You are on page 1of 7

1.

Estado ampliado e sociedade civil em Antônio Gramsci1

O conceito gramscista de hegemonia é baseado no entendimento de Lênin sobre


hegemonia, apesar da divergência em um ponto central, isto é, a preeminência da
direção cultural e ideológica, aspecto puramente político, na derrubada do poder
viabilizado por uma hegemonia contra a sociedade política. Gramsci é diametralmente
oposto a esta concepção. Ele pensa que a classe dirigente se fortalece na sociedade civil
através de mecanismos ideológicos, políticos e culturais, transportando a hegemonia
para o momento ético-político, no momento em que a formação cultural é delineada no
devir histórico configurando diversos aspectos condicionados à manutenção da
realidade pelos valores e práticas conservadoras e corporativistas, as quais são
engendradas pela classe dominante através do fortalecimento da sua hegemonia.
Desta forma, a hegemonia é produzida na realidade social concreta da vida
social da maior parte da população; a contradição, nesta realidade pode ser formada uma
contracultura da classe dominada a fim de viabilizar transformações no cenário político-
ideológico, como resposta à dominação da cultura e ideologia vigente da classe
dominante.
A contracultura busca construir uma nova concepção de homem e de mundo a
ser divulgada e difundida individual e coletivamente, manifestando-se nas ações dos
grupos sociais primeiramente através de suas estruturas ideológicas (sindicatos, ligas
camponesas, associações de classe etc.), para de difundir e universalizar tal ideologia
nos setores da sociedade, quais sejam: as escolas, as instituições religiosas os meios de
comunicação, entidades sociais particulares e todas as organizações que influem,
diretamente ou indiretamente, na opinião pública; as quais produzem o controle do
conjunto de órgãos da superestrutura. Assim, a direção ideológica torna-se base de
sustentação e dá conteúdo ao Estado de classe, que passa a ser reconhecido e legitimado
pela aceitação dos grupos subalternos.
A hegemonia inclui, necessariamente, um confronto de luta no domínio da
ideologia de uma classe para manter seu poder, não simplesmente através de uma
organização específica da força, mas por ser capaz de ir além de seus interesses
corporativos estreitos, exercendo uma liderança moral e intelectual articulada, criando a

1
Aula 03 da disciplina Gestão e Planejamento em Serviço Social – 10 de abril de 2018 – Prof. Ari
Loureiro
unidade ideológica de todo o bloco social cimentado e unificado, precisamente, por
aquela determinada ideologia. Esta classe hegemônica é verdadeiramente política, por
ultrapassar os seus interesses econômicos imediatos e representar o avanço universal do
modelo de sociedade.
O conceito de hegemonia para arguir qualquer concepção economicista de
política ou de ideologia que visa atender interesses de classes imediatas é incapaz de
uma análise correta da situação e do equilíbrio de forças políticas, portanto, não
conseguem explicar uma concepção adequada à natureza do poder da sociedade civil.
Em consequência, tais concepções mostram-se inadequadas para análise de estratégias
políticas do movimento de classe trabalhadora por uma sociedade mais justa.
A hegemonia, em sua plenitude, repousa na vontade coletiva em torno dos quais
vários grupos sociais se unem. Gramsci vai muito além de uma teoria das organizações
políticas baseadas em direitos civis abstratos, para argumentar que o mais amplo
controle democrático desenvolve-se sob a forma mais elevada de hegemonia, não se
reduzindo, desta forma, a uma legitimação falsa da consciência ou instrumentalização
da massa da população, cujo senso comum ou concepção de mundo é composto por
vários elementos, como grande parte da experiência cotidiana que serve de princípio da
organização das instituições sociais, alguns dos quais contradizem a ideologia
dominante.
A ideologia, a seu ver, não espalha ou reflete simplesmente os interesses
econômicos, mas, também, o terreno da luta que organiza a ação, do modo, segundo o
qual, é materializado na relação das instituições e práticas sociais, subsidiando todas as
atividades individuais e coletivas.
A hegemonia absorve e sistematiza ideias e práticas populares, implicando em
articulação, organização e participação no processo político. Nessa concepção, uma
classe tornar-se dirigente antes mesmo de assumir o controle político constituído a partir
da hegemonia, ou seja, da difusão ideológica tornada vontade coletiva de grupos sociais
heterogêneos.
O cerne do conceito de hegemonia passa pelo reconhecimento da necessidade e
da possibilidade de transformação ideológica antes mesmo da tomada do poder, sua
compreensão. Se por um lado torna-se a ideologia um instrumento de dominação, por
outro pode ser instrumento de libertação.
Os grupos dominados para libertarem-se precisam elaborar sua própria
concepção de mundo, precisam desenvolver uma transformação ideológica, porque é no
domínio da ideologia que a dominação se estrutura em nível da produção, se reproduz e
consolida. Fica, assim, evidente a força da ideologia na luta de classes, o seu sentido ora
positivo ora negativo.
A concepção do Estado ampliado em Gramsci deriva da teoria marxista clássica.
Os Marxistas contemporâneos partem da análise de experiências concretas do
desenvolvimento histórico, a fim de pensar o Estado em si mesmo, em suas estruturas,
funções, elementos constitutivos, mecanismos, órgãos e outras dimensões, como um
sistema complexo, levando em consideração suas relações com os demais sistemas, a
fim e propor uma nova concepção de Estado, de relações sociais e políticas com a
sociedade civil.
A estatura teórica e política de Gramsci apresentam diretrizes em seu contexto
histórico e teórico, uma vez que traz questões de estratégia política. O contexto histórico
vivido na construção da teoria gramsciana é demarcado por fatos estruturais, assim
como conjunturais que corroboraram para a consolidação de uma perspectiva marxista
ampliada de Estado. Foi no contexto da derrota do movimento no Conselho de Fábrica
italiano, em 1920; mas também da conquista do poder do Estado na Revolução Russa,
os quais geraram problemas para a construção socialista na União Soviética, e ainda a
crise do Estado liberal, além do crescimento do fascismo, em especial em referência à
Itália, bem como o impacto da crise económica de 1929-1932 sobre a situação política
na Europa e na América e, finalmente, as múltiplas implicações da mudança tecnológica
para as relações sociais no capitalismo (COUTINHO, 2011).
Estes fatos foram basilares à teoria gramsciana direcionada ao enfrentamento da
influência generalizada e multifacetada do economicismo dentro do movimento
operário, pois a teoria proporcionava uma análise dos momentos políticos e ideológicos,
desenvolvendo uma abordagem sobre o problema tradicional das relações entre base e
superestrutura, uma construção dialetizadora que incidia na apropriação das estratégias
políticas nesta relação de poder.
Outra acepção sobre a teoria política de Gramsci ligava-se a questões de
estratégia revolucionária, pois ele estava preocupado em desenvolver conceitos e
princípios de base, para a prática política em determinadas conjunturas e em contextos
específicos do Estado.
Assim, Gramsci não se ocupou em definir leis abstratas do movimento para a
economia ou ao papel geral do Estado na reprodução capitalista, isto é, de coletivo
ideal, em um modo de produção puro. Ele especifica as complexas relações entre uma
pluralidade de forças sociais que engendravam o exercício do poder do Estado em
determinada formação social.
Dentro deste escopo teórico há uma variedade de construções, mas importa
salientar que sua regra mostra uma metodologia geral para o estudo da teoria política
marxista. Isto é nodal, uma vez que o seu marco teórico apresenta uma série de
conceitos e princípios de explicação relacionados a um problema particular, devendo ser
considerado como um sistema conectado e reciprocamente qualificante ao invés de um
tratado isoladamente ou de forma unilateral.
Gramsci é um teórico marxista que refuta as formas de economicismo, contudo,
não evidenciou uma base teórica para a teoria econômica marxista, apesar de ampliar as
concepções para que fossem capazes de estabelecer rupturas com a tais perspectivas
positivistas, pois aceitou seus princípios fundamentais e os integrou em seus estudos
políticos.
Demarca a sua base teórica a referência que o capitalismo é um sistema de
produção contraditório e historicamente limitado, baseado na exploração capitalista do
trabalho assalariado. Para este pensador, o capitalismo não enquanto agente econômico,
mas como relação social de produção preparava as condições materiais para uma
transição ao socialismo e que só a classe operária podia liderar uma revolução para
eliminar a opressão e a exploração (GRAMSCI, 2002b).
Sua concepção perpassa, ainda, sobre a importância da estratégia revolucionária
em contraponto às bases estruturantes e condicionadora de uma crescente concentração
e centralização do capital; há, nessa afirmação da eliminação da livre concorrência
enquanto prática dos monopólios; observava assim a hegemonia crescente do capital
financeiro (GRAMSCI, 2002b). Estas referências são eixos ortodoxos na teoria
marxista-leninista evidenciada pelo Partido Comunista Italiano, ao qual fora filiado e,
de fato. Suas contribuições teóricas possibilitaram a construção de teorias sobre Estado,
poder de Estado e ideologia.
A qualidade da base teórica que Gramsci enfatiza a acepção de que não se
podem reduzir questões de prática política àquelas restritas ao modo de produção ou
relações econômicas fundamentais, pois a lógica é que a estrutura geral de uma
sociedade, o seu envolvimento capitalista irão incidir na forma do Estado, das crises
políticas, nas possibilidades do estabelecimento da uma hegemonia e de uma contra-
hegemonia articulada e difundida pelas diversas forças sociais que engendram
possibilidades de direção e rupturas visando o surgimento de novas direções das
relações sociais mediadas por forças políticas e práticas ideológicas, cuja forma e
impacto específicos são relativamente autónomos (GRAMSCI, 2004).
No processo de desenvolvimento do Estado é preciso compreender que as crises
econômicas podem levá-lo a abalos nas suas estruturas organizativas ou mesmo
enfraquecê-lo concretamente, mas estas crises não vão por si só, criar condições
revolucionárias ou produzir grandes eventos históricos (GRAMSCI, 2002a/2002b),
enfatiza ainda que o impacto das crises econômicas depende da força das instituições da
sociedade civil, bem como das instituições políticas resultante equilíbrio das forças
sociais. Nesse ponto, Gramsci se concentra na constituição das superestruturas políticas
e ideológicas e nas formas pelas quais as relações das forças políticas determinam
decisivamente a capacidade do capital para reproduzir sua dominação de classe.
As relações políticas são determinadas por práticas ideológicas, próprias às bases
institucionais e às relações sociais constituídas na sociedade capitalista, portanto, o
movimento de contraposição revolucionário, não pode se alocar exclusivamente nas
lutas econômicas, mas deve articular-se com lutas políticas e ideológicas que
determinam a conquista do poder do Estado, de forma que socialize as forças e relações
de produção e crie uma nova ordem social.
Nesta direção, Gramsci (2004) constrói uma base teórica significativa sobre o
poder do Estado, colocando-o como uma força de classe que tem a ação vital na
organização da dominação das classes na garantia dos interesses de longo prazo da
burguesia, bem como na sua unificação, na obtenção do consentimento ativo dos
governados e na desmobilização das forças contra-hegemônicas organizadas. Assim, o
arranjo das forças políticas que a classe trabalhadora precisa construir perpassa pelas
organizações da sociedade civil, dos movimentos sociais, dos partidos na apropriação
dos espaços de contradição do Estado.
Importa salientar que a concepção de Estado é dada como uma organização de
dominação de classe e desempenha um papel crucial na unificação das classes
dominantes, uma unidade fundamentalmente enraizada nas relações orgânicas entre o
Estado, aqui tratado como Sociedade Política e a Sociedade Civil.
O ponto nodal na abordagem de Gramsci se encontra em suas teses sobre as
relações orgânicas entre o aparato governamental e a sociedade civil, pois trata das
instituições e aparelhos específicos como instrumentos técnicos de governo,
relacionando-os a suas bases sociais, enfatizando a maneira pela qual suas funções e
efeitos são influenciados por suas ligações ao sistema econômico e à sociedade civil
(GRAMSCI, 2004). Assim, a manutenção da dominação de classe se dá por meio de
uma junção que varia de coerção e consentimento, vislumbrados em regras do exercício
do poder de Estado e não na organização interna do aparelho de Estado, cujos efeitos
globais da intervenção do Estado dependem das relações sociais numa dada sociedade.
Gramsci se recusa a reduzir a prática política a um efeito automático de
pertencimento a uma classe ou a identificação de todos os sujeitos políticos como
sujeitos de classe, uma vez que há prejuízo combinados por práticas econômicas,
políticas e ideológicas que vão além do campo de relações de classe para incluir todo o
campo das relações sociais (GRAMSCI, 2002b).
Nesse contexto deve-se localizar às tentativas de Gramsci de definir o Estado e
sua preocupação com a coerção e o consentimento. Pois, dada a sua ênfase na natureza
relacional do poder de Estado, a distinção entre aparelho de Estado e poder estatal pode
parecer redundante. Destarte, há um problema de caráter filosófico em que a apreensão
desse significado pode levar a visões reducionista e/ou essencialista de como a
hegemonização de classe é inequivocamente e necessariamente inscrita no aparelho de
Estado ou, por outro lado, um problema que remete ao instrumentalismo de como a
classe dominante manipula, usa um aparato de Estado inerentemente neutro em classe.
O domínio de classe se dá na formação social como um todo. Assim, o Estado é um
“todo o complexo de atividades práticas e teóricas com os quais a classe dirigente não
só justifica e mantém o seu domínio, mas consegue obter o consenso ativo dos
governados” (GRAMSCI, 2000a, p. 331).
No desenvolvimento teórico, há vários momentos em que usa o entendimento
central de que o Estado é = a sociedade política + sociedade civil. Afirma, ainda que
haja uma identidade e similitude entre ambos, sendo a sociedade civil e o Estado à
mesma coisa, obviamente esta interpretação se dá em relação ao exercício do poder do
Estado. Nesta direção, é importante analisar as modalidades do seu poder e como se
move nas periodizações históricas dão formas de Estado e como considerar suas várias
definições. A teoria gramsciana indica que o poder de Estado em uma sociedade
capitalista, seja necessariamente de caráter burguês ou que haja qualquer garantia de
que a dominação burguesa possa sempre ser reproduzida através de uma mistura
apropriada de coerção e consentimento.
Há a necessidade de reavaliação radical da natureza do aparato estatal e do poder
estatal implicado em suas várias análises da hegemonia, em que pese à necessidade de
uma compreensão sobre a ruptura teórica que implique em uma análise sobre os
aparelhos hegemônicos do poder de Estado e com o papel dos intelectuais na
organização da hegemonia da classe dominante e na formação de um bloco histórico no
qual há uma relação adequada, de suporte mútuo entre base e superestrutura, já que as
forças presentes nesta relação moldam o poder do Estado e condicionam a ação
estratégica para resolução de crises políticas e ideológicas e, portanto, adentra no
complexos conceitos que incidam na análise conjuntural dessas relações de crise.

REFERÊNCIAS
COUTINHO, Carlos Nelson. O leitor de Gramsci: escritos escolhidos 1916-1935. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere. Trad. Carlos Nelson Coutinho com a


colaboração de Luiz Sergio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1999. V. 1.

_____. Cadernos do cárcere. Trad. Carlos Nelson Coutinho com a colaboração de Luiz
Sergio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000a. V. 3.

_____. Cadernos do cárcere. Trad. Carlos Nelson Coutinho com a colaboração de Luiz
Sergio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000b. V. 2.

_____. Cadernos do cárcere. Trad. Carlos Nelson Coutinho com a colaboração de Luiz
Sergio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2001. V. 4.

_____. Cadernos do cárcere. Trad. Carlos Nelson Coutinho com a colaboração de Luiz
Sergio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002a . V. 5.

_____. Cadernos do cárcere. Trad. Carlos Nelson Coutinho com a colaboração de Luiz
Sergio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002b . V. 6.
_____. Escritos Políticos. Trad. e Org. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004. V. 2.

You might also like