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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA
MESTRADO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

Jairo de Souza Moura

PROPOSTA DE CAPÍTULO METODOLÓGICO

Profa. Dra. Rozeli Porto

NATAL/ RN
2013
JAIRO DE SOUZA MOURA

PROPOSTA DE CAPÍTULO METODOLÓGICO

Trabalho apresentado à disciplina Seminário de Pesquisa,


ministrada pela Profa. Dra. Rozeli Porto, do Departamento
de Antropologia, da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, para fins de avaliação.

NATAL/ RN
2013
1. Objeto

Minha pesquisa busca analisar audiências de conciliação dentro de um Juizado


Especial Criminal-JECRIM, buscando compreender como as diretrizes legais são
aplicadas na prática. No entanto, dadas as dinâmicas do campo, não se resume a isto
apenas: as audiências estão contidas dentro de um contexto maior, que é o próprio
JECRIM enquanto espaço público de resolução de conflitos no âmbito penal.
A audiência de conciliação, assim, é uma fase preliminar do processo e, a
depender de seu resultado, pode dar-lhe por encerrado ou encaminhá-lo a outros
procedimentos. Dessa forma, o fluxo pode desviar para uma sessão de mediação,
presidida por uma psicóloga, ou para uma segunda audiência, esta de instrução e
julgamento, presidida pela juíza, da qual surge uma sentença.
Em resumo, apesar de focar na performance das audiências de conciliação,
através do comportamento dos atores públicos e dos atores jurisdicionados frente ao
conflito, meu trabalho tenta dar conta também dos outros rumos que um processo pode
tomar neste JECRIM, uma vez que é a própria audiência de conciliação que o
encaminha para as opções existentes.
Dentro desse universo, estou particularmente interessado no que se
convencionou chamar “Justiça Restaurativa”, uma espécie de catálogo de princípios
processuais que visam a dar à aplicação do direito um caráter mais respeitoso aos
direitos humanos. Uma das principais reivindicações é dar novo papel à vítima, que, nos
moldes atuais, tem pouco ou nenhum protagonismo nas ações penais, cujo dono é o
Ministério Público.

2. Metodologia

O método da observação participante, entendido aqui como o “momento não-


metódico” (OLIVEIRA, 2000, p. 88) que busca compreender o que Ricoeur chama de
“excedente de significação”, parece ser o mais adequado para atingir os propósitos do
presente trabalho. Não só ele permite estudar as nuanças que um método puramente
quantitativo deixaria escapar, como também abre a possibilidade de analisar relações e
regularidades em seu contexto original.
No entanto, apesar da minha formação no ramo do Direito, não tenho, para fins
desta pesquisa, a pretensão malinowskiana (MALINOWSKI, 1984) de tornar-me um
nativo do ambiente judiciário, tampouco de participar ativamente dos procedimentos ali
adotados. A observação participante, dessa forma, é uma maneira de “estar lá”, para
usar as palavras de Geertz, não só como fonte de autoridade, mas principalmente como
forma de participar ativamente da construção (em vez da simples coleta) de dados
relevantes para a pesquisa.
Nesse sentido, para usar a classificação de Peirano (1999, p. 7) ― dividida em
(a) a alteridade radical; (b) o contato com a alteridade; (c) a alteridade próxima; e (d) a
alteridade mínima ―, trata-se de um caso de alteridade próxima, no sentido de que “as
pesquisas não apenas situam os fenômenos na cidade, mas procuram analisar, na trilha
deixada por Simmel, as condições de sociabilidade nas metrópoles” (ibidem, p. 12). Ou
seja, trata-se de um grupo que, apesar de não estar imediatamente inserido, pode-se, a
qualquer momento, vir a fazer parte dele.
Como estudante de Direito, há a possibilidade de participar de um processo
seletivo e, após um curso rápido sobre o tema conciliação, ser um estagiário conciliador.
Em um primeiro momento, considerei tal possibilidade como uma forma de dar
seguimento à pesquisa após um período de observação. Desejava sentir como era
realmente lidar com diferentes dimensões das vidas das pessoas que procuravam o
Judiciário a fim de resolver seus conflitos.
No entanto, diferente do que ocorreu com Favret-Saada (2005), que, após alguns
meses estudando o campo da bruxaria em uma região da França, chegou mesmo a
assumir o papel de “desencantadora”, depois das primeiras visitas a campo, descobri
que não conseguiria ser um pesquisador e estagiário conciliador ao mesmo tempo. Não
que, como ela, não me sentisse “afetado” pelo campo, mas é que a forma como
aconteceu inviabilizaria o meu trabalho como conciliador.
Em suma, passei a acreditar que confundiria de tal modo os dois papéis que
acabaria por não desempenhar nenhum dos dois em nível satisfatório. Poderia até dizer
que aquela alteridade próxima se tornou tão próxima que não me via mais destacado
dela, a ponto de participar ativamente do campo sem me tornar insensível a outros
aspectos que considero importantes para a pesquisa.

3. Notas de campo

Para construir os dados de campo, há dois principais momentos: (a) as


audiências propriamente ditas, com os casos e as respectivas partes; e (b) o contato com
os atores do judiciário, a saber: a conciliadora e a promotora, a juíza, e a psicóloga que
preside as sessões de mediação. Cada momento, por conseguinte, exige um tipo
diferente de abordagem e suas implicações éticas também diferem entre si.
A pauta de audiências é organizada de um jeito tal que o intervalo reservado
para cada uma delas é de 20 minutos, por mais que na maioria das vezes extrapole o
tempo. Durante este tempo, é inviável que eu me apresente, explique minha pesquisa e
obtenha permissão para realizar o trabalho. Não só porque o tempo é exíguo, mas
principalmente porque poderia atrapalhar o andamento dos trabalhos.
Meu trabalho só se torna possível, nessas condições, porque todas as audiências
são públicas e, mesmo sem qualquer autorização, formal ou informal, eu poderia
acompanhá-las. Obviamente, essa publicidade da audiência não me dá eticamente
permissão para pesquisar, logo ficou acordado com a conciliadora e a promotora que
permaneceria na sala e que elas me apresentariam aos jurisdicionados, caso julgassem
necessário.
Por um lado, fica impossível obter deles o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, conforme se exige pela Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde.
Apesar de toda a discussão sobre a aplicação de tal resolução aos estudos
antropológicos (cf. OLIVEIRA, 2004), entendemos que a obrigatoriedade do termo não
se aplica a este caso específico, pois os sujeitos da pesquisa não dizem (nem fazem)
nada que não diriam (ou fariam) caso não houvesse um pesquisador presente no recinto.
Dito de melhor forma, não advogamos pela indiferença dos sujeitos em relação ao
pesquisador, mas que, estando o interesse e a interação voltados para a audiência em si,
os sujeitos não produzem se preocupam com o pesquisador mais do que com os atores
do judiciário, que têm o condão de resolver o conflito que os levou até lá.
Por outro lado, aproveitando a discussão de Claudia Fonseca (2005), essa
dificuldade em me relacionar diretamente com os jurisdicionados facilita a decisão
sobre publicar ou não seus nomes: a máscara das identidades, neste caso, protege os
atores de uma análise superficial de suas psiques. Por mais que suas contribuições
pessoais sejam importantes para que não sejam posicionados tão-somente como
litigantes de caso x ou y, o foco da análise não está exatamente em como lidam com as
situações a partir de sua trajetória, mas sim em como o Judiciário responde aos sujeitos
na resolução de conflitos. Assim, identificá-los de acordo com a lide sem usar os nomes
não significa que são julgados por papéis sociais pré-definidos, mas sim de acordo com
sua agência em uma estrutura específica.
Dadas tais conjecturas, fica também prejudicado usar instrumentos de gravação,
pois isso também exige um prévio consentimento de quem cede a voz. Para contornar
essa dificuldade, surge o diário de campo e suas notas se tornam fonte indispensável
para captar o momento e seu contexto. As notas foram organizadas por cada audiência e
o espaço fora da tabela é usado para observações mais gerais, ou seja, aquelas que
tendem a se repetir em outras audiências, tais como comportamento dos atores,
posicionamento no ambiente etc. Abaixo, segue um exemplo da tabela montada para das
audiências:

Audiência Caso Desfecho Observações


#1: 8h30 Calúnia, injúria e Apesar de todos os Mesmo quando parecia
difamação; um esforços da conciliadora considerar a alternativa,
segurança de boate e da promotora em ele exigia como
entra com ação por ter tentar fazer um acordo, condição de aceite a
sido acusado, segundo o segurança negou garantia de que o rapaz
ele, injustamente, de qualquer possibilidade; não voltaria a cometer
ter furtado um celular a oferta que mais ofensas novamente (“se
de um cliente da casa balançou o segurança isso me der a certeza de
noturna; o segurança foi a de aproveitar o que ele não vai fazer
afirma que o rapaz já fato de o autor do fato isso de novo...”); a
é conhecido por ser dentista para que promotora e a
causar confusão e que, trabalhasse horas de conciliadora
na noite em questão, serviço comunitário em argumentaram que
teria tentado sair sem uma instituição para sequer a ação penal
pagar; o caso foi parar crianças; diante de poderia garantir isso,
em uma delegacia de todas as negativas, foi mas o segurança
polícia civil e o informado ao segurança parecia realmente crer
segurança insistiu na de que só poderia dar que uma sentença
ação como forma de seguimento à ação se judicial condenatória
fazer o rapaz pagar conseguisse o fosse mais didática
pela ofensa; patrocínio de advogado; (“para ele se tornar
apesar de ser uma ação mais humilde”) do que
privada, não há jus um acordo feito durante
postulandi para a parte; a audiência de
conciliação; tal crença é
tão forte que ele se
mostrou disposto a
contratar um advogado
e arcar pessoalmente
com os custos para dar
seguimento à ação;

O segundo momento, de forma completamente diferente, segue as linhas mais


tradicionais de pesquisa antropológica. A construção dos dados gira em torno dos
pequenos diálogos e comentários trocados entre o pesquisador, a conciliadora e a
promotora, durante os intervalos das audiências, e principalmente das entrevistas com
os atores do judiciário, em momentos reservados. Neste momento, com gravação de
voz, sempre que autorizado.
Mesmo assim, a questão sobre a publicação de nomes não perde relevância, pois
a dificuldade em conseguir um termo realmente esclarecido sobre o se está pesquisando
não diz respeito ao grau de educação formal ou à inserção em um determinado contexto
social. Como bem disse Claudia Fonseca (2005, p. 45):

Juízes, assistentes sociais, professores e outros profissionais das


camadas médias – mesmo reconhecendo que “estão sendo
pesquisados” – raramente imaginam que o estilo de suas roupas, sua
entonação de voz e atitudes corporais, suas brincadeiras informais ou
brigas institucionais podem ser considerados dados relevantes para a
análise antropológica.

Por isso, decidiu-se também não revelar os nomes dos atores do Judiciário, não
porque podem ser diretamente prejudicados pelo vazamento de suas informações, mas
porque, durante a pesquisa, é praticamente impossível que o pesquisado tenha controle
sobre tudo o que acha que pode interessar ao pesquisador. Disso pode resultar que
análise ou mesmo dados construídos venham a diferir daquilo que, em sua mente, o
pesquisado concordou em participar. Portanto, o anonimato, no caso em questão, não
impede quaisquer vantagens dos atores com o trabalho realizado, e ainda tem o
benefício de preservar as imagens de pessoas públicas.
Por sua vez, o fato de eu também estudar Direito me dá a possibilidade de ter
conversas “de igual para igual” com os atores do judiciário. Apesar de deixar claro
desde o começo que a pesquisa seria aproveitada no ramo da Antropologia, é inegável
que o assunto mais comentado é a aplicação das leis naquele contexto, por mais que
surjam como amenidades e dificuldades do dia-a-dia. É mais ou menos como a situação
que Geertz (2001) descreve, na qual a assimetria entre pesquisador e pesquisado quase
desaparece.
Se, para o autor, o símbolo da “amizade” entre pesquisador e pesquisado era a
máquina de escrever, no campo em questão é a possibilidade de falar abertamente com
quem entende a técnica envolvida em um trabalho específico. Obviamente, a pretensa
simetria é quebrada quando aparecem traços do pesquisador, como nas entrevistas, em
que perguntas formuladas podem gerar desconforto, ou quando a situação acentua a
diferença entre realmente estar empregado e ter uma carreira naquele espaço de trabalho
e ter somente, para resumir, uma curiosidade genuína sobre o assunto.

4. Problema

Dito tudo isso, o que permanece como problema da atual pesquisa é saber
exatamente como a subjetividade é tratada em um ambiente estruturado ― por leis
propriamente ditas e outras estruturas, formais ou informais ― para atender pessoas em
conflito. Como parâmetro, há a Carta de Brasília, documento ratificado em 2005
durante a Conferência Internacional “Acesso à Justiça por Meios Alternativos de
Resolução de Conflitos”, além da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que cria os
Juizados Especiais, dentre eles o JECRIM.
Referências

FAVRET-SAADA, Jeanne. Ser afetado. In: Cadernos de campo. Revista dos alunos de
Pós-graduação da USP, n. 13, ano 14, p. 155-161, 2005.

FONSECA, Claudia. O anonimato e o texto antropológico: dilemas éticos e políticos


da etnografia “em casa”. Conferência na Mesa Redonda organizada por Leopoldo J.
Bartolomé y Maria Rosa Catullo: Trayectorias y diversidad: las estrategias en
investigación etnográfica: un análisis comparativo, VI RAM, Montevidéu, 2005.

GEERTZ, Clifford. Estar lá: a antropologia e o cenário da escrita. In: Obras e vidas: o
antropólogo como autor. Rio de janeiro: Editora UFRJ. 2002. p. 11-39.

______. O pensamento como ato moral: dimensões éticas do trabalho de campo


antropológico nos países novos. In: Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.

MALINOWSKI, Bronislaw. Introdução: tema, método e objetivo desta pesquisa. In:


Argonautas do pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos
nativos nos arquipélagos da nova Guiné Melanésia. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural,
1984 [1921].

OLIVEIRA, Luis Roberto Cardoso de. Pesquisa em versus pesquisas com seres
humanos. In: VÍCTORA, Ceres et al. (org.). Antropologia e ética: o debate atual no
Brasil. Niterói: EdUFF, 2004. p. 33-44.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O lugar (e em lugar) do método. In: O trabalho do


antropólogo. São Paulo: UNESP, 2000. p. 73-93.

PEIRANO, Mariza. A alteridade em contexto: a antropologia como ciência social no


Brasil. In: Série Antropologia 255. Universidade de Brasília, p. 1-34, 1999.

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