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sc especializa.

1 n causa dessa mutilação comum ó que a


linguagem se torna para nós utensílio, instrumento, coisa.
Cada vez que nos servimos das palavras, as mutilamos. O
poeta, porém, não se serve das palavras. E seu serro. \o servi-
las, devolvc-as ã sua plena natureza, fá- las recuperar seu ser.
Gravas à poesia, a linguagem reconquista seu estado original.
Primeiramente, seus valores plásticos c sonoros, cm geral
desdenhados pelo pensamento; em seguida, os afetivos; por
fim, os significativos. Purificar a linguagem, tarefa do poeta,
significa devolver-lhe sua natureza original. E aqui tocamos
num dos temas centrais dessa reflexão. A palavra, em si mes-
ma, é uma pluralidade de sentidos. Se por obra da poesia a
palavra recupera sua natureza original, isto é, sua pos-
sibilidade de significar duas ou mais coisas ao mesmo tempo,
o poema parece negar a própria essência da linguagem: a
significação ou sentido. A poesia seria uma empresa fútil e ao
mesmo tempo monstruosa: despoja o homem de seu bem
mais precioso, a linguagem, e lhe dá em troca um sonoro
balbucio ininteligível. Que sentido têm, se é que têm algum,
as palavras e frases do poema?
O RITMO

As palavras se conduzem como seres caprichosos e au-


tónomos. Sempre dizem “isto e o outro" e, ao mesmo tempo,
“aquilo e o outro mais além”. O pensamento não se resigna;
forçado a usá-las, vez ou outra pretende reduzi-las às suas
próprias leis; e vez ou outra a linguagem se revolta e rompe
os diques da sintaxe e do dicionário. Léxicos e gramáticas
são obras condenadas a nunca se acabarem. O idioma está
sempre em movimento, ainda que o homem, por ocupar o
centro do remoinho, poucas vezes se aperceba dessa
incessante mutação. Daí que, como se fosse algo estático, a
gramática afirme que a língua é um conjunto de vozes e que
estas constituem a unidade mais simples, a célula linguística.
Na realidade, o vocábulo nunca vem isolado; ninguém fala
com palavras soltas. O idioma é uma totalidade indivisível;
não é formado pela soma de suas vozes, do mesmo modo
que a sociedade não é o conjunto dos indivíduos que a
compõem. Uma palavra isolada é incapaz de constituir uma
unidade significativa. A palavra solta não é, propriamente,
linguagem; tampouco linguagem é uma sucessão de
vocábulos dispostos ao acaso. Para que a linguagem se
produza é mister que os signos e os sons se associem de tal
maneira que impliquem e transmitam um sentido. A
pluralidade potencial de significados da palavra solta se
transforma na frase numa certa e única direção, embora nem
sempre rigorosa e unívoca. Assim, não é a voz, mas a frase
ou a oração, que constitui a unidade mais simples da fala. A
frase é uma totalidade auto-suficiente; toda a linguagem,
como num microcos-

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