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1/1/2018 Arquitectura.

João Seixas: "As cidades são grandes espelhos de nós próprios"

João Seixas: "As cidades são grandes espelhos de


nós próprios"

Nas crónicas urbanas do investigador João Seixas, agora publicadas em livro, a cidade é o
re exo das realizações e aspirações colectivas e individuais.

São crónicas urbanas. Lisboa está em evidência, mas é de uma forma mais vasta a ideia de
cidade, como espelho de nós próprios, que está no centro de Em Todas as Ruas (Escritório
editora, 2015), o livro que reúne as crónicas publicadas no PÚBLICO pelo investigador e
professor João Seixas, com ilustrações de Eduardo Salavisa, João Catarino ou José Louro.

Com trabalho realizado na área da sociopolítica, da geogra a e da economia das metrópoles,


João Seixas tem uma visão integradora e democrática das cidades, olhando para elas de
forma íntima ou quotidiana, mas também como lugar de desejo colectivo onde, nestes
tempos de transições, é possível ir concebendo uma existência mais criativa, justa e humana.
 

Fica a ideia, lendo as suas crónicas, que costuma andar muito a pé, pelo olhar de
proximidade que evidencia e pela atenção aos pequenos sinais que a cidade
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transmite. É assim?

Sim. Ando cada vez mais a pé. Eu e a minha mulher tínhamos ambos carro e agora só temos
um e habituámo-nos a andar a pé na cidade. Não é apenas uma preocupação ecológica, é
também uma forma de usufruirmos mais da cidade. É quase como se tivesse voltado aos
tempos da adolescência em que andava muito a pé. Dessa forma o reconhecimento da cidade
é mais fácil e usufrui-se mais.

Num dos textos escreve sobre a rede de metro de Lisboa, quase como se a mesma fosse
um re exo do país – bonita, mas insu ciente, remediada, ainda não totalmente
cosmopolita. É assim que vê também as cidades portuguesas?

Sim. As cidades são grandes espelhos de nós próprios, seja de uma forma individual ou
colectiva, re ectindo as nossas realizações. Nesse texto o metro de Lisboa surge quase como
uma metáfora do próprio país: uma rede de metro pequenina, semi-modernista, semi-
cosmpolita, que foi crescendo lentamente, mas que ao mesmo tempo, apesar de pequena,
cada uma das suas estações parece um palácio. Há a preocupação de haver transporte público
colectivo, mas face à metrópole não deixa de ser reduzido comparativamente a outras
cidades.

A salvação ecológica do planeta será feita sobretudo nas cidades


Nas cidades contemporâneas a questão da mobilidade como um direito é central, porque a
cidade é como uma grande molécula relacional, é uma construção social que tem maior ou
menor dinâmica conforme a capacidade relacional que existe dentro dela. E dela para outras
cidades.

Nesse sentido o direito à mobilidade – de todas as escalas (seja andar de bicicleta, de skate
ou andar pé, até  andar de TGV ou de avião) – é estrutural. Basta pensar que na nossa
sociedade quando alguém se porta mal o que fazemos é tirar-lhe a mobilidade e, apesar desta
era telemática e digital, continua a ser essencial.

Antes as cidades eram construídas em função das suas necessidades e funções (espaços
comerciais, de sociabilidade ou mercados) e a forma como os transportes eram modelados
eram-no em função dessas necessidades. Hoje é o inverso: é a forma como estruturamos a
nossa mobilidade que vai de nir as diferentes funções da cidade.

Na construção formal das crónicas há sempre um olhar de proximidade, quase


afectuoso, mas também existe um tipo de re exão mais distanciada, onde se
vislumbra o investigador ou o professor. Essa dupla dimensão era consciente?

Sim. Vivemos uma época de profunda transformação e portanto quem estuda o mundo
contemporâneo tem obrigação de trabalhar a vários níveis. Em primeiro lugar sou professor e
investigador e ao escrever as crónicas queria colocar no espaço publico dimensões que
considero pouco debatidas em Portugal referentes ao urbano e aos grandes desa os sobre a
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cidade contemporânea. Elementos de debate onde punha as minhas dúvidas. E isso foi um
desa o, conciliar o factor emocional e cientí co, numa linguagem comum.

Essa ideia de que estamos a viver tempos convulsos está presente, mas mesmo quando
aborda zonas con ituosas, há sempre uma visão integradora, como se a cidade, lugar
por excelência do con ito, tivesse capacidade de superação.

Sim. Gosto de pensar nas crónicas como algo de estruturante. A cidade é sempre palco de
con itos, de feridas, de interesses distintos, mas a longo prazo também de progresso. A
história da cidade, da humanidade e da urbanidade diz-nos que, apesar de tudo, tem havido
progresso, mas estamos realmente perante novos desa os, nomeadamente a nível ecológico.

A forma como sentimos e materializamos o progresso tem de sofrer uma mudança profunda.
E é nas cidades que estão esses grandes desa os. A salvação ecológica do planeta será feita
sobretudo nas cidades. Não é tanto onde se produz o bem ecológico, mas onde se consome
ou na forma como se consome. Pre ro uma mensagem de esperança, que por vezes pode ser
até um pouco ingénua, ou utopista, mas pre ro assim. E isso é assumido.

No início de uma crónica escreve mesmo, de forma provocatória, que “a cidade é mais
ecológica que o campo”.

Sim, no sentido em que o grande desa o ecológico é na urbe. É aí que está a maior parte da
humanidade. É aí que o desa o da sustentabilidade do planeta será ganho ou não. A cidade
tem de ser mais ecológica, a nível mental e cultural, que o campo.

Um dos assuntos sobre os quais re ecte muito é o da pressão turística nas cidades, em
particular o caso de Lisboa. Depois de uma fase de deslumbramento, parece que
passamos para o extremo oposto, com muita a gente a reagir negativamente ao que
está a acontecer. Qual a sua avaliação?

Há um debate intenso a decorrer e é preciso avaliar certos aspectos: em primeiro lugar


estamos apenas a falar do centro histórico de Lisboa. O impacto do turismo a nível espacial é
acima de tudo aí, embora o coração da cidade seja importante, até pelo seu simbolismo. Mas
o turismo não está a alterar Lisboa, está sim a alterar, e muito, o centro histórico.

O turismo é um direito humano. Nós gostamos de ser turistas em férias. Não temos
autoridade para dizer aos outros para não o serem. Creio mesmo que o turismo vai continuar
a ampliar-se pelo mundo fora. E Lisboa está nos principais mapas mentais globais – apesar
de não ser Paris ou Londres – e como tal é provável que a procura pela cidade vá continuar.

Em termos económicos acredito que seja positivo, embora não tenha dados para avaliar o
impacto na economia da cidade, ao nível do emprego que gera ou do tipo de reabilitação que
propicia. Depois a nível mais urbano co satisfeito que nos nossos espaços públicos haja
mais turistas e formas de ver a cidade. Ou seja, uma cidade sem turismo não é concebível.
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Dito isto é preciso saber que impactos essa vaga turística está a provocar e monitorizá-los,
porque o centro histórico pode mudar bastante, sobretudo a nível habitacional, cada vez com
menos casas para residência permanente e mais de curta duração. E isso transforma a
vivência, a urbanidade e o comércio desses territórios. E nesse sentido parece-me que Lisboa
ainda não percebeu totalmente os impactos que isso pode provocar, apesar de estar a
despertar para eles.

Se o efeito do turismo se faz sentir sobretudo no centro histórico não deveria estar a
ser equacionado desde já um planeamento que previsse que outras zonas pudessem
ser também atractivas, no sentido da diversi cação da oferta?

Sem dúvida. Da parte da câmara de Lisboa parece-me que existe essa preocupação. O
vereador Manuel Salgado referiu que estava a ser feito um estudo sobre o impacto do
turismo na cidade, mas não sei quais as variáveis – se o impacto do turismo na residência, na
economia ou nos rendimentos familiares. O que sinto é que esta onda vai em crescendo.
Espero que não sejamos submergidos e que a saibamos surfar.

Nos últimos anos, através de políticas públicas, ou por dinâmicas de iniciativa


privada, Lisboa e Porto criaram novas centralidades, em movimentos de regeneração,
cruzando urbanismo, cultura e economia, mas ainda assim parece pouco. Ou seja,
existe uma riqueza que continua por explorar.

O título do meu livro tem vários sentidos. Em Todas as Ruas é uma evocação de um poema do
Mário Cesariny, que remete para amor pela cidade, mas tem também a ver com o sentido da
transição, com o habitar literalmente todas as ruas. Portugal é ainda país muito centralista,
principalmente na nossa própria mente. Por exemplo, quando falamos em Lisboa pensamos
na Baixa ou quando falamos a nível cultural pensamos em manifestações para uma elite
centralista. Isso está muito enraizado. Por vezes esquecemo-nos de tudo o resto o que nos
rodeia e que é imenso. Existe um enorme potencial à nossa volta, ainda pouco explorado,
para podermos criar essas novas centralidades. Concordo que, a pouco e pouco, elas têm
surgido, seja por iniciativa privada, ou por alguns apoios públicos, como foi o caso da
Mouraria, embora também aí as associações de moradores ou empresariais tenham sido
importantes. Em Alcântara, no Intendente também se tem tentado criar essas novas
centralidades. Agora todo o resto da metrópole continua por explorar. Carnide, Ben ca,
Olivais, ou  mesmo saindo do município para Loures, Pinhal Novo ou Oeiras, en m, tudo isso
podem ser novas centralidades com uma vivencia fantástica e multiplicidade de funções
possíveis. Portanto, é verdade, há potencial. Mas é preciso activá-lo.

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