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É possível ao homem compreender com objectividade o seu


tempo, as forças que nele se entrechocam e se digladiam? Podere-
mos livremente afeiçoar o futuro, de modo a que ele saia das
nossas mãos tal-qual o queiramos e o façamos?
O problema é antigo, e antiquíssimo outrossim o debate entre
os que respondem «sim» e os que respondem «não». No entanto,
com a compreensível pressa de circunscrevermos o objecto das
nossas inquietações, respondamos pela afirmativa. Ou melhor:
postulemos que «sim».
Porém, se, com efeito, uma das mais veementes aspirações do
homem consiste em compreender com clareza o seu tempo; se o
futuro será, em grande ou pequena parte, aquilo que a acção
humana modelar de harmonia com as forças em jogo — uma e
outra coisa serão de certo prejudicadas, se na nossa mente de
homens deste meado do século xx não existirem noções claras e
distintas, impregnadas da possível objectividade, acerca do nosso
passado comum, A dignidade da história chama-se, com simplici-
dade, busca da objectividade. Todavia, a objectividade da pes-
quisa e da elaboração históricas não é sinónimo de alheamento ou
enfado ante os problemas, as encruzilhadas e -os dramas do1 nosso
tempo; nem, —insista-se—, passividade ante os nevoentos e inde-
cisos contornos do futuro. Parafraseando Unamuno: o historiador
que não seja um homem, será tudo1 que quiserdes excepto histo-
riador. Poderá, acaso, ser um útil antiquário, um escabichador
de miudezas tantas vezes necessárias; contudo, na aridez da sua
pesquisa não florescerá um raio sequer de esperança que contribua
para dar sentido à vida dos homens, à nossa vida. Daí provém,
ao que parece, a responsabilidade da ciência histórica. Essa ciência
duplamente difícil porque, além de ciência que busca entrever o
li TEMAS OITOCENTISTAS — I HISTORIA CULTÜRA.E DO SACUDO XIX PORTTJGttfôS 15

passado tal qual ele teria sido, necessariamente mergulha tam- mais vagarosos e de menores amplitudes. Comparem-se os lentos,
bém as suas raízes na problemática do nossa tempo, um tempo intérminos milhares de anos da pré-história com os cem anos do
que, em breve, será passado... Isto, porém, não significa, —pre- século xix, ou até, apenas, com a sua última metade: evidente-
vina-se sem demora qualquer possível equívoco—, que a história mente, o ritmo de evolução ressalta diversíssimo nos períodos con-
seja compatível com a ausência da atitude científica de quem a siderados. A evolução humana não é isócrona. Em poucos anos,
cultive. Não e não: «estudo cientificamente conduzido», — ensina a mudança pode ser maior que em milhares. Tais os períodos crí-
Lucien Febvre —, aproximar-se-á tanto mais do seu objecto quanto ticos, aqueles em que se desencadeiam ou se forjam as revoluções,
mais exemplares forem os rigores, as cautelas, e mais aperfeiçoadas quaisquer venham estas a ser. Portanto, num período de decénios
as técnicas mediante as quais, e apenas mediante as quais, pode- pode ter havido transformações mais profundas na orgânica so-
remos ter a justa pretensão de compreender as épocas passadas na cial, nas técnicas revolucionadoras de um dado meio, no psiquismo
sua especificidade temporal. Quer isto dizer que a história tanto humano, do que em longos períodos de evolução mais lenta, mais
como a física ou qualquer outra ciência nada tem, hoje, (nem rotineira.
nunca teve), que ver com o amadorismo. Se, em última análise, Ora, tudo parece indicar ter sido o século xix ou, em Portugal,
todo o passado pode importar à compreensão do presente, quase alguns dos seus períodos, precisamente uma dessas épocas de pro-
sempre o passado mais próximo tem para nós um interesse mais funda transformação dos ambientes técnicos e mentais.^ Ao mesmo
premente — e tal, que, muitas vezes, levados por essa natural ten- tempo, certos grupos sociais oitocentistas não significarão uma
dência de compreender os problemas do nosso tempo, além do vitória da transformação, que nos permita compreender, por com-
mais, também em função da sua génese, somos levados incriíica- paração contrastada, o significado daquilo que esteve antes, e
mente a projectar no passado, como essência dele, o que, afinal, daquilo que se lhe sucedeu?
o é apenas da nossa mesma historicidade; a percepcionar o pas- A proximidade cronológica, e até a proximidade geográfica,
sado tão-somente através das lunetas que o presente sempre nos pode não significar uma afinidade mental e social estreita entre
subministra; a julgarmos conhecer o que, no fim de contas, igno- os homens, — digamos —, pertencentes a duas gerações separadas
ramos. Na verdade, caminhar do presente para o passado, além de apenas pelo tempo que medeia entre o avô e o neto. A nossa
indispensável em determinadas investigações históricas, é sempre mesma experiência pode, aqui, ser um dado valioso para o estudo
coisa desejável, em toda a pesquisa desta ordem embora não tão dos sucessos anteriores similares. Apesar da complexidade do con-
fácil quanta, à primeira vista, se poderá ser levado a supor. Mas ceito de geração, e das possíveis linhas de continuidade profunda
não é menos verdade que a história só se constituirá quando o para além dos conflitos de superfície, não é verdade, por exemplo,
historiador acabe por realizar a inversa jornada. Como escreveu que relativamente a cada uma das gerações: geração saudosista
Michelet: «aquele que pretender circunscrever-se ao presente, ao da Renascença Portuguesa, geração do Orfeu, e a dsi Presença, e
actual, não compreenderá o actual» (x). a de 1939-1940, poderemos definir as vivências respectivas, sua gé-
Os homens mudam e permanecem ou, se se preferir, permane- nese, suas lutas e evolução? Tudo isto significa, afinal, o seguinte:
cem e mudam. O choque entre O' que muda e o que permanece, ou formular o problema do que nos separa dos homens dos diversos
entre o que permanece e o que muda, define, social e psicologica- períodos do século xix e também do que, hipoteticamente, a eles
mente, os homens de um período. Conflito latente ou declarado nas nos une. Formular o problema da historicidade sui-generis (como,
técnicas do homo faber, na utensilagem mental do homo sapiens, aliás, de toda a historicidade), do século xix; precavermo-nos,
nas relações entre os componentes de um dado grupo humano além do mais, contra o perigo e o fácil fascínio do anacronismo.
situado no tempo. Porém, a mudança e a permanência, ou a per- E, desde já, um esclarecimento. Como é evidente, procurar
manência e a mudança, não se mantêm, através do fluir tempo- evitar o anacronismo não é coisa que, por si só, caracterize a his-
ral, na mesma rígida relação. Em determinadas épocas, os ritmos toriografia contemporânea. Sempre, através dos tempos, os bons
de transformação e evolução são mais rápidos e amplos, noutras, historiadores tentaram vencê-lo. Porém, talvez possuamos nós ins-
trumentos mais aperfeiçoados que os usados pelos nossos ante-
cessores, instrumentos esses que nos permitam aspirar a uma eli-
0 Cit. por Marc Bloch, Métier d'Historien, p. 9. minação mais perfeita desse vício, latente em quase todos os nossos
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esforços, à espreita da mais breve desatenção para nos destruir, Na verdade, esse breve período é preenchido por acontecimen-
pela base, os esforços de anos, e talvez, até, de uma vida. tos de importância capital: a segunda revolução industrial (em
Retomemos, porém, o fio do discurso; o problema a que me pleno desenvolvimento por volta de 1900); o desenvolvimento da
referia é este: há ou não uma história do século xix inteiramente física nuclear culminando na libertação da energia atómica que,
por fazer, ou por refazer? Em boa verdade, ela está por fazer, e por seu turno, implicará num futuro mais ou menos próximo, uma
por refazer. Certos aspectos, e acaso fundamentais, nunca foram terceira revolução industrial de efeitos mais inovadores que o da
estudados, a não ser pela rama, e alguns nem assim; por exemplo: máquina a vapor e a do dínamo; o surto e desenvolvimento da
a industrialização, o ensino público e privado, a utensilagem men- psicologia como ciência experimental e as vastas consequências
tal e suas transformações, etc. Outros aspectos, embora estudados práticas advindas do facto; a crise do determinismo mecanicista;
de pontos de vista particulares, pelo simples facto de sermos obri- a eclosão das filpsofias da intuição e do instinto; a fenomenologia;
gados a integrá-los em nova perspectiva, assumirão necessaria- a filosofia existencial; a axiologia; a expansão do materialismo
mente nova ou novas feições. E essa história do século xix conti- dialéctico; a logística; o automóvel, o avião, a T. S. F.; duas guer-
nuará por elaborar, mesmo que seja abordada deste ou daquele ras mundiais; a revolução russa, o fascismo e o nacional-socialismo.
ponto de vista, enquanto se não partir do pressuposto de que entre Não terá tudo isto condicionado, porventura, a diversidade entre
nós e os homens de oitocentos existem, acaso, diferenças mais as vivências dos homens cultos de hoje o as dos homens de 70?
vincadas do que aquelas que a nossa imaginação acrítica espon- Dir-se-á: mas tudo isso s.e passou lá fora... Aqui, em Portugal,
taneamente é levada a supor. Urge inquirir com clareza: sem cui- o caso muda de figura. Problema válido, a atender com o devido
dados prévios, estaremos aptos a interpretar, a compreender, o cuidado.
Porém, desde já, será possível afirmar que alguns destes acon-
sentir, o pensar, o querer dos homens dos diversos períodos de
tecimentos europeus ecoaram no nosso pais, em escala mais ou
oitocentos? Será possível e, no1 caso de possível, entre nós e eles,
menos lata, em círculos sociais mais ou menos estreitos — mas
o diálogo, o debate num mesmo plano de inteligibilidade como se
ecoando. Tivemos e temos psicologistas, intuicionistas, raciona-
reagíssemos, uns e outros, às mesmas condições ambientes? Na
listas, materialistas dialécticos; o automóvel (e com que profusão!),
verdade, será isso legítimo?
o avião, a T. S. F., e muitas coisas mais.
Claro está que as diferenças de sensibilidade, de pensar, de
Portanto, mesmo que o ritmo de evolução no Portugal oito-
querer entre um homem do Renascimento e um do nosso tempo centista venha a ser determinado como menos intenso que o de
são bem mais demarcadas que as existentes entre um homem de alguns outros países europeus, tudo parece indicar que o Portugal
1870 e outro de 1950. No primeiro caso, entre os dois marcos cro- antigo, rotineiro, tradicionalista se esboroa e assume aspectos no-
nológicos, elaborou-se toda a filosofia moderna, a ciência nasceu vos, em crises evolutivas, — viragens de estrutura? —•, das quais
e alargou o seu campo, a técnica transformou as condições de vida apenas têm sido estudados os aspectos políticos e literários. Ora,
do homem com a primeira e a segunda revolução industrial. No a transformação portuguesa oitocentista não foi, claro está, apenas
segundo, porém, nesse período de 80 anos, algo terá acontecido política, mas também, e essencialmente, social, económica, técnica,
que cavasse abismos entre o avô e o neto? Algo terá acontecido mental, num conjunto possivelmente interconexo, mas inteiramente
que tenha tornado difícil, e tarefa de historiador, a visão, com por determinar ainda nos nossos dias.
os nossos olhos de 1950, dos acontecimentos de 1870? Eis dificul- Em suma, entre os ritmos da nossa vida actual, as nossas men-
dades de não pequena monta. talidades, os nossos viveres quotidianos, e os ritmos da vida em
A primeira dificuldade consistirá em cindir em dois planos o diversos períodos do século xix, as suas mentalidades, os seus vi-
problema: o que se passa no estrangeiro; o que se passa em Por- veres quotidianos — há diferenças a estabelecer como também há
tugal. Depois, se possível, estabelecer as conexões entre a reali- a estabelecer as semelhanças; mas nem umas nem outras podem
dade ou as realidades portuguesas e o «clima» europeu ocidental. ser pontos de partida da pesquisa, mas tão-só pontos de chegada.
Ora, o que, entrementes, se passou lá por fora e entre nós, é de Entre nós e os homens dos vários períodos do século xix, situam-se
molde a condicionar vivências específicas no decorrer dos tais acontecimentos materiais, sociais e ideológicos que, de duas uma:
80 anos? ou não deixaram de influenciar poderosamente -os homens, ou o
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HISTÓRIA CULTURAL 1)0 SÉCULO X I X PORTUGUÊS lô

tempo, carregado de acontecimentos, passa dnocuamente sobre a E porque considerar a história desse período história a valer,
miragem do Homem eterno! com todas as dificuldades inerentes a essa pesquisa científica?
Sem rodeios de qualquer espécie, preferimos a primeira hipó- Porque a história, se pretende ser uma actividade científica, ten-
tese, E preferindo-a, crendo na historicidade do século xix, per- dente à compreensão da realidade objectiva do fluir temporal,
cepcionando a importância da compreensão desse período para mesmo que de história contemporânea se trate, —a história de
a compreensão do nosso próprio tempo, — perguntamo-nos de ontem, a de há 1 ano, a de há 10—, se ela é possível, tem de
que princípios metodológicos devemos lançar mão para abordar- considerar a existência de um objecto postulado mas ignoto, e a
mos, com a objectividade compatível com a pesquisa -histórica, desvendar, do qual só nos poderemos aproximar mediante os mé-
esse período. De dois, em primeiro lugar, e para principiar, nos todos próprios da pesquisa histórica. Porque proximidade temporal,
parece urgente socorrermo-nos: — insista-se—, não significa necessariamente identidade mental,
nem sequer semelhança. Acresce que, se Fustel de Coulanges
1) Esquecer o que se julga saber sobre o período. pôde afirmar, referindo-se à história em geral, serem necessários
2) Considerar como história a sério a do século passado, — tão anos de análise para permitir um dia de síntese, as dificuldades da
difícil como qualquer outra, e talvez mais, pela abundância síntese, objectiva final de toda a pesquisa, aumentam aqui de
de documentação existente, que implica novas técnicas de modo assustador, quase levando a desesperar o investigador soli-
investigação, que exige o trabalho em grupo do qual (ai de tário; todavia, em compensação, aumentam as possibilidades de
nós!), tão longe ainda estamos e estaremos! elaboração de sínteses mais duradoiras.
Seria desasâi-sada a pretensão de um só historiador estudar
Porque motivo devemos esquecer o que julgamos saber? Pelas integralmente o século xix. Tal desideratum só poderia ser pros-
seguintes razões, porventura: seguido, e alcançado, por um numeroso grupo de historiadores
1) Dispomos, os homens deste meado do sécuío xx que se trabalhando em contacto íntimo, em colaboração permanente.
dedicam à história, de uma perspectiva histórica, .peculiares ao Talvez um dia i(quem sabe?), se constitua tal grupo de trabalho.
nosso tempo, e de tal modo que tão-somente em função deles a Talvez... Porém, a hora actual é ainda a dos caminhos individuais
inteligibilidade dos acontecimentos se nos revelará. e solitários; é ainda a hora melancólica em que se sabe que o
2) Conhecem-se, quando é caso disso, as interpretações his- caminho traçado não poderá ser percorrido, — e terá de ficar-se,
tóricas de Oliveira Martins, de Teófilo Braga, de Silva Cordeiro; quando muito, a meio da jornada. Mas que isso nos não impeça,
os romances de Camilo, de Eça, de Júlio Dinis e vários outros docu- todavia, de tentarmos traçar uma rota que se afigura certa.
mentos literários. Ora, tais interpretações, tais visões da realidade
coeva, por mais importantes sejam, — e são —, condicionadas que Imaginemos que se pretende estudar a história cultural do
foram pelo tempo delas, são hoje, também, objecto historiável, século passado. Mais especificadamente ainda: as formas de men-
elementos históricos a integrar num todo orgânico e inteligível. Não talidade portuguesa e sua evolução ao longo desse século. Em-
são a história, não são a compreensão do século xix, mas teste- presa tentadora, sem dúvida. Mas como delineá-la? Apenas em
munhas, fontes primárias, de valor vário, para a elaboração da função da expressão literária, como tradicionalmente o é, ou em
história da época de que datam. função das seguintes variáveis:
3) Pela força das circunstâncias, só nós vamos dispondo de
documentos que no século passado eram confidenciais e inalcan- 1) Das transformações materiais operadas no país?
çáveis pelo historiador. 2) Da orgânica social e suas modificações?
4) ) A psicologia científica é obra do nosso século. Só o seu 3) Da utensilagem mental?
extraordinário desenvolvimento permitiu ao historiador dos nossos 4) Das correntes ideológicas?
dias formular o problema do objecto e do método da psicologia
histórica, instrumento de compreensão objectiva do passado, e com-
Bem... Não é verdade que é fácil a opção? Optemos, pois.
preensão, em si mesma, do dito passado. Corramos os riscos patentes.
HISTÓRIA CULTURAL DO S&CULO XIX PORTUGUÊS 21

e o que se pensava, de que modo se sentia o que despertava a


reaeção afectiva. É necessário levar mais fundo o inquérito e bus-
car saber que grupos sociais tinham alcançado determinado nível
mental, qual a extensão e profundidade dos interesses e atitudes
comuns. Por seu turno, isto parece significar a necessidade do es-
tudo da utensilagem mental, ou utensilagens existentes, e das quais
o homem coevo se servia para pensar e para exprimir o pensa-
mento.
2 Dada a arritmia entre a evolução portuguesa oitocentista e a
evolução da França e Inglaterra, por exemplo, há que tomar-se
em conta, ao que cremos, a influencia estrangeira e as reacções
portuguesas às ideias, às atitudes, aos costumes dos países que
comandam o teor geral da cultura europeia oitocentista. Bem
receamos o seguinte: uma investigação sobre a nossa cultura que
Por transformação material entendemos, especialmente, em não atendesse às relações, em especial, com a França, com a In-
função do nosso objectivo, as características e evolução da técnica glaterra, com a Espanha, cairia numa visão viciada das caracte-
industrial, da técnica agrícola, da técnica comercial, dos transpor- rísticas da cultura portuguesa, particularmente no respeitante às
tes e comunicações, e tudo quanto se repercute de modo apreen- ideias e às atitudes típicas da élite intelectual. Como cairia no
sível no teor da vida do país. Torna-se por demais evidente que erro oposto aquele esforço de investigação que apenas atendesse
seria excelente poder considerar também a economia, — em todos à influência estrangeira, ignorando ou subvalorando a realidade
os seus aspectos —, e que, sem esses elementos, não será legítima nacional, as correntes nela desenhadas, os problemas portugueses,
a pretensão de compreender suficientemente a realidade enfrentada. nos quais se anserem, ou não, determinadas soluções estrangeiras
Para tanto, porém, esperemos pelos resultados dos nossos histo- ou nacionalizadas. Daí, o termos em Portugal de entrar em linha
riadores da economia... de conta com as ideologias nacionais, ou nacionalizadas, ou des-
O estudo da transformação material e suas repercussões na figuradas, uma vez adaptadas à nossa realidade histórica. Termos
mentalidade dos vários grupos sociais apresenta-se-nos como um de averiguar como certas sementes de procedência estrangeira ger-
meio cómodo e seguro, embora incompleto, de referenciar coorde- minaram, e outras não, no solo português. E, evidentemente, as
nadas do desenvolvimento mental e cultural em função das quais, razões que explicam o facto,
este assuma, — presumimos —, claro significado. Um modo, talvez Para efectivar, ou ir efectivando, tal objectivo, modesto em re-
seguro, de evitar dois inales ambos temíveis: que a história da lação ao todo ignorado, ambicioso se atendermos aos elementos de
cultura sobrenade milagrosamente uma realidade ignota, ou a que dispomos, há que enfrentar e resolver uma série de problemas,
ela se prenda por fios rudimentares, de solidez mais que discutível. intimàmente interconexos e que a análise obriga a cindir para, pos-
Porém, considerar tão-somente a transformação técnica, isso teriormente, se vir a obter a síntese, aspiração sempre necessaria-
poderia conduzir-nos, acaso, a uma visão unilateral da realidade mente presente nos esforços de uma história válida. A análise,
cultural portuguesa que, ao que supomos, seria ilusão tão falaz, — nunca é demais insistir—, não é um fim; é um meio indispen-
como julgar ser a cultura portuguesa apenas o conjunto das suas sável à compreensão totalizante, estrutural, da realidade histórica.
manifestações literárias. Há que cindir, antes de agregar; há que Ora, o primeiro e prévio problema fundamental que, em nosso
levar a análise até à mentalidade característica dos diversos grupos parecer, deve ser abordado, é o seguinte:
sociais e profissionais, aos interesses dominantes nos grupos rurais — Meio mtural e meio técnico e sua interdependência.
e urbanos, camponeses e pastores, à mentalidade e interesses dos Seria sugestivo imaginar, na peugada de Georges Friedmann 0),
artífices e operários, etc. De onde decorrer ter também de ser
social e demográfico o inquérito a efectivar. Não importa apenas
referenciar, genérica e abstractamente, de que modo se pensava 0 «L'homme et le milieu naturel» in Oü Va Le Travail Humain, 1951.
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o rneio natural como o «conjunto das condições de vida da huma- novas formas de acção que, por seu turno, condicionam novas
nidade ocidental na civilização pré-maquinista, que precedeu as formas de pensar, novas formas de sentir; eis que o equilíbrio se
revoluções industriais» (2), e como meio técnico apenas o que as rompe: inicia-se um período de instabilidade, mais vasta ou mais
referidas revoluções condicionaram. Sugestivo, sem dúvida ne- restrita, conforme a amplitude da rotura, fomentador de novo
nhuma — mas, ao que se nos afigura, errado também. equilíbrio, de novo meio técnico, de nova mentalidade. E, ao que
Unificar, sob uma designação comum, O1 conjunto de milenários parece, assim sucessivamente.
esforços de transformação de sucessivos meios técnicos-naturais, Só agora, depois de feito este esclarecimento, que nos pareceu
eis^ uma das tais abstracções contra as quais é necessário lutar. necessário, poderemos aceitar as seguintes afirmações de Fried-
A importância das revoluções industriais setecentista e oitocentista, mann: «O homem muda. Os modos de pensar não são menos
e^a sua primazia para a compreensão dos eventos contemporâneos, variáveis, relativos, ligados ao conjunto das condições de uma
não nos deve conduzir à suposição de que apenas com o maqui- civilização, do que os modos de percepcionar ou de sentir. Os
iiisrno, o pensamento humano teria sofrido uma transformação trâmites lógicos do pensamento nos contemporâneos de Lutero
qualitativa tal que nos permita falar, sem equívocos, das diversas não são os mesmos que nos utilizadores do cinema e do avião.
mentalidades do meio natural, e do meio técnico, considerados O meio natural [diríamos o meio1 técnico pré-maquinista] que
como anteriormente definimos. Cremos que o descobrimento do ainda domina a Europa Ocidental do século xvi é acompanhado
fogo e as consequentes invenções no longínquo paleolítico; que por uma mentalidade diferente da dos homens do meio técnico
a invenção da imprensa nos fins da Idade Média e o seu emprego [diríamos: do medo técnico maquinista]. A mentalidade dos indi-
na difusão do pensamento e na criação de determinados «climas» víduos, num dado grupo humano [itálico nosso] é inseparável
mentais; que os processos da navegação atlântica e suas implica- do conjunto das suas condições de existência e particulaxmente do
ções históricas (para citar apenas alguns exemplos), são funcional- estado dos conhecimentos, das técnicas e da linguagem de que
mente tão importantes como a descoberta da força do vapor de dispõem para exprimir-se» (s).
água e a invenção da respectiva máquina, na segunda metade do Enfrentando, com espírito semelhante, a realidade portuguesa
século xviir. Vários meios técnicos, pois, podemos nós pressupor, oitocentista, deveremos determinar previamente os seus diversos
entrechocando-se através do fluir temporal, integrando sucessiva- meios técnicos, infelizmente tarefa ainda quase totalmente por
mente as anteriores invenções técnicas, numa rede cada vez mais levar a cabo. Conscientemente empregamos a expressão meios
apertada e mais vasta, que atesta o progressivo domínio do homem técnicos, porque de plural se trata, quer consideremos a evolução
sobre o primitivo meio natural, que implica transformações na vida, cronológica, quer, num determinado período, a coexistência geo-
no pensar, no sentir, no agir do homem em consequência da gráfica. Se se pretende uma visão de conjunto, não importa deter-
reacção a um meio dinâmico, pelo seu próprio agir em parte criado minar apenas o ritmo da industrialização maquinista nos centros
e recriado. fabris mais importantes, Lisboa e Porto, por exemplo. É necessá-
Afastando-nos dos termos de Friedmann e aproximando-nos rio também estudar a coexistência de meios técnicos diversos, e a
mais, talvez, do espírito do seu inquérito, afigura-se-nos impreciso irradiação dos novos ritmos de produção e da vida quotidiana,
falar genericamente de meio natural, porque o meio em que até ao equilíbrio posterior, que uma rede de transportes e comu-
decorre a vida humana é sempre um dado meio técnico. E como nicações revolucionária, contribui poderosamente para estabelecer,
defini-lo? Como distinguir um meio técnico de outro? Pelo equilí- em dado momento, no País.
brio, em dado momento existente, entre, por um lado, a natureza, Apresentemos um exemplo: poderemos verificar, em 1845, a
e, por outro, o conjunto de técnicas que permitem ao homein viver, existência em Portugal de algumas poucas dezenas de máquinas
agir, sentir e pensar de um modo temporalmente determinável, accionadas a vapor (4). Mas da existência, no nosso País, de má-
fruto desse equilíbrio, criador de típica ambiência total. Mas eis quinas de vapor, vamos concluir sem mais pela existência de um
que esse equilíbrio se quebra, novo ou novos inventos permitem

(3) Idem, p. 33.


(2) Idem, p. 30. (4) V. p. 70 deste livro.
24 TEMAS OITOCENTISTAS — I HISTÓRIA CULTURAL X)O SfiCULO XÍX PORTUGUÊS 2õ

meio técnico maquinista? Seria apenas uma miragem porque a ao anterior, com o incremento industrial e mais fácil expansão
indústria portuguesa da época utilizava, principalmente, a energia dos seus produtos devido aos caminhos de ferro, com novos qua-
braçal; embora a energia hidráulica e a do fogo contribuíssem dros espácio-temporais que o desenvolvimento das comunicações
com a sua quota parte para o esforço industrial da nação; na e dos transportes condiciona, com nova facilidade na expansão de
verdade, máquinas de vapor existem apenas em Lisboa, Santarém, ideias e atitudes inovadoras, com uma maior aproximação do
Porto e Portalegre, e o Porto, cujo ritmo de desenvolvimento estrangeiro devido às ligações internacionais, — tudo isso é maté-
industrial é, no lapso de tempo considerado, mais rápido que o de ria a estudar, e sem o que não nos parece fácil, nem acaso possível,
Lisboa, possui para 16 estabelecimentos fabris, que pudemos refe- compreender coisa nenhuma do que, efectivamente, então acon-
renciar, apenas 4 máquinas de vapor! Bm Lisboa, para 198 esta- teceu de significativo no nosso País. Suponhamos, por um momento,
belecimentos fabris existem apenas 26 máquinas de vapor! No que tal objectivo estaria efectivado. Não é verdade que, então, mas
entanto, em Lisboa e Porto, Portalegre, Marinha Grande e Tomar só então, estaríamos aptos a compreender melhor a trajectória
existem concentrações operárias superiores a 300 indivíduos por mental de um Herculano, de um Garrett, de um Passos Manuel,
fábrica, chegando a 407 na Fábrica do Tabaco do Porto. E será de um Costa Cabral e dos grupos sociais a que pertenceram, dos
por acaso que a força braçal predomina no Porto e em Lisboa quais sofreram influência, sobre os quais, por seu turno, a exer-
(e mais no Porto do que em Lisboa), reduzindo-se em Coimbra, ceram?
Leiria, Santarém?
Ora, uma vez considerados os vários núcleos industriais, sua
importância, seu estádio técnico, não haveria que procurar conhe-
cer as influências mútuas, o intercâmbio dos produtos e das ideias?
A este respeito, poderemos afirmar que é possível determinar
objectivamente as zonas de influência, em 1822-1823, de cada um
cios centros industriais portugueses, desde os maiores aos mais
insignificantes, em virtude de documentação existente (6).
Tudo isto, porém, não significa, —afigura-se-nos—, mesmo
que apresentássemos mais dados de que haja conhecimento, ter
determinado, de modo claro, o meio técnico-natural da primeira
metade do século xix. Não. Essa tarefa só terá sido levada a cabo
de modo satisfatório quando se tenha entrevisto o teor geral da
vMa da população portuguesa, porque embora a actividade indus-
trial se repercuta directa e indirectamente em todo o conjunto
nacional, interessa mais concretamente apenas uma pequena frac-
ção dos portugueses do referido período. Quando se compreenda
a força e amplitude das actividades rotineiras (no campo, na vila,
na cidade, nos portos), e como nelas se inserem os ritmos inova-
dores, que a industrialização deve ter implicado —e assim se
apreenda o ritmo ou os ritmos do teor da vida quotidiana. Inte-
resses dominantes, percepções, sensibilidade, formas de acção —
e simpatias e repulsões condicionadas por uma realidade que se
apresenta social, técnica e mentalmante estratificada. Como, depois,
um novo meio técnico revolucionário gradualmente se sobrepõe

(5) No Arquivo do Ministério das Obras Públicas.


HISTÓRIA CULTURAL DO SfiCULO XIX PORTUGUÊS 27

significa e de que, também, por outro lado, é expoente. Sem isso,


como compreender o significado das ideologias socialista e repu-
blicana (momentâneo encontro, posterior conflito e evolução diver-
gente), das reacções nacionais desencadeadas em tomo delas?
E, aqui, para exprimir mais clammente o nosso pensamento1,
concretizemo-lo mediante o seguinte exemplo. Suponha-se que
intentamos compreender o alcance, a repercussão nacional da
ideologia socialista de 1870 a 1880. O total da população portu-
3 guesa orça, então, por 4 300 000 habitantes. A população urbana
total é de 490 000 habitantes, cabendo a Lisboa 187 000 e ao
Porto 87 000. O total da população portuguesa, que se dedica a
actividades fabris, otfícinais e artesanais é, segundo o Inquérito
Industrial de 1881, de cerca de 90000 indivíduos, incluídos os
artífices, c os mestres e aprendizes de pequenas oficinas, incluídas
E eis que a nossa atenção é solicitada para um segundo pro- também as mulheres e os menores — mas operários varões exis-
blema não menos importante: A orgânica social e suas transfor- tem, em todo o país, menos de 10 000, e Lisboa, à sua conta,
mações. não ltem mais. de 2500 operários e 1100 operárias... f1).
Sem indagarmos qual a estrutura social portuguesa, qual a E uma pergunta, acaso legítima, salta: 'é entre esses homens
importância relativa das classes e dos vários grupos sociais, quais que se vão recrutar os leitores do 'Pensamento Social? Quantos
os elementos dinamizadores e rotineiros, o inquérito anterior difi- deles tinham a possibilidade de comprar o jornal? (A República,
cilmente se concretizaria numa visão objectiva dq, realidade, cujos de Oliveira Martins, custava 20 rs. cada exemplar e o salário
segredos se procuram desvendar. Urge determinar, no conjunto diário médio na indústria têxtil andava à volta dos 300 réis...)
social português, a importância relativa das classes e subagrupa- Quantos deles eram analfabetos? Quantos deles poderiam assimilar
mentos, demográfica e geograficamente considerados, as activida- a prosa de Antera, de Fontana e de outros propagandistas das
des características a que se dedicam, e de que modo, e com que novas ideias? Que poderiam pensar, e que pensavam, das ideias
instrumentos, e com que eficiência, e com que mentalidade as socialistas os operários portugueses? A República Federal, depois
levam a cabo. Não menos importante é o estudo das atitudes típi- de três anos de publicação semanal, contava com a bonita soma
cas e comuns dos vários grupos sociais, dos pontos de contacto, de 536 assinantes...
e das mútuas relações e mútuas influências entre eles existentes. Em 1871, o circunspecto Pinheiro Chagas declarava: «começa
A persistência e estrutura de uma nobreza; a extensão, força e entre nós a ampliar-se o movimento socialista, ainda que não de
vicissitudes de uma grande e pequena burguesia; a massa dos tal modo que nos possa inspirar inquietações sérias. Os nossos
pequenos agricultores rurais, o conjunto de artífices e operários — operários desconheciam, contudo, a greve e já começam, aqui ou
realidades prévias a considerar e que sô aleatoriamente poderão além, a cravar os dentes nesse fruto proibido» (2). Por outro lado,
ser, e quando o possam, deduzidas ou de fontes literárias, ou dos Oliveira Martins confirma: «A Espanha teve Cartagena, a França
discursos políticos. Ao invés se há-de caminhar, se se quiser teve ainda a Comuna de 71; nós tivemos umas greves apenas, por
entrever um significado dos movimentos literários, um sentido da não possuirmos suficiente indústria fabril» (8). Em função desta,
oratória coeva, das ideologias e sua irradiação, que se não cinjam e de outras realidades sociais, é qüe as ideias e atitudes de um
à literatura, à oratória, às ideias, embora as incluam, atendendo Antero e de um Fontana, de um Oliveira Martins, de um Teófilo
todavia à especificidade do que aí houver de específica. e de muitos outros menos ilustres têm de ser estudadas e com-
Mormente na segunda metade do século xix, e, especialmente,
no último quartel, assume compreensível relevo o estudo da popu-
0 Inquérito Industrial, de 1881.
lação operária portuguesa, pelo relativo dinamismo de que se (2) Jornal Echo Americano, de 23-12-1871.
reveste, pelos conflitos de toda a ordem que o seu desenvolvimento (3) Portugal Contemporâneo, II vol., p. 381, etc.
28 TEMAS OITOCENTISTAS — i

preendidas. Sem esse estudo prévio, não ultrapassaremos a fase


polémica, e nem ao menos esboçaremos a história que o nosso
tempo imperiosamente de nós exige.
Por via semelhante é que poderemos compreender, —pare-
ce-nos—, a expansão da ideologia republicana, assim como, para
citar outro exemplo, as razões por que, em 1870, os autores com
mais obras à venda eram Camilo Castelo Branco, Paulo de Kock
e Júlio César Machado; e por que, em 1884, se publicavam num
só ano 30 000 exemplares da Cartilha do Povo de José Falcão,
escrito de propaganda republicana (4).
O estudo da população operária portuguesa implica a correla-
tiva atenção ao evoluir das outras classes. Se houve industrializa-
ção, não cresceu apenas a classe assalariada mas também a patro-
nal, a comerciante, etc. O equilíbrio ou desequilíbrio das forças
em presença nos fins do século dar-nos-á, ao que supomos, a chave, Um terceiro problema a enfrentar, para realização cabal do
ou uma das chaves, da crise mental dessa época, expressa pelo objectivo proposto, seria o da utensilagem mental da civilização
ideário da geração de 90. portuguesa oitocentista, questão inteiramente por abordar, entre
nós.
«A cada civilização» — diz Lucien Fcbvre — «a sua utensila-
gem mental; melhor, para cada época de uma mesma civilização,
para cada progresso, quer das técnicas, quer das ciências, que
a caracteriza —uma renovada utensilagem, um pouco mais evo-
luída para certas utilizações, um pouco menos para outras. Uma
utensilagem mental que essa civilização, que essa época não está
segura de poder transmitir, integralmente, às civilizações, às épocas
que lhe sucederão; poderá conhecer mutilações, retrocessos, impor-
tantes deformações. Ou, pelo contrário, progressos, enriquecimen-
tos, novas complicações. Vale para a civilização que a soube
forjar; vale para a época que a utiliza; não vale para a eternidade,
nem para a humanidade: nem mesmo para o curso restrito duma
evolução interna de civilização...» 0).
Ou seja, no nosso caso: o estudo da língua (a expressão oral e
escrita); o senso comum e o bom senso; o pensamento lógico e a
mentalidade científica; os níveis de religiosidade e o pensar ateísta.
O estudo da língua implicará técnicas de pesquisa filológica
que exigem a comparticipação do especialista. Mas, para já, podem
apresentar-se inquéritos muito significativos a levar a cabo; os
neologismos e os conceitos correspondentes; as palavras que mor-
rem; o teor geral da sintaxe e possíveis alterações.

(4) Dicionário Bibliográfico, Suplemento, vol. XIII, art.° José Joa-


quim Pereira Falcão. 0 Le Probième de VIncroyance au XVV siècle, p, 157.
30 TEMAS OITOCENTISTAS — I HISTÓRIA CULTURAL/ DO SÉCULO XIX PORTUGUÊS 31

Por exemplo, pudemos verificar, — pequenina amostra do que Haveria, posteriormente, que levar a análise aos aglomerados
é possível fazer-se—, que na expressão escrita de Antero, o pre- citadinos e aos rurais. Quais as percentagens de letrados e de ile-
domínio das palavras «república» e «liberdade», em 1870, é substi- trados num e noutro meio? E as mulheres? Quando e como se
tuído pelo das palavras «ciasse» e «pensamento» em 1872. Simples inicia e expande o movimento de instrução feminina, processus a
acaso, ou índice de uma evolução? Decerto, trata-se da evolução cujo desenrolar assistimos nós, novecentistas? Que bela monogra-
de um pensamento individual; mas quais os fios que a conexionam fia a fazer sobre o surto e desenvolvimento do ensino feminino
com um dado meio mental? e sobre as consequências do facto na vida nacional!
Quanto ao pensamento lógico e mentalidade cientifica bá que Em segundo lugar, —a um lado, as massas analfabetas, e a
averiguar: a precisão ou imprecisão do pensamento nos diversos outro, os raros afortunados que se sentavam em bancos escola-
círculos sociais, e em quais, e porquê, se afirma o triunfo da objec- res—, em segundo lugar, dizíamos, aqueles não muitos meninos
tividade sobre o hábito do «pouco mais ou menos» ou sobre o de que, embora nao desejassem seguir a carreira eclesiástica, come-
«ouvir dizer». Isso significará o estudo dos tímidos, mas apesar çavam a afluir timidamente aos liceus, que a ditadura setembrista
de tudo importantes, esforços científicos portugueses e da sua criara. Criação, expansão e função dos liceus, com a sua irradiação
repercussão pública, como também do pensamento de teor filosó- local, levando a cabo uma triagem que se estendia agora aos filhos
fico e do choque nele verificado entre uma determinada metafísica dos burgueses, que também desejavam bacharéis e doutores na
e uma determinada concepção da ciência. No caso português, afi- família...
gura-se-nos também de importância fundamental o estudo dos Bacharéis discursadores e doutores tão sapientes quão influen-
vários níveis da mentalidade religiosa, e da mentalidade prática tes. Sim: qual o destino dos «meninos do Liceu»? Que conexões
consideradas geográfica, demográfica e socialmente. Não é de há a estabelecer entre as profissões a que aspiram e as dos pais?
certo, por acaso, que o número de bulas consumidas, em 1873-1874, Quais os frutos de tal maioridade cultural da burguesia?
em relação a cada 100 habitantes, tenha variado de 60, em Bra- Quanto ao ensino técnico oficiai, sabe-se como é recente, o que
gança, e 157, em Braga, até 9, em Beja! (2), vem a significar muito no tal painel de conjunto... Portanto, técni-
Indissoluvelmente ligado a este escopo está o estudo dos agen- cas rotineiras, de carácter artesanal, transmitidas de pai para filho,
tes e meios de cultura, matéria para cuja importância António de mestre a aprendiz, que não podem deixar de ser atentaníente
José Saraiva chamou com felicidade a nossa atenção (3). Os mais consideradas.
importantes são, para o século xix, ao que nos parece, os seguintes: Por fim, esse oásis viçoso do Mondego, onde se juntam os filhos
a instrução; o jornalismo; a literatura; o teatro. dos desembargadores e dos proprietários, na rica vida de estúrdia
A instrução oitocentista portuguesa... Sonhemos com um painel e de ousadias moças do estudante universitário de então. Quais os
vasto, para o qual possuímos elementos valiosos, mas que é neces- cursos professados, e suas frequências, e qual a função nacional
sário debuxar numa perspectiva de conjunto. Ou, se preferirdes, que se lhes atribuía? Compulsemos os arquivos, e procuremos in-
uma série de mapas que nos levem a percepcionar com o rigor quiriria profissão dos pais, a terra onde nasceram e para onde
posrivel a evolução das massas discentes no tempo, relativamente voltarão, na nostalgia desses anos deslumbrados da mocidade mais
próximo, de nossos avós. ou menos descuidosa. E, chegados à terra, de canudo a tiracolo,
Em primeiro lugar, uma como que orografia do' analfabetismo: qual a função que aí se lhes pede?
as manchas carregadas e vastas de iletrados, e as pequenas clarei- Estudemos, depois, esses atentados ao monopólio tradicional
ras dos alfabetizados. E como é que tal geografia da instrução se e tradicionalista de Coimbra: a Escola Politécnica de Lisboa,
altera ao longo do século: em que sentido ou sentidos, em que a Academia Politécnica do Porto, o Curso Superior de Letras, etc.,
ritmo ou em que ritmos. etc., com o seu cientismo e tecnicismo, as primeiras, com a sua
oratória hisíorizante e filosofante, a escola fundada por D. Pedro V.
Um mare magnum que de modo algum nos seria inútil conhe-
(2) Gerardo Pery, Geografia e Estatística Geral de Portugal e Coió* cer não só pelo que directamente diz respeito às raízes do nosso
nias, pp. 278-279.
0 V. História da Cultura em Portugal actual sistema de ensino mas também pela contribuição que, por
32 TEMAS OITOCENTISTAS — I HISTÓRIA CULTURAL» DO SlSCULO XIX PORTUGUÊS 33

vias indirectas, daí adviria para os nossos outros concomitantes Se há capítulo da história oitocentista que, apesar de tudo,
problemas históricos. tem sido estudado, esse é o caso da Ihteraturaj Aí, na verdade,
há muito elemento colhido, muito facto apurado, muita coisa sa-
No que respeita ao jornalismo, nunca será demais encarecer bida. Ainda bem que assim é. No entanto... Sim, permita-se-nos
a sua importância para o estudo de quase todos, senão de todos, um parêntesis.
os aspectos da história oitocentista. E tendo presente que, como
Como é óbvio, na tarefa de interpretação histórica da cul-
observou Marc Bloch, os «textos só nos falam quando os sabe-
mos interrogar» (4), importa, em relação ao nosso objectivo, inter- tura,— do século passado ou de outro—, não é possível dispen-
rogar do modo seguinte essa massa compacta de documentação sar as fontes de natureza essencialmente literária. Porém, para ser
que é o jornalismo português oitocentista. fecunda, tal utilização necessita de ser rodeada de algumas ur-
gentes exigências críticas. Apenas baseado nos documentos lite-
1) Relações geográficas entre o jornalismo e o alfabetismo. rário coevos o historiador correrá o risco de deturpar,*—por
2) Jornalismo nacional e jornalismo regional. simplificações ou por generalizações apressadas —, a realidade pas-
3) Quais as tiragens e expansão das várias espécies de jornais. sada, ou aspecto dela, que pretende reconstituir-se na complexa
4) Os jornais que duram e os que morrem: porquê? trama de um momento do fluir temporal. Um escritor, seja um
5) Quem pode comprar jornais? romancista, seja até ura historiador, observa ,e percepciona o meio
6) Quem lê os jornais e que jornais. em que vive de üm ponto de vista -particular, fruto da sua expe-
7) Que se procura na sua leitura? riência peculiar de ser social e de indivíduo. Observa e interpreta
8) Que função desempenham na difusão das ideias, dos sen- polarizando em torno dos seus interesses fundamentais e mais
timentos, de atitudes mentais típicas? permanentes os factos de toda a ordem que considera importan-
A profusão dos jornais existentes, o seu interesse relativo, a tes, deixando na sombra ou em completa escuridão outros a que
autenticidade e significado dos testemunhos implicam problemas não pôde, ou não quis, ou entendeu não valer a pena prestar
metodológicos que estão longe de ter obtido solução em qualquer atenção. Presta o escritor atenção ao que julga merecê-la, o que
parte, e que necessitam ser enfrentados. O facto, porém, é que vem a significar, e revelar, uma determinada gama de valores,
numa população tão pouco alfabetizada como a portuguesa, o que é a sua e a (ou uma)9 do seu tempo. Daqui decorre que acei-
Diário de Notícias, em 1865, vendido a 10 rs., saía para a rua tar sem mais as visões de certos aspectos da realidade portuguesa
com uma tiragem de 5000 exemplares e, em 1880, a tiragem era passada e mormente da oitocentista, como, por exemplo, a Ca-
já, pelo menos, de 30 000 exemplares. Neste mesmo ano, havia milo, a Eça, ou a Júlio Dinis foi possível elaborá-las, pouco
em Portugal cerca de 200 jornais (5) e, em 1894, escrevia-se com poderá vir a significar para uma história que pretende, acima de
convicção num jornal-eco de... Sesimbra estas palavras: «o jor- tudo, e apesar dos riscos que conscientemente assim corre, a visão
nal é um aríete indispensável à civilização de um povo. O livro, objectiva das épocas passadas, que o próprio tempo do historia-
os grossos cartapácios, foram substituídos pelo portátil diário ou
dor possa permitir e condicionar. Não obstante, não se julgue
pelo ligeiro hebdomadário» (6). Impossível, pois, deixar de con-
siderar a importância e as implicações da actividade jornalística. que seja possível ou se deva excluir com vista a tal fim, os ro-
No entanto, como muitas outras, tarefa quase inteiramente por mances de Eça, de Camilo, de Júlio Dinis ou de outros, teste-
fazer, ou só anedoticamente tentada. munhos que são, afinal, da trama de eventos que se pretende
reconstituir. Não; o testemunho de um contemporâneo é sempre
um documento insubstituível quer pelo que revela da testemunha
(4) Métier d’Historien, p. 26. mediante a selecção e valorização dos eventos, quer pelo que
<0 Eduardo Coelho, Notice présentée au Côngrès International de revela dos acontecimentos em si, — uma e outros considerados
Lisbonne, em 1880. funcionalmente, ou seja, interdependentes.
(6) O Cezimbrense, n.° 1, 1894.
34 TEMAS OITOCENTISTAS — I
HISTORIA CULTURAL DO SÉCULO XIX PORTUGUBS 35

É sabido que Eça, com aquele seu sério sentido de autocrí-


pares e os escritores menores, mesmo aqueles que de todo mor-
tica, aspecto da sua atitude irónica (7), falando dos seus romances,
reram com o seu tempo. Tudo indica que considerações do gé-
confessava a Oliveira Martins: «da gente portuguesa conheço ape-
nero dás anteriores sejam válidas para um Camilo, para um Júlio
nas a alta burguesia de Lisboa — que é francesa — e que há-de Dinis, e também para um Pinheiro Chagas ou para um Júlio
pensar à francesa se algum dia vier a pensar. Como é feito por César Machado.
dentro o português de Guimarães e de Chaves? Não sei. O Padre
E a poesia? Que valor atribuir, num esforço de compreensão
Amaro é mais adivinhado que observado» (8). Ora, tal confis-
histórica, às vivências poéticas? A obra poética de um Gomes
são, que se reveste de tanta importância, não deve, ao que nos Leal, de um Cesário Verde poderão ser utilizadas com proveito
parece, ser tomada inteiramente à letra. Seria acaso precipitado, pelo historiador preocupado fundamentalmente com o estudo das
a partir de tal afirmação, concluir-se pela negação total do valor formas de mentalidade do século passado? Não serão aqui muito
do testemunho queirosiano. E isso pelas seguintes razões: Eça maiores os riscos? Eis o que convirá averiguar.
é caldeado por dentro com a mesma massa, historicamente con-
Torna-se evidente que a análise do contexto de um poema
siderada, do português de Guimarães ou de Chaves (a Póvoa de é em geral mais difícil do que a de um texto em prosa, O poema
Varzim não é assim tão próxima de Paris,..); embora «adivi- é na medida em que exprime o complexo representativo-emotivo
nhado» :(e qual o romancista que não «adivinha»?), O Padre ou emotivo-representativo que lhe deu origem, e quando seja
Amaro é elaborado em função, não só de novas correntes literá- capaz de despertar tal complexo em quem o entenda e sinta. Os
rias importadas de França mas também da experiência portuguesa, elementos discursivos do poema são sempre meios de transmitir
o até de Leiria, do autor, e da sua atitude perante essa mesma complexos de raiz acima de tudo afeetiva e de provocar reacções
realidade; se o romancista só conhece por trato pessoal assíduo mais ou menos generalizadas da mesma ordem.
a alta burguesia de Lisboa (desde quando?), isso não invalida a Quer isto dizer que a poesia exprime sentimentos (inquieta-
sua «visão», temporalmente definida. ções, desejos, alegrias, etc.),—e não filosofemas. «Poesia filo-
Desde que não partamos exclusivamente dos romances de Eça sófica» é expressão destituída de sentido. Antero, por exemplo,
para a reconstituição da sociedade portuguesa do seu tempo, o não é um poeta-filósofo ou um filósofo-poeta mas poeta e filósofo.
que seria perigoso e vão; ainda que não consideremos que a Ao que nos parece, Antero é poeta nos momentos em que, por
realidade portuguesa nos seus múltiplos e entretecidos aspectos razoes várias, desiste de ser pensador, — de prosseguir até ao
tenha sido tal qual o romancista a percepcionou; se bem tenha- cabo uma obra de dilucidação de ideias que nele se enleia com
mos presente que toda a testemunha (mesmo que Eça fosse tão-só os complexos afectivo-representativos que, por vezes, o reduziam,
uma testemunha vulgar), selecciona a realidade sobre que se pro- a partir de determinada época, à inacção contemplativa. Reto-
nuncia, — torna-se útil e necessário considerar atentamente o ma- memos, porém, o fio da meada.
terial que o autor da Capital nos legou. A utilidade ressaltará, Se a poesia se apresenta com diminuto valor discursivo, onde
porém, nas seguintes condições: desde que o ataque empreendido encontrar, todavia, melhor documentação para evidenciar certas
pelo historiador à realidade histórica de oitocentos seja levada atitudes características do homem do passado ante certos pro-
a cabo simultaneamente quer mediante a análise de textos lite- blemas de sempre — a vida, o amor, a morte, a natureza, a jus-
rários entre si comparados e aferidos, quer mediante a análise tiça, Deus? Onde, melhor do que aí, se deparam os nódulos de
de documentos de outra ordem, — económicos, políticos, socio- problemática viva dos homens de hoje e do passado?
lógicos, demográficos, técnicos, modos de sentir, de pensar e de Na sua condição de homem o poeta necessariamente reage
actuar —, buscando-se uma visão integradora e compreensiva do a um conjunto de problemas de «meio», — sociais mas também
choque de acções e de reacções que constituía a essência da rea- psicológicos—, que têm o matiz do seu próprio tempo embora
lidade histórica e do seü devir. Ora, quem diz Eça diz os seus não sejam sempre só do seu tempo. E como reage? Pela expres-
são de determinadas vivências que singularizam a poesia de um
O V. Mário Sacramento, Eça de Queirós, uma estética da ironia, poeta ou uma corrente de poesia de uma época.
Coimbra, 1945. Ora, tais vivências serão logo de início ou posteriormente mais
(8) Carta a Oliveira Martins, de 10-5-1884. ou menos compartilhadas por certos grupos sociais; além de cor-
36 TEMAS OITOCENTISTAS — I HISTORIA CULTURAL DO SÉCULO XIX PORTUGUÊS 37

responderem a factores idiossincrásicos do próprio criador, que Na maioria dos estudos de história literária, no nosso tempo
à análise propriamente literária competirá dilucidar, elas serão realizados, tende-se a valorizar aqueles autores que, entre nós,
também eco de atitudes mais gerais que o poeta aceita ou contra ainda gozam de audiência, e a esquecer os que tiveram o seu
as quais se insurge, e que se definirão socialmente na medida tempo, e passaram de moda. Garrett, Herculano, Camilo, Antero,
em que, por seu turno, suscitem adesões e repulsões... E, aí, topa Eça, Oliveira Martins, Júlio Dinis são, talvez, os autores cujas
o historiador matéria que sem dúvida já é da sua alçada. obras se encontram mais bem estudadas. E, de um certo ponto
Parece-nos certo que nos grandes poetas o conteúdo social de vista, compreende-se tal primazia: embora ligados ao tempo
e humano das suas vivências seja de mais complexa compreensão
que os gerou, o valor da sua expressão literária, os temas abor-
histórica. Enquanto os poetas menores exprimem mais claramente
dados, as correntes em que se situam dão-lhes, por vezes, uma
o conteúdo social (aspirações, receios, etc.) dos grupos de que
fazem parte, a análise da poesia de um Camões, de um Antero, certa actualidade. E das reacções, que em nós despertam, ima-
de um Pessoa, deste ponto de vista encarada, exigirá cuidados ginarmos os contemporâneos deles a percepcioná-los com os «nos-
mais rigorosos pois a sua circunstancial-idade temporal é menor, sos» próprios olhos, eis um salto mais fácil de dar que evitar...
embora, ao que cremos, esteja sempre presente. Os pequenos Nós fizemos e fazemos necessariamente uma determinada selec-
poetas pertencem tão-somente ao tempo que os gerou; os maiores Ção estética das manifestações literárias que o século passado nos
não só ao tempo em que viveram mas também ao passado e ao legou: mas na época em que tais obras foram publicadas, pen-
futuro deles. A questão consiste, pois, em joeirar aquilo que a sava-se delas o mesmo que nós? As reacções que elas suscitavam
um dado tempo pertence, e com ele morre, e aquilo que o trans- eram as nossas? Um Herculano, por exemplo, suscitava no seu
cende, e se inscreve mais fundo nas constantes da natureza humana. tempo reacções muito mais nítidas e contrastantes do que hoje;
De resto, é sabido como frequentes vezes só as épocas poste- um Antero tinha um público, cuja importância e significado está
riores à do poeta se encontram amadurecidas para a compreensão por averiguar, mas a verdade é que também despertava violenta
de determinados valores poéticos. É que os pequenos poetas, como hostilidade, especialmente nas hostes republicanas.
se fossem espelhos planos, reflectem em si as circunstâncias pe- Um Oliveira Martins, hoje, é sem dúvida visto por um prisma
culiares da sua temporalidade e da sua própria experiência de diverso do dos -seus contemporâneos. Isto, quanto aos grandes,
modo, — digamos, — passivo; os grandes, embora trabalhados por aos que de algum modo venceram as limitações circunstanciais do
idênticos condicionalismos, reagem a eles de um modo pessoal e seu próprio ambiente, projectando-se no nosso. Mas o historia-
activo, e se a marca de um dado tempo neles se inscreve, o es- dor, — relevemos este ponto — n ã o pode interessar-se somente por
pelho de que usam é convexo ou côncavo: deturpa, esfia con- ■esses. Em torno deles, houve uma chusma de outros escritores,
tornos, releva outros e mascara quase sempre certos aspectos da com os seus públicos e, alguns, com larga audiência, — um Júlio
realidade reflectida. Isto é: torna-se possível que os poetas me- César Machado, um Pinheiro Chagas, por exemplo, na década
nores, que vivem e morrem com o seu tempo-, constituam documen- 1870-1880. Donde, para mergulhar na ambiência literária das vá-
tação histórica mais segura e mais valiosa do que os maiores. rias épocas do século e, mediante ela, nas vivências epocais, a
Todavia, quer determinadas vivências poéticas tenham sido necessidade de organizar bibliografia exaustiva de tudo quanto
largamente compartilhadas por um vasto sector público (Junqueko, se publicou para, depois, se procurar entrever em conjunto a fun-
por exemplo), quer apenas pequenos grupos a elas adiram, (te- ção ou as funções da expressão literária oitocentista, — as ideias,
nhamos em vista Camilo Pessanha), não podem deixar de inte- os sentimentos, as atitudes mentais através dela irradiadas.
ressar o historiador que ousadamente inclui no âmbito do seu E qual a amplitude da irradiação? Quem lia e que obras obti-
estudo, além de mais, as próprias formas de sensibilidade das nham o favor público? Deste ponto de vista, um dos inquéritos
épocas passadas. a realizar seria o das tiragens habituais e excepcionais dos livros.
Dito isto, respiremos um pouco — e prossigamos... As ques- Seria verdade o que, em 1881, declaravam os gráficos do Porto:
tões formam um entretecido quase inextricável. Outra questão «são raras as edições de tiragem superior a 1000 exemplares por-
se põe que o historiador da cultura talvez não deva descurar. que as contrafacções de qualquer livro mais bem aceite fecham
58 TEMAS OITOCENTISTAS — I HISTORIA CULTURAL DO SSCULO X I X PORTUGUÊS 39

o mercado brasileiro»? (ô). Mas não teremos outrossim de con- Será legítimo formular o mesmo problema relativamente ao
siderar factos como estes: As Pupilas do Sr. Reitor, publicado teatro, se bem as suas repercussões nacionais sejam certamente
em 1867, alcançava a 5.a edição em 1883; a História de Portugal, menores que as da literatura. Mas nas cidades, Lisboa e Porto,
de Oliveira Martins, publicada em 1879, alcançava a 4.a edição e possivelmente noutras, o teatro mobiliza as atenções de certos
em 1886? grupos sociais, — e de tal modo que há, aí, todo um longo in-
Não basta, todavia, considerar a bibliografia nacional. As tra- quérito a efectivar. Quando se nos põe o problema do teatro por-
duções deviam ser também minuciosamente estudadas. Em 1871, tuguês oitocentista ocorre-nos logo, é claro, o teatro de Garrett
por exemplo, simultaneamente com publicações de propaganda e mais o Frei Luís de Sousa, talvez a Morgadinha de Val-Flor,
ibérica, e de propaganda socialista, na ressaca, em parte provo- e que mais? No entanto, quem consulte catálogos das livrarias
cada pelos ecos da Comuna de Paris, havia à venda, pelo menos, da época verá que, na maioria deles, a produção teatral avulta
12 volumes de Rocambole e, de 15 em 15 dias, saía a lume em aí de modo inesperado. Há autores teatrais fecundíssimos, hoje
Portugal um novo livro com as aventuras do famigerado perso- totalmente esquecidos cujas peças eram representadas e publica-
nagem. Paul de Kock tem, tudo o parece indicar, um público das. Lms de Araújo, Sousa Bastos, por exemplo, na década 1870-
3argo e fiel. «A fábrica de papel da Abelheira, as tipografias, -1880. Qual o papel desses autores, hoje ignorados, no seu tempo?
os distribuidores de cadernetas, os brochadores, os livreiros, toda Quais os temas e os conflitos predilectos dos frequentadores dos
essa gente durante anos comeu e bebeu da Irmã Ana, do Homem teatros? É muito possível que nesse teatro completamente morto
dos três calções, da Magalona.. .v> (10) — comenta Júlio César Ma- vamos encontrar reflexos de uma mentalidade, de uma amhiência
chado. Ora, desvalorizar o significado ideológico ou, na pior hipó- mental e social. Por exemplo, em 1872, ano dos primeiros movi-
tese, apenas psicológico de tais obras seria, do ponto de vista do mentos grevistas em Portugal, Luís de Araújo levava à cena uma
historiador, um erro. Se têm leitores, se as edições se sucedem, peça intitulada Dois operários em greve onde, para um público
correspondem a uma necessidade, e contribuem para criar dadas burguês, se ridicularizava os grevistas de Lisboa. Os termos em
vivências. Georges Duveau, encontrando na França do 2.° Império que a questão é posta, não têm apenas por fim provocar a hila-
um fenómeno semelhante em relação a Eugène Sue, (aliás tam- ridade da plateia, mas pressupõem uma tese. Admitamos, porém,
bém largamente traduzido em Portugal), Pigault-Lebrun, Paul de que o objectivo de tal teatro consistisse tão-somente em fazer
Kock, explica-o deste modo penetrante: «Precisemos que o rea- rir. Ora, a verdade é que não tem pouca importância histórica
lismo familiar, a libertina garotice de Pigault-Lebrun, de Paul de averiguar que motivos, em dada época, mais facilmente suscitam
Kock não explicam por si sós o favor público de que gozam o riso colectivo. Ou não será assim?
estes romancistas. Éugène Sue, nascido em 1801, exprime o pen-
samento democrático e socialista dos anos quarenta, mas Pigault-
-Lebrun, nascido em 1753 e Paul de Kock, em 1794, pertencem
a uma família espiritual diferente da do autor do Judeu Errante.
Usam um tom mais maroto, menos predicador e sorrindo (a vul-
garidade licenciosa do seu sorriso não é razão para afastá-los
do povo), propagam as ideias de 1789» C1).
Em suma: urge compreender a função psicológica e social da
literatura no seu tempo e não no nosso; as vivências que ela ex-
pande, as tradicionais e as renovadoras, — e, mediante esse inqué-
rito, darmos um passo no sentido do estudo das formas de men-
talidade oitocentista.

(9) Inquérito Industrial de 1881 — Visita às fábricas, 2,â parte, 226.


(I0) Júlio César Machado, ia Diário Ilustrado, 22 de Setembro de 1872.
(n) La Vie Ouvrière en France Soüs le Second Empire, p. 475.
HISTÓRIA CULTURAL. DO SÉCULO XIX PORTUGUÊS 41

de conjunto. Numa visão construída aos poucos, por aproxima-


ções e enriquecimentos, sucessivos. Algum dia integralmente rea-
lizada? Nunca houve, nem há, ciência integralmente lograda: uma
conquista implica novos problemas, novas dificuldades, tudo vi-
sando uma compreensão cada vez mais lata e unificadora da
multiplicidade sob a qual a experiência se nos depara. Mas sem
objectivo imediato, ou longínquo, não há ciência possível. Daí
que acentuemos, uma vez mais, o objectivo que será legítimo bus-
5 car, os problemas que devemos intentar compreender, mediante
os esboços de análise anteriormente apresentados e outros, pos-
sivelmente, que ainda se nos hão-de impor.
A compreensão do sentir, do pensar e do querer dos homens
das diversas épocas do século xix — eis um objectivo tentador.
A compreensão da psicologia epocal dos diversos grupos sociais
É muito possível que as considerações anteriores, na medida do século passado, tanto quanto o estudo da sensibilidade, do
em que se referiram a pontos concretos de análise, tenham levado esforço de intelecção, do pensamento e da acção nos permitam
o leitor a esquecer momentaneamente o objectivo comum que to- reconstituir formas de mentalidade não consideradas em compar-
das elas implicam, subjacente em todas estas nossas palavras — a timentos estanques (sentir, pensar e querer), mas em visão fun-
evolução das formas de mentalidade portuguesa ao longo do sé- cional da realidade psíquica...
culo xix. Evidentemente, — afirmemo-lo uma vez mais—, não se Em primeiro lugar, a sensibilidade. Charles Blondel na sua
trata de tarefa que se possa realizar do pé para a mão; não é Introdução à Psicologia Colectiva mostra como a afectividade
também tarefa, ao que nos parece, que directamente possa ser apresenta, quase sempre, ressonâncias colectivas. Assim se ex-
intentada no estado actual do nosso conhecimento do século pas- prime o psicologista francês: «Normalmente, os estados afectivos
sado. Para que a névoa que nos vela a visão dessa realidade possa vivem-se no seio de grupos mais ou menos bem delimitados, no
ser gradualmente vencida, há inquéritos especiais a elaborar e a interior dos quais exercem uma acção contagiosa, mais ou menos
realizar, pontos de pormenor a deslindar, longas jornadas a levar intensa. Todo o estado afectivo um pouco acentuado tende a
a cabo e que só indirectamente nos conduzirão ao objectivo pro- ecoar sobre o grupo e a beneficiar com a reacção deste eco. Quanto
posto. Assim, por exemplo, urge confessar que só por si o inqué- mais o meio em que nos encontramos lhe está socialmente adap-
rito referente à industrialização e aos meios técnicos exigiria al- tado, mais nítida e franca é a sua participação, maior força ganha
guns anos de trabalho persistente. a nossa emoção. Na ausência deste meio e desta participação, a
Investigar é analisar; a análise de múltiplos caminhos pres- emoção não realiza todas as nossas virtualidades mentais e mo-
supostos tem, necessariamente, de ser efectivada com as minú- toras. E é assim que, em regra geral, as nossas emoções nascem
cias e as conscientes limitações de um caminhar que se quer seguro. e se expandem num meio humano que não1 poderá ser qualquer
Mas a análise é um meio, e não um fim, insista-se até à saciedade. que, de algum modo1, as compensa do choque que delas recebe.
Um meio para uma compreensão que apenas se alcançará me- Quando familiares, as nossas alegrias e dores patenteiam-se ante
diante coordenadas gerais nas quais o elemento ou se integra e os amigos íntimos, contêm-se ante os simples conhecidos e ini-
vive, ou não se integra e perde-se na poeira dos eventos circuns- bem-se ante os que passam; quando nacionais, permitem-nos, no
tanciais e anedóticos. Ora, está bem de ver, não é uma história nosso país, travar conversas na rua, e, no estrangeiro1, adoptar
anedótica que será legítimo visar. E, por isso, condenados à aná- uma máscara de reserva e de dignidade. As nossas, cóleras ali-
lise, é necessário ter sempre presente o rumo preestabelecido para mentam-se com o furor ou a indiferença dos nossos adversários,
que os acidentes da pesquisa, os seus inesperados atractivos, os com a participação dos nossos amigos; extinguem-.se por falta de
novos filões que se vão descobrindo nos não desviem demasiado resistência ou de ajuda [...]. É, pois, bem verdade que para se
e, sim, gradualmente se integrem numa progressiva visão sintética desenvolverem, é preciso, naturalmente, aos estados afectivos um
42 TEMAS OITOCENTISTAS — I HISTORIA CULTURAL DO SÉCULO XIX PORTUGUÊS 43

meio social que lhes esteja adaptado, como verdade é que são humanos, os interesses dominantes que os caracterizam, a uten-
elaborados em nós, não só pelo que para nós representam, mas silagem mental ‘de que dispõem, também pode haver, e sempre
pelo que são para outrem e pelo acolhimento que recebem» (x). há, importantes diferenças a considerar. Os níveis perceptivos suce-
Com um âmbito mais restrito mas não de menor interesse, dem-se temporalmente —- eis verdade que ninguém se lembrará
E, Bauer (2) exprime-se deste modo: «Aquilo a que, em arte, de contestar. Mas podem coexistir diferentes níveis de percepção.
pejorativamente se chama a “moda” é uma realidade social que «As nossas percepções genéricas», — diz o mesmo Charles Blon-
se impõe aos maiores. Incontestavelmente existem “escolas”. São del—, «são feitas não só com aquilo que as sensações lhes tra-
complexos conjuntos de tradição1, de processos técnicos, de modos zem, mas também e talvez, sobretudo, com aquilo que as repre-
de pensamento e também de metafísica. A nossa ignorância é que sentações colectivas lhes impoém» (8). Todavia, as representações
geralmente nos permite considerar os grandes artistas como me- colectivas do aldeão e do citadino de uma mesma época, coinci-
teoros solitários. A técnica e a sensibilidade humanas evoluem dem integralmente? Haverá pontos comuns, mas tantos outros
colectivamente. Deste modo, é-nos impossível experienciar na au- divergentes. Daí, que a tentativa de averiguar a contextura dos
dição de uma partitura de Wagner esse sentimento de profun- vários quadros espácio-temporais se revista de particular interesse
didade quase-divina que por 1900 da despertava» (itálico nosso). e urgência. Mormente a noção de tempo nos diversos meios téc-
Na verdade, assim parece ser. Mas não só em relação à sensi- nicos, e o caminho para a sua uniformização, ao longo do sé-
bilidade culta, à sensibilidade da elite intelectual. De harmonia culo xix, relacionados, além do mais, com a difusão do relógio
com o que anteríormente ficou dito, temos de levar o nosso in- portátil, apresenta-se como investigação de grande, importância
quérito a mais largas camadas sociais. Assim, intentamos con- para o esclarecimento de muitos outros problemas históricos cuja
siderar as reacções afectivas típicas do rural e do citadino, do visão clara granderaente dependerá dos resultados que, por essa
agricultor e do operário perante uma série de «ressoadores»: a via, se obtiverem.
reacção à máquina e aos transportes modernos; a reacção à morte, Existe também uma memória colectiva — e há que estudá-la
ao amor, à vida, à religião, à política, — e como se manifestam do mesmo modo.
a piedade, a crueldade, a alegria, e que aspectos comuns ou diver- Depois, com um escopo menos lato mas não menos impor-
gentes assumem. tante, depara-se-nos a necessidade do estudo da mentalidade cien-
As «modas» cultas, refinadas, não podem também deixar de tífica e da mentalidade técnica. Eis problemas a pôr: qual a natu-
ser consideradas. Como reage a élite intelectual às artes plásticas, reza, os caracteres, a função e as condições da ciência portuguesa
à música, à poesia, à religião? Que se busca na emoção estética oitocentista?; qual a natureza, os caracteres, a função e as con-
ou religiosa e o que nelas se encontra? dições de vária sorte da mentalidade técnica do mesmo período?;
As emoções são, como vimos, contagiosas, irradiantes: não qual o significado da multiplicidade de inventos técnicos portugue-
se acantonam, sempre, nos limites de um grupo social; extrava- ses patenteados a partir de 1836?; somos nós incapazes de espirito
sam, por vezes, e assumem aspecto nacional. Tenhamos em vista, prático, por misteriosas virtudes e defeitos de raça, como levia-
por exemplo, o centenário de Camões (1880), o Ultimatum inglês namente se tem aduzido, ou as causas do relativo malogro dele
(1890), o sentimento da decadência nacional que parece ter-se são outras, que urge desvendar? O que, desde já, se pode afirmar
generalizado, no último quartel do século passado, a todas as é que, de 1836 a 1870, foram registados entre nós cerca de 56
camadas sociais. inventos portugueses, e, de entre eles, poderemos citar como exem-
Em segundo lugar, mas funcionalmente considerado, o pen- plos os seguintes:
samente?.
As percepções modificam-se através do fluir temporal e, num em 1842 — Máquina para extrair o azeite da planta deno-
mesmo período, consoante as actividades fundamentais dos grupos minada purgueira, que vicejava em Cabo Verde
e da qual se extraía combustível para a ilumi-
nação pública.
0 In Breve Antologia Filosófica, Joel Serrão e Jorge de Macedo
l.° vol., p, 183.
0 L’Invention, p. 157 — 9.* Semaine Internationale de Synthèse, 1938. (3) Introduction a la Psychologie Collective, pp. 117-118.
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em 1852—-Aparelho próprio para fabricação de gás para Não obstante os cuidados tomados, bem receamos que ressalte
iluminação extraído dos «produtos vegetais do pouco evidente a nossa crença no perigo dos compartimentos estan-
país». ques em psicologia, ou em história nela inspirada. Sensibilidade,
em 1854—-Fabrico de papel de celulose extraída da piteira. pensamento, acção? Sim, sem dúvida. Mas cuidado! Tal análise
desmembrada conduzir-nos-á, acaso, à compreensão tanto quanto
Esforço inventivo à escala das possibilidades naturais... possível totalizante dos homens, dos grupos sociais de uma época?
Correlativamente, impõe-se a consideração, sem os habituais Em primeiro lugar, torna-se evidente que sensibilidade, ‘pensa­
anacronismos, da existência de uma especulação filosófica, suas mento, acção em vez de considerados como coisas em si, se apre-
características e irradiação — assim como as condições culturais, sentam apenas como vias de penetração no psiquismo que in-
e outras, que lhe cercearam o voo, que limitaram a sua ampli- contestavelmente é uma unidade estrutural. Em segundo lugar,
tude. Aí só o caso de Sampaio Bruno exige inquérito longo e mi- entendemos que, particularmente no respeitante ao século xix,
nucioso (4). o inquérito só estará realizado, se algum dia o estiver, quando
Não deveremos deixar, outrossim, de considerar, em terceiro formos capazes de realizar, em suma, o seguinte desideratum:
lugar, a actlvidade. Problema que se apresenta sob maiores difi- A geografia e a sociologia da rotina e da inovação nos diversos
culdades do que os anteriores. Na verdade, se, no respeitante à aspectos da vida cultural. A rotina c a inovação nos diversos
sensibilidade e ao pensamento, há vias entreabertas, esboços de grupos sociais dispondo de dada aparelhagem técnica e utensi-
métodos, aqui, desde o princípio, tudo está por fazer. Pensamos, lagem mental. As interacções da rotina e da inovação considera-
porém, que a pressão da técnica se não exerce menos neste campo das regional e nacionalmente. Sim, isso mesmo: rotina e inovação
que nos outros. No sentido mais lato da palavra agir, os homens ■— na ferramenta do trabalho quotidiano; no suporte lógico^ do
agem não só por impulsos e decisões individuais, mas também pensamento; na linguagem que o exprime; nas reacções afectivas
em função das forças que dão sentido a essa acção, em função e conflitos peculiares; na acção e na passividade; nas ideias, nos
de coordenadas temporalmente determináveis. sentimentos, no querer e no agir; nas correntes ideológicas (sobre-
A acção não se apresenta sob uma única e exclusiva modali- vivências do passado, necessidades do presente, aspirações do fu-
dade, nem com o mesmo significado psicológico ou social: há turo). Ora, realizar tudo isso, ou confiantemente para lá caminhar,
níveis de actividade. Há um pensamento agente e outro, cons- é, ao que cremos, dissipar mal-entendidos, e abrir um dos cami-
cientemente teórico, que se recusa à acção que -não seja o próprio nhos dessa história mais sonhada que efectivada, que, todavia, o
acto de pensar. Há inibições e impulsos característicos dum deter- nosso tempo imperiosamente de nós exige.
minado meio técnico-social. Há grupos sociais que valoram certas
modalidades da.acção e outros que as subvaloram.
Pois bem: será possível, de um ponto de vista histórico; esta-
belecer correlações entre estes factos e outros simultâneos? Será
possível compreender as condições que inibem a acção em dados
círculo-s sociais e as que noutros permitem vencer a passividade?
Queremos crer que sim. E, se bem que um inquérito dessa natu-
reza, como, aliás, os anteriores, não possa ser levado a cabo sem
o activo concurso de psicologistas trabalhando em íntimo acordo
com historiadores; se bem que as dificuldades que ele pressupõe
sejam imensas, particularmente entre nós, isso não nos poderá
nem deverá impedir de procurar trilhar o caminho, que supomos
ser o bom caminho.

(4) Joel Serrão, Sampaio Bruno — O homem e o pensamento. Editorial


Inquérito.

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