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LOGOPEDIA

A SEXUALIDADE
NARELAÇÃODIÁDICA
MÃE-FILHO
Maria Rita Scattone

Amalfi (detalhe), Recanto Maestro, Brasil

Introdução: em evidência estes aspectos. Do século nós, ou seja, o Em Si ôntico, cada


O tema da sexualidade entre mãe e filho passado até hoje, graças ao pesquisador com esta “técnica” pode
é um argumento muito amplo e delicado desenvolvimento sócio-econômico, ao analisar o homem na sua totalidade de
de tratar, particularmente no mundo progresso tecnológico e a um “novo” ação, de existência, fornecendo não só o
ocidental enquanto adverte maiormente homem orientado em direção à material de reflexão, mas os meios
a forte influência, radicada no curso da compreensão da existência, muitos necessários para acessar as análises e
história, da religião cristã na qual o estudiosos, cientistas e pesquisadores, intervenção.
estereótipo da “família” é um ponto como Freud, Bowlby, Piaget, Vygotskij,
cardeal do seu credo. Portanto há Tomatis e Whinnicot, começaram a O adulto-mãe, o primeiro modulador
aproximadamente dois mil anos voltar sua atenção para este aspecto. de vida.
pesquisas e estudos sobre tal argumento Graças à contribuição da ciência O homem, na sua individualidade e
não são difundidos e valorizados. Desde ontopsicológica, que é uma ciência unicidade, é um construído. Forjado
os mitos das tragédias gregas, pensem epistêmica enquanto descobriu o desde o início por influências ambientais
106 em Édipo, rei de Sófocles, são colocados princípio elementar presente em todos circunstantes, sócio-culturais e vitais,

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a criança, que determina a modalidade de aumenta sua auto-estima por haver
percepção, de metabolismo da realidade dado a luz ao seu belo bebê e,
circunstante. Sobre a base desta matriz satisfeita, coloca a sua vida a serviço
impactará o mundo. A díade2 mãe-filho é dele, agora motivo de sua existência.
inicialmente uma condição de
sobrevivência para a criança enquanto, A descoberta do “novo mundo”
não possuindo as capacidades psíquicas, através da cavidade oral.
físicas e históricas necessárias para Com o nascimento, o neonato passa do
alcançar a autonomia, é forçado a ser ventre a “no ventre”, uma passagem
dependente, satisfazendo assim as importante e delicada, denominado por
próprias necessidades biológicas; além Whinnicot de “holding”, de contenção,
disso, faz-se matriz para o futuro que permite a criança manter aquele
desenvolvimento lingüístico e continuum inseparável com a mãe.
comportamental, fornecendo as bases Ainda que não utilize a palavra para
para o nascimento do Eu. É a partir das exprimir-se, enquanto ainda não se
variações psico-emotivas da mãe que a percebe como um indivíduo em si
criança encontra o mundo, desde mesmo, mas como um prolongamento
quando está no ventre materno. Isto, de materno, o infante (do lat. infans, não
fato, é uma ligação forte, simbiótica, falante) se comunica com a mãe através
visceral, de carne a carne, que se do contato corpóreo com ela: através da
instaura desde a vida uterina. sucção, da preensão, do choro. Através
da boca experimenta o mundo externo,
A espera circunscrito em uma protuberância
Se pararmos para pensar no momento em mágica que o alimenta e o tranqüiliza: o
que uma mulher decide tornar-se mãe, ou mamilo. Por exemplo, no momento em
por realização pessoal, de casal ou por que se toca levemente ao redor dos
estereótipo, notar-se-ia que, do instante lábios de um neonato, imediatamente se
em que existe a tomada de decisão, atua- ativa o reflexo de orientação oral:
se nela uma mudança, uma modificação abertura da boca e rotação da cabeça
psicológica e comportamental dirigida para agarrar o mamilo. Sucessivamente
não ao parceiro, mas em direção à “sua” aprende a revolver-se, isto é, a esfregar
criança que deverá nascer. o nariz e a boca contra a mama até
O pronome possessivo “meu”, indica o encontrar o contato com ela, com o
início do vínculo diádico: uma mãe objeto desejado. A orientação oral e a
dificilmente diz “o nosso bebê”. É ela captura com os lábios são os primeiros
quem deverá hospedá-lo no próprio passos que a criança cumpre para entrar
ventre, quem irá alimentá-lo, mimá-lo e em relação com o externo e que
para o qual deverá dedicar atenção pelos consentem, portanto, a exploração que
próximos nove meses. Quem, senão ela, em seguida permitirá adquirir a
a mulher-mãe-parceira daquele potencial consciência de algo além de si.
filho, pode reivindicar a sua posse? É Belotti no seu livro “Dalla parte delle
sangue do seu sangue, é “seu”. Nasce de bambine”3 analisa o momento do
uma relação sexual, de um momento de aleitamento colocando em evidência as
joga a partida da existência não segundo união entre dois indivíduos e por todos diferenças emotivas experimentadas
as diretivas do Em Si ôntico, do próprio os nove meses viverá no interior daquele pela mãe de acordo com o sexo do
projeto existencial, mas segundo útero, ou seja, no interior daquele pequeno. Na maior parte dos casos, a
esquemas de ação e respostas emotivas, ambiente favorável, onde em um estimulação do mamilo durante o
aprendidas do primeiro modulador de momento de ênfase, a Vida escolheu pôr desmame de um menino produz um
vida: o “adulto-mãe”1. o Logos que se fará carne. prazer erótico diverso daquele que
O adulto-mãe, para a escola Toda a espera é um período íntimo pode receber de uma menina, enquanto
ontopsicologica, é aquela pessoa ou entre o nascituro e a mãe; ao aguardar psiquicamente tem-se a convicção de
situação que estrutura o primeiro ponto o seu filho ela não faz senão reforçar experimentar algo natural: não é
de segurança, mediante o qual a criança nele aqueles sentimentos de dependência imoral a união que ocorre entre um
construirá a própria segurança. Não é adquiridos quando por sua vez era macho e uma fêmea. Além disso, o
dito que seja necessariamente a mãe criança. Uma vez nascido, a submissão macho é amamentado no seio por mais
biológica; pode ser o pai, a avó, uma tia é ainda mais evidente: o parceiro é tempo, enquanto possui aquela
etc.; é a primeira referência afetiva para expulso da órbita de suas atenções; “voracidade” típica de um homem 107

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adulto. Modalidade que não se dedica sobre a produção lingüística, através por que utilizar as palavras quando
a uma menina, a qual deverá aprender do campo semântico e da produção com uma simples indicação ou um
já desde pequena a “sacrificar-se verbal, veicula significado, realidade, olhar posso ter tudo? Por que devo
quando grande” pelo macho, e a ser sentimentos próprios, que não esforçar-me em dizer “água”, quando
mais “espiritual” que ligada aos possuem reversibilidade com o real, se digo “ao” a água igualmente chega?
prazeres terrenos; portanto o “termine enquanto ela mesma já está estruturada Por que devo aprender a usar o garfo e
logo” que a mãe envia em sub-código, segundo a própria língua-mãe, a mastigar se posso gozar de um
por campo semântico, comporta um portanto o infante começa a criar a mamilo? Não raro chegam crianças
desmame breve e menos co- suas estruturas mentais do mundo amamentadas no seio até o terceiro ano
envolvente sob o plano emotivo. segundo aquelas maternas. de idade (se não mais), ainda que já
Quando se intervém sobre a vertente providos de dentição. “Mas depois de
A construção. infantil é indispensável agir sobre o ter comido, ele quer o peito”, diz a
Durante o aleitamento, na distância adulto de referência, exatamente mãe. É só uma intenção da criança ou
otimal em que é posto, além de porque como já dito, a tipologia de é um desejo-dever da mãe?
perceber o universo emocional da mãe, linguagem é uma modalidade verbal Frequentemente chegam crianças e
o pequeno consegue distinguir o seu apreendida do adulto-mãe. Por adultos, indicados por ortodontistas,
vulto e as suas expressões, por exemplo, quando se diz que um que apresentam uma deglutição
exemplo, tem condições de reconhecer determinado fenômeno tem certa atípica, ou seja, mantêm uma
os lábios quando se pronuncia o familiaridade, significa que no deglutição com estímulo lingual típico
fonema /e/ ou o fonema /o/. O neonato, ambiente familiar daquele indivíduo, de um neonato. São pessoas que
portanto, através do seu pequeno ou como definido pelo prof. sugaram o dedo, a chupeta, a
sistema nervoso está em condições de, Meneghetti “eco-ambiente recipiente”, mamadeira ou qualquer outro objeto
em poucos meses, perceber as existirá alguém que apresenta ou “transacional” por muito tempo.
características acústicas dos sons apresentou o mesmo distúrbio. Isto Podemos nos arriscar dizendo que são
lingüísticos e de associá-los com o ocorre sempre, enquanto se fala de pessoas que nunca superaram a
aspecto visual típico daquele som. comportamento4, ou seja, de algo chamada “fase oral” freudiana. É
Portanto, como ensina a ciência estabelecido que se repete no tempo, indício de um continuum materno.
ontopsicologica: “das modalidades de reforçado depois por ações voluntárias A ciência ontopsicológica afirma que
comportamento do adulto-mãe ele do sujeito. “quase sempre a criança é tomada e
assimila o modo de mover-se, de falar, No curso da minha experiência clínica educada como objeto de projeção
de articular-se, o modo base da como fonoaudióloga portanto como idealística ou compensativa de adultos
consciência”. reabilitadora da linguagem, encontro- falidos. As mulheres, devido a sua
Entre quatro e seis meses de idade me a afrontar maiormente casos de inferioridade caseira, vingam-se se
inicia a fase da lalação, ou seja, crianças definidas “Late Talkers”5, ou apropriando dos filhos para fazer luta
começam a produzir os primeiros que apresentam um Distúrbio pessoal contra os maridos e a
balbucios, que não só representam a Específico de Linguagem6, ou sociedade. A mulher, por preguiça e
fase de preparação para a linguagem, Desordem Fonológica7, cujo problema ambição, joga a carta exclusiva do
mas representam também a deriva, na maioria dos casos, de uma sexo juvenil e, quando chega a crise da
manifestação do prazer determinado relação diádica tanático-regressiva ou mística feminina (trinta e seis –
pela descoberta do invólucro corpo. repetitivo-obssessiva com a mãe. Não quarenta e dois anos), busca a
Este é um fenômeno universal que por acaso o maior número de crianças recuperação manipulando os filhos,
reúne todas as crianças de qualquer que apresentam tais distúrbios são do também eles já no início de uma
raça: os sons reproduzidos são sexo masculino com mães que não exclusão do jogo da vida (dezesseis –
idênticos. Somente próximo aos dez toleram ou justificam o déficit do filho. vinte e dois anos)”8.
meses se especializam na produção de Frequentemente dizem não Portanto a criança quer a mãe, e esta o
sons mais representativos do ambiente compreenderem a indicação por parte quer para a compensação de uma
lingüístico circunstante específico. A do médico ou da professora, porque a relação com o parceiro já em declínio
mãe inicia desde já a estruturar uma criança em casa fala, ou se faz ou para sentir-se gratificada, amada,
linguagem particular com o nascituro, entender, ou faz somente alguns erros, desejada novamente. Portanto por que
que comumente é definido mas que eles compreendem. Na não compartilhar também a cama com
“motherese” (“manhês” ou “linguagem realidade comunicam, mas com aquela quem me tem como o seu objeto de
das mães”) caracterizado por frases sua modalidade. desejo, carne da minha carne? Uma
breves, simples do ponto de vista A linguagem entre mãe e filho é uma vez perguntei a um menino se ele
fonológico, sintático e semântico, linguagem secreta, visceral, erótica: dormia sozinho na sua caminha;
pronunciadas com uma entonação basta um olhar para que se entendam. respondeu-me dizendo: “Não. Mamãe
exagerada, com freqüentes repetições A criança quer água, olha o copo sobre só minha. Eu nana mamãe. Papai vai
108 ou paráfrases. A mamãe, inserindo-se a mesa e imediatamente ganha água: deita cachorro”. Pedindo explicações à

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Sede da FOIL russa. Niotan, Ekaterinburgo, Rússia
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mãe, esta me confirmou que a criança seja na minha pequena atuação, de um


dormia na sua cama e que não queria que modo ou de outro, graças à contribuição
o pai dormisse com eles e que da ciência ontopsicologica, conseguirei
infelizmente não podia deixar de um dia atingir um dos meus objetivos, ou
contentar o seu pobre pequenino. Ou, seja, aquele de ser um instrumento útil e
acontece-me de ver na sala de espera funcional para mim mesma e, por
crianças nos braços das mães, com o conseqüência, para a sociedade.
dedo na boca e uma mão entre os seios Concluo voltando-me a todos aqueles
maternos; ou trocas de beijos, carícias, que decidiram empreender o árduo ofício
olhares típicos de um relacionamento de genitor, com uma citação de um
adulto. Por exemplo, seja a defecação que autêntico pesquisador exato: “o
a enurese noturna são comportamentos matrimônio é um processo do casal, os
ativados para atrair o interesse da mãe filhos devem ser um momento da vida do
pela própria intimidade erótico-sexual. O casal: o filho é um momento da sua vida,
fato de fazê-la abaixo da cintura implica o ser pessoa é um destino metafísico [...].
um procedimento no qual existe um Para serem bravos genitores é
contato íntimo entre os dois: o desnudar indispensável serem adultos felizes. As
e a conseqüente lavagem genital, flores e os frutos sadios provêm somente
provocam prazer; quantas crianças têm de árvores vigorosas para si mesmas”.
uma ereção no momento em que a mãe (A. Meneghetti)
os troca? Um filme esclarecedor pelo seu
modo incisivo, que propõe uma
panorâmica sobre uma relação sexual Bibliografia:
MENEGHETTI, A. Manual de ontopsicologia. Recanto
psíquica e física entre mãe e filho, que Maestro: Ontopsicologica Ed., 2004.
desemboca depois no problema da droga, MENEGHETTI, A. Pedagogia Ontopsicológica, Recanto
Maestro: Ontopsicologica Ed. 2005
é “La Luna”9 de Bertolucci. SABBADINI, G. a cura di. Manuale di neuropsicologia
Todas as consideradas “chagas sociais”, dell’età evolutiva. Bologna: Zanichelli, 1999.
da droga à AIDS, da delinqüência ao CIPPONE, A. De Filippis. Nuovo manuale di logopedia,
Trento: Edizione Erickson, 2001.
alcoolismo, derivam deste relacionamento
de dependência erótico-sexual com a
mãe.
Com “adulto-mãe” entende-se três funções: a) o genitor de
Educando.
1

maior referência nas expressões de necessidade do pequeno,


Enquanto primeiro educador, a mãe deve entendido na sua concretude de indivíduo; b) a dinâmica
educar a criança a adquirir aquela inconsciente que informa a modalidade de referência ao
pequeno por parte do genitor adulto; c) a tipologia do
autonomia fora dela, indispensável para conjunto circunstante sempre absorvido segundo o ângulo
viver uma futura vida de líder, e não experiencial do adulto-mãe.
2 Díade, do gr. δυος, δυο = dois, movimento a dois, onde um
como eterno submisso. Não podendo movente não pode agir sem o coincidente heteromovente. É
eliminar a díade, enquanto protagonistas uma unidade de ação que parte de dois centros, dos quais um
não pode agir sem a coexistência do outro pólo. Simbiose
em relação com a própria vida, podemos com dependência hierárquica entre dois ou mais indivíduos.
somente, como educadores responsáveis, O mais forte formaliza e polariza o mais débil de modo tal
favorecer o destaque a fim que o jovem que o mais débil apreende o estilo de vida do mais forte.
MENEGHETTI, A. Dicionário de Ontopsicologia. Recanto
indivíduo possa colher o real em si e não Maestro: Ontopsicologica Ed. 2008.
de maneira cindida. 3 BELOTTI, E. G. Dalla parte delle bambine. Milano:

Universale Econômica Feltrinelli, 2005²¹.


A intervenção sobre o eco-ambiente 4 Do gr. Хαράσσω = incido, esculpo.

recipiente é indispensável para qualquer 5 Crianças, consideradas, “falantes tardios”, nas quais o

aparecimento da linguagem é atrasada em relação aos seus


sujeito que faz pedagogia e em qualquer coetâneos (as primeiras palavrinhas aparecem entre os 24 e
âmbito, ainda que seja o obstáculo mais 36 meses).
delicado e difícil de ultrapassar: o 6 Retardo ou desordem, em um ou mais âmbitos do

desenvolvimento lingüístico, que aparecem na ausência de


sucesso de qualquer ação é diretamente déficits cognitivos, sensoriais, motores, afetivos e de
proporcional à mudança do contexto importantes carências sócio-ambientais.
7 Disfunção neuro-lingüística em nível fonológico na
familiar, portanto tanto mais se intervém representação e organização cortical do sistema lingüístico:
sobre o adulto-mãe, mais rapidamente se observa-se naquelas crianças que possuem uma linguagem
espontânea inteligível, sem ter disfunções neurológicas ou
obtêm os resultados. articulatórias.
Infelizmente percebo que o percentual 8 Citação de Uma nova pedagogia para uma sociedade

dos genitores dispostos a mudar é ainda futura, conferência realizada pelo Ac. Prof. A. Meneghetti,
junto à sede de Paris da UNESCO em maio de 2006.
110 mínimo. Mas não desanimo; ainda que 9 La luna, direção de Bernardo Bertolucci, Itália/USA, 1979.

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Sede da FOIL italiana. Marudo, Itália

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