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MÓDULO 3 AULA 1 14º Curso

2015

Reações Alérgicas e Anafilaxia

DR. LUCAS S. ZAMBON


Médico Supervisor do Pronto-socorro do Hospital das
Clínicas da FMUSP
Médico-assistente da Disciplina de Emergências Clínicas
do Hospital das Clínicas da FMUSP
Doutor pela FMUSP

20 de Junho de 2015
Caso Clínico
• Homem de 35 anos, hipertenso, em uso de
hidroclorotiazida 25 mg/dia e atenolol 25 mg/dia,
procura o pronto-socorro com quadro de início há cerca
de 1 hora de placas pruriginosas por todo o corpo
associadas a dispneia e episódio de síncope. Relata
ter almoçado em restaurante de frutos do mar há cerca
de 40 min
• Glasgow 15, PA 80x40 mmHg, FC 110 bpm,
FR 24 cpm, SatO2 90%
• BRNF 2T sem sopros, MV+ com sibilos expiratórios
difusos

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Caso Clínico
Qual o diagnóstico?
Quais condutas devem ser
tomadas?
Anafilaxia: Definição
• Reação alérgica grave, de início rápido e que pode
causar morte (fatalidades: 0,7 a 2% dos casos)
• Característico
• Exposição a um possível desencadeante
• Início: pico dos sintomas em 30 min a 1 h após o
início do quadro
• Resolução: espontânea ou em 30 min a 1 h após o
tratamento
• O diagnóstico é fundamentalmente clínico

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Outras Definições Importantes
Anafilaxia bifásica

• Recorrência dos sintomas após aparente resolução


do episódio anafilático inicial sem necessidade de
nova exposição
• Ocorre em até 23% das reações anafiláticas
• Início normalmente de 8 a 10 h após a resolução
• Pode se iniciar até 72 h após a resolução

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Outras Definições Importantes
Anafilaxia prolongada

• Reação anafilática que dura por horas, dias ou até


semanas
• Frequência desconhecida (relatos de casos, séries de
casos)

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Etiologia
Maior parte dos casos: reações mediadas por IgE
• Medicamentos (~5 min EV/~10 a 20 min VO para sintomas)
• Penicilinas, cefalosporinas, contraste radiológico,
bloqueadores neuromusculares
• Alimento (~30 min para sintomas)
• Amendoim, nozes, leite de vaca, frutos do mar
• Picadas de insetos (~1 a 15 min para sintomas)
• Himenópteros
• Outros
• Látex

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Desencadeantes
Reações mediadas por IgE Estímulo físico
Alimento (marisco, amendoim) Frio, calor, exercício, aquagênico,
Medicações (beta-lactâmicos) sêmen

Picadas de inseto (abelha, vespa) Mecanismos mistos


Látex AAS e AINH’s
Hemoderivados Reações transfusionais
Progesterona, estrogênio
Diretamente mediadas por mastócitos Doença do soro
Opioides Intoxicação por peixes da família
Bloqueadores neuromusculares Scombridae
Contraste iodado Atum, bonito, cavala, gaiado, sardinha,
anchova (não refrigerado, sabor
Vancomicina (“homem-vermelho”)
metálico ou picante)
Adenosina

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Critérios Diagnósticos
Critério 1

• Doença de início agudo (de minutos a horas), envolvendo pele


ou mucosa, ou ambos (urticária, prurido ou rubor generalizados,
edema de lábios-língua-úvula)

• E pelo menos um dos seguintes

• Comprometimento respiratório (dispneia, sibilos,


broncoespasmo, estridor, redução de peak-flow, hipoxemia)

• Queda da pressão arterial ou sintomas associados à


disfunção orgânica (hipotonia, colapso circulatório, síncope)

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Critérios Diagnósticos
Critério 2

• Pelo menos 2 sintomas que ocorram rapidamente (de minutos a


horas) após a exposição a um provável alérgeno para esse paciente

• Envolvimento de pele e de mucosas (urticária, prurido ou rubor


generalizados, edema de lábios-língua-úvula)

• Comprometimento respiratório (dispneia, sibilos, broncoespasmo,


estridor, redução de peak-flow, hipoxemia)

• Sintomas gastrintestinais persistentes (cólicas abdominais, vômitos)

• Queda da pressão arterial ou sintomas associados à disfunção


orgânica (hipotonia, colapso circulatório, síncope)

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Critérios Diagnósticos
Critério 3

• Queda da pressão arterial (de minutos a horas) após a


exposição a um alérgeno conhecido para esse
paciente
• Pressão arterial sistólica
• < 90 mmHg; ou
• Diminuição > 30% a partir da pressão sistólica de
base da pessoa

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Frequência dos Sinais e Sintomas
90%: cutâneo
• Eritema, prurido, urticária, angioedema

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Frequência dos Sinais e Sintomas
70%: respiratório
• Rinorreia, obstrução nasal, mudança da qualidade
da voz, sensação de garganta fechada (asfixia),
tosse, chiado, dispneia

40%: gastrointestinal
• Náusea, vômito, diarreia, cólica abdominal

35%: cardiovascular
• Tontura, taquicardia, hipotensão, colapso
cardiovascular

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Sinais de Alerta
• Rápida progressão dos sintomas a partir da
exposição
• Esforço respiratório, tosse persistente, estridor
• Vômitos persistentes
• Hipotensão, arritmia, dor torácica, síncope

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Armadilhas no Diagnóstico
• Usuários de
bloqueadores
histaminérgicos: sem
sintomas cutâneos
• Pacientes asmáticos
com broncoespasmo
refratário: verificar se há
rash, tontura, cólicas,
etc.

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Comorbidades = Gravidade
• Asma
• Mais comum associação em fatalidades
• DPOC
• Pneumonia
• Doença cardiovascular

Simons FR. Anaphylaxis, killer allergy: long-term management in the community.


J Allergy Clin Immunol 2006;117:367.

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Medicações de Uso Contínuo = Gravidade
• Bloqueadores adrenérgicos (beta ou alfa)
• i-ECA/BRA e outros anti-hipertensivos

Simons FR. Anaphylaxis, killer allergy: long-term management in the community.


J Allergy Clin Immunol 2006;117:367.

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Exames Complementares
Histamina

• Pico em 5 a 15 min após o início dos sintomas


• Logística complexa (coleta, análise)
• Não é útil para pacientes que procuram P.S.

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Exames Complementares
Triptase

• 1 a 3 h do início dos sintomas


• Acima de 15 ng/mL corrobora anafilaxia
• Range normal: 1 a 11,4 ng/mL ou mcg/L

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Diagnóstico Diferencial
• Síncope vaso-vagal
• Urticária
• Angioedema
• Asma descompensada
• Ansiedade
• Outras formas de choque distributivo (sepse)
• Causas de rash: vancomicina, cefalosporinas,
levodopa, etanol, menopausa, tumores endócrinos

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O que eu preciso saber sobre
o tratamento da anafilaxia?
Problemas com as Evidências
• Há poucos estudos randomizados para
tratamento
• Etiologia, apresentação clínica e envolvimento
orgânico muito variáveis – difícil criar padrões
de conduta
• Consequência: há mais recomendações
baseadas em consensos do que em evidências

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Problemas com as Evidências
Exemplo

• Sheikh A, Shehata YA, Brown SG, Simons FE. Adrenaline


(epinephrine) for the treatment of anaphylaxis with and
without shock. Cochrane Database Syst Rev 2008 Oct
8;(4):CD006312.
• Sheikh A, Shehata YA, Brown SG, Simons FE. Adrenaline
for the treatment of anaphylaxis: Cochrane Systematic
Review. Allergy 2009 Feb;64(2):204-12.

Conclusões: não foram encontrados estudos que


pudessem ser incluídos na análise
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“Evidências”

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Condutas
Base do tratamento: epinefrina

• Efeitos alfa-1: diminuição de edema de mucosas e


de aumento de PA (vasoconstrição)
• Efeitos beta-2: broncodilatação e diminuição da
liberação de histamina por mastócitos e basófilos
• Efeitos beta-1: aumento de inotropismo e de
cronotropismo
• Reações adversas: agitação, ansiedade, cefaleia,
tontura e palpitação

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Condutas
Epinefrina

• Atrasar seu uso implica maior mortalidade!


• Não há contraindicações absolutas ao seu uso
• Cuidados
• Cardiopatas
• Usuários de i-MAO ou tricíclicos
• Neurocirurgia recente
• Aneurisma de aorta
• Hipertireoidismo
• Uso de cocaína e de anfetaminas

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Condutas
Epinefrina (1 mg/mL ou 1:1.000)

• Via preferencial: IM
• 0,3 a 0,5 mg no músculo vasto lateral
• Repetir a cada 5 a 15 min para pacientes com
reação sistêmica (hipotensão, edema de via aérea,
dispneia)

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Condutas
Glucagon para usuários de beta-bloqueadores
(mais refratários ao uso de epinefrina)

• 1 a 5 mg IV em 5 min
• Em BIC: 5 a 15 mcg/min

Thomas M, Crawford I. Best evidence topic report. Glucagon infusion in refractory anaphylactic shock in
patients on beta-blockers. Emerg Med J 2005;22:272-3.

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Condutas
Pacientes com hipotensão

• 2 acessos venosos calibrosos (14/16)


• Ressuscitação agressiva
• 10 mL/kg SF0,9% EV nos primeiros minutos!
• (30 mL/kg SF0,9% EV na 1ª hora)

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Condutas
Choque anafilático

• Hipotensão refratária a volume + epinefrina: até 3


doses
• Epinefrina IV contínua em BIC
• Diluição: 4 mcg/mL (0,004 mg/mL)
• 1 mg (1.000 mcg) em SG5% 250 mL
• 2 a 10 mcg/min em BIC
Brown SGA. Cardiovascular aspects of anaphylaxis: implications for treatment and diagnosis.
Curr Opin Allergy Clin Immunol 2005;5:359-64.

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Condutas
E no choque anafilático refratário?

• Vasopressina
• 1 caso: 2 UI IV em bolus
Hussaim AM et al. Singapore Med J 2008 Sep;49(9):e225-8.

• 6 casos: maior parte usou 2 UI IV em bolus


Schummer C et al. Anesth Analg 2008 Aug;107(2):620-4.

• 1 caso: 2 UI IV em bolus + infusão de 2 UI/h


Meng L et al. Can J Anaesth 2008 Jul;55(7):437-40.

• 2 casos: 10 UI IV em bolus e 40 UI IV
Kill C et al. Int Arch Allergy Immunol 2004 Jul;134(3):260-1.

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Condutas
Vasopressina em choque anafilático refratário

• Sugestão: 2 UI IV em bolus (estudos)


• Infusão contínua de manutenção: 0,01 a 0,04
unidades/min (recomendação da bula em choque
séptico)

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Condutas Adjuvantes
Sintomas cutâneos

• Anti-histamínicos (duplo bloqueio para


potencialização)
• Bloqueador H1: difenidramina 25 a 50 mg + SF 100
mL (máximo 400 mg em 24 h)
• Bloqueador H2: ranitidina 50 mg IV + 20 mL SG5%
• NÃO USAR prometazina (grande efeito bloqueador
alfa-adrenérgico)

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Condutas Adjuvantes
Broncoespasmo

• Beta-2 – inalatórios: em pacientes com


broncoespasmo refratário à epinefrina

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Condutas Adjuvantes
Corticoides?

• Lembrar que o pico de ação se inicia em horas


• Essas medicações não eliminam os sintomas e sinais
de anafilaxia
• Podem ajudar a evitar reações bifásicas e
prolongadas
• Usar por 4 dias para evitar a recorrência

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Condutas – Via Aérea
• Oxigênio a 100% para todo paciente com sintomas
respiratórios e/ou cardiovasculares
• IOT precoce: recomendada para pacientes com
• Rouquidão
• Edema de língua
• Estridor
• Edema de orofaringe
• Pode ser necessário material de via aérea difícil

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Condutas – PCR
• Expansão agressiva: 4 a 8 L de cristaloides
• Alta dose de epinefrina IV – doses progressivas:
1 a 3 mg → 3 a 5 mg → 4 a 10 mcg/min em BIC
• Anti-histamínico IV: poucos dados
• Corticosteroides: pouco efeito na PCR
• Algoritmo de AESP: ritmo mais frequente
• RCP prolongada

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Condutas
• Observação mínima
• 2 h após resolver os sintomas com a conduta inicial
(ideal de 4 a 6 h)
• Demais casos
• 12 h de observação

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Condutas
Considerar observação mais prolongada
nos seguintes casos

• Exposição: sintomas > 30 min


• Sintomas: tratamento > 60 min
• História de resposta bifásica
• Idosos, cardiopatas, usuários de beta-
bloqueadores

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Condutas
Internação se

• Múltiplas doses de epinefrina


• Hipotensão/choque anafilático
• Edema de glote/insuficiência respiratória

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Caso Clínico
• Homem de 35 anos, hipertenso, em uso de
hidroclorotiazida 25 mg/dia e atenolol 25 mg/dia,
procura o pronto-socorro com quadro de início há cerca
de 1 hora de placas pruriginosas por todo o corpo
associadas a dispneia e episódio de síncope. Relata
ter almoçado em restaurante de frutos do mar há cerca
de 40 min
• Glasgow 15, PA 80x40 mmHg, FC 110 bpm,
FR 24 cpm, SatO2 90%
• BRNF 2T sem sopros, MV+ com sibilos expiratórios
difusos

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Condutas Nesse Caso
Imediatas
• Sala de emergência + monitorização e acesso venoso
• Avaliar se há critérios para IOT + oxigênio a 100% em
máscara
• Epinefrina 0,5 mg IM IMEDIATAMENTE!
• SF0,9% 1.000 mL EV ABERTO
• Glucagon 1 mg EV
• Difenidramina 50 mg EV + ranitidina 50 mg EV
DEPOIS
• Repetir epinefrina
• Epinefrina em BIC/vasopressina
• Beta-2 inal./corticoide
14º Curso Nacional de Atualização em Emergências Clínicas 2015
 Reprise das aulas: 25 de junho
14º Curso
 Vídeos complementares: 01 de julho
2015
 Envio de artigos para leitura: 03 de julho
 Casos clínicos: 08 de julho
 Exercícios de fixação: 13 de julho
 Prova do módulo III: 17 de julho

MUITO OBRIGADO!

Próximo Módulo
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25 de julho/2015 Todos os direitos reservados.
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