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RESENHA

A ORDEM DO DISCURSO,
DE MICHEL FOUCAULT

O livro de Michael Foucault é fruto de uma aula inaugural no College de


France em 1970 onde Foucault substituiria outro professor. No livro, o autor
aborda de maneira reflexiva e crítica o poder dos discursos e suas práticas
discursivas. Na visão de Foucault, esse poder é exercido através de uma
variedade de ligações e zonas de sustentação ocultas e desconhecidas. A sua
tarefa no livro é localizar o leitor e expor os diferentes locais onde essas
práticas de poder são realizadas e as formas nas quais essa dominação é
exercida por algumas instituições. Como exemplo, ele cita o sistema
educacional, no qual, como um todo, as aparências pendem para uma proposta
de disseminação de conhecimento, mas, na reflexão foucaultiana, as
universidades são feitas para manter certa camada social no poder e dessa
forma suprimir os instrumentos de poder de outra camada social.
Para Foucault, quando os discursos são disseminados nas camadas
sociais eles exercem sobre essas sociedades sua função de controle, limitação
e regras de poder, questionamentos que o autor aborda em diferentes períodos
históricos e sociedades, e se existem esses tipos de instituições: família,
prisões, manicômios, e instituições de ensino seria preciso se utilizar de uma
forma subversiva pra atacar os seus fundamentos. Talvez por isso Foucault
(1996, p.5) comece seu livro com a seguinte frase: “Gostaria de me insinuar
sub-repticiamente no discurso que devo pronunciar hoje, e nos que deverei
pronunciar aqui, talvez durante anos”.
De acordo com Foucault, o poder teria relação com os discursos e suas
práticas, como um processo ordenado e produtivo onde se desencadeariam
dois tipos de discursos: os passageiros, aqueles que são utilizados no dia a
dia, e os mais sérios seriam esses na visão foucaultiana disseminados por
instituições como a medicina, psiquiatria e a política. O discurso para Foucault
não seria simplesmente aquilo que pode ser traduzido por lutas ou sistemas de
controle, mas pelo propósito que se luta; o poder que queremos nos apropriar.
Foucault talvez por isso considerou-o de singular, terrível, maléfico e
também de perigoso quando proferido pelas pessoas. No livro a ordem do
discurso, Foucault diz (1996, p.8): “Mas, o que há, enfim, de tão perigoso no
fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente?
Onde, afinal, está o perigo?”.
O discurso, no livro, é posto como uma prática social, onde para este
acontecer, existe a necessidade dele está atrelado às condições de
possibilidades e regras pré-estabelecidas, o lugar e o discurso estariam
conectados, por isso não existe neutralidade no discurso, a inquietude no ato
de discursar está envolvendo o local e suas regras que implicam diretamente
no quê e como dizer as palavras a serem ouvidas. Por isso que Foucault supõe
que em todas as sociedades a produção discursiva é manipulada, controlada e
que existe uma seleção organizada e bem distribuída para certos tipos de
procedimentos, ou seja, uma norma para com os discursos. Sua hipótese seria:

Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo


tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes
e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada
e temível materialidade. (FOUCAULT, 1996, p. 8-9).

No livro, Foucault identifica e analisa três grupos de procedimentos de


controle: seleção, organização e redistribuição da produção de discursos. Ele
continua essa classificação com dois sistemas de exclusão: os externos e os
internos aos discursos, em como as regras que são impostas aos sujeitos.
Esses mecanismos supressores externos aos discursos seriam a interdição, a
separação ou rejeição e a vontade de verdade. A interdição estaria relacionada
ao tabu do objeto, ao ritual das circunstâncias e ao privilégio daquele que fala.
Existem três modos de interdição ao discurso que se deslocam, se
reorganizam e se equilibram mutualmente, a interdição só revela essa relação
intrínseca entre discurso e poder.

O autor utiliza exemplos como loucura, política e sexualidade para


exemplificar o poder da interdição, e também o da separação ou rejeição,
citando que em alguns períodos históricos a sociedade se utilizou de algum tipo
de discurso para excluir figuras como a do louco que tinha uma livre forma de
pensar, interditando-o por não obedecer às regras de instituições que impõem
e controlam o discurso. Logo, o seu lugar de fala é tido como rejeitado e até
perigoso. Foucault cita:

Existe em nossa sociedade outro princípio de exclusão: não


mais a interdição, mas uma separação e uma rejeição. Penso na
oposição razão e loucura. Desde a alta idade Média, o louco é aquele
cujo discurso não pode circular como o dos outros: pode ocorrer que
sua palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo
verdade nem importância, não podendo testemunhar na justiça, não
podendo autenticar um ato ou um contrato (FOUCAULT, 1996, p. 10-
11).

Outro sistema de exclusão externo ao discurso é a vontade de verdade. Ele é


caracterizado no livro pelo seu modo operante de separar o verdadeiro e o
falso obrigatório pelas instituições partir de critérios arbitrários e sustentados
por meras circunstâncias da nossa história. Foucault explica que os discursos
em alguns períodos históricos da sociedade só eram valorizados e tidos como
verdadeiros se fossem ditos por pessoas de status. Assim aconteceu na
antiguidade clássica! O tempo passou e os discursos não são mais velados
pelo status, entretanto, os seus discursadores ainda devem obedecer a uma
coerência e a norma de certas áreas. Por exemplo, hoje o verdadeiro e o falso
passam por um crivo de conceito onde se deve obedecer certos regulamentos
para não serem excluídos ou rejeitados. Foucault diz-nos que:

No interior de um discurso, a separação entre o verdadeiro e o falso


não é nemarbitrária, nem modificável, nem institucional, nem violenta.
Mas se nos situamos emoutra escala [...] essa vontade de verdade
que atravessou tantos séculos de nossahistória, ou qual é, em sua
forma muito geral, o tipo de separação que rege nossavontade de
saber, então é talvez algo como um sistema de exclusão
(sistemahistórico, institucionalmente constrangedor) que vemos
desenhar-se (FOUCAULT, 1996, p.14).

Os mecanismos ou procedimentos de exclusão internos têm os discursos


exercendo o seu próprio controle, tendo em conta a da dimensão do
acontecimento e ao acaso do discurso. Foucault analisa que tais sistemas ou
procedimentos internos funcionam como um princípio de rarefação do discurso,
ou seja, classificam, ordenam e distribuem. O primeiro desses princípios é o
comentário e sua finalidade seria mostrar aquilo que se encontra estruturado,
mas, não explicitado no texto original. Para Foucault, o comentário seria essa
trama que conspira o acaso dos discursos onde existe uma permissão para dizer
algo além do texto, condicionando-o, contudo, a ser dito e de certo modo
realizado.

O segundo tipo de procedimento interno seria o princípio do autor. Ele é


parte integradora do comentário. Foucault faz referência não ao sujeito que fala
ou escreve o discurso, mas ao princípio de agrupamentos discursivos cuja
existência do autor influência desde a idade média, e era indispensável como
um fator de verdade. Diz-nos Foucault (1996, p.29): “O comentário limitava o
acaso do discurso pelo jogo de uma Identidade que teria a forma da repetição e
do mesmo. O princípio do autor limita esse mesmo acaso pelo jogo de uma
identidade que tem a forma da individualidade e doeu”.

Na ordem do discurso científico, a atribuição a um autor era na Idade


Média indispensável, pois era um indicador de verdade. No campo cientifico,
essa valorização diminuiu, enquanto no campo literário aumentou. Na obra, o
autor é mencionado como aquele que se utiliza de um método, de um estilo
dentro de sua obra para alcançar seus objetivos, todavia toda discussão sobre
algo novo abre-se um precedente de requerer conceitos novos e fundamentos
teóricos também novos para que o discurso possa se enquadrar dentro do que
é verdadeiro, ou seja, naquelas leis, regras, disciplinas, ordens. Talvez por isso
alguns autores só possam ser entendidos depois de algum período que não
seja o seu tempo.
A disciplina seria o último procedimento interno de limitação ao discurso
que Foucault cita no livro. Esse princípio será o oposto do comentário, onde
existe um sentido de referência a um sentido a ser recuperado ou uma
identidade que precisa ser repetida a disciplina reúne quilo que é pré-
estabelecido como algo necessário para produção de novos enunciados.
Foucault dirá que

O princípio da disciplina se opõe também ao do comentário: em uma


disciplina, diferentemente do comentário, o que é suposto no ponto
de partida, não é um sentido que precisa ser redescoberto, nem urna
identidade que deve ser repetida; é aquilo que é requerido para a
construção de novos enunciados. Para que haja disciplina é preciso,
pois, que haja possibilidade de formular, e de formular
indefinidamente, proposições novas (FOUCAULT, 1996, p.30)
Todo discurso segue uma disciplina. Foucault dirá rituais, domínio de
objetos, um conjunto de métodos, um corpus de proposições verdadeiras, um
jogo de definições, regras, técnicas e instrumentos que irão constituir um
sistema independente chamado de disciplina que define as formas gestuais e
comportamentais e até como recitar definindo, dessa forma, sua qualidade e
eficiência discursiva. Em diversos locais, são perceptíveis esses tipos de
rituais; eles estão nos espaços religiosos, em conferencias, nos meios políticos
e judiciários e até mesmo nas academias. São funções restritivas e coercitivas
no interior do discurso.
Além dos sistemas externos e internos de exclusão, temos também a
obrigação de normas e leis aos sujeitos do discurso estabelecendo os grupos
de metodologias de controle, seleção, organização e redistribuição na
contração dos discursos. Estas regras não tratam de evitar o acaso de sua
aparição ou controlar o poder do discurso. Desta feita, haverá uma “rarefação”.
Os sujeitos, para entrarem na ordem do discurso, deverão atender certas
exigências e estarem qualificados para fazê-lo. As regras impostas ao sujeito
pelo discurso são os rituais da palavra determinando propriedades singulares e
papéis preestabelecidos como os discursos religiosos, científicos, políticos,
judiciais e educacionais. Neste sentido, Foucault fala (1996, p.36): “A disciplina
é um princípio de controle da produção do discurso ela lhe fixa os limites pelo
jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das
regras”.
O livro cita as sociedades dos discursos que são aquelas sociedades que
fazem os discursos se difundirem internamente onde elas próprias conservam
ou produzem e distribuem com bases e regras restritivas, evitando a
apropriação de segredos técnicos ou científicos. Essas formas e conteúdo de
textos em sua maioria orais somente essas sociedades tinham para seu
benefício próprio, grupos que se modificaram ao longo do tempo, mas ainda
continuam de alguma forma guardando e produzindo conhecimento para o seu
benefício próprio esferas fechadas, grupos seletos onde o acesso a certos
conteúdos filosóficos ou científicos os diferenciam dos demais grupos e classes
sociais causando assim uma separação. Os discursos existem mesmo antes
de serem manifestados, fato interessante porque antes mesmo de serem
pronunciados já existe um tema, uma ideia, uma vontade de verdade e um
sentido, onde a exposição será feita através das palavras, dos signos, das
marcas que estão disponíveis. Um discurso só pode ser analisado a partir do
questionamento da vontade de verdade. Foucault dirá que é preciso restituir ao
discurso seu caráter de acontecimentos para que essa investigação entenda
como se formam e o que está por debaixo deles.

Se o discurso existe, o que pode ser, então, em sua legitimidade,


senão uma discreta leitura? As coisas murmuram, de antemão, um
sentido que nossa linguagem precisa apenas fazer manifestar-se; e
esta linguagem, desde seu projeto mais rudimentar, nos falaria já de
um ser do qual seria como a nervura (FOUCAULT, 1996, p.48).

Michael Foucault cita também os grupos doutrinários. Estes são aqueles


que requerem um parecer prévio de reconhecimento ou de pertencimento a
uma classe social, status, nacionalidade, resistência, aceitação, etc. Desta
forma, eles associam as pessoas a certos tipos de discurso e lhes proíbem
todos os outros; as apropriações sociais, o melhor exemplo são os sistemas de
educação, na medida em que eles representam uma estratégia política eficaz
para a manutenção ou modificação da apropriação dos discursos, diante dos
saberes e poderes que lhes são peculiares. Todo discurso é ideológico e a sua
intenção não é mostrar as coisas ou mudo com clareza mais reproduzir o que
lhe foi imposto (dito) sobre os mais diversos assuntos. Por essa causa é
preciso buscar a intencionalidade do texto (discurso). Sem o contexto do
enunciado fica impossível de perceber o que esses discursos estão
determinando, o seu conteúdo, comentário; o que o autor de fato quer falar
além de definir métodos e disciplinas a serem seguidas.

[...] O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da


palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os
sujeitos que falam; senão aconstituição de um grupo doutrinário ao
menos difuso; senão uma distribuição e umaapropriação do discurso
com seus poderes e seus saberes? [...] (FOUCAULT, 2012, p.44).

Para analisar os grupos de procedimentos de exclusão que atingem o


discurso, Foucault sugere três tarefas a serem realizadas as quais são
questionar a vontade de verdade, restituir o caráter de acontecimentos do
discurso e suspender a soberania do significante, mas para Foucault também
deve-se considerar alguns princípios metodológicos para tal realização e são
eles a inversão onde deve-se perceber o jogo negativo de um recorte dentro de
um discurso, outro princípio e o descontinuidade os discursos em
determinados momentos a serem analisadas e investigados percebesse a sua
incoerência, sua descontinuidade e divergência. Os discursos na verdade
estariam conectados entre si se cruzando e também se excluindo como
praticas descontínuas. Outro princípio seria o da especificidade onde o mundo
não estaria associado ao nosso conhecimento à concepção das coisas, seria
feita a partir de uma violência que nós sujeitos do discurso fazemos a ale “o
mundo”. A exterioridade o sujeito deve-se se localizar acima do núcleo interior
do discurso para, a partir de sua aparição e regularidade, passarem às suas
condições externas de possibilidade.
O livro enfim tenta desvendar as relações entre os discursos e os
poderes que eles possuem e como elas se formam como esses enunciados
são vistos hoje e como eram vistos no passado e como uma sociedade cria e
se apropria de um discurso para ter poder em diversas situações.

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