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RESUMO – PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

ELABORADO POR MARCUS VINICIUS BERNO NUNES DE OLIVEIRA

1. Princípios do Direito Penal: hoje em dia, podemos observar que boa parte dos princípios penais foram
incorporados no texto da Constituição ou das leis penais, transformando-se em normas jurídicas. A grande
importância que se dá os princípios penais é por causa da sua finalidade, que é justamente limitar o exercício
do direito de punir do Estado para que ele não viole injustamente a liberdade e a dignidade humana. Os
princípios penais são verdadeiras garantias dos indivíduos, para que o Estado não utilize o direito penal como
forma de perseguição política, religiosa, social ou qualquer outra forma de violência ilegítima contra os
indivíduos (por exemplo, lembra-se do uso do direito penal como forma de perseguição política, como no caso
do julgamento de Tiradentes ou durante o regime militar). Já que os princípios penais são normas, o juiz
deverá obedecê-los integralmente na hora de julgar, verificando se naquela situação que ele está julgando
não ocorreu a violação a algum princípio penal. Por exemplo, temos o julgamento do HC 124.306/RJ, 1 em
que o STF entendeu que os direitos fundamentais da mulher e o princípio da proporcionalidade
(previstos na CF) tornaram inválida a norma penal que criminaliza o aborto no primeiro trimestre.
2. Princípio da legalidade ou da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da CF): segundo esse princípio somente será
possível punir alguém por um crime se esse crime e a sua pena estiverem definidos em lei (nullum crimen, nulla
poena sine lege). Portanto, o princípio da legalidade abrange o preceito primário e o preceito secundário da
norma penal incriminadora: não só eu não posso ser punido por um fato que não esteja previsto em lei
(preceito primário), como também não é possível aplicar uma pena diferente daquela definida na lei (preceito
secundário). Percebe-se claramente que o princípio da legalidade exerce uma função limitadora ao direito
de punir, atuando como verdadeira garantia da liberdade do indivíduo contra abusos do Estado. Por conta
disso, em razão do princípio da legalidade, exige-se que a lei penal tenha as seguintes características: a) a
lei penal deve ser anterior aos fatos que se quer punir (princípio da anterioridade ou lex praevia); b) a lei penal
deverá ser escrita (lex scripta), não se admitindo a criação de lei penal baseada meramente nos costumes; c) a
lei penal deve ser “lei” em sentido estrito (lex stricta), ou seja, deve ser ato normativo elaborado pelo processo
legislativo próprio das leis, razão pela qual não se admite a sua incidência sobre fatos não previstos na norma
(proibição da analogia in malam partem); d) a lei penal deve ser certa, definindo claramente os fatos sobre os
quais incidir, não se admitindo a previsão de fatos criminais “genéricos” (lex certa).

1 DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA
SUA DECRETAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO TIPO PENAL DO ABORTO NO CASO DE
INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GESTAÇÃO NO PRIMEIRO TRIMESTRE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1.
O habeas corpus não é cabível na hipótese. Todavia, é o caso de concessão da ordem de ofício, para o fim de desconstituir a prisão
preventiva, com base em duas ordens de fundamentos. 2. Em primeiro lugar, não estão presentes os requisitos que legitimam a
prisão cautelar, a saber: risco para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (CPP, art.
312). Os acusados são primários e com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e
cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação. 3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação conforme a
Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de
incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos
direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade. 4. A criminalização é incompatível com os seguintes
direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação
indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica
da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não
engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. 5. A tudo isto
se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira,
impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se
submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos. 6.
A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de
duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante
sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite
a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição
de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional
em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios. 7. Anote-se, por
derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o
primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal,
Holanda e Austrália. 8. Deferimento da ordem de ofício, para afastar a prisão preventiva dos pacientes, estendendo-se a decisão
aos corréus. (HC 124306, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira
Turma, julgado em 09/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-052 DIVULG 16-03-2017 PUBLIC 17-03-2017).
3. Princípio da intervenção mínima: esse princípio está diretamente ligado à fragmentariedade e à
subsidiariedade do direito penal. O princípio da intervenção mínima parte da premissa de que a intervenção
penal na vida das pessoas é muito drástica e violenta, e por vezes pode causar mais prejuízo do que benefícios
à coletividade. Isso porque os custos econômicos e sociais do direito penal são extremamente elevados, pois
a sua aplicação não só traz para o indivíduo a estigmatização e rotulação típicas da condição de “ex-
presidiário”, como também rompe os laços sociais desse indivíduo e dificultam sobremaneira a sua reinserção
no convívio social. Por isso, de acordo com esse princípio, o direito penal deve ser orientado para intervir o
mínimo possível nas relações sociais, preservando a autonomia e liberdade dos indivíduos. Somente nos
casos extremamente necessários, quando nenhum outro ramo do direito seja capaz de proteger
satisfatoriamente um bem jurídico altamente relevante (subsidiariedade e fragmentariedade), é que o direito
penal deverá ser acionado (ultima ratio). Podemos dizer que o princípio da intervenção mínima é um
princípio de política criminal, que visa estabelecer um modelo de direito penal a ser implementado pelo
Estado (direito penal mínimo). Por isso, esse princípio é mais direcionado para a atividade do legislador
penal, que é quem cria as normas penais, obrigando que ele seja cauteloso na hora de criminalizar condutas,
justamente para evitar que o Direito Penal intervenha em situações desnecessárias. Da mesma forma, o
princípio da intervenção mínima também serve de fundamento para a descriminalização de condutas,
quando se verificar que o direito penal já não é mais necessário para a proteção de um bem jurídico. Por
exemplo, é por conta do princípio da intervenção mínima que alguns autores defendem a necessidade de
retirada dos crimes de trânsito da esfera do código penal (a exemplo do crime de direção embriagada,
previsto no art. 306 do CTB 2), pois para tais condutas o próprio CTB traz as penalidades administrativas
(art. 256 do CTB 3) que já seriam suficientes para proteger a segurança no trânsito (no caso da direção
embrigada, tem os art. 165 4, 165-A, 5 258, I, 6 e 276 7 do CTB).
4. Princípio da adequação social: de acordo com esse princípio, certas condutas que sejam reconhecidas
socialmente como adequadas, aceitas ou toleradas não devem ser enquadradas como fato criminoso, mesmo
que a conduta esteja prevista em norma penal incriminadora. Em outras palavras, não se pode reputar como
criminosa uma ação ou omissão aceita ou tolerada pela sociedade, ainda que formalmente subsumida a um
tipo legal incriminador. Um exemplo seria o caso da lesão corporal causada pela mãe que fura a orelinha do
bebê para colocar brinco (nesse caso, claramente a lesão é relevante, pois se trocarmos a mãe pela professora,
que resolve furar a orelha da criança, a mesma conduta já passa a ser socialmente inadequada). O princípio
da adequação social é direcionado ao juiz, que é quem deverá interpretar os fatos e aplicar a norma. Por isso,
esse princípio pode ser visto como um desdobramento do princípio da intervenção mínima, mas com a
diferença de ser voltado à atividade do juiz, enquanto a intervenção mínima é voltada ao legislador. Embora

2 Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra
substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de
se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por: I
- concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por
litro de ar alveolar; ou II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. § 2o A
verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo,
prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. § 3o O Contran disporá
sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado neste
artigo.
3 Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá
aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades: I - advertência por escrito; II - multa; III - suspensão do direito de
dirigir; IV - (Revogado pela Lei nº 13.281, de 2016); V - cassação da Carteira Nacional de Habilitação; VI - cassação da Permissão
para Dirigir; VII - freqüência obrigatória em curso de reciclagem.
4 Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração -
gravíssima; Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses. Medida administrativa -
recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo (...). Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no
caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.
5 Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de
álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277: Infração – gravíssima; Penalidade - multa (dez vezes) e
suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção
do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270. Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de
reincidência no período de até 12 (doze) meses.
6 Art. 258. As infrações punidas com multa classificam-se, de acordo com sua gravidade, em quatro categorias: I - infração de
natureza gravíssima, punida com multa no valor de R$ 293,47 (duzentos e noventa e três reais e quarenta e sete centavos).
7 Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades
previstas no art. 165.
os autores defendam a aplicação desse princípio, os tribunais superiores (STJ e STF) são bastante resistentes
a essa ideia. O Min. Luiz Fux disse em decisão do STF sobre venda de CD/DVD (art. 184, §2º, do CP) 8
pirata que “o princípio da da adequação social reclama aplicação criteriosa, a fim de se evitar que sua adoção
indiscriminada acabe por incentivar a prática de delitos patrimoniais, fragilizando a tutela penal de bens
jurídicos relevantes para vida em sociedade”. 9 Por isso, geralmente eles não admitem a sua aplicação para
afastar a incidência da norma penal ao fato. Exemplos: a) STF negou a aplicação do princípio da adequação
social sobre a contravenção penal do jogo do bicho; 10 b) STF negou a aplicação do princípio da adequação
social ao crime do art. 229 do CP 11 (casa de prostituição); 12 c) STJ negou aplicação do princípio da adequação
social ao crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP 13), mesmo a menor já tendo experiência sexual e
mesmo com o relacionamento consentido.14
5. Princípio da lesividade (ou ofensividade): determina que somente podem ser criminalizadas condutas que
causem lesão ou perigo de lesão a bem jurídico-penal alheio. Em outras palavras, não se admite o uso do
direito penal como forma de proibição de condutas ou comportamentos meramente íntimos, que não
extrapolam a esfera interna do indivíduo. Por exemplo, não pode o direito penal criminalizar sentimentos,
emoções, desejos, opiniões pessoais ou convicções filosóficas, políticas ou religiosas do indivíduo. Isso existe
justamente para evitar que o Direito Penal seja usado como forma de perseguição ou discriminação.
Igualmente, também não se admite a criminalização de condutas que afetem apenas agente (autolesão). O
crime deve ser sempre uma conduta dirigida a lesionar bem jurídico de outra pessoa, diferente do causador
da lesão.

8 Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1o Se a
violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra
intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do
produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2o Na mesma pena
do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire,
oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do
direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra
intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
9 Os princípios da insignificância penal e da adequação social reclamam aplicação criteriosa, a fim de evitar que sua adoção
indiscriminada acabe por incentivar a prática de delitos patrimoniais, fragilizando a tutela penal de bens jurídicos relevantes para
vida em sociedade. O impacto econômico da violação ao direito autoral mede-se pelo valor que os detentores das obras
deixam de receber ao sofrer com a “pirataria”, e não pelo montante que os falsificadores obtêm com a sua atuação imoral
e ilegal. A prática da contrafação não pode ser considerada socialmente tolerável haja vista os enormes prejuízos causados
à indústria fonográfica nacional, aos comerciantes regularmente estabelecidos e ao fisco pela burla do pagamento de
impostos. [RHC 115.986, rel. min. Luiz Fux, j. 25-6-2013, 1ª T, DJE de 16-8-2013.]
10 Trecho de acórdão da Turma Recursal dos Juizados Cíveis e Criminais da Comarca de Conselheiro Lafaiete/MG citado pelo
Relator: “(...) segundo o Princípio da Adequação Social, torna-se impossível considerar como delituosa uma conduta aceita ou
tolerada pela sociedade, mesmo que se enquadre em uma descrição típica. Também não é o caso. Apesar da pouca fiscalização e
repreensão à infração, o jogo do bicho recebe, e deve receber mesmo, larga reprovação da sociedade, notadamente por sua
nocividade. [....] A bem da verdade, o ‘jogo do bicho’ deixa notórias seqüelas anti-sociais, já que em seus bastidores proliferam a
corrupção, disputas entre quadrilhas, subornos e até mortes”. (RE 608425, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, julgado em
22/06/2010, publicado em DJe-141 DIVULG 30/07/2010 PUBLIC 02/08/2010).
11 Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de
lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
12 No crime de manter casa de prostituição, imputado aos pacientes, os bens jurídicos protegidos são a moralidade sexual e os bons
costumes, valores de elevada importância social a serem resguardados pelo direito penal, não havendo que se falar em aplicação do
princípio da fragmentariedade. Quanto à aplicação do princípio da adequação social, esse, por si só, não tem o condão de revogar
tipos penais. Nos termos do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (com alteração da Lei 12.376/2010), “não
se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”. Mesmo que a conduta imputada aos
pacientes fizesse parte dos costumes ou fosse socialmente aceita, isso não seria suficiente para revogar a lei penal em vigor.
[HC 104.467, rel. min. Cármen Lúcia, j. 8-2-2011, 1ª T, DJE de 9-3-2011.]
13 Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito)
a 15 (quinze) anos.
14 O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo
irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento
amoroso com o agente. (Súmula 593, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/10/2017, DJe 06/11/2017).
Obs. 1: As autolesões que causem violação a bem jurídico alheio podem ser punidas, como por exemplo o
caso de alguém que se autolesione para receber um seguro. Porém, nesse caso o agente responderá pela fraude
contra a seguradora (art. 171, §2º, V, do CP 15), mas não pela lesão corporal que causou a si mesmo.
Obs. 2: Em razão do princípio da lesividade, os atos preparatórios de um crime não são puníveis, salvo se
eles próprios constituírem fato criminoso autônomo. Em outras palavras, não há crime se o agente não chega
a interferir na esfera dos bens jurídicos alheios, permanecendo apenas na sua própria esfera íntima. Ex.:
planejar horários e locais do crime, alugar esconderijo, comprar uma faca, uma pá etc. Por outro lado, se o
ato preparatório constituir crime por si só, então ele poderá ser punido. Por exemplo, se eu compro e porto
arma de fogo sem autorização, se eu invado domicilio alheio para fotografar, se eu mato alguém para
acobertar o plano, se roubo um carro para usar na fuga etc. Outro exemplo é o crime de formação de quadrilha
(art. 288 do CP 16) e o crime de petrechos para falsificação de moeda (art. 291 do CP 17).
6. Princípio da insignificância (ou bagatela): é um princípio que decorre da concretização do princípio da
lesividade. Pelo princípio da insignificância, não se considera crime a conduta que cause lesão ou perigo de
lesão insignificante ao bem jurídico-penal alheio. Trata-se de um princípio direcionado ao juiz, que deverá
analisar a extensão da lesão causada pelo agente no momento do julgamento. Embora a sua aplicação mais
comum seja nos crimes contra o patrimônio, o princípio da insignificância pode ser aplicado em qualquer
crime, desde que haja compatibilidade como tipo de bem jurídico tutelado pela norma penal. Por isso, para
aplicar a insignificância não basta apenas que o valor do bem seja insignificante, pois também devem ser
considerados os seguintes critérios: a) as condições pessoais do agente e da vítima. Por exemplo, no caso
do furto de uma biscicleta, dependo da vítima a lesão pode ser insignificante ou não; b) o grau de
lesividade/ofensividade da conduta. Por exemplo, não se admite a aplicação da insignificância no crime de
roubo (art. 157 do CP 18), pois como o roubo envolve violência ou grave ameaça à vítima, a sua conduta já
tem um alto grau de ofensividade (mesmo que a coisa roubada seja de pequeno valor); c) a relevância do bem
jurídico atingido pela conduta. Por exemplo, é muito difícil aceitar a aplicação da insignificância em um crime
contra a vida, pois por menor que seja o perigo causado, o bem jurídico é tão relevante que a conduta não
pode ser considerada insignificante. O mesmo vale para crimes que envolvem violência sexual, como é o caso
do e o estupro (art. 213 do CP 19).
Obs.: Dentro dos três elementos do crime (tipicidade, ilicitude e culpabilidade), a aplicação do princípio da
insignificância exlcui a tipicidade, em razão da ausência de tipicidade material (ver unidade 4).
7. Princípio da humanidade (art. 5º, XLVII, da CF): prevê que o direito penal deve respeitar os direitos
individuais fundamentais, preservando a dignidade da pessoa humana. Cabe ressaltar que a dignidade da
pessoa humana é hoje o valor supremo de todo o Estado e de toda a sociedade, e é a busca por condições cada
vez mais dignas de vida que justifica e orienta a existência do Estado e a sua intervenção na vida dos
indivíduos. Se o Estado é uma entidade abstrata, criada por nós, pela nossa inteligência, por que ele existiria,
se não fosse para promover a dignidade humana a níveis cada vez mais altos? É por isso que a própria
Constituição previu expressamente a dignidade da pessoa humana como fundamento do nosso Estado (art.
1º, III, da CF 20), e é por isso que ela deve ser observada em toda e qualquer atividade do Estado, inclusive e
principalmente no exercício do poder de punir. Em razão do princípio da humanidade, não se admite qualquer
imposição de pena que viole a dignidade da pessoa humana, como é o caso da pena de morte, tortura, perpétua
ou qualquer outra forma de punição cruel. Esse princípio tem aplicação não só para o legislador, na hora de

15 Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante
artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez
contos de réis. (...) § 2º - Nas mesmas penas incorre quem: V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o
próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro.
16 Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três)
anos.
17 Art. 291 - Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou
qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
18 Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-
la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
19 Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com
ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
20 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana.
elaborar a norma penal, como também para o juiz. Por exemplo, se uma situação de cumprimento de pena
não atende aos requisitos mínimos de humanidade, aplicando esse princípio o juiz pode determinar a
transferência do preso para outro estabelecimento ou até mesmo a sua colocação em regime aberto ou em
prisão domiciliar.
8. Princípio da culpabilidade (ou da responsabilidade penal subjetiva): a palavra “culpabilidade” nesse caso
tem o sentido de “responsabilidade” 21. Assim, o princípio da culpabilidade determina que não há crime sem
que alguém seja o responsável pela lesão ao bem jurídico-penal atingido pela conduta (“nullum crimen sine
culpa”). Essa responsabilidade penal só surge para o agente em duas situações: a) quando ele pratica a conduta
com a intenção de causar a lesão (chamamos isso de dolo); b) quando ele pratica a conduta sem tomar o
cuidado necessário, causando a lesão mesmo sem intenção (chamamos isso de culpa). Por conta disso,
podemos dizer que alguém somente poderá ser responsável por um crime se tiver praticado a conduta com
dolo ou culpa (chamamos isso de responsabilidade penal subjetiva). Do contrário, se a lesão ocorre sem que
o seu causador tenha agido com dolo ou culpa, não há crime. Por exemplo: eu estou dirigindo o meu carro
dentro do limite de velocidade e de repente um menino entra na pista correndo atrás de uma bola, então eu
atropelo e mato o menino. O causou a lesão ao bem jurídico vida do menino foi a minha conduta de atropelar
com o carro. Porém, eu tive a intenção de causar a lesão (dolo)? Não. Eu atropelei o menino porque agi sem
o cuidado necessário para dirigir? Não, pois eu estava dentro do limite. Logo, não há crime, pois a minha
conduta não pode ser enquadrada no tipo penal do homicídio. Agora veja outro exemplo: eu estou com muita
pressa de chegar no trabalho, e por isso eu estou dirigindo o meu carro em alta velocidade. Aí o menino entra
na pista correndo, e por conta da velocidade que eu estava, eu não consigo frear e atropelo e mato o menino.
Eu tive a intenção de causar a lesão? Não, então não tem dolo. Porém, eu agi sem o cuidado necessário para
dirigir? Sim, pois estava com excesso de velocidade. Logo, a minha conduta se enquadra no homicídio culposo
no trânsito (art. 302 do CTB 22).
Obs.: O princípio da culpabilidade traz como consequência lógica o princípio da pessoalidade ou
instranscendência (art. 5º, XLV, da CF), pelo qual a pena somente pode ser imposta ao responsável pelo
crime. Não se admite que outra pessoa, que não seja a responsável pelo crime, seja obrigada a cumprir a pena.
Por isso é que a morte do agente é uma das causas de extinção da punibilidade do crime (art. 107, I, do CP).
Cuidado! Embora a pena criminal só seja imposta ao responsável pelo crime, a obrigação civil de reparar o
dano causado pelo crime (indenização), pode ser executada sobre eventual herança que o infrator transfira a
seus herdeiros.

21 A palavra “culpabilidade” é usada no direito penal com ao menos três significados: como princípio fundamental, cujo sentido é
de “responsabilidade”; como elemento estrutural do conceito de crime, cujo sentido é de “reprovabilidade” ou possibilidade de
reprovação (punição) da conduta; ou como fundamento e limite da pena, cujo sentido é de “mensuração” da reprovação merecida
pela conduta.
22 Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

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