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Um zine é invisível?

No Brasil, as publicações de artistas começaram a circular a partir do final da década de 1960,


ainda no período da ditadura militar. Em 1967, artistas ligados ao poema-processo publicaram
no Rio de Janeiro livretos de poucas páginas, sem encadernação ou grampo, muito similar aos
zines que conhecemos hoje. As publicações podiam ser confundidas com os livros
independentes de poesia, impressos em sua maioria com mimeógrafos, e que ficaram
conhecidos como “poesia marginal”. A palavra zine não era utilizada para se referir a essas
publicações, pois antes de surgirem as atuais feiras de impressos (2009), os zines brasileiros
eram mais conhecidos entre as pessoas ligadas aos quadrinhos e ao rock principalmente.

Uma característica das primeiras publicações de artistas brasileiros é que os artistas


participavam ativamente do circuito internacional de arte-correio, e alguns deles se tornaram
mais conhecidos no exterior do que no Brasil, caso dos artistas que estavam longe do eixo Rio-
São Paulo, como Unhadeijara Lisboa (João Pessoa/PB), editor da revista Karimbada, uma
publicação inteiramente feita de carimbos e que teve três números. Outro artista do nordeste,
Falves Silva (Natal/RN), publicou em formato zine diversos livretos de colagens, utilizando
papel colorido para fazer as cópias em preto. Um dos mais conhecidos artistas com atuação
neste circuito é o Paulo Bruscky, que publicou a Revista Classificada em parceria com Daniel
Santiago, reunindo obras que foram publicadas como anúncio na seção de classificados do
jornal. Bruscky também participou da revista Povis, uma assembling magazine editada por Jota
Medeiros (Natal/RN), em que cada colaborador enviava pelo correio a sua página já impressa.

O uso do correio como forma de distribuição das publicações tornou o formato assembling
popular entre os artistas, pois cada artista/editor convidava outros artistas a enviar os
trabalhos impressos, em quantidade suficiente para montar os exemplares da revista. Com o
material encadernado, o editor depois enviava um exemplar para cada colaborador e ficava
responsável pela distribuição do restante. Desse modo, foram editados os três números do
On/Off, um envelope com cartões postais que contou com a participação de Julio Plaza e
Regina Silveira, entre outros artistas.

A popularização das fotocopiadoras na década de 1970 contribuiu para o aumento da


quantidade de zines e publicações independentes produzidas no país, difundindo a ideia de
faça-você-mesmo o seu livro. Isto serviu como incentivo para a experimentação de jovens
artistas, como o Hudinilson Jr, um dos pioneiros da arte em xerox (ou xerografia, como ele
mesmo chamava). Ele publicou muitos trabalhos com o nome Narcisse/Exercício de me ver,
além de grande quantidade de publicações sem título, utilizando cópias ampliadas de partes
do seu próprio corpo, encadernados com espiral, como uma apostila.

Um zine satírico do poeta Glauco Mattoso (pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva), o
Jornal Dobrabil era uma folha datilografada, xerocada e enviada pelo correio para os amigos e
alguns intelectuais e jornalistas. A página imitava a diagramação de um jornal, e o título era
um trocadilho com o nome Jornal do Brasil. Uma curiosidade é que o autor usava mais um
pseudônimo para assinar os textos publicados, Pedro, o Podre, uma referência aos punks e ao
universo dos zines (um trocadilho com o nome do Johnny Rotten, do Sex Pistols). Foram
publicados dezenas de edições entre 1977 e 1981, mas toda edição do zine era o número zero.
O humor também marca o livro Escracho, editado no início dos anos 1980 por Eduardo Kac,
artista que na época participava do movimento Arte Pornô. Em uma das ações do grupo, uma
passeata em que todos ficavam nus, ainda no final da ditadura militar, foi distribuído para as
pessoas que assistiam um zine com uma HQ do Ota, como era mais conhecido o Otacílio Costa
d'Assunção Barros, desenhista que foi editor da edição brasileira da revista MAD.

Atuando no campo das artes visuais e dos quadrinhos, Fabio Zimbres chegou a criar uma
editora de quadrinhos, as edições Tonto. Na década de 1990, Fabio assinava uma seção
chamada Maudito Fanzine em que fazia resenhas e divulgava publicações independentes na
revista de quadrinhos Animal (1987-1991). Em 2012, em parceria com o desenhista Jaca,
conceberam e realizaram a performance Desenhomatic, em que os artistas atuam como uma
máquina de desenhar e assim produziram um zine de mesmo nome, editado ao vivo em feiras
de publicações - cada exemplar previamente fotocopiado recebia intervenções com canetas e
carimbos, tornando-o único.

Algumas revistas como a Recibo, editada por Traplev e a revista de crítica de arte Tatuí,
editada no Recife por Ana Luisa Lima e Clarissa Diniz, tiveram seus primeiros números em
formato zine. Em Porto Alegre, Marcos Sari e Daniele Marx editaram dez números da revista
Meio em formato zine (folhas de papel A4 dobradas ao meio, fotocopiado em preto e branco,
grampeado).

Entre as revistas de artista, um trabalho que se destaca pelo seu formato inusitado é a
Cabuloza Wildlife, uma revista de oito páginas, impressa em letterpress utilizando matriz de
xilogravura. A revista consiste em uma única folha dobrada, que se transforma em um poster
gigante. Editado pelo Pedro Sánchez, no Rio de Janeiro, chegou à sua 11ª edição em julho
deste ano. Também no Rio de Janeiro, o Falafel é um fanzine periódico e coletivo de ilustração
que a cada número apresenta novos colaboradores. Em circulação desde 2012, é editado por
Elvis Almeida e Mariana Moysés.

A revista Charivari é uma publicação independente desenvolvida por treze ilustradores do


Brasil: Andrés Sandoval, Daniel Bueno, Fabio Zimbres, Fernando Almeida, Fernando Vilela, José
Silveira, Laura Teixeira, Luana Geiger, Madalena Elek, Marcelo Salum, Bel Falleiros, Mariana
Zanetti e Silvia Amstalden. A proposta do coletivo é utilizar o zine como “um meio de
experimentação da linguagem do desenho”. Por isso, cada edição possui um tema, um
formato e uma técnica de impressão diferentes, da serigrafia ao offset. Já foram publicados
dez números, sendo que o mais recente é formado por oito pequenos livretos de 16 páginas
cada, impressos em risograph.

A redescoberta das publicações impressas no Brasil está associada à existência das feiras, um
canal de distribuição que permite que os trabalhos cheguem mais facilmente ao público. O uso
dos computadores pessoais e as impressoras domésticas serviram como estopim para o
cenário atual, em que centenas de artistas e pequenas editoras participam de feiras
espalhadas pelo país (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba,
Florianópolis, Salvador, Brasília). Uma parte dos jovens que visitaram uma feira em um ano,
retornaram no ano seguinte como autores/editores. O formato zine, uma publicação
despretensiosa, modesta, de produção caseira, tem atraído os jovens artistas e designers que
olham com desconfiança para os livros de artista, um tipo de publicação que no Brasil ainda é
associado a edições de luxo, com gravuras originais e tiragem limitada.

A maioria dos trabalhos que surgiram nos últimos anos foram impressos digitalmente, e
muitos desistiram depois de publicar um ou dois zines. Mas também existem iniciativas que
começaram de forma tímida e hoje participam ativamente do circuito. Um escritório de design,
Meli-Melo, comprou uma máquina de risografia e decidiu prestar serviço de impressão para
artistas interessados em publicar zines. Hoje a Meli-Melo é uma editora com um catálogo
considerável, tendo colaborado com diversas editoras. O uso de cores especiais (rosa
fluorescente e dourado, por exemplo) e a semelhança com a serigrafia fizeram que outros
artistas, editoras e coletivos adotassem esta técnica de impressão, destacando o estúdio
Entrecampo (Belo Horizonte/MG), a editora Aplicação (Recife/PE), o Risotrip Print Shop (Rio de
Janeiro/RJ) e Selva Press (Curitiba/PR).

Algumas poucas experiências com outras técnicas de impressão também ganharam espaço nas
feiras, como o Coletivo Ocupeacidade/Zerocentos Publicações, de São Paulo, que edita zines
utilizando tipos de madeira e clichês tipográficos. Rodrigo Okuyama editou zines diversos,
sempre utilizando como técnica de impressão o estêncil, entintado com rolo de espuma e tinta
de parede, com páginas de até quatro cores. O holandês Erik van Der Weijde, que reside em
Natal, encara a edição de zines e livros como atividade profissional, ou seja, é sua principal
fonte de renda. Ele imprimiu em offset uma série de Fotozines em pequenas gráficas,
utilizando papel jornal.

Neste cenário, uma das poucas publicações que tem a palavra zine no nome é o Zine Parasita,
editado desde 2007 por Adriana Hiromoto, Guilherme Falcão e Marco Silva. O Zine Parasita
não é vendido, mas pode ser encontrado escondido dentro de outras publicações escolhidas
aleatoriamente em livrarias, bibliotecas e revistarias, e conta com contribuições de designers,
fotógrafos, artistas, escritores e ilustradores de todo o mundo. O Parasita já foi escondido em
diversas cidades no Brasil e também em outros países.

O zine teve edições especiais publicadas por ocasião de feiras ou exposições. Na exposição
Além da Biblioteca, realizada no Museu Lasar Segall com curadoria de Ana Luiza Fonseca,
responsável pelas edições Tijuana e criadora da feira de mesmo nome, foi editado o zine nº 10,
formado por folhas de papel carbono com capa impressa em serigrafia. Na primeira edição da
Turnê, em 2010, uma feira itinerante de publicações que passou por Belo Horizonte, Curitiba,
Rio de Janeiro e São Paulo, os editores do Parasita convidaram 10 artistas a criarem uma
edição do zine, todos com o mesmo formato e número de páginas; a numeração foi de 11.1 a
11.10, indicando cada participação como uma edição especial do zine. Para a mostra
comemorativa dos 30 anos da exposição Tendências do Livro de Artista no Brasil, no Centro
Cultural São Paulo, foram inseridos “parasitas” nos exemplares que estavam disponíveis para
manuseio. Esta, que foi a 14ª edição do zine, era formada por frases e depoimentos de artistas
e editores de épocas diversas, tendo como tema “Por que publicar?”.

Amir Brito Cadôr


Artista gráfico, curador da Coleção Livro de Artista e professor na EBA/UFMG.

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