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Cadernos SFD, Edição Especial:

“Stanislas de Guaita e a Rosa+Cruz de H. Khunrath”

Índice: fez oculto, exceto ao Filósofo do Fogo.


Apresentação, p. 1 Sabe-se que os Irmãos da Rosa Cruz
Anfiteatro da Sabedoria Eterna, p. 4 têm um especial respeito por Paracelso,
Guaita, Análise da Rosa+Cruz, p. 14 médico alquimista que viajou a Europa
Uma Academia Hermética, p. 29 fazendo aquilo que a Fraternidade se
J. Péladan e o Salão da R+C, p. 38 comprometeria a fazer em seu primeiro
Notas para publicação, p. 42 opúsculo, Fama Fraternitatis: não
professar qualquer doutrina publicamente,
Editorial: Neste volume continuamos o e outra coisa não fazer senão praticar a
exame do movimento martinista e seu cura gratuita, pelos meios que os
congênere rosacruciano aos fins do séc. caracterizam e procurar aperfeiçoar a
XIX, período em que a crítica literária cada encontro o conhecimentos que a
contemporânea afirma ter ocorrido um confraria possui a respeito de Deus, do
revival das ciências ocultas ou da Homem e da Natureza.
filosofia hermética na França. De O período da primeira vaga, a
acordo com esse recorte temporal, mais difícil de historiar, surge um
destacamos a formação do Supremo precursor ilustre da R+C, como outros,
Conselho da Ordem Martinista, a verdadeiro luminar para os séculos
criação da Ordem Kabbalística da vindouros: Heinrich Khunrath (1560-
Rosa+Cruz, e as edições do Salão da 1605). Sua primeira obra, publicada em
Rosa Cruz. Utilizamo-nos desta 1595 em Hamburgo, sob o título de
demarcação para caracterizar o Amphitheatrum Sapientiae Æeternae será
fenômeno místico e literário que teve condenada pela Sorbonne em 1625.
lugar em Paris, particularmente nas Trata-se de uma edição ilustrada, cuja
décadas de 80 e 90. Dito isto, buscamos primeira versão é preservada em
fornecer acesso a uma das fontes de acervos como o da Universidade de
inspiração para esta corrente do Winsconsin-Madison (coleção Duveen
pensamento filosófico, que se diz D 897); seu autor nos apresenta quatro
esotérico, ou que por muitas razões se pranchas, além de uma página de

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abertura e a promessa de um Epílogo. a estes o Espírito indica o caminho; é
As pranchas desenhadas e manuscritas necessário orar e freqüentar o
são assinadas por Paullus von der laboratório até atingir pela prática
Doort Antverp, e a última traz a manual da físico-química e medicina
inscrição “HF Vriese pinxit”. física o grau de expertus, amator
Destas, destacamos a quarta Theosophia, isto é, Filósofo; seus frutos
prancha, denominada a “Rosa são para aqueles pacientes que não
Cósmica” e que é considerada por abandonam a obra, mesmo sob a
Stanislas de Guaita uma síntese e adversidade; não devem fazer segredo
emblema da Rosa Cruz. O mesmo, em do que deve ser público, embora
sua obra Au Seuil du Mystère, primeiro Harpocrates admoeste ao sigilo das
tomo Essais de Sciences Maudites, na coisas que se deve ocultar. Pensadores
edição de 1890, apresenta um Epílogo como Khunrath são responsáveis pela
em que faz uma análise cabalística da ligação esotérica entre a visão judaica e
referida prancha de Khunrath. Trata-se a cristã, em uma síntese que fora
de um conjunto de alusões, como é conhecida como cabalá cristã, e que vê
comum aos estudiosos desta tradição, Jesus Cristo, “como salvador de todo o
que culmina em uma síntese gênero humano” (p. 213) e, portanto,
extremamente rica e esclarecedora dos como Maschiah, a quem chama
mistérios judaicos, gnósticos e cristãos também Pedra Filosofal, akrogoniaios
que ambas as ordens, Martinista e lithon (Is. 28: 16): Et dicit Dominus Deus
Kabbalística da Rosa+Cruz, se “Vejam. Eis que estabeleço em Sião por
dedicaram e se dedicam a conhecer e fundamento uma pedra, uma pedra
preservar. provada, uma preciosa pedra angular,
Uma noção que revela o caráter uma fundação segura: aquele que crê
que Khunrath atribui a suas pesquisas é não será abalado”.
retomada à p. 212, do longo Epílogo É a proposta deste Grupo
que ele nos lega: o título Theosophus Independente de Estudos Esotéricos -
(não confundir com conotação moderna (G. I. D. E. E.) investigar, ler e
do termo). Trata-se da pesquisa sobre compreender teoricamente uma
as obras da Sabedoria e que deve ser literatura específica que não emerge a
realizada por uma “mente sã em um luz do dia senão a partir do século IX,
corpo são”, por aqueles a quem o que é como foi o caso das escolas cabalísticas
mundano não oprime. Ele aconselha-se que emergiram nas terras a que hoje
fugir aos sofistas; e afirma que os chamamos Espanha, Portugal e França,
semitas instituíram o culto da sobretudo ao sul, juntamente a linha
Sabedoria Eterna. É necessário para ser dos Filósofos do Fogo hermético, os
compatível com a investigação fugir a mesmos alquimistas que insuflaram
vaidade e a fantasia provenientes do vida às correntes rosacruciana,
comércio com as coisas temporais; maçônica e martinista. Legaram ao
meditar a Sabedoria Eterna dia e noite, ocidente um labirinto de véus através
pois aos amigos de IHVH, zelosos e da literatura profana, cujo seu rastro
constantes, que com o Fogo investigam, adensa até romper caminho pelas

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veredas visíveis do séc. XVIII. Para concepções são de todo alheias e surdas
pensarmos o seu conceito, contudo, à teodisséia e insensíveis a qualquer
regressamos ao século X a. C., ou até narrativa poética. Afinal, o documento,
antes, para observarmos os primeiros esse monumento da barbárie, silencia
registros de textos escritos segundo o ante aquele que não participou da ação
paradigma alfabético, particularmente, que o origina. Assim, muitos irmãos
em hebraico, grego e latim, línguas maçons chegam a negar qualquer coisa
particulares que nos fornecem os que não se possa afirmar em
primeiros conceitos observáveis pela conformidade com uma ata, e acham
crítica histórica. A arte é longa e a vida, nisso ter encontrado o palpável da
breve; portanto, esperamos que a soma história.
das capacidades deste grupo de Dá-se o caso de precaver-se e
pesquisadores associados contribua cogitar em nosso íntimo, meditar diante
para elaborar convenientemente esta dos caminhos, intuir diríamos (com o
herança imemorial da humanidade na perdão da palavra equívoca), até dar-se
prática possível e à luz do diálogo conta que os conhecimentos ainda que
franco e aberto entre companheiros de frutos de paradigmas dedutivos e
vida e pesquisa. Estes oferecem uns aos aparentemente confirmados pela
outros as pérolas que conseguiram indução acompanhada das estatísticas
resgatar dos abismos da incompreensão do caso, nada aproveitam para a
e comungam o que pode esclarecer e compreensão do invisível reino daquilo
iluminar seu dia a dia e o de seus que ainda nos é ocultado. É como
próximos. recomenda o catecismo budista: não ter
Como recomenda o Mutus Liber: artigos de fé, e a fiar-se menos em que o
Ora, labora et invenies. Quando falamos ouvido simplesmente captou, a não ser
em história, não é o historicismo de que ouça ressoar em nós de acordo com
supostos fatos, pois o que nela uma experiência íntima. Isto para que
desejamos encontrar é, antes de tudo, o não se dê o caso de termos de justificar
relato singular, não as linhas gerais do dogmas com outros erros. Em torno de
movimento, nem aquela vaga abstração nosso centro judicativo ergueu-se uma
que quando muito chega à elaboração densa e vasta Floresta de Erros, diz o
de clichês que ainda hoje dominam a Filósofo Desconhecido, uma grande
mentalidade ocidental. Como em massa amorfa de escombros constituída
Heródoto a historie narra o que ouviu pelas humanas opiniões.
ou leu, ou viu, se possível foi, e se Retornamos, então, ao cerne da
concentra no que acontece a cada vez, questão da R+C. Deixemos que teólogos
mesmo que isso se repita: o evento em e exegetas da Escola disputem se
sua vigência é sempre único. A não Cristo, sendo lapis é a pedra da
compreensão deste princípio causa a fundação ou a pedra angular, chave do
cegueira do “positivismo”, bem como a arco. Para o que tem ouvidos para
inadequação da visão de mundo ouvir são uma e a mesma coisa: alfa e
progressista que é própria ao ômega, o Princípio e o Fim. Apenas no
“iluminismo” francês. Ambas as símbolo residem os contrários sem se

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contradizer, por isso a recusa dos Crucis oder Die Bruderschaft des Ordens
teósofos cristãos à lógica formal der Rosenkreuzer é publicado em 1614
escolástica, decisiva para sabermos se como um anexo a obra Allgemeine und
chove ou não chove, e que nada são diz Reformation, der gantzen weiten Welt que
acerca do mistério, pois não só de outra é atribuída a Trajano Boccalini. A
língua, mas de outra linguagem que se confraria é ainda necessária exatamente
trata. O símbolo privilegia a reunião de porque seu projeto não se concretizou.
tudo quanto é pertinente no mesmo. A Os poderes temporais foram muito
alegoria elabora as imagens em novo e eficientes: governantes parecem ter
amplo quadro, diz sempre outra coisa e dado ouvidos, já os sacerdotes comuns
apenas alude ao mesmo, para que cada tremeram em seus tronos e como
pessoa, em cada situação peculiar e profetizou Adam Haslmayr: os jesuítas
correspondente possa tirar as suas caçarão alguém por isso. Por isso, em
próprias conclusões. A analogia é a França os panfletos do Colégio Invisível
chave do método comparativo e atua na foram logo soterrados pela poeira que
formação da linguagem verbal e no inundou a Sala dos Passos Perdidos, em
símbolo. As metáforas nos deslocam e uma azáfama sem fim. Apenas um
transportam a cima e baixo e assim século depois, com a instituição dos
como a parábola, seu sentido explícito é Altos Graus da Maçonaria Escocesa se
um disfarce, para que as vivenciem pode ouvir novamente na superfície
apenas os entendidos e se possa algo nítido a respeito do movimento.
distinguir os profanos cuja mente Este volume, contudo, se dedica a
enjaulada se atém ao sentido literal. terceira aparição da R+C a luz do dia, e
A linha de ação geral da R+C é o se atém a Paris das últimas décadas do
projeto de reforma total de tudo. Embora século XIX, cidade oculta, um palco em
se fale em cópias anteriores, o primeiro ruínas a beira do colapso da civilização.
manifesto: Fama Fraternitatis Roseae Saudações fraternas e boa leitura.

“Efígie de Henricus Khunrath,


fiel amante da Teosofia e
Doutor em Medicina, ano de
IHShVH, salvador nosso:
1602” – “Consilium Dei…”

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AMPHITHEATRUM SAPIENTIAE AETERNAE SOLIUS VERAE,
CHRISTIANO-KABALISTICUM, DIVINO-MAGICUM

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Anfiteatro da Sabedoria Eterna, prancha quatro, intitulada a “Rosa
Cósmica”

Como o recorte que fizemos abaixo não contempla a parte


exterior da prancha que serve de frontispício e moldura da figura
abaixo, reproduzirei aqui o seu texto, para traduzi-la no final, pois
desejamos ler a figura do centro da manifestação do símbolo às
periferias do texto de Khunrath.

‫קךוש קךוש קךוש יהוה צבאות‬

QUI ERAT, QUI EST, QUI ERIT


PLENI SVNT CELI PLENA EST OMNIS TERRA
MAIESTATE GLORIAE EIVS
HALLELU-YAH, HALLELU-YAH, HALLELU-YAH

II

LAVAMINI MUNDI ESTOTE.

III

TETRAGRAMATON VNVM OMNIVM EFFECTOREM;


COETERAS POTESTATES, MINISTRAS HABETOTE.
AD PRIMO VOTA PRAESCESQUE AD INFERIORES HYMNI
SVNTO.

IV

QUOD, SI FORTE, PETITIO AD INFERIORES, PROCESSERIT,


NISI SVB MODO DELEGATAE, A PRIMO,
ADMINISTRATIONIS NON ESTO.

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As inscrições contidas na imagem estão em negrito,
Em caracteres normais o comentário.

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Do centro para as circunferências exteriores

Vere Filivs Dei Erat Ipse


“Este era o verdadeiro filho de Deus”

IN HOC SIGNO VINCES


“Neste sinal vencerás”
‫יהשוה‬
Pentagramaton

O Nome de Cinco Letras é lido da direita para a esquerda


como o hebraico, e na figura, está descrito no sentido contrário ao
relógio, idêntico ao movimento do Sol.

‫יהשוה‬
A posição de KHRISTOS no Centro, como Rosa Cósmica e
Mística, é unida a síntese cabalística, operada pelos Filósofos
cristãos, não os da Escola, mas os do Fogo, que trouxeram o Fogo,
simbolizado pelo SHIN (‫ )ש‬ao centro do Nome (SHEM) de Quatro
Letras, ou Tetragramaton, para formar o Nome de Cinco Letras, ou
Pentagramaton.
Ainda inscrito no primeiro círculo exterior, como um coroa de
glória, estão os Nomes Divinos:

EHEIEH
IAH
IHVH
EL
ELOHIM GIBOR
ELOHA
IHVH TSABAOTH
ELOHIM TSABAOTH
SHADDAI
ADONAI MELECH

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No segundo círculo exterior vemos As Nuvens em que
refulgem as Sephiroth, acima e abaixo vemos dois Círculos Escuros
entre as nuvens, com as letras Aleph e Tau, acima da primeira, e de
cada lado a expressão:
AIN SOPH

Ain é uma cláusula negativa, seguida por Soph, que pode


designar a raiz da palavra Sephirah, “aquilo que expressa (Saper) o
poder e a glória de Deus” (ver Introdução de A. Kaplan ao Bahir, p.
18, sobre o parágrafo 125). Daí que filosoficamente, o que se busca é
o conceito para o não manifesto, o não-ser, aquilo que ainda não é
em ato, mas de que todas as coisas que são misteriosamente se
originam: o ser infinito em potência. Os sábios kabalístas
(mekubalim) dividiam-no em três camadas de indefinição: Ain Soph
Aur, Ain Soph e Ain.

Círculo escuro Abaixo:

EMET
“Verdade”

Em círculo, como raios, estão As Dez Numerações ou Sephiroth

KETHER [Coroa]
HOCHMAH [Sabedoria]
BINAH [Inteligência]
CHESED [Misericórdia]
GEBURAH [Severidade]
TIPHERETH [Beleza]
NETZACH [Vitória]
HOD [Glória]
IESOD [Fundação]
MALKUTH [Reino]

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No próximo círculo exterior que parece prefigurar o
firmamento, estão as 22 Letras do Alfabeto Hebraico – lidas em
sentido horário, e acima delas a seguinte divisa:

“DILIGES DOMINUM DEUM TUUM EX TOTO CORDE


TUO, ET EX TOTA ANIMA TUA, ET EX OMNIBUS VIRIBUS
TUIS, ET EX OMNI MENTE TUA, ET PROXIMUM TUUM
SICUT TE IPSUM”

“Ama de todo o teu coração e de toda a tua alma, de todas as tuas


forças e de toda a tua mente ao Senhor Teu Deus, e ao teu próximo
como a ti mesmo”

Como um esplendor luminoso, o nome das classes de seres


divinos é situado na base de outro esplendor radiante, entretecido
de trevas e luminosidade, onde lemos em contraste cada uma das
Leis do Decálogo. No Centro e acima paira o Tetragramaton descrito
segundo o modelo da TeTrakTys:

“[…] Não terás outros deuses ante minha presença…”


(Ex 20: 1-3)
Tarshishim: Haioth Hakkadosh

“Não farás para ti imagem ou semelhança do que há nos céus


acima ou na Terra…”
(Ex 20: 4)
Ophanim

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“Não pronunciarás o Nome do Senhor Deus em vão…”
(Ex 20: 7)
Aralim

“Santificarás o Sábado…”
(Ex 20: 8)
Hashmalim

“Honra teu pai e tua mãe…”


(Ex 20: 12)
Seraphim
“Não matarás”
(Ex 20: 13)
Malachim

“Não cometerás adultério”


(Ex 20: 14)
Elohim

“Não furtarás”
(Ex 20: 15)
Bené-Elohim

“Não farás falso testemunho…”


(Ex 20: 16)
Kheroubim

“Não cobiçarás a casa de teu próximo…”


(Ex 20: 17)
Ischim

O autor parece ter em mente uma rosa radiante e deseja


apresentar sua irradiação desde o centro através de muitas imagens
correlatas: o núcleo ígneo e a Cruz das quatro direções. O esplendor
dos Nomes Divinos, por sua vez, sugere sua correspondência com
as Sephiroth. A leitura dos mesmos se encontra na metáfora do raio
que refulge nas relativas direções. A nuvem e as letras suspensas no

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firmamento, e finalmente, as nuvens mais escuras, onde são
iluminadas os caracteres do Decálogo pela luz de sóis poentes,
emanada pelos nomes dos seres da hierarquia divina, fecha o
primeiro grande círculo. Outro é aberto agora com inscrições de
caráter introdutório, em que se coloca o leitor com reverência ante
uma obra divina, cuja autoria é Daquele que a fez, embora seja esta a
leitura que Khunrath da obra faz.

Lendo agora, do centro e da direita para a esquerda, o


frontispício traz:

KADOSH, KADOSH, KADOSH,


TETRAGRAMATON TSABAÓTH
QUI ERAT, QUE EST, QUI ERIT
PLENI SVNT CELI PLENA EST OMNIS TERRA
MAIESTATE GLORIAE EIVS
HALLELU-YAH, HALLELU-YAH, HALLELU-YAH

“Santo, Santo, Santo, Senhor Sabaó, Que Era, Que É, Que Será; Da
Glória de Sua Majestade cheios estão os céus, plena toda a terra,
Aleluia, Aleluia, Aleluia”

II

LAVAMINI MUNDI ESTOTE.

“Lava-te, torna-te puro” (ref. a Is. 1: 16)

III

TETRAGRAMATON VNVM OMNIVM EFFECTOREM;


COETERAS POTESTATES, MINISTRAS HABETOTE.
AD PRIMO VOTA PRAESCESQUE AD INFERIORES HYMNI
SVNTO.

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“Senhor criador de tudo; de todos os poderes, seus são os
ministros. A Ele primeiro dirige a prece os hinos dos que estão
abaixo”

IV

QUOD, SI FORTE, PETITIO AD INFERIORES, PROCESSERIT,


NISI SVB MODO DELEGATAE, A PRIMO,
ADMINISTRATIONIS NON ESTO.

“E, se por acaso, o pedido é feito aos inferiores, não será


administrado, exceto se sobe por delegação ao Primeiro”

Veremos a seguir a leitura desta prancha feita por Stanislas de


Guaita, publicada em Au Seuil du Mystère, na forma de um extenso
Apêndice.
Entre parênteses estão citações do texto original e entre […] os
acréscimos do tradutor.

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Análise da Rosa-Cruz, segundo Henry Khunrath

Esta figura é um maravilhoso pantáculo, quer dizer, o resumo


hieroglífico de toda uma doutrina; encontramos nela agrupados em
uma síntese sábia, todos os mistérios pentagramáticos da Rosa-Cruz
dos adeptos.

Antes de mais o ponto central implantado na circunferência


em três graus diferentes, é o que nos dá as três regiões circulares e
concêntricas que figuram o processo de Emanação propriamente
dito.

No centro, um Cristo na cruz inscrito em uma rosa de luz: é o


resplendor do Verbo ou do Adão Kadmôn ( ‫ ;)אדם קדמון‬é o emblema
do Grande Arcano: nunca mais se revelou tão audaciosamente a
identidade de essência entre o Homem-Síntese e Deus manifesto.

Não é sem as razões as mais profundas que o hierograma tem


reservado para o meio de seu pantáculo o símbolo que representa a
encarnação do Verbo eterno. É, com efeito, pelo Verbo, no Verbo e
através do Verbo (indissoluvemente unido ele-mesmo à Vida), que
todas as coisas, tanto espirituais como corporais, foram criadas.
- "In principium erat Verbum (diz São João) et Verbum per ipsum
facta sunt et sine ipso factum est nihil quod factum est. In ipso vita erat...".
Se alguém prestar atenção a que parte da figura humana é
atribuida o centro implantando a circunferência, ele talvez
compreenda com qual potência hieroglífica o Iniciador soube
exprimir este mistério fundamental.
A radiação luminosa floresce circundante; é uma rosa
florescente em cinco pétalas, - o astro referido às cinco pontas do
Microcosmo kabalístico, a Estrela flamejante da Maçonaria, o
símbolo da Vontade toda poderosa, armada do gládio do fogo dos
Querubins.
Para falar a linguagem do Cristianismo exotérico, esta é a
esfera de Deus, o Filho, situada entre aquela de Deus, o Pai (a Esfera
de sombra no alto que divide Ain-Soph ‫ אין־סוף‬em caracteres

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luminosos), e aquela de Deus, o Espírito Santo, Rûach Hakkadôsh
‫( רוה־הקדוש‬a esfera luminosa de baixo onde o hieróglifo Æmeth ‫אמת‬
divisa em caracteres pretos).
Estas duas esferas aparecem como perdidas nas nuvens de
Atziluth ‫אצילות‬, para indicar a natureza oculta da primeira e da
terceira pessoas da Santíssima-Trindade: a palavra hebraica que as
exprime se destaca em vigor, luminosa aqui sobre o fundo de
sombra, as trevas sobre o fundo de luz, para fazer entender que
nosso espírito, inapto a penetrar estes Princípios em sua essência,
pode somente entrever suas relações antitéticas, em virtude da
analogia dos contrários.

Abaixo da esfera de Ain-Soph, a palavra sacrada de Iéhovah


ou Iahôah se decompõe em um triângulo de chamas, como se segue:

Sem nos engajar na análise hieroglífica deste vocábulo


sagrado, sem pretender, sobretudo, à expor aqui os arcanos de sua
geração – o que demandaria intermináveis desenvolvimentos – nós
podemos dizer que deste ponto de vista especial, Iod ‫ י‬simboliza o
Pai, Iah ‫ יה‬simboliza o Filho, Iahô ‫ יהו‬o Espírito-Santo, Iahôah ‫ יהוה‬o
Universo vivente: e este triângulo místico é atribuído à esfera do
inefável Ain-Soph ou de Deus, o Pai. Os Kabbalistas desejaram
mostrar por aí que o Pai é a fonte da Trindade inteira, e bem mais,
contém virtualmente oculto tudo o que é, foi ou será.
Abaixo da esfera de Æmeth ou do Espírito-Santo, na
irradiação da Rosa-cruz e sob os pés do Cristo, uma pomba com a
tiara pontifical eleva-se em seu voo de fogo: emblema da dupla
corrente de amor e de luz que desce do Pai ao Filho – de Deus ao
Homem – e retorna do Filho ao Pai – do Homem para Deus – suas
duas asas estendidas correspondem exatamente ao símbolo pagão
das duas serpentes entrelaçadas em torno do caduceu de Hermes.

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Reserva-se aos iniciados a inteligência desta aproximação
misteriosa.

Retornemos à esfera do Filho, que necessita de um comentário


mais extenso. Nós marcamos acima o aspecto impenetrável do Pai e
do Espírito-Santo, contemplados em sua essência.
Apenas a segunda pessoa da Trindade – figurada pela Rosa-
Cruz central - divisadas as nuvens de Atziluth, que dardeja os dez
raios sephiróticos.

Elas, no entanto, são como portas abertas sob o grande arcano


do Verbo, por onde se pode contemplar seu esplendor de dez
pontos de vista diferentes. O Zohar compara, com efeito, as dez
Sephiroth a vasos transparentes de cores distintas, através dos quais
resplendem, sob dez aspectos diversos, o foco central da Unidade-
síntese.

Suponhamos, então, uma torre rodeada por dez cruzes, e ao


centro da qual brilha um candelabro de cinco braços; este luminoso
quinário será visível à algumas dentes elas [as cruzes]; aquele que
parar sucessivamente poderá contar dez candelabros, os cinco
braços ardentes...

(Multiplique o pentagrama por dez, e faça raiar as cinco


pontas em cada uma das dez aberturas, e vós tereis as Cinquenta
Portas da Luz).

Aquele que almeja a síntese deve penetrar a torre. Não sabe


mais que a contornar? É um analítico puro. Vemos a que erros de
ótica ele se expõe quando ele quer raciocinar sobre o todo.

Nós diremos quaisquer palavras afastadas do sistema


sephirótico; é necessário concluir com o emblema central. Reduzido
às proporções geométricas de um schéma, se o pode traçá-lo assim:

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Uma cruz inscrita na estrela flamejante. É o quaternário que
encontra a sua expansão no quinário.
É a pura essência que se multiplica ao descer à cloaca da
matéria onde ela se atolará por um tempo; mas seu destino é de
encontrar mesmo em seu aviltamento a revelação de sua
personalidade e aí - presságio de saúde - ela sente, ao último estágio
de seu declínio, surgir nela, de modo instintivo, a grande força
redentora da Vontade.

É o Verbo (IHVH) que se encarna e torna-se o Cristo doloroso


ou o homem corporal, IHSVH, até o dia em que assume consigo a
natureza humana regenerada, aí ele entrará novamente em sua
glória.

É o que exprime o adepto Saint-Martin, no primeiro tomo ‘Dos


Erros e da Verdade’ (Erreurs et Vérité), quando ele ensina que a
queda do homem provém de ele ter invertido as folhas do Grande
Livro da Vida e substituído a quinta página (aquela da corrupção e
queda) pela quarta (aquela da imortalidade e da entidade
espiritual).

Ao adicionar o quaternário crucial e o pentagrama estrelado,


se obtém 9, cifra misteriosa cuja explicação completa nos faria sair

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do caminho que nos havíamos traçado. Nós temos, algures (Lotus,
tomo II, n. 12, p. 327-328), detalhado copiosamente e demonstrado
pelo cálculo da kabbalah numérica, que 9 é como que o número
analítico do homem. Nós recomendamos ao leitor esta exposição... 1

O HIEROGRAMA DE ADÃO

Ao afirmar que o hierograma de Adão esconde os mais


profundos arcanos do universo vivente, nós não surpreenderemos
àqueles que têm feito do Sepher Bereshith um sério estudo. Ao
confrontar a admirável tradução de Fabre d’Olivet e as revelações
pantaculares do livro de Thoth, não é impossível resgatar a suprema
centelha da verdade. Aqui estão alguns dados que auxiliarão ao
porvir.

Adão (Adam se escreve em hebraico: ‫)אדם‬: Aleph, Daleth, Mem.

‫א‬

Aleph – primeira chave do Tarô: o Mago (le Bateleur). Deus e o


homem; o Princípio e o Fim, a Unidade equilibrante.

‫ד‬

Daleth – a quarta chave do Tarô: o Emperador. O Poder e o Reino. O


quaternário verbal. A multiplicação do cubo.

‫ם‬
[em sua forma final]

Mem – a décima terceira chave: a Morte. Destruição e Restauração.


Noite e dia morais e físicos. A eternidade do efêmero. A passividade
feminina, a um só tempo golfo do passado e matriz do amanhã.

1Os exemplares de Lotus têm se tornado raro, o que nos excusará de reproduzir aqui
esta importante demonstração.

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Análise ternária do Princípio que Iod manifesta em sua
inacessibilidade e sintética unidade, Adão é, no fundo, mui análogo
ao hierograma Aum, tão famoso nos santuários da Índia.

Em ‫אדם‬, Aleph corresponde ao Pai, fonte da Trindade; Daleth


ao Filho (que a Kabbalah nomeia também Rei) e Mem ao Espírito-
Santo, cujo corpo etérico, devorador e fecundante, por parte das
formas transitórias, faz florescer a Vida (inesgotável e inalterável em
sua essência) sobre a massa cambiante do Devir (Devenir).

Eu já disse que ‫ אדם‬é a análise cíclica do Princípio cujo Iod é a


inacessível síntese. Um simples cálculo de Kabbalha Numérica
confirmará minha afirmação: traduzamos as letras em cifras
(método tarótico).

‫=א‬1 ‫=ד‬4 ‫=מ‬13


1+4+13=18 - Em 18,1+8=9

Na Kabbalah Numérica absoluta, a cifra analítica de Adão é,


então, 9. Ou, nós obtemos 10, ao juntar a 9 a unidade específica, que
traz de volta o cíclo ao seu ponto de partida e fecha a análise na
síntese. - E 10 é a cifra correspondente à Iod: aquilo que estabelece.

O vocábulo hierogramático ‫ אדם‬representa assim a evolução


nonária do ciclo emanado de Iod, e que se fecha em 10, ao retornar a
seu ponto de partida, Princípio e Fim de tudo, Iod eterno, revelado
na expressão de sua forma tertriuna. [quer dizer, três vezes três]

Vamos ainda mais longe.

Nós temos, então, o direito (ao notar que Adão difere de Iod
ou de Wodh como todos os submúltiplos diferem da Unidade), nós
temos o direito de dizer, prosseguindo em nossas analogias:

Se Adão é igual a I,
Adam-ah = I-ah, e Adão-êvê= I-êvê

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Hê representa a Vida universal, a Natureza-naturante [ativa];
Iod-Hê representa assim Iod unido à vida, e ADMAH, Adão unido à
vida. - Em dois graus diferentes (leve-se em conta a indistinção
notada acima) estão [situadas] a união do Espírito e da Alma
universais.

Enfim, em Iod-Hê-Vav-Hê como em ADM-HVH, Vau indica a


fecundidade desta união, e o último Hê simboliza a Natureza-
naturada [passiva] (resultado da Natureza-naturante edificada pelo
Princípio masculino).

As quatro letras de Iod-Hê-Vav-Hê indicam o quaternário da


Mercabah (Mercavah), as seis letras de ADM-HVH, o senário de
Beraeshith.

Uma importante recordação que será uma nova confirmação


de nossa teoria. É evidente para todos aqueles que possuem noções
esotéricas que aos quatro braços da cruz interior (figurada pelo
Cristo de braços estendidos) devem ser assinaladas as letras do
tetragrama: Iod, hê, vau, hê. - Nós não precisamos retomar aqui o
que dissemos algures da composição hieroglífica e gramatical desta
palavra sagrada: os comentários mais extensos e completos se
encontram comumente nas obras de todos os kabbalistas. (Ver de
preferência ROSENROTH, Kabbalah Denudata; [Kabbalah
Desnudada] LENAIN, la Science kabbalistique; [a Ciência kabbalística]
FABRE D'OLIVET, Langue hébraïque restituée; [Língua hebraica
restituída] ÉLIPHAS LÉVI, Dogme et Rituel, Histoire de la magie, Clef
des grands mystères, [Dogma e Ritual de Alta Magia, História da
magia, Chave dos grandes mistérios] e PAPUS, Traité élémentaire de
science occulte [Tratado Elementar de ciência oculta] e, sobretudo, o
Tarot).
Mas consideremos por um instante o hierograma Ieschua
IHShVH: de que elementos se encontra ele composto? Alquém pode
ver o famoso tetragrama IHVH, esquartejado pelo meio IH-VH,

21
então resolvido pela letra hebraica shin. Ou, IHVH exprime aqui o
Adão-Kadmon, o Homem em sua síntese integral, em uma palavra,
a divindade manifesta por seu Verbo e indica a união fecunda do
Espírito e da Alma universais. Cindir esta palavra é emblematizar a
desintegração de sua unidade e a multiplicação por divisão
resultante da geração dos submúltiplos. O schin que reúne as duas
partes, representa (Arcano 21 ou 0 do Tarô) o fogo diferenciados, o
Mediador plástico universal cujo papel é o de efetuar as
encarnações, quando permite ao Espírito descer à matéria, a
penetrar, a esforçar-se, a elaborar a sua guisa, enfim. O schin ao
tratar da união das duas partes do tetragrama mutilado é assim o
símbolo da queda e da fixação, no mundo elementar e material, de
IHVH desintegrado de sua unidade.

É o schin, enfim, cuja adição ao quaternário verbal, como nós


dissemos, engendra o quinário ou número da queda. Saint-Martin
percebeu bem isto. Mas 5, que é o homem da queda, é também o
número da vontade, e a vontade é o instrumento da reintegração.
Os iniciados sabem como a substituição de 5 por 4 não é mais
que transitoriamente desastrosa; como na lama em que caído
chafurda, o submúltiplo homem aprende a conquistar uma
personalidade verdadeiramente livre e consciente. Felix culpa! De
sua queda, ele se revela mais forte e maior; é assim que o mal não
sucede jamais ao bem senão temporariamente e em vistas de realizar
o melhor!

O número 5 guarda os mais profundos arcanos; mas é


necessário pararmos aqui, sob pena de nos comprometermos em
intermináveis digressões. - O que nós já dissemos do 4 e do 5 em
suas relações com a Rosa-Cruz será suficiente aos Iniciáveis. Não
escrevemos senão para eles.

Digamos algumas palavras nesta hora dos raios em número de


dez, que divisam a região das nuvens ou de Atziluth. Que é o
denário de Pitágoras e se chama em Kabbalah: emanação sefirótica.

22
Antes de apresentar a nossos leitores as mais luminosas
classificações das Sephiroth kabbalísticas, nós traçaremos um
pequeno quadro de correspondências tradicionais entre as dez
sephiroth e os dez principais nomes dados à divindade pelos
teólogos hebreus: estes nomes, que Khunrath gravou em círculo nos
florescimento da rosa flamejante, correpondentes a cada uma das
dez Sephiroth (ver página 115 do original, reproduzida abaixo).

Quanto aos nomes divinos, após ter dado sua tradução em


língua vulgar, nós iremos, tão breve quanto possível, deduzir do
exame hieroglífico de cada um deles a significação esotérica
mediana que pode lhes ser atribuída:

‫[ אהיה‬Eheieh] — Aquilo que constitui a essência inacessível do Ser


absoluto, onde fermenta a vida (Ce qui constitue l’essence inaccessible
de l’Être absolu, où fermente la vie).

‫[ יה‬Yah] — A indissolúvel união do Espírito e da Alma universais


(L’indissoluble union de l’Esprit et de l’Ame universels) [3].

‫[ יהוה‬TETRAGRAMATON, o Eterno] — Cópula de Princípios macho


e fémea, que engendra eternamente o Universo-vivente. Grande

23
Arcano do Verbo (Copulation des Principes mâle et femelle, qui
engendrent éternellement l’Univers-vivant. Grand Arcane du Verbe.)

‫[ אל‬El] —O desenvolvimento da Unidade-Princípio. - Sua difusão no


Espaço e Tempo. (Le déploiement de l’Unité-principe. — Sa diffusion
dans l’Espace et le Temps).

‫[ אלהים גבור‬Ælohim Gibor] — Deus-os-deuses, dos gigantes ou dos


homens-deuses (Dieu-les-dieux des géants ou des hommes-dieux).

‫[ אלוה‬Æloha] — Deus refletido em um dos deuses (Dieu reflété dans


l’un des dieux).

‫[ יהוה צבאות‬Tetragramaton Tsabaoth] — O Iod-hévê (ver acima) do


Setenário ou do triunfo (Le Iod-hèvê (voir plus haut) du Septénaire ou du
triomphe).

‫[ אלהים צבאות‬Ælohim Tsabaoth] — Deus-os-deuses do Setenário ou do


triunfo (Dieux-les-dieux du Septénaire ou du triomphe).

‫[ שדי‬Shaddai] — O fecundador, pela Luz astral em expansão


quaternária, desde o retorno desta Luz ao princípio para sempre
oculto de onde ela emana. Masculino de ‫שדה‬, la Fecundada, a
Natureza (Le Fécondateur, par la Lumière astrale en expansion
quaternisée, puis le retour de cette Lumière au principe à jamais occulte
d’où elle émane. (Masculin de ‫שדה‬, la Fécondée, la Nature.)

‫[ אדני‬Adonai] — A multiplicação quadrúpla ou cúbica da Unidade-


princípio, para a produção do Devir que muda sem cessar (o panta
rhei de Heráclito); desde a ocultação final do objetivo concreto, pelo
retorno ao subjuntivo potencial. (La multiplication quaterne ou cubique
de l’Unité-principe, pour la production du Devenir changeant sans cesse
(le πάντα ρεί d’Heraclite); puis l’occultation finale de l’objectif concret,
par le retour au subjectif potentiel).

‫ — מלך‬A Morte materna, a grande vida: a lei fatal se desdobrando


em todo o Universo, e que interrompe com uma força repentina seu

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movimento de troca perpétua, cada vez que ente qualquer torna-se
objetivo [ou seja, nasce ou torna-se um certo ente] (La Mort
maternelle, grosse de la vie : loi fatale se déployant dans tout l’Univers, et
qui interrompt avec une force soudaine son mouvement de perpétuel
échange, chaque fois qu’un être quel conque s’objective) [4].

Tais são os hierogramas em um aspecto de seus significados


secretos.

Note-se, de quebra, que cada uma das dez sephiroth (aspectos


do Verbo) corresponde no pantáculo de Khunrath, a um dos coros
angelicais: ideia sublime, quando se a sabe aprofundar. Os anjos, na
Kabbalah, não são seres de uma essência particular e imutável; tudo
se move, evolui e se transforma no Universo-vivente! Ao aplicar às
hierarquias celestes a bela comparação pela qual os autores do Zohar
tocam a expressão da natureza das sephiroth, nós diremos que os
coros angelicais são comparáveis a estes envelopes transparentes e
de cores diversas, onde vêem brilhar turno a turno com uma luz
cada vez mais esplêndida e pura, os Espíritos que definitivamente
franqueiam às formas temporais subir os supremos degrais da
escada de Jacó, na qual o misterioso ‫ יהוה‬ocupa o cimo.

A cada um dos coros angelicais, Khunrath faz corresponder


então um dos versos do decálogo: é como se o anjo diretor de cada
grau abrisse a boca para promulgar um dos preceitos da lei divina.
Mas isto aqui parece um pouco arbitrário e menos digno de fixar
nossa atenção.

Uma ideia mais profunda do teósofo de Leipzig é de lançar


para fora as letras do alfabeto hebraico da núvem de Atziluth
crivada de raios sephiróticos.

Fazer nascer do contraste da Luz e das Trevas as vinte e duas


letras do alfabeto sagrado hieroglífico, - às quais correspondem,
como se sabe, os vinte e dois arcanos da Doutrina Absoluta,
traduzida em pantáculos nas vinte e duas chaves do Tarô dos
Boêmios - não é condensar em uma imagem impressionante toda a

25
doutrina do Livro da Formação, Sepher Yetzirah (‫ ?)ספר יצירה‬Estes
emblemas, com efeito, cada um por seu turno, radiantes e lúgubres,
misteriosas figuras que simbolizam, bem entendido, o Fas e o Nefas
[a afirmação e a negação] do Destino eterno; Henry Khunrath os faz
nascer da cópula fecunda de Sombra e Claridade, de Erro e de
Verdade, do Mal e do Bem, do Ser e do Não-Ser! Então, repentinos,
surgem ao horizonte imprevistos fantasmas, cujo avistamento
sorridente ou lúgubre, esplêndido ou ameaçador, quando sobre o
acúmulo de escuras núvens densas, Febo, uma vez mais vence
Python, dardejantes flechas de ouro.

As tabelas que aqui vão fornecidas, com o sentido real das


Sephiroth, suas correspondências que a kabbalah estabelece entre
elas e as hierarquias espirituais (v. página 121 – do original, abaixo).

AS SEPHIROTH DE CORRESPONDEM A
Kether A Providência equilibrante Haioth Hakkadosh As Inteligências providentes
Hochmah A Sabedoria divina Ophanim Os Motores das rodas estreladas
Binah A Inteligência sempre ativa Aralim Os Poderosos
Chesed A Misericórdia infinita Hashmalim Os Lúcidos
Geburah A Justiça absoluta Seraphim Os Anjos ardentes de zelo
Tiphereth A Beleza imarcescível Malachim Os Reis do esplendor
Netzach A Vitória da Vida sobre a Morte Elohim Os deuses (enviados de Deus)
Hod A Eternidade do Ser Bené-Elohim Os filhos dos deuses
Yesod A geração, pedra angular da estabilidade Kheroubim Os ministros do fogo astral
Malkuth O Princípio das Formas Ischim As Almas glorificadas

26
Para completar as noções elementares que nós pudemos
apresentar no tocante ao sistema sephirótico, nós concluiremos esse
trabalho pela figura (schéma) bem conhecida do tríplice ternário; essa
classificação é a mais luminosa, para nós, e a mais fecunda em
preciosos corolários (v. página 122 do original, abaixo).
[Representação dos três ternários, segundo Rosenroth]

Os três ternários prefiguram a trindade manifesta nos três


mundos.
O primeiro ternário – aquele do mundo intelectual – é por si a
representação absoluta da Santa Trindade: a Providência e o

27
equilíbrio dos dois pratos da Balança na ordem divina: a Sabedoria e
a Inteligência.
Os dois ternários inferiores não são senão os reflexos do
primeiro, nos meios mais densos dos mundos moral e astral. Deste
modo, são eles invertidos, como a imagem de um objeto que se
reflete na superfície de um líquido.
No mundo moral, a Beleza (ou a Harmonia ou a Retidão)
equilibra os pratos da balança: a Misericórdia e a Justiça.
No mundo astral, a Geração, instrumento da estabilidade dos
seres, assegura a Vitória sobre a morte e o nada, ao alimentar a
Eternidade pela inesgotável sucessão de coisas efêmeras.
Enfim, Malkuth, o Reino nas formas, realiza embaixo a síntese
totalizada, florescente e perfeita das Sephiroth, das quais Kether no
alto, a Providência (ou a Coroa) contém a síntese germinal e
potencial.

Muitas coisas interessantes nos restam ainda a dizer da Rosa-


Cruz simbólica de Henry Khunrath. Mas é preciso limitar-nos.
Para o restante, não seria suficiente um livro interior para o
desenvolvimento lógico e normal dos assuntos que nós
cursivamente temos indicado nestas notas; deste modo o leitor nos
acharia fatalmente muito abstratos [os raciocínios] e mesmo
obscuros.
Talvez, se a vós vale à pena aprofundar a kabbalah em suas
fontes mesmas, não ficareis zangados de retornar ao curso desta
exposição massiva e a uma leitura tão fatigante, a indicação precisa e
mesmo a explicação em linguagem iniciática de um número notável
de arcanos transcendentes.
Como a álgebra, a kabbalah possui suas equações e seu
vocabulário técnico. Leitor, esta é uma língua a se aprender, cuja
maravilhosa exatidão e o emprego costumeiro vos indenizarão pela
sequência de esforços em que vosso espírito puder dispensar em seu
período de estudo.

28
Uma Academia Hermética em Paris

Os fins do século XIX, mais precisamente as décadas de oitenta


e noventa, foi testemunha de um despertar considerável de adeptos
que pareciam irmanados no intuito de tornar público, em parte,
aquilo que houvera clandestina e subterraneamente sido preservado
em segredo, no subsolo da consciência e sob silêncio. Os martinistas
de então fizeram o resgate do que houvera no XVIII aos fins do XIX.
Um passante que em plena Faubourg Poissonnière flanasse,
desconfiaria sequer que atrás daquela fachada, havia um gabinete, e
que além deste véu funcionavam um laboratório e o templo de um
centro iniciático?
Em pouco tempo os vocábulos “martinezismo”, “martinismo”,
e entre os dois havia grande confusão, e “willermozismo”,
suplantaram a maré de espanto própria ao século iluminista, e se
impuseram como coisa curiosa. Ficava clara e distinta a cisão
filosófica entre os sectários do espírito e os da matéria. Estes últimos
se orgulhavam de não ter encontrado a alma na ponta de seu bisturi.
Podemos dizer que os adeptos se pronunciaram primeiro, e que fora
sua voz superada em barulho pelos iluministas, os enciclopedistas
que se consideravam as pessoas mais ilustradas de sua época. A
história do martinismo começa a ser contada até três décadas antes
da Revolução, e vimos seus principais expoentes, Saint-Martin e
Willermoz serem diretamente afetados desde os dias que
antecederam o Terror, as convulsões e novo estado de coisas no
período pós-revolucionário. Decantada a azáfama das disputas
científicas, religiosas e políticas, a luz que permanecia estável pode
ter sua primeira recepção crítica digna de nota, meados do século
XIX. São as obras de Caro, Essai sur la vie et la doctrine de Saint-
Martin, le Philosophe Inconnu (1852), Matter Saint-Martin, le Philosophe
Inconnu (1862) e Franck La Philosophie Mystique em France a la fin du
XVIIIeme siècle (1866).
Neste sentido a história do martinismo compartilha o mesmo
destino daquela dos Irmãos Iluminados da R+C. Após os clamores
de uma fraternidade Invisível, com seus colégios e delegados, pós
1614, em França, seguiu-se um longo silêncio, que os jesuítas e
dominicanos não tardaram em preencher ao inundar as praças

29
vociferantes contra os panfletos voadores R+C que deixaram Paris
em polvorosa. Os jesuítas instilaram em suas missões comissionadas
um veneno sutil como a retórica, e seus relatórios se intitulavam “a
verdade sobre os Irmãos da Rosa Cruz”. Isto apenas aumentou a
confusão, e a França, não fosse o seu legado celta, tardaria inda mais
a conhecer a alvorada do novo hermetismo europeu que seguia os
passos de Paracelso e que muito devia a sua chama ao período pré-
Reforma e àquele intercâmbio cultural existente entre o Sacro
Império germânico e a renascença italiana. Na Inglaterra Vaughan
recepcionou prontamente o movimento e ali se conheceram seus
principais apologistas.
Foram, posteriormente, os ventos de Heredon e algumas
tradições escocesas, os responsáveis pelo florescimento da rosa nas
terras de França. Muito cedo, ainda na segunda e terceira décadas
do XVIII, um contingente considerável de Lojas inglesas e escocesas
passara a operar nas costas norte e leste da França, no início, logo
em Paris e outras províncias. Muito cedo, também neste século,
Swedenborg institui o rito que leva seu nome. A partir da terceira
década do XVIII, as oficinas escocesas, seus capítulos e areópagos,
coabitaram a Franco-Maçonaria ao lado de certos laboratórios e
academias herméticas, como os círculos de Dom Pernety e do Barão
de Tschoudy. Ouvimos falar ainda na maçonaria egípcia do
“Grande Copto”. A obra Estrela Flamejante torna público o antigo
estatuto de uma sociedade alquímica e hermética, a Sociedade dos
Filósofos Desconhecidos. Poucos anos antes da Revolução Francesa,
a Ordem dos Cavaleiros Maçons Elus Cohen do Universo, recruta
altos quadros nos altos graus da maçonaria francesa, muitos deles
com histórico militar, como é o caso de Louis-Claude de Saint-
Martin.
Testemunha ocular de um processo que beirava um lustro, foi
o Filósofo Desconhecido alvo da desconfiança das autoridades
constituídas às sociedades iniciáticas. O Caridoso viu-se isolado. O
terreno institucional havia sido corrompido por um humor
malfazejo e pela discórdia, por empresas profanas de jesuítas e ateus
que visavam monopolizar a opinião geral e definir os limites da
maçonaria francesa. Os sectários gostariam de erguer sobre os
batimentos maçônicos uma nova ordem política. Obviamente, isto

30
limitava o raio da ação dos adeptos e iniciados, uma névoa estranha
parecia querer abafar aquela chama que antes brilhara em ágapes
fraternais dos Cavaleiros da Rosa e da Cruz, essa legião de médicos e
alquimistas. Preferiu o filósofo, calculando tantos perigos e a aridez e
os espinhos dos solos institucionais, enfim, tantos obstáculos, o
perfume dos salões e o convívio com os Íntimos em uma sociedade
de desejo. Em seu Cenáculo se lia o evangelho e as letras do Filósofo
Teutônico.
Seu companheiro de Ordem, também Reau Croix, Willermoz
ficara responsável pela herança maçônica de Martinez, junto a
alguns Grãos-Mestres franceses, até que os Templos Cohen se
metamorfosearam em Lion, e fossem enxertados na árvore alemã da
Estrita Observância Templária.
Aos fins do século, salvo o caso tardio do ritual de emulação
inglês que é de 1813-15, os ritos maçônicos estão já estabelecidos e as
grandes sínteses literárias como a de Fabre d’Olivet, responsável por
insuflar espírito ao ressurgimento da filosofia pitagórica, atestam a
vivacidade de uma tradição que irrompe a luz do dia.
Éliphas Lévi recorda aos maçons os contos talmúdicos e
cabalísticos a respeito da época do Rei versado na Sabedoria e de
seu Mestre Arquiteto.
Saint-Yves oferece aos seus discípulos uma chave lingüística
capaz de decifrar o emaranhado de símbolos que a tradição oral e
escrita sedimentou.
Essa herança somada a obras daqueles que consideramos
Mestres do Passado, somou-se uma gigantesca fauna literária.
Temerário seria enumerar-lhes as suas fichas zoológicas.
Aos fins do XIX, o magnetismo, a hipnose e as mesas voadoras
foram responsáveis por fomentar uma segunda ou terceira vaga de
fenômenos invisíveis e de um novo afã por compreender o
inexplicável. Como em um encontro prognosticado pelas artes
astrológicas, uma plêiade de irmãos e irmãs se unia solidários em
torno de alguns eixos espaço temporais, um dos quais era conhecido
pelos amigos como doutor Gérard Encausse.
No círculo místico e aos seus leitores era conhecido por Papus,
médico da primeira hora. Vasto é o fôlego de sua obra, assinada pelo
seu cognome, e que é generosa em todos os campos da ciência

31
oculta acessíveis até então. Notório, o seu trabalho como médico e
teórico. O círculo literário já havia florescido, e como um anel
circundava a Iniciação, nome que mais tarde passaria a designar sua
revista, L’Initiation, porta-voz da corrente martinista.
Como quem aciona uma corrente elétrica, o rastro deste
movimento se enraizou no céu como um relâmpago e logo projetou
uma aura magnética na densa noite, para profetizar-lhe que ela,
enfim, poderia ceder seu turno à aurora. Como um dínamo para
estes elos, era o taumaturgo mestre Philippe, Nizier Anthelme.
O órgão diretor deste movimento se constituiu como Supremo
Conselho da Ordem Kabalística da Rosa Cruz, fundado em 1888. É
na prática o mesmo para a Sociedade dos Filósofos Desconhecidos,
ou Ordem dos Superiores Incógnitos (Silencieux Inconnus de l’Ordre),
ou simplesmente Ordem Martinista que se consolida entre os anos
de 1882 a 1891. Seus primeiros membros eram Guaita (Grão-Mestre
da OKRC), doutor Gérard Encausse (Papus, Grão-Mestre da OM),
Barlet, Burger, LeJay, Montière, Yvon Le Loup (Sédir), Adam,
Chamuel, Chaboseau, Barrès e Péladan; com a saída de Péladan e
Barrès, são admitidos o doutor Marc Haven e Michelet. Muitas
histórias interessantes podem ser contadas sobre estas personagens.
Entre elas, conta-se que Éliphas Lévi, após certas viagens a
Inglaterra, transmitiu uma iniciação R+C ao abade Lacuria, que
iniciara, por sua vez, Adrien Péladan, e ele a seu irmão Josephin
Péladan e Stanislas de Guaita.
“Por meu pai, o cavaleiro [Louis-] Adrien Péladan, afiliado desde
1840 ao círculo dos novos templários de Genoude, des
Lourdoueix – que cinqüenta anos tingem a pluma às claras para a
Igreja contra les parpaillots [literalmente: borboletas, alcunha
pejorativa por que ficariam conhecidos os protestantes em
França, infiéis para os católicos], pelo Rei contra a canalha - eu
pertenço à sucessão de Hugues des Païens [primeiro Grão-Mestre
Templário]. Por meu irmão, o doutor Péladan, que esteve como
Simon Brugal, do último ramo dos Rose + Croix, ditos de
Toulouse, como les Aroux, os d’Oriente, o visconde de Lapasse –
e que pratica a medicina oculta, sem remuneração – eu procedo
de Rosencreuz.” (Josephin Péladan, Comment on devient Mage
(1892), citado por Laurent, Les Péladan, p. 43)

A essa época o Templo R+C em Toulouse era comandado por


Firmin Boissin (Simon Brugal), prior da cidade, e ancião no conselho

32
da ordem. É possível que cenáculos como estes estivessem ligados
ainda, de uma maneira ou outra à herança primitiva pertinente aos
colégios e às fraternidades místicas de cunho rosacruciano do século
XVII. Ou permanecessem, por outro lado, como sucessões da Gold-
und Rosenkreuzer do XVIII.

Acima logo da Ordem Kabalística da R+C segundo a linhagem do Mestre Cedaior Os


membros da ordem seguem o seu nome místico da letra ‫א‬, encimada por um, dois ou
três pontos, correspondentes aos seus três graus; os membros do círculo interior, por
um ‫ש‬

A pauta da Ordem Kabalística da R+C era a pesquisa. O olhar


altaneiro de seus membros e seu horizonte logo se amplia com
grande erudição. Já sua doutrina geral, abrange uma explicação
sintética das obras do Fogo quando alimentado pelo Sopro do
Espírito. As mesmas podem ser lidas na linguagem hierática do
universo e compreendidas em sua instância antropológica. Na
imensidão divina o Grande Arquiteto ou Geômetra projeta a
natureza segundo a perfeição do Nome de Quatro Letras, modelo
cujo reflexo físico foi deformado pela prevaricação de nosso
ancestral comum, sendo retificada pela ação reparadora de ‫יהשוה‬
Suas fórmulas são as mesmas de nossos rituais martinistas e
provinham de rituais antigos do rito Cohen, da antiga filiação russa
do rito dito retificado de Saint-Martin, e de excertos da obra do
Filósofo Desconhecido.

33
Papus e, em seguida, em companhia de mestre Philippe
reforçariam as proezas diplomáticas de Saint-Martin, que inicia em
Londres, na Itália e na Rússia, uma linhagem de SS. II, puderam eles
não apenas entrar nas graças do tzar Nicolau II e de seus familiares,
como encontrar várias Lojas maçônicas de há muito estabelecidas. A
Loja “Cruz e Estrelas”, presidida pelo czar, funcionava no Palácio
Imperial. Em São Petersburgo, Papus foi introduzido por Mebes, no
Capítulo Apolônio de Thiana, em 1901, à linhagem russa dos SS. II.
E fundou Lojas martinistas modernas que ainda hoje estão em
atividade. O doutor detinha também documentos de Martinez e
divulgou a parte inteligível dos mesmos em duas obras pertinentes
à história do martinismo. Os arquivos da biblioteca pública de Lyon,
dos fundos Willermoz e seus documentos da ordem maçônica
primitiva, lançam, enfim, luz definitiva sobre a questão martinista.
Por sua vez, a OKR+C chamou a atenção do estudioso Waite,
no início do século XX e a ela se referiu em suas obras sobre a R+C;
elas consistem no primeiro grande esforço de tratamento das
evidencias documentais e tradições correlatas, combinada a crítica
dos autores que antes se pronunciaram a respeito, ainda que de
maneira mais apologética ou polêmica que guiada pelo bom senso e
metodologicamente orientada.
A Irmã Amélie de Boisse-Montmartre e o Irmão Henri Delaage
são os últimos elos da antiga corrente de iniciados e ligam, sem que
o soubessem, o Martinismo primitivo ao moderno. Essa pode ser
chamada a terceira vaga ou a herança dos Invisíveis e dos Filósofos
Desconhecidos, pois sua história parece estar inextricavelmente
vinculada.

34
Acima, imagem do templo, Quartel general da Ordem Martinista, em que se
pode ver a divisa: À La Gloire de YHShVH, G. A. D. U., e abaixo o Pantáculo da ordem
Martinista, as esfinges alusivas a sua localização no Kadosh Kadoshim (S. S.)

Sédir, Cedaior e Jehel: um pouco da história da OKRC na América


Latina

Dentre os Mestres do Passado, elos de nossa corrente astral, o Irmão


Sédir merece nossa imediata atenção, não apenas por ter sido ele o
Iniciador do Irmão Cedaior, senão em virtude de seu próprio
legado, entre eles o que permitiria o primeiro florescimento do
martinismo na América Latina.
O Irmão Cedaior, desde o início de sua afiliação, prestou
importantes serviços a Ordem Kabalística da Rosa Cruz. Foi
especialmente designado como Delegado da ordem e enviado pelo
Irmão Papus ao Egito para estudar os rituais empregados por
antigas confrarias herméticas que operavam no Cairo e suas
imediações.
De volta a Europa ele toma ciência de sua missão espiritual e
parte, cruzando o oceano Atlântico, para desempenhar como
Delegado da Ordem Martinista, papel decisivo na instalação das
primeiras Lojas e as raízes do movimento em vários países
sulamericanos.

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Nesse meio tempo a Primeira Grande Guerra foi deflagrada.
Após anos de atividades e do reticente silêncio dos Irmãos franceses,
Cedaior envia seu filho Jehel a Europa no período entre guerras, em
busca de restabelecer a comunicação com os centros europeus,
muitos deles dispersos e inoperantes, em virtude das baixas sofridas
em seus quadros.
Corriam os iniciados, de fato, muitos riscos em se reunirem,
pela eterna suspeita por parte dos estados nacionais de que se
tratasse de grupos conspiratórios. Os rituais foram simplificados e
adaptados para que os paramentos fossem vestidos como parte do
próprio rito em locais reservados.
Diante deste quadro, de volta a América do Sul, os Irmãos,
fazendo uso de suas prerrogativas, estabeleceram em 1924 a
autonomia da Ordem, agora independente de sua matriz na Europa.
Ainda que posteriormente tenham sido retomados os contatos com
as fraternidades européias, assim ela permaneceu, como uma
Academia hermética, e foi uma das principais vias de acesso ao
pensamento oriental, como se pode perceber pelos programas de
estudo da Ordem Martinista que aqui floresceu.
A OKR+C se faz acessível àqueles que atingiram o terceiro
grau da Ordem Martinista, e assim continua a espargir sua Luz de
forma ininterrupta por gerações de Iniciados no Brasil e na América
Latina.
O Programa de Estudos da Orem e seu Regulamentos de
Admissão e foi publicado por Papus, em Almanaque do Magista que
circulou entre 1895-1896.

36
Acima Diploma de Bacharel expedido pela Ordem Rosa+Cruz Kabalística
pertencente a Leo Costet de Mascheville, nome místico Jehel (posteriormente ele
adotará Sri Sevãnanda Swami), assinado por seu pai, Albert Costet, Cedaior,
assinalando-lhe, ainda, as datas de recepção nos três graus; abaixo Estola russa,
debruada de azul da Rússia, mais escuro que o prussiano, com o Pantáculo que traz no
verso o a imagem de São Miguel Arcanjo arrostando o dragão no abismo.

37
Salão da Rosa+Cruz em Paris

Por ocasião da exposée intitulada "Mystical Symbolism: The Salon de


la Rose+Croix in Paris, 1892–1897" que ocorrerá no Guggenheim de
Veneza, entre os dias 28 de outubro de 2017 e 7 de janeiro de 2018,
abordaremos alguns conceitos estéticos, mobilizados por seu
idealizador, Joséphin Péladan.
O místico francês inicia um grande empreendimento artístico,
o braço visível da Ordem Rosa+Cruz do Tempo e do Graal, que ele
funda, e que se apresenta a sociedade parisiense como Salão da
Rosa+Cruz, que ocorreram originalmente na galeria Durand-Ruel. A
primeira de suas edições recebeu cerca de cinqüenta mil pessoas no
ano de 1892.

Acima o Catálogo do Salão da Rosa+Cruz de 10 de março a 10 de abril de 1892;


se lê as divisas latinas da R+C: Ad Rosam per Crucem, ad Crucem per Rosam, in ea,
in eis gemmatus resurgam; e a templária: Non nobis Domine non nobis, sed nominis
Tui gloriae sola. Amén.

Apesar da magnitude do projeto, o Salão atinge grande


notoriedade, e consegue difundir certa luz sobre a natureza do
artista que para Péladan é um iniciado.
“Artista, vós cuja arte descende do céu… ele é uma
pequena peça de Deus em uma pintura… se vós criais uma

38
forma perfeita, uma alma virá e a habitará” (p. 33), escreve
Péladan em L’art idéaliste et mystique, doctrine de l’Ordre et du
salon annuel des Rose+Croix, obra publicada em Paris por
Chamuel, em 1894.

Outra concepção deste pensador é a de “Gesto Estético” que


cada obra traz consigo um aceno e ao mesmo tempo um
posicionamento em uma era de crescente materialismo. Este era o
cerne do conceito de atividade artística proposto por Péladan.
Logo, artistas como Erik Satie fariam sua contribuição ao
movimento, sendo indicado como diretor musical da ordem. Ele nos
legaria um álbum intitulado “Musique de la Rose-Croix”, com doze
composições.

Erik Satie à direita com Debussy em sua casa,


em 1910 na avenida do Bosque de Boulogne

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Cartaz de Carlos Schwabe para o primeiro Salão de 92
A imagem tornou-se uma das grandes referências estéticas a R+C

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Pintura de Jan Toorop, intitulado “As almas em torno da Esfinge” (1897)

O pintor Jan Toorop conjugava dois símbolos chave para o


movimento e para o pensamento de Joséphin Péladan: a Esfinge e o
Andrógino.
“Esotericamente isto [o andrógeno] representa a condição
inicial da humanidade, que é idêntica a sua condição final.
Isto ensina a ela o segredo da evolução e o segredo do
êxtase… ela reconhece que um dia ira reconstituir sua
unidade original” – em J. Péladan, De l’Androgyne, p. 16-17.

Como recorda Sasha Chaitow em seu artigo intitulado


“Symbolist Art and the French Occult Revival: The Esoteric-aesthetic
vision of Sâr Péladan”, na figura da Esfinge muitos motivos
simbólicos estão entrelaçados: “a uma só vez mistagoga [condutora
dos mistérios], guardiã de segredos ocultos, conexão com nossa
natureza bestial ou mística”, e entre outros, o andrógeno.

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Notas para Publicação

Àqueles que quiserem contribuir com artigos, resenhas e traduções


seguem as recomendações:

1. Artigos (máximo de 20 páginas) que contemplem uma ou mais


das disciplinas arcanas;
2. Resenhas (até 5 páginas) sobre obras recentes ou antigas as
quais desejam indicar a leitura;
3. Traduções (até 20 páginas por edição, além disso, serão
publicadas em distintos volumes);
4. Os textos devem ser enviados em caracteres “Times New
Roman” ou “Palatino Linotype” com 14 para o título (em
negrito) e corpo do texto; 11 ou 12 para citações destacadas,
notas e legendas;
5. As referências bibliográficas podem ser abreviadas (autor,
obra, edição, ano, página) e incorporadas ao corpo do texto;
6. Devem ser enviadas para ombrasil.pb@gmail.com para que
sejam repassadas aos membros do conselho editorial;
7. O conselho editorial preza pela prática da concordância,
princípio hermético, e desconsiderará textos que insistam em
posicionamentos sectários ou que expressem opiniões
intolerantes; o aceite, por sua vez, não implica em sua
publicação imediata, haja vista o cronograma e a ordenação
das temáticas que são objeto das sucessivas edições deste
periódico.

Atenciosamente,
Do Conselho Editorial

João Pessoa,
Outubro de 2017

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