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oe METAPSICOLOGIA FRE UDIAN V3 Luiz Alf ) JORGE ZAHAR EDLDOR Copyright © 1995, Luiz Alfredo Garcia-Roza Copyright desta ediio © 200 ta publicagao, no todo ou torais, (Lei 9610/98) 1000, 2002 Capa: Gustave Mey Tustragdo: Sigmund Freud, ¢. 1935 | 1, Freud, Sigrwund, 1856-1939, 2. Metapsicologia, 3, Psicologia. I. Titulo, Il. Série Cob 150.1952 CDU 159.9642 ARTIGOS DE METAPSICOLOGIA narcisismo, pulsao, recalque, inconsciente (1914-1917) ip 2 Pulsao Com 0 conceito de pulsdo somos langados no redemoinho queimante do caldeirao da bruxa —a bruxa metapsicolo- gia. Trata-se, talvez, do conceito mais original de Freud, ¢ © “talvez” nao 6 introduzido por conta da concorréncia de outros conceitos, como ode inconsciente, por exemplo, mas por conta do conceito de pulsio de morte, criado em 1920 em Além do principio de prazer Otermo Trieb (pulsdo) é corrente na lingua alema, e faz seu aparecimento nos textos freudianos nos anos 1890. Ja em 1889 ele é utilizado numa resenha feita por Freud de um livro de Forel, reaparecendo na correspondéncia com Fliess,1 no Projeto de 1895 e nos Estudos sobre a histeria (1893-1895), sendo que neste tiltimo é empregado tanto por Freud quanto por Breuer. Em 1898 ¢ utilizado num sur- preendente pardgrafo do artigo A sexualidade na etiologia das neuroses e mais uma ve7 no capitulo 6 de A interpretagiio do sonko.? No entanto, si empregos timidos, nos quais a nogao aparece com contornos mal definidos e com exten- so pouco clara. Estamos ainda num nivel puramente ter- minol6gico e nao conceitual. ‘Uma outra questio, ainda terminolégica, é que nesses textos iniciais Freud muito freqiientemente utiliza substi- tutivamente os termos pulsio (Trieb), excitagdo pulsional 1 O Manuserito F (de 18 de agosto de 1894) e © Manuserito G (pro- vavelmente de janeiro de 1895). 2 AE, 8, p. 399; ESB, 5, p. 423; GW, 2/3, p. 402. 80. / Introduso A metapsicologia freudiana « 3 (Triebregung), mogao de desejo (Wunschregung), estimulo pul- sional (Triebreiz), excitapfo (Erregung) e outros mais, 0 que dificulta o rastreamento da génese do conceito. Note-se, porém, qué com toda a imprecisio terminolégica, em ne- nhum momento emprega como sindnimos os termos Trieb (pulsao) e Instinkt (instinto). Este tltimo, por sinal, é em- pregado muito raramente em toda a sua obra. Nos vinte e trés volumes que compdem suas obras completas, a pala- vra Instinkt aparece apenas quatro vezes com um sentido genérico e outras seis para designar especificamente 0 ins- tinto animal, enquanto a palavra Trieb aparece algumas centenas de vezes.’ Mas nao é a questio terminolégica que nos interessa aqui, e sim a questo conceitual, sobretudo em se tratando daquele que Freud considera como um dos conceitos fun- damentais (Grundbegriffe) da psicandlise* Trata-se de uma convengio (Konvention), nos diz ele, ou de uma ficcao, uma ficcdo tebrica, como sao 0s conceitos fundamentais de qualquer ciéncia. Sua caracteristica prin- cieabna e deseepianncaitede nase in =. seria dizer “constitui-la”); ndo so retirados da realidade a partir da Observagao, mas criados com a finalidade de constituir uma nova inteligibilidade. Dizer que nio sio retirados da realidade nao significa dizer que nada tenham a ver com ela, mas que nao correspondem a algo imedia- tamente visivel e identificével, um “dado”. Mais do que corresponderem a “dados’’, 0s conceitos fundamentais da 3. Sobre a confusio resultante da traduéo de James Strachey do termo ‘ret alemio para o ingle instinct ea manutencio desia lima forma Gistinto)na tadugio brasileira, ver: Garcia-Roea, Ls Ay O ral adie! em Freud, Rio de Janeito, jorge Zahar, 1990, p.9-10; e Garcia-Roza, L. ‘ease reptigioem psicanlise, Rio de janeiro, Jorge Zahar, 1986, pel2-13. 4 AE, 14, p. 113; ESB, 14, p. 137; GW, 10, p. 211. Pulsio / 81 ciéncia correspondem a interrogagées, portanto a algo que nao 6 dado, nem mesmo “davel”, a experiéncia. Esses con- ceitos ndo correspondem a um saber ja existente e que eles refletem, tampouco tém por finalidade criar uma imagem de formalizacao desse saber, uma espécie de arrumagio cientifica da doxa; 0 que na verdade eles fazem ¢ produzir um furo na doxa. Mais do que taparem os furos do : ssher existente, eles evidenciam esses furos oii G S. Tos. 08 concéitos fundamentais aos quais estou me refe- “indo no correspondem a um saber, mas a um vazio no saber, 2 uma doperroeaido due eae lugar a uma pence, 4 qual corresponderd a abertura de novo espaco de po oua potisnaat daldoxa & pistol No entanto, para serem verdadeiros conceitos fundamentais, devem preten- der responder a verdadeiros problemas. Este ¢ 0 caso do conceito de pulsio. ‘Um conceito deste tipo nao nasce pronto, com seus contornos plenamente definidos, suas articulagdes com os demais conceitos plenamente estabelecidas, perfeitamente transparente e livre de ambigitidade. Sua opacidade inicial éna verdade a marca de sua novidade, de sua extravagan- cia quando comparado aos conceitos existentes. A criagdo ou construgio de um conceito como este implica avangos ¢ recuos, desvios, atalhos, eliminacao de caminhos desne- cessarios e estabelecimento de novas articulacdes. E isto sem que se tenha previamente indicagdes claras quanto aos caminhos a se percorrer. Esta a razao pela qual, vinte anos depois de ter proposto 0 conceito de pulsdo, Freud declara que “a doutrina das pulsdes é a pega mais impor- tante, mas também a mais inconclusa, da teoria psicanali- tica’’S A pulsdo, mais especificamente a pulsdo sexual (Sexual- trieb), faz. sua entrada conceitual na obra de Freud nos Trés 5 AE, 7, p. 153 n; ESB, 7, p. 171 n; GW, 5, p. 67 n.

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