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Resumo
Este trabalho pretende discutir a importância da investigação dos processos
históricos na ciência antropológica. Uma vez que esta ciência tem como
princípio o estudo da cultura, ela não pode se isentar, ou mesmo deixar de lado,
a questão da mudança cultural, uma vez que tal mudança ocorre no decurso
temporal de uma história. Assim, buscar-se-á refletir sobre o papel que os
processos históricos desempenharam nas teorias antropológicas de quatro
importantes figuras da história da antropologia: Edward B. Tylor, Franz Boas,
Eric Wolf e Marshall Sahlins.
Palavras-chave: eventos históricos; dinâmica social; culturas; teoria
antropológica.
Abstract
This paper intends to discuss the importance of investigation of the historical
processes in anthropological science. Since this science has as principle the
study of culture it cannot ignore, or even leave aside, the question of cultural
change once such change occurs in the time course of a history. Thus it will seek
to reflect on the role that historical processes had played in the anthropological
theories of four relevant figures of the history of anthropology: Edward B. Tylor,
Franz Boas, Eric Wolf e Marshall Sahlins.
Key words: historical events; social dynamics; cultures; anthropological theory.
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FREDERICK GOMES ALVES é doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás
(UFG) e bolsista CAPES.
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sociedade com sua conhecida Física seu lugar contatos e interações culturais
Social (CASTRO, 2005). Não obstante, que constituíam as múltiplas culturas
ainda neste momento fundacional da (WOLF, 2001). Esta segunda posição,
antropologia, a percepção dos processos que é claramente crítica da postura
históricos levava à compreensão dos evolucionista na antropologia, aproxima-
mesmos enquanto caracteristicamente se do pensamento de Boas, embora este
mutáveis, as culturas eram concebidas aponte algumas reservas à perspectiva
em relação, e tal relação sempre difusionista, sobretudo em suas acepções
pressupunha mudança cultural. Senão radicais, o hiperdifusionismo.
vejamos.
Eric Wolf, em artigo intitulado As
2. Quatro perspectivas sobre a
perspectivas globais na antropologia:
mudança cultural
problemas e possibilidades, apresenta
dois estágios iniciais da antropologia, Tendo a história da antropologia sido
em ambos é possível perceber a presença aqui minimamente esboçada, ainda que
da mudança cultural e do caráter em suas fases iniciais, pode-se partir
fundamental de se interpretar para uma maior consideração da questão
antropologicamente os processos do estudo dos processos históricos. Isto
históricos. O primeiro estágio da será feito em quatro momentos distintos:
antropologia seria o da antropologia em primeiro lugar será levantada a
evolucionista do final do século XIX, questão no importante ensaio de Edward
que postulava a unidade da humanidade B. Tylor A ciência da cultura, de 1871,
e um caminho racional até o progresso que se inscreve na perspectiva da
(WOLF, 2001). Como bem esclarece antropologia evolucionista; em seguida,
Boas no texto sobre a história da o tema será considerado através de
antropologia, este estágio foi a versão alguns apontamentos que podem ser
antropológica das filosofias da história feitos a partir do artigo de Eric Wolf
que tiveram papel marcante no final do Cultura, panacéia ou problema?, de
século XVIII, o que situa a antropologia 1984; uma reflexão sobre o estudo dos
evolucionista um século mais tarde dos processos históricos não poderia deixar
debates sobre filosofia da história. Em de lado as importantes considerações de
síntese, a tentativa de se projetar, ainda Marshall Sahlins, sobretudo em seu
que de modo especulativo, um sentido famoso Ilhas de história, de 1987, que
único para a história da humanidade, aqui será tomado exclusivamente em sua
bem como para o desenvolvimento da introdução, por possuir caráter mais
cultura, estava já superada nos círculos teórico, condizente com a proposta deste
intelectuais da ciência histórica e trabalho; por fim, e com o intuito de
também da filosofia, mas era algo ainda fechar as considerações, articulando-as
fortemente discutido pelos círculos em todas com esta parte final, será levado a
que o debate antropológico se fazia cabo uma reflexão tendo-se por base
presente. alguns textos de Franz Boas publicados
originalmente em seu famoso Race,
Já no final do século XIX e nos Language and Culture, de 1940, e que
princípios do século XX inaugura-se o foram traduzidos e reunidos por Celso
segundo estágio da antropologia, o Castro na coletânea Antropologia
difusionista; este também postulava uma cultural.
humanidade comum, mas a pensava fora
de uma linha evolutiva, colocando em
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históricos ou, dito de outra forma, como sobretudo em seu livro Europa e os
grupos tribais cujos elementos culturais, povos sem história, de 1982, cada um
costumes, religião, língua, arte, destes campos de relações, mais ou
conhecimento, possuem historicidades e menos circunscritos ao nível continental,
que só através da investigação destas, se articulou, a partir do século XV, numa
enquanto processos históricos, será ampla rede que intensificou o ritmo das
possível perceber as relações entre os mudanças culturais em todos os povos,
distintos grupos. E aí já não se reduz a europeus ou não; decisivo é a percepção
uma percepção paroquialista das do protagonismo de cada um destes
culturas, limitando-se a uma grupos culturais, que não apenas
investigação dos grupos tribais reagiam, passivamente, às mudanças
excluindo-se as relações externas, mas sobretudo produziam
intercontinentais. Wolf, apesar de mudanças próprias, como no caso do
demonstrar a complexidade dos povos tráfico negreiro.
africanos, não deixa de perceber o
quanto as relações com os europeus são
decisivas na investigação da mudança 2.3. Marshall Sahlins, o protagonismo
cultural do processo de tráfico negreiro. das culturas locais
E aqui pode-se ir mais além, inserindo- Pensamento semelhante é assumido por
se o papel decisivo das sociedade Marshall Sahlins. Embora seja um
americanas neste processo. Este caminho crítico da teoria do sistema mundial, ele
pode ser ampliado, desde o ponto de não deixa de perceber as relações
vista de uma abordagem cosmopolita, e interculturais a nível mundial, nem seus
assumir o caráter de uma investigação efeitos para a mudança cultural levada a
global dos processos históricos da cabo nos processos históricos. Na
mudança cultural. Tal ampliação é introdução ao seu Ilhas de história ele
aludida por Wolf: “Em lugar de afirma:
unidades separadas e estáticas,
claramente limitadas, devemos portanto Tenho observado entre teóricos do
“sistema mundial” a seguinte
tratar de campos de relações dentro das
proposição: dado que as sociedades
quais conjuntos culturais são reunidos e tradicionais [ou primitivas] que os
desmembrados.” (WOLF, 2003, p. 299). antropólogos habitualmente estudam
O que fica desta crítica das entidades são submetidas a mudanças radicais,
culturais estanques é a percepção básica impostas externamente pela
de que toda cultura só existe em relação expansão capitalista ocidental, não é
com outras. Em termos ideais, o possível manter a premissa de que o
conjunto mais amplo deste campo de funcionamento dessas sociedades
relações seria um campo de nível global, está baseado numa lógica cultural
que poderia ser aludido a partir da autônoma. Essa proposição resulta
intensificação das relações dos grupos de uma confusão entre um sistema
aberto e a total ausência de sistema,
culturais através da formação de um
tornando-nos incapazes de dar conta
sistema mundial mediante a expansão da diversidade de respostas locais ao
europeia em meados do século XV. sistema mundial, em especial
Este sistema é mundial porque não reduz daquelas que conseguem persistir
o papel dos povos americanos, africanos, em seu rastro. (SAHLINS, 2003, p.
do pacífico sul e asiáticos ao de simples 8)
figurantes da história da modernidade Ora, esta posição traduz-se na defesa do
europeia. Como bem apontou Wolf, protagonismo histórico das sociedades
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não europeias. Ainda que elas sofram tanto no interior de uma sociedade,
uma influência europeia, e uma quanto entre sociedades.
influência por vezes nada sutil, tal (SAHLINS, 2003, p. 9)
influência não elimina as respostas Desta maneira, os processos históricos,
locais à esta força mundial. Mesmo que levam a efeito a mudança de
estando atrelados, como sociedades elementos culturais no interior de uma
alinhadas ou resistentes, à expansão sociedade, estão presentes por toda a
mundial, estas sociedades continuam experiência humana. Nenhuma
mantendo sua lógica cultural autônoma, sociedade, por mais primitiva que se
e seu protagonismo na ocorrência dos possa caracterizá-la, carece de entrar em
processos históricos. Eles, os processos contato com a cultura europeia para
históricos, precisam ser estudados incorporar elementos dinâmicos de
enquanto suportes dos processos de mudança cultural, a articulação com
mudança cultural neste movimento de outras sociedades, e mesmo entre
alinhamento ou resistência a forças elementos diversos de uma mesma
externas e de adequação e inovação de sociedade, já produz transformações
forças internas. Como Sahlins cujas mudanças possuem uma
argumenta, é preciso uma investigação processualidade histórica. Assim,
antropológica em que se perceba as fenômenos da linguagem podem
sociedades como sistemas abertos, e não acarretar mudanças culturais na religião;
ausentes de sistema. Esta afirmação se alterações econômicas podem favorecer
articula com a percepção de Sahlins de reestruturações morais, esta lógica
que toda sociedade possui elementos ilustra toda uma constelação cultural
dinâmicos, causadores dos processos diversa e diversificada, inscrita no
históricos, internos e externos, o que fenômeno da cultura que é
exclui toda consideração de sociedades essencialmente histórico.
primitivas, que seriam carentes de
dinamismo interno e consequentemente Todas estas considerações argumentam
carentes de processos históricos. em favor de se colocar o estudo dos
processos históricos como algo
O mesmo tipo de mudança cultural elementar na investigação antropológica.
[causada pelo sistema mundial Sem a percepção da historicidade da
moderno], induzida por forças
cultura, nenhum elemento do complexo
externas mas orquestrado de modo
nativo, vem ocorrendo há milênios.
cultural poderia ser corretamente
Não somente porque as chamadas compreendido, a apresentação de sua
sociedades primitivas jamais foram imagem presente ficaria sem
tão isoladas quanto a antropologia profundidade histórica, deixando o
em seus primórdios, obcecada pelo fenômeno da cultura com uma aparência
interesse evolucionista com o de mera superficialidade.
antigo, gostaria de acreditar (cf.
Wolf, 1982). Os elementos
dinâmicos em funcionamento – 2.4. Franz Boas e o método histórico
incluindo o confronto com um
mundo externo, que tem Feitas estas rápidas considerações dos
determinações imperiosas próprias e pensamentos de Tylor, Wolf e Sahlins, é
com outros povos, que têm suas chegada a hora de apresentar os
próprias intenções paroquiais – argumentos de Franz Boas. Seus
estão presentes por toda a comentários foram deixados por último
experiência humana. A história é devido à ênfase que o mesmo atribui à
construída da mesma maneira geral
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