_REMOVENDO A NOSSA ARMADURA
MUSCULAR: REICH
Para os QUE traballiam em psiquiatria, a Jeitura de
Wilhelm Reich é semelhante & leitura de Fanny Hill em um
colégio batista de mulheres: é feita a luz da lua e com fascina-
cio, mas quando chega a luz do dia nao é apropriado falar
dessa fascinacio aos companheiros. Essa comparacao dos livros
de Reich com a pornografia nao é de todo inepta, ja que acon-
tece freqiientemente que as coisas que excitam os homens ao
mesmo tempo com arrepios deliciosos ¢ com sensagGes de ver-
gonha sao téo importantes para a sua vida como é importante
nao mencion4-las aos outros.
A maquina da moralidade social e da repressfo sempre foi
um processo muito pratico de protegdo da comunidade humana
contra perigos reais que deveriam mesmo ser temidos. Mas se
uma sociedade consegue dominar o perigo que 2 ameaga, entio
101ja n@o hé nada a ser temido, e as regras tepressivas deixam de
ser importantes — especialmente para as geragGes nascentes, j4
que elas nao conheceram os perigos que assustaram os seus pais,
Para os membros mais jovens de uma sociedade em mutagio,
que nao foram atingidos pela réde de lembrangas embebidas na
tradic&o cultural, nao ha perigo a vista ou a ser temido, e assim,
nenhuma importancia pratica de certos cédigos morais para o
seu comportamento. :
Isto significa que por detras de cada restri¢o moral da
histéria da humanidade havia originalmente um sério perigo a
ser temido e evitado; e na medida em que cada um désses peri-
gos é eliminado, cada uma dessas restrig6es é tornada irrelevante
para os que jamais conheceram o perigo. Assim, quando se
obtém facilidade de movimentos, de comunicagado e de locaciio,
juntamente com pilulas anti-concepcionais e com facilidade eco-
ndmica para empregar tédas essas vantagens tecnoldgicas, entdo
ndo apenas a moralidade sexual do Ocidente esta a ponto de
desaparecer da nossa sociedade como também o seu produto
bdsico, a pornografia, Quem precisa do cédigo moral quando
os perigos estéo subjugados? E quem precisa de substitutos por-
nograficos quando se pode ter a verdadeira experiéncia sem
nenhum perigo? Z
Wilhelm Reich parece ser lido 4 luz da lua por duas boas
raz6es, tédas duas, na verdade, muito importantes: em primeiro
lugar, éle era radicalmente “ndo-profissional” na sua pesquisa
e na sua elaboracio teérica; depois, éle insistiu ainda mais vigo-
rosamente do que Freud na importancia bdsica, para o homem,
da sexualidade genital e do orgasmo.
O aspecto “nao-profissional” da obra e das teorias de Reich
é a sua maravilhosa e agressiva ambicao de nao apenas resolver
o enigma do homem, como também o enigma do universo, que
éle compreendia como um oceano de energia césmica. E certa-
mente impossivel, no século XX, ser-se um Cientista Universal
da Renascenga, e isso ainda é mais dificil quando nao se tem
quase assisténcia, e com um equipamento de laboratério relati-
vamente simples. Mas o maravilhoso Reich nao era alguém que
se detivesse diante da barreira do impossivel; dado o que éle
ja tinha descoberto nas ciéncias sométicas, Reich sentiu que
seria loucura nao ir além do mundo fechado dos somas e dei-
xar de verificar se as mesmas descobertas tinham aplicagéo na
102iéncia fisica. Dadas as limitacSes sob as quais é
50 ha duvida que a experiéncia de Reich incrivelen ne
tuosa. Nenhum homem de ciéncias imaginativo pode ler sobre
as experiéncias de Reich ¢ as suas teorias sébre energia or, ‘nica
e suas fungées, sem deixar de sentir-se ao mesmo tempo laa
prado e& excitado com o que pode ser um verdadeiro non-sense
mas também pode ser terrivelmente verdadeiro. Mas os psiquia-
tras e psicoterapeutas familiarizados com Freud eonheesa e
compreendem (e, espero, perdoam) Reich por ter feito o que
o seu colega mais velho, Freud, estava fazendo depois de 1920:
ambos estavam tentando enxergar através da estrutura da ma-
téria organica até chegar ao suporte estrutural da matéria inor-
ganica, de mancira a descobrir o segrédo comum as duas. Uma
ambicao colossal — mas por que nao? Por que nao o tentaria
um homem soberanamente confiante na sua capacidade?
Nao acrescentarei nada a ésse aspecto da obra de Reich.
O leitor pode acompanhar os Ultimos véos de Reich e decidir
se, no fim das contas, éle tinha se tornado Leonardo da Vinci
ou Dom Quixote — de qualquer maneira, um grande e inesque-
civel pesquisador que nos mostra como é indigno de qualquer
homem deixar de tentar o impossivel.
Mas é da obra anterior, somatica, de Reich que quero falar
aqui; e é essa obra reveladora que estendeu, pontuou, e, se
vocés quiserem, “‘somatizou” as intuigdes de Freud bem além
das descobertas iniciais do grande mestre.
Como Sigmund Freud e outros cientistas somaticos, Reich
considerou o ser humano como um organismo, cuja estrutura
corporal e organizagao neurofisiolégica evoluiram numa adapta-
cao pratica ao ambiente terrestre, através de milénios de historia
organica, Como Freud, Reich também entendeu que a fonte de
energia do soma humano vinha de dentro da sua organizacio
primordial, somatica (isto é, os processos primarios inconscien-
tes). Finalmente, como Freud, éle entendeu que quando um
soma humano funciona fora do seu normal (neurose ou Ppsi-
cose), a razdo funcional para isso era algum bloqueio ou des-
vio désses padrGes primarios de energia dos seus canals normals
de expressao.
_ As descobertas somaticas que Reich acrescentou a cssas
intuigdes basicas de Freud centraram-se nas descobertas de Reich
a respeito da “armadura muscular” dos séres humanos. E a im-
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