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A Moça Caetana a morte sertaneja

Com tema de Deborah Brennand

Eu vi a Morte, a moça Caetana,


com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.

Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,


os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mão direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.

Na fronte, uma coroa e o Gavião.


Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do Sertão,

pairavam sobre Urtigas causticantes,


caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.

A Morte – O Sol do Terrível


Com tema de Renato Carneiro Campos

Mas eu enfrentarei o Sol divino,


o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.

Não serei orgulhoso nem covarde,


que o sangue se rebela ao toque e ao Sino.
Verei feita em topázio a luz da Tarde,
pedra do Sono e cetro do Assassino.

Ela virá, Mulher, afiando as asas,


com os dentes de cristal, feitos de brasas,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.

Mas sei, também, que só assim verei


a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do Sertão.

A mulher e o reino
Oh! Romã do pomar, relva esmeralda
Olhos de ouro e azul, minha alazã
Ária em forma de sol, fruto de prata
Meu chão, meu anel , cor do amanhã

Oh! Meu sangue, meu sono e dor, coragem


Meu candeeiro aceso da miragem
Meu mito e meu poder, minha mulher

Dizem que tudo passa e o tempo duro


tudo esfarela
O sangue há de morrer

Mas quando a luz me diz que esse ouro puro se acaba pôr finar e corromper] Meu
sangue ferve contra a vã razão
E há de pulsar o amor na escuridão

Aqui morava um rei


“Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.

Para mim, o seu cantar era Divino,


Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu pai. Desde esse dia


Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua efígie me queima. Eu sou a presa.


Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.”

Lápide
Com tema de Virgílio, o Latino,
e de Lino Pedra-Azul, o Sertanejo

Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo


nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo


numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.
Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido

que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —


tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!

Noturno
Têm para mim Chamados de outro mundo
as Noites perigosas e queimadas,
quando a Lua aparece mais vermelha
São turvos sonhos, Mágoas proibidas,
são Ouropéis antigos e fantasmas
que, nesse Mundo vivo e mais ardente
consumam tudo o que desejo Aqui.

Será que mais Alguém vê e escuta?

Sinto o roçar das asas Amarelas


e escuto essas Canções encantatórias
que tento, em vão, de mim desapossar.

Diluídos na velha Luz da lua,


a Quem dirigem seus terríveis cantos?

Pressinto um murmuroso esvoejar:


passaram-me por cima da cabeça
e, como um Halo escuso, te envolveram.
Eis-te no fogo, como um Fruto ardente,
a ventania me agitando em torno
esse cheiro que sai de teus cabelos.

Que vale a natureza sem teus Olhos,


ó Aquela por quem meu Sangue pulsa?

Da terra sai um cheiro bom de vida


e nossos pés a Ela estão ligados.
Deixa que teu cabelo, solto ao vento,
abrase fundamente as minhas mão…

Mas, não: a luz Escura inda te envolve,


o vento encrespa as Águas dos dois rios
e continua a ronda, o Som do fogo.

Ó meu amor, por que te ligo à Morte?


O Amor e a Morte
Com tema de Augusto dos Anjos

Sobre essa estrada ilumineira e parda


dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.

O Anjo sopra a corneta e se retarda:


seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.

Vê: um dia, a bigorna desses Paços


cortará, no martelo de seus aços,
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.

E a Morte, em trajos pretos e amarelos,


brandirá, contra nós, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos Dragões antigos.

O Mundo do Sertão
(com tema do nosso armorial)

Diante de mim, as malhas amarelas


do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.

Mas a Prata sem sol destas moedas


perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.

E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,


que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,

o Cavalo castanho, na cornija,


tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
Pasto Incendiado (trecho)
castigo do Corpo e seu mistério,
o queixume do sangue e seu Fascínio.
Que sentido há na Carne rebelada,
que Nobreza de sangue e Confusão?

Os Arcanjos alados, que esvoaçam


seu silêncio de Brasa e sua espada,
choram talvez, na Sede apaziguada,
a ausência de meu Corpo enfurecido:
pois a Carne contém culpas Sagradas,
ecos de amor, de Sono e algum olvido,
e guarda, sob a Relva e o monte fulvo,
o desejo do Tempo e o Odor da morte.

mas não procures nela o que não tem.


Ali só há Colina e sangue espesso,
palpitação do Pássaro, agonia
o desejo do Tempo, o Sol sem preço,
a Relva que no Dardo se incendeia, [e a relva que no Fruto se incendeia]
o sonho que é do Fim e do Começo.

As águas não habitam nenhum ventre:


sangue possuído, ou sangue derramado
e tenha embora as Margens e o murmúrio,
não procures as águas noutro Sangue.
Sejas mulher, ou guardador de cabras,
o Ventre aberto, e o sangue descerrado
devolverão na treva o teu Gemido
e o Negro Gavião da soledade
é tudo o que no Ventre hás de alcançar.

O Pasto Incendiado, de A Fêmea e o Macho (Terceira parte do poema O Cego e o Mundo)

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