226 consciência intersubjetiva, 148-155 Dilthey, W., 151 esquizofrenia, 109
consciência introspectiva, 154 Dunn, J., 112 estados meditativos, 64-65
caminhos associativos, 162, 163 consciência reflexiva, 127 duração do agora, 47-49 evidência neurocientífica da matriz
Cartier-Bresson, H ., 91
consciência temporal, 46 duração do m omento presente, 55-56, subjetiva, 100-104
centro cerebral detector de intenções,
definida, 146 64, 264-265 exemplo do aperto de mão, 41-42
ldl-102
despertar da, 74-75 agrupamentos de estímulos percep­ expansão do momento presente, 233-
chronos, 27, 28, 47, 48, 49
imagem de pássaro pousado da, 65, tuais, 64-66 235
ciclo de respiração, 67
81 na interação não-verbal mãe-filho, experiência polifônica, 60
Clarke, E. F., 68
Modelo dos Níveis de Consciência, 71-72 experiência polirrítmica, 60
Clynes, M., 88
146, 153 na linguagem, 66-68 e x p e r iê n c ia , d ev o lv e r o tem p o à
co-criatividade, 184-190
no momento presente, 54 na música, 68-69 experiência, 26-27
companheiros imaginários, 130
relacionamento do saber implícito nas ações, 69-71
compulsão à repetição, 227
com a, 139-144 nas operações mentais em geral, 73- famílias, intersubjetividade e, 120-122
conhecido impensado, 139
contexto de recordação atual, 223-226, 74 Feldman, C. F., 151
consciência conhecedora, 46
249-250 fenomenologia, 14-15
consciência diádica expandida, 148
contornos temporais, 84-86 Edelman, G. M ., 224 evidência da matriz intersubjetiva
consciência fenomenal, 147, 153-154
contratransferência, 163, 170 Ehrenberg, D. B., 212 e, 116-118
consciência intersubjetiva, 1 6 -17,148-
Cooley, C., 151 enactments, 168 trancam ento da experiência no
155, 249
coordenação diádica, 102-103 encerramento intersubjetivo, 2 0 6 -207 presente, 45
adaptabilidade intersubjetiva, 194
coup, 52 enredo, história vivida, 79, 81-84 agora, 30-31
definida, 148, 154-155
crescendo, 85 entrevista d o café-da-manhã, 3 1-32, psicologia objetiva e, 160-161
explicação neurocientífica para a,
2 5 9 -2 6 0 Fivaz, R., 72
149-151
Damasio, A., 88, 101 entrevista microanalítica, 31-33, 165, Fivaz-Depeursinge, E., 120
perspectiva social na, 150-152
dança 2 5 7-269 fluxo de experiência ótima, 65
consciência introspectiva, 147
afeto de vitalidade e, 89 discussão da, 266-268 fluxo-de-sentimento-intencional, 83
consciência mínima, 146

298 299
O MOMENTO PRESENTE I n d ic e REMISSIVO

Fogel, A., 138, 228 história contada, 77 intersubjetividade diádica, 112 linguagem, 125
fonema, 64, 66 elementos da, 78-79 intersubjetividade secundária, 108 duração do momento presente na,
fractal, 229-231 história vivida, 15, 16-17, 37, 77-93 intersubjetividade, 16, 18 66-68
Fraisse, P., 68, 160 afeto de vitalidade, 86-92 apego e, 123-124 entremesclagem implícita com sa­
frase m usical com o an alogia para contorno temporal, 84-88 coesão por meio de pressão moral, ber explícito, 220-222
momento presente, 48 definida, 77 126-127 saber implícito e, 168
duração do momento presente na, desenvolvimento infantil e, 77-78 como motivo com valor de preemp­ unidades perceptuais da, 64
68 elementos da, 78-79 ção, 127-132
passado e futuro, 50-52 enredo, 79, 81-84 com o sistema motivacional básico matriz intersubjetiva, 97-98
frase, 64, 66-67 gatilho para a, 78-79 e primário, 119-133 analisadores de detecção de contin­
Freeman, W. J., 227 intenções na, 82-84 foco em terapias, 211-212 gência inatos, 107
Freud, S., 2 7 ,1 2 7 , 1 4 5 ,1 6 8 , 170, 226 porquê da, 82-84 formação de grupo e, 120-125 autismo e, 113-116
função psicológica do m omento pre quando da, 82 funcionamento do grupo e, 125- centro cerebral detector de inten­
sente, 56-57 quem na, 81 126 ções, 101-102
futuro, protegendo o momento presen­ tensão dramática, 79, 84-92 implicações clínicas da, 172 definida, 99
te do, 49-53 Hockney, D., 91 inatismo e universalidade da, 132- evidências clínica da, 113-116
futuro-do-momento-presente, 49 Hofer, M. A., 113 133 evidências da fenomenologia, 116-
Husserl, E., 48-49, 54, 55, 82, 117 118
propensão natural para a, 97-99
Gallese, V , 101 evidências do desenvolvimento da,
vantagem de sobrevivência e, 120-
Gergely, G., 107, 110 imitação, 70, 104 105-113
127
Gestalt, 50, 161, 166, 226 autismo e, 115-116 evidências neurocientífica da, 100-
momento presente com o, 57 matriz intersubjetiva e, 105-106 104
Jaffe, J , 106
Gibbs, R., 226 impulso emocional, 242 intenção, 108-110
James, W , 65, 160
gráficos, entrevista microanalítica, 32, inconsciente, 167 intersubjetividade secundária, 108
Jeannerod, M ., 267
38 relacionamento do saber implícito neurônios-espelho, 100-101
Grandin, T., 114, 115 com o, 139-144 Mead, G. H ., 151
kairos, 15, 29, 4 7, 4 8 ,5 6 , 62, 192
Green, A., 27 intenções, 57 Meltzoff, A. N ., 105-106, 109
Kendon, A., 126, 201
grupos compartilhadas, 197-198 memória implícita reguladora, 138-
Kestenberg, J., 88
coesão m ediante pressão moral, desenvolvimento infantil, 83 139, 229
Knoblauch, S., 169, 211, 212
127 matriz intersubjetiva, 108-110 memória participativa, 139
Koffka, K., 160
formação de, e intersubjetividade, na história vivida, 82-84 Memória
Kugiumutzakis, G., 70
120-125 interações mãe-bebê contexto de recordação atual, 224-
funcionamento dos, e intersubje­ duração das, 72 226
Laban, R. von, 88
tividade, 125-126 passos errados na dança, 183 operacional, 241
Lamb, W , 88 passado vivo, 232-233
Gunnar, M., 132 interpretações, 252-253
Langer, S. K., 89 Merleau-Ponty, M., 47, 48, 160
entretecer do implícito com o ex­
Laplanche, J., 167 metáfora, 226
harmonização afetiva, 106 plícito, 213, 214-218
Lausanne Group, 120 microkairos, 62
Harrison, A., 208, 209, 210 momento de encontros e, 214-218
Lee, D. N ., 103 Minsky, M ., 233
Heidegger, M ., 48 seguir adiante, 210

300 301
O MOMENTO PRESENTE INDICE r e m is s iv o

Mitchell, S., 211 primeiros nomes para o , 54 nível local, 175 presente perceptual, 68
Modell, A. H ., 226 protegendo do passado e do futu­ non-CS boles, 261 presente pessoal, 54
modelo de implicação-realização, 42 ro, 49-53 gráficos, 32, 38 presente psicológico, 54
M odelo dos N íveis de C onsciência, uso em terapia, 162-167
presente real, 54
146, 153 momentos de ser, 64 operacional, memória 73-74, 241 presente-do-momento-presente, 49
m om ento agora, 18, 1 92-194, 24 8 , movimento de intenção, 201 operações mentais, duração do m o­ presentidade, 13
253-254 movimento para a frente, 82 mento presente nas, 73-74 progressões relacionais, 6 0 ,66,235-241
definido, 177 na música, 68 orientação intersubjetiva protensão, 49
oportunidades perdidas, 202-204 movimento definida, 177-178 psicanálise, 50, 99
momento de encontro, 18, 192, 194- coordenação síncrona do, 102-103 necessidade de, 128-129 momento presente na terapia, 161-
202, 248 duração do momento presente no, no seguir adiante, 177-178 167
definido, 177 69-71 osciladores adaptativos, 102 psicologia existencial, 166
interpretação e, 214-218 movimentos relacionais outros virtuais, 111 psicologia objetiva, fenomenologia e,
oportunidades perdidas, 202-204 definidos, 176-177
160-161
momento decisivo, 91 exem plos de, 178-182 palavras, contorno temporal das, 86 psicoterapia relacionai, 166
momento presente regular, 177 mudança terapêutica participação alterocêntrica, 110-111 psicoterapia
momento presente, 11 momento presente e, 2 5 -2 6 ,4 3 -4 4 passado contínuo atualizado, 229 momento presente na, 160-167
ação do passado no presente, 228- mudança drástica e seguir adiante, passado não ancorado temporalmente, saber implícito e, 167-172
244 191-202, 208 244 psicoterapias corporais, 166
ação do presente no passado, 223- mudança progressiva e seguir adi­ passado não-existente, 232
228, 24 9-250 ante, 204-208 passado vivo, 232-243 reconhecimento da adaptabilidade, 197
características do, 53-62 sumário do m om ento presente e passado recordar o presente, 225, 233
da narração, 45 implicações clínicas, 247-255 ação do passado no presente, 228- recursividade, 152-153
duração do, 47-49, 55-56, 63, 65, mudança 244 Reddy, V , 112
264-265 experiências vividas, 13 ação do presente no, 2 2 3 -228,249- reentrada, circuito de, 75, 149
exemplos de, 34-44 ver também mudança terapêutica 250 referenciamento social, 111, 121
expansão do 233-235 música, afeto de vitalidade, 89 passado não ancorado temporal­ Reiss, D., 126
função psicológica do, 56-57 mente, 244 repressão, 139, 142, 167
gráficos, 32-33, 38 Nachman, P., 268 passado não existente, 232 resistência, 142, 167-169
momento agora, 177 Nadei, J., 7 1, 125 passado silencioso, 228-232 retenção, 49
momento de encontro, 177 Narmour, E., 51, 53 passado vivo, 2 32, 243 revisão, 164-166
momento presente comum, 177 narrativa compósita, 2 5 8 , 262 protegendo o m omento presente tipos de, 165-166
mudança terapêutica e sumário do, narrativas, 77 do, 49-53 Ricoeur, P., 4 8, 220
247-250 elementos das, 78-79 passado-do-momento-presente, 49 ritual, 70
narração do, 219 entretecer do implícito e explícito, passos errados na dança, 183 Rochat, P., 110
padrões passados e futuros e, 39- 21 3 , 218-220 Patel, A. D ., 221
40 m omento presente das, 219 Person, E. S., 131 saber explícito
pontos básicos sobre o , 3 6 ,3 7 ,4 1 - narrativa composta, 258 pertencimento psicológico, 122 narrativas e entretecer do implíci­
42 neurônios-espelhos, 100-101, 152 presente percebido, 54 to com o explícito, 2 1 3 ,2 1 8 -2 2 0

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303
O MOMÉNIU H K b itN It

ÍNDICE REMISSIVO
seguir adiante e nova exploração oportunidades perdidas, 202-204
do, 208-210 orientação intersubjetiva no 177- narrativa, visão de, 27, 28 Turner, M ., 226
versus saber implícito, 136 178 objetiva, visão de, 27 Tustin, F., 88, 114
saber implícito, 14, 18, 135-144 viagem de sentimentos comparti­ psíquico, 2 7 , 28
ação versus linguagem, 169-171 lhada, 198-201 tensão dramática, na história vivida, unidades perceptuais, 63-66
bebês e, 136 senso de possibilidades explosivas, 79, 83, 84-92
implicações clínicas do, 167-172 242-243 teoria da mente, 111-112 Varela, F. J., 48
narrativas e entretecer do implíci­ senso de self teoria do espelho social, 151-152 visão de tempo narrativa, 27-28
to e explícito, 213, 218-220 momento presente e, 52 teoria do tau, 103 vitalização, 206
padrões de apego, 137-138 orientação da intersubjetividade, teoria dos sistemas dinâmicos, 2 0 6 - Vygotsky, L. S., 151
período de, 139 129-130 207
relacionamento com a inconsciên­ sentimentos de fundo, 81 teoria psicodinâmica, 145-146 Watson, J. S., 106-107
cia, 139-144 Shapiro, T., 123 momento presente, 39-40 welte-mignon, 90
resistência e, 167-169 Silbersweig, D. A., 160 terapias de movimento, 166 Whitehead, C., 151
versus saber explícito, 136 Tomkins, S. S., 87, 88
silencioso, passado, 228-232 Woolf, V , 65
Sacks, O., 114, 115
Síndrome de Asperger, 114 transferência, 163-164, 170
Sander, L. W., 197-198
sistema m otivacional, intersubjetivi­ Trevarthen, C., 65, 105, 108 Zacks, J., 71
Santos, P., 259
dade como, 119-133, 171-172 Tronick, E.Z., 148, 183 Zelazo, R D., 146, 153
Scheflen, A. E., 126
situações clínicas
Schenellenberg, E. G., 51
agenda explícita, 142-143
Scherer, K. R., 239
agenda implícita, 143-144
seguir adiante
implicações do momento presente
adaptabilidade de intenções, 197
e, 251-255
definido, 175
sobrevivência, intersubjetividade e,
desordem e co-criação do, 182-191
120-127
elementos do, 176-177
terapias sistêmicas, 166
encerramento intersubjetivo, 206-
só-depois, 164, 165
207
sorriso, contorno temporal do, 85
imprevisibilidade do, 182
impulso para a frente para o, 177- Spagnuolo-Lobb, M., 216
182 Stern, D. N ., 168
interpretações e, 210 Stern, W., 160
momento de encontro, 192,194-202 Stolorow, R. D., 139, 211
momentos agora, 192-194 subjetividade, 61
mudança terapêutica drástica, 191- ver também intersubjetividade
202
mudanças progressivas a partir do, tempo psíquico, 27, 28
204-208 tempo
nova exploração de material explí­ devolver o tem po à experiência,
cito, 208-210 26-27

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