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espinoza-e-essencial-ensinar-a-ler-textos-de-ciencias

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 208, 01 de Dezembro |


2007

Prática Pedagógica

Ana Maria Espinoza: "É


essencial ensinar a ler
textos de Ciências"
Para a pesquisadora argentina, pedir apenas que a turma
leia e responda questões sobre um tema não contribui
para a aprendizagem
Roberta Bencini

Os estudos dessa química argentina que se


especializou em Educação têm chamado a
atenção de professores de diferentes áreas.
Ana Maria Espinoza articula conhecimentos de
didática da leitura e de Ciências Naturais para
explicar que é possível melhorar a
aprendizagem dos alunos na disciplina ao
oferecer-lhes textos expositivos. Há mais de 15
anos, ela deixou as salas de aula em Buenos
Aires para se dedicar à pesquisa científica ao
lado de sua compatriota Delia Lerner,
conhecida internacionalmente pelos estudos
Ana Maria Espinoza
em didática da leitura, escrita e Matemática.
Em 1996, Ana Maria foi chamada ao Brasil
para ser consultora dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) de Ciências, lançados no ano seguinte. E, há
dois meses, foi convidada a abrir a Semana Victor Civita de Educação, que foi
realizada de 16 a 18 de outubro em São Paulo. Nesta entrevista, concedida a
NOVA ESCOLA durante o evento, ela explica algumas das conclusões do
estudo A Leitura em Ciências Sociais e Naturais: Objeto de Ensinamento e
Ferramenta de Aprendizagem, realizado na Universidade de Buenos Aires por
uma equipe interdisciplinar. A principal delas é que é essencial ter um
propósito leitor antes de sugerir uma leitura à turma. Outra: os estudantes
nem sempre entendem aquilo que os professores supõem que estejam
ensinando. "É preciso investigar em diferentes situações didáticas os
conceitos elaborados pelos alunos e como eles estão construindo o
conhecimento. Só assim se consegue avançar na aprendizagem e nas
leituras", afirma a pesquisadora.

Por que os textos científicos são considerados difíceis?


Ana Maria Espinoza A interpretação de um texto está condicionada ao
conhecimento prévio do leitor. E ele o considera difícil se não tem
familiaridade com o tema. Independentemente do grau de dificuldade, os
textos científicos trazem novas idéias e conhecimentos que precisam ser
tratados em sala de aula.

Seus estudos se baseiam na resistência de estudantes e educadores em


lidar com escritos da área. Por que você acredita que isso ocorre?
Ana Maria A interpretação não é uma tarefa simples. Os escritos abordam
mais de um conteúdo e muitas vezes não se conhecem e se dominam todos.
Diante da dificuldade, não podemos afirmar que os estudantes e os mestres
sejam burros ou os textos ruins. A complexidade está diretamente
relacionada às situações de leitura a que eles estiveram expostos ao longo da
vida. Sempre que se apresenta um conteúdo novo, é natural que haja
dificuldade em entender não porque o texto seja complexo, mas porque o
conteúdo é desconhecido. É preciso renovar as situações de leitura em sala
de aula. Pedir à turma que leia um texto em casa e em seguida responda a
algumas perguntas não ajuda na aprendizagem.

Mas é isso o que grande parte dos professores faz...


Ana Maria Porque esse procedimento está enraizado na escola.
Questionários não ajudam a interpretar nem favorecem a construção de um
leitor crítico e autônomo. Outras intervenções didáticas, principalmente as
que envolvam problematizações, são mais adequadas.

Qual a melhor maneira de utilizar os textos científicos em sala de aula?


Ana Maria Digo sempre: só se aprende a ler lendo! Para formar um leitor
crítico, o docente tem de ser um leitor crítico, e isso não é o que se vê. Não se
pode generalizar, mas muitos professores dão por entendidas coisas que não
estão claras para os alunos e utilizam perguntas e respostas para avaliar a
aprendizagem: "De que é constituída a matéria?" A criança busca a resposta
no texto e escreve que ela é formada por partículas. Parece que entendeu!
Mas de que forma? Ela será capaz de utilizar essa informação em uma
situação real se for instigada a pensar criticamente e a buscar representações
existentes sobre aquele assunto.

É preciso preparar os alunos antes de apresentar uma leitura?


Ana Maria É necessário criar situações-problema que gerem dúvidas
instigantes sobre o tema a estudar e permitam que os estudantes revelem
suas concepções por meio de conversas, desenhos e textos próprios. O
resultado é que no momento da leitura eles já terão uma concepção mínima
do assunto, diferente da que tinham no início dos trabalhos.

De que maneira se facilita a leitura de textos expositivos em Ciências?


Ana Maria Ensinar demanda limitar os assuntos, recortar conteúdos e torná-
los independentes de outros conceitos que estão amarrados em um texto.
Assim, fica fácil abordar a idéia central e todas as outras subsidiárias de
maneira tal que, ao fim das atividades, a turma tenha compreendido o objeto
de estudo.

As analogias são muito utilizadas nos textos científicos. As crianças


conseguem interpretá-las bem?
Ana Maria Não. Elas as entendem como algo similar. A analogia é uma
ferramenta para comunicar, porém também para fazer pensar, imaginar algo
novo, desconhecido, de que não se tem referências. É legítima a intenção do
autor. Ele quer promover o pensamento crítico, proporcionar ao leitor a
recuperação de uma representação interna sobre algo que exige abstração
para se tornar mais familiar, compreensível. Um exemplo: para explicar o
sentido de homogeneidade, um autor comparou as partículas de um líquido
a grãos de areia na praia. Algumas crianças entenderam que as partículas
correspondiam ao mesmo tamanho dos grãos de areia. Cabe ao docente
investigar a maneira como a turma está entendendo essas proposições.

É possível deixar claro que um análogo não é um igual?


Ana Maria Quem tem dificuldades para interpretar a analogia pode se valer
de descrições objetivas e problematizações para assimilar corretamente os
conceitos. É essencial explicar que na analogia utilizamos apenas um aspecto
para comparar objetos. Nunca é o todo e é por isso que eles não são iguais.

O que difere a metáfora em textos literários e científicos?


Ana Maria Na literatura, ela tem um sentido estético e serve como um
recurso de sensibilização. Em obras de Ciências, ajuda o autor a aclarar um
assunto, a explicar melhor um conceito, sem nenhum caráter artístico. É
importante reconhecer esse aspecto da língua. Como distinguir a linguagem
dos textos científicos e didáticos? Ana Maria Para começar, eles pertencem a
gêneros distintos e têm objetivos diferentes. Quando uma equipe de
cientistas pesquisa um assunto, ela está em fase de investigação de novos
dados e de outras produções científicas. Em uma etapa seguinte, a da
divulgação, ela utiliza uma linguagem interpretativa, com metáforas e
analogias, para facilitar a comunicação. Para isso, todo o trabalho é
reordenado e seleciona-se o que é mais importante, ficando de fora várias
etapas do estudo. Esse material é que, depois, vai ser editado para outro fim:
a Educação. Portanto, textos científicos e didáticos são baseados em
linguagens diferentes: o primeiro tem como objetivo comunicar o público
especializado, e o segundo, os leigos no assunto.

O livro didático simplifica muito o texto científico?


Ana Maria Sim, a maioria exagera na simplificação, banaliza os conceitos e
torna o assunto pouco interessante. De qualquer maneira, os alunos
precisam aprender a dar conta do livro didático - a interpretá-lo - e a
encontrar nele marcas que possibilitem promover o conhecimento de que
necessitam. Mas isso só acontece se o professor desenvolver discussões com
eles e aprofundar os conceitos. Infelizmente, nem todas as escolas têm
disponível outros materiais.

É imprescindível o contato com diferentes fontes de leitura em Ciências?


Ana Maria Sim, isso é importante, mas sem dúvida apenas um entre muitos
caminhos. É a intervenção do docente, fundamentalmente, que ajuda a
compreensão de um conceito-padrão em Ciências. Ele tem de ampliar as
informações e o conhecimento que leva para a classe e os textos são uma de
suas opções. Veja o caso, por exemplo, de uma experiência que visa estudar
os estados da matéria. É comum as crianças entenderem que uma substância
sólida se transforma em líquida pelo efeito do calor. Porém, para algumas
delas, o líquido pesa mais do que o sólido porque outorgam ao calor as
mesmas características da matéria e consideram que as partículas
"incorporadas" formam o líquido. Sem uma intervenção imediata e eficiente
do professor nesse momento, não há resultado algum no que se refere à
aprendizagem.

Qual o papel das experimentações?


Ana Maria Muitas vezes, se pensa que o experimento fala por si mesmo, que
com base na observação a garotada pode tirar conclusões e entender
determinados fenômenos. Parece tudo muito fácil e simples. Assim como nos
textos, o problema não está na complexidade dos escritos, mas na
intervenção docente durante as atividades pedagógicas.

Há um momento exato para a utilização de textos em um projeto, atividade


ou seqüência didática?
Ana Maria Não. Depende do tema, da idade da turma e de outras variáveis.
O professor sabe a melhor hora dentro de seus esquemas, mas o texto tem
sempre de estar incluído numa rede de referências que façam sentido para o
leitor.

Leitura é um conteúdo a ensinar também em Ciências?


Ana Maria É essencial saber ler as especificidades da disciplina. A
interpretação incorreta de termos científicos compromete o entendimento
dos conceitos da área. Por exemplo, a utilização do verbo supor ("a teoria
supõe que...") é entendida por alguns, de acordo com os estudos realizados,
como a falta de domínio do autor. Eles pensam que se ele supõe é porque
não sabe o suficiente.

Quais critérios devem se considerar na seleção do material didático?


Ana Maria Quanto mais o texto apresenta uma visão interpretativa do
conhecimento, não apenas baseado em descrições, melhor. É importante
também que ele tenha caráter histórico, que dê margem a discussões entre
as turmas. Outro ponto essencial: que não seja muito denso, que desenvolva
idéias e que apresente situações para pensar e buscar referências. Só assim a
criança consegue pensar sobre ele e não imaginar que se trata apenas de
definições. Por fim, os gráficos e as ilustrações não podem ser decorativos.

Como ler as imagens em Ciências?


Ana Maria As ilustrações e os gráficos completam as informações de um
texto ou trazem novos dados a serem lidos. Esses elementos em Química,
Física e Biologia têm características próprias que devem ser reconhecidas
pelos estudantes e também interpretadas, assim como as palavras. Espera-se
que eles cheguem ao nível de questionar qual o sentido daquele desenho
para determinada explicação. Ao docente cabe relacionar as informações
gráficas com a linguagem escrita, expressa no texto, assim como no título e
nas legendas da imagem.

Para desenvolver um bom trabalho de leitura e de escrita, o professor de


Ciências necessita de parceiros de outras disciplinas?
Ana Maria Eu não acredito que seja indispensável virar um especialista em
leitura. Mas, em qualquer situação didática, o ideal é que o docente não
trabalhe sozinho. Meu trabalho de investigação na universidade depende de
uma equipe multidisciplinar para avançar. Acredito que uma escola também
deva funcionar assim. Todos ganham com isso.

Quer saber mais?

Contato
Ana Maria Espinoza, anamariaespinoza@arnet.com.ar

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