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D. H. Lawrence
Dizem que poesia é uma questão de palavras. E isso é tanto mais verdade quanto
dizer que quadros são uma questão de tinta e afrescos uma questão de água e tinta lavável.
Isto está tão longe de ser toda a verdade que é um pouco tolo pronunciado
sentenciosamente.
Mas o homem não pode viver no caos. Os animais podem. Para o animal, tudo é
caos, há somente um pequeno número de movimentos e aspectos recorrentes dentro da
onda. E o animal está contente. Mas não o homem. O homem precisa envolver-se em uma
visão, fazer uma casa de forma, estabilidade e fixidez aparente. Em seu terror do caos, ele
começa colocando um guarda-chuva entre si mesmo e o perpétuo turbilhão. Então, pinta o
lado de dentro de seu guarda-chuva como um firmamento. Então, exibe-se, vive e morre sob
seu guarda-chuva. Legado aos seus descendentes, o guarda-chuva torna-se uma cúpula,
uma abóbada, e os homens por fim começam a sentir que algo está errado.
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O homem fixa alguma maravilhosa construção de sua propriedade entre si mesmo e
o caos selvagem, e, gradualmente, empalidece e sufoca debaixo de seu pára-sol. Então,
vem o poeta, inimigo da convenção, e produz uma fenda no guarda-chuva; e, veja! a
olhadela rápida do caos é uma visão, uma janela para o sol. Mas, após um instante,
habituando-se à visão, e não gostando da genuína corrente de ar do caos, o homem comum
pinta grosseiramente um simulacro da janela que se abre para o caos, e remenda o guarda-
chuva com o remendo pintado do simulacro. Isto é, acostumou-se à visão; ela é parte da
decoração de sua casa. De forma que o guarda-chuva, no fim, parece com um firmamento
aberto resplandecente, de muitos aspectos. Mas, que pena! é tudo simulacro, em
inumeráveis remendos. Homero e Keats, anotados e com glossário.
Mas, no fim, nosso teto não nos engana mais. Ele é um estuque pintado, e toda a
habilidade de todas as épocas humanas não nos iludirá. Dante ou: Leonardo, Beethoven ou
Whitman: veja! está pintado no estuque de nossa abóbada. Como São Francisco pregando
aos pássaros em Assis. Maravilhosamente como ar, espaço de pássaros e caos de muitas
coisas — em parte porque o afresco está desbotado. Mas mesmo assim, estamos felizes
por sairmos desta igreja e penetrarmos no caos natural.
Que alegria os homens experimentaram quando Wordsworth, por exemplo, fez uma
fenda e viu uma prímula! Até então, os homens só haviam visto uma prímula palidamente,
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na sombra do guarda-chuva. Por intermédio de Wordsworth, eles a viram na cheia cintilação
do caos. Desde então, gradualmente, temos visto primavera não mais a prímula. O que
significa, remendamos a fenda.
Então, o guarda-chuva é absoluto. E então o anseio pelo caos torna-se uma nostalgia.
E isto continuará assim até que algum vento extraordinário arrebente o guarda-chuvas em
tiras, e muito da humanidade em esquecimento. O resto tremerá no meio do caos. Pois o
caos está sempre lá e sempre estará, não importa quantos guarda-chuvas de visões
colocarmos. .