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DECISÃO: Vistos, etc.

Trata-se de recurso extraordinário, interposto com


suporte na alínea “a” do inciso III do art. 102 da Constituição
Federal, contra acórdão da Turma Recursal dos Juizados Cíveis e
Criminais da Comarca de Conselheiro Lafaiete/MG. Acórdão que manteve
a sentença que condenou o recorrente às penas do art. 58 do
Decreto-Lei 6.259/44. Leia-se do voto condutor do acórdão dos
embargos de declaração (fls. 167-169):

“Ressalte-se que o Princípio da


Insignificância é uma interpretação corretiva da
larga abrangência formal dos tipos penais, impedindo
que sejam consideradas típicas as condutas que
causem uma lesão mínima, desprezível, insignificante
para a sociedade, o que não se vislumbra no caso em
comento. Em que pese tratar-se de delito-anão –
denominação dada às contravenções penais – não se
pode admitir que o ‘jogo do bicho’ seja considerado
‘mínimo’ ou ‘insignificante’.
Noutro giro, segundo o Princípio da
Adequação Social, torna-se impossível considerar
como delituosa uma conduta aceita ou tolerada pela
sociedade, mesmo que se enquadre em uma descrição
típica. Também não é o caso. Apesar da pouca
fiscalização e repreensão à infração, o jogo do
bicho recebe, e deve receber mesmo, larga reprovação
da sociedade, notadamente por sua nocividade. [....]
A bem da verdade, o ‘jogo do bicho’ deixa
notórias seqüelas anti-sociais, já que em seus
bastidores proliferam a corrupção, disputas entre
quadrilhas, subornos e até mortes.
Não se olvide que há considerável diferença
entre os princípios invocados e os ‘crimes de menor
potencial ofensivo’ estando, como sabido, as
contravenções enquadradas entre os delitos da
inovadora postura penal e processual da Lei 9099/95.
Não fosse isso, bem se sabe que os costumes
não tem o condão de afastar a existência da figura
penal típica criada por lei e, somente por outra
lei, abolida. É que vivemos sob a tutela da lei
escrita e submetidos, em sede penal, aos princípios
da reserva legal e anterioridade (art. 5º, inciso
XXXIX da CF).
2) Da autoria e materialidade delitiva:
[...]
Destaco aqui, quanto à alegação de que
‘nada foi encontrado em poder do réu’, que não deve
prosperar a tese da defesa, já que o auto de fls. 07
bem demonstra a apreensão de materiais afetos à
prática do ‘jogo do bicho’.
3) Da contravenção face à Constituição
Federal:
Por evidente, também não merece acatamento
a tese de que existe contravenção face à CF/88 em
razão do vício de competência (vício formal), eis
que, como sabido, não só o Decreto-Lei 6.259/44, mas
outros Decretos-leis já existentes e compatíveis com
a Carta Magna foram por ela recepcionados e
encontram-se em perfeita vigência, de molde que tais
normas continuam a ter o nome de ‘decreto-lei’, mas
são às leis equiparados. Não fosse isso, haver-se-ia
de questionar também a validade formal do Código

2
Penal, eis que também diplomado por meio do
Decreto-lei 2.848/40.
Também equivocada a interpretação dada
sobre a suposta ‘inconstitucionalidade material’ da
contravenção, já que não se pode admitir
descriminalização do tipo a pretexto de que
modalidades de concurso de prognósticos possuem
amparo constitucional.”

2. Pois bem, a parte recorrente sustenta violação aos


incisos XLV e XXXIX do art. 5º; aos arts. 59, 61 e 62; bem como ao
inciso IX do art. 93, todos da Carta Magna de 1988.
3. Tenho que a insurgência não merece acolhida. Isso
porque entendimento diverso do adotado pela decisão recorrida, no
tocante à materialidade e à autoria do crime, exigiria o
revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos. Providência
vedada neste momento processual, nos termos da Súmula 279 do STF.
4. Por outra volta, quanto à alegação de
inconstitucionalidade formal, o decidido pela Instância Judicante de
origem afina com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que
me parece juridicamente correta. Nesse sentido, vejam-se o AI
346.807-AgR, sob a relatoria do ministro Ilmar Galvão; a ADI
1726-MC, sob a relatoria do ministro Maurício Corrêa; e o AI
201.483, sob a relatoria do ministro Sydney Sanches, do qual
reproduzo o seguinte trecho da decisão:

“‘Por fim, não há a menor razoabilidade na


alegação de ofensa à Carta Magna pelo fato de a
contravenção Jogo do bicho estar definida em
Decreto-lei, bastando, no particular, transcrever

3
parte do voto condutor do aresto censurado, da lavra
do eminente Ministro Adhemar Maciel, verbis:
‘Como é do conhecimento de todos, a
Lei das Contravenções Penais encontra-se em
plena vigência, não tendo sido revogada por
força do princípio constitucional da reserva
legal. Embora tenha sido editada sob a forma de
decreto-lei, sua elaboração se deu em momento
histórico e político em que era permitida a
criação de tipos penais por aquela via. Também
assim se deu com a parte especial do atual
Código Penal que nasceu por meio de decreto.
Era o que previa o processo legislativo vigente
naquela época.’ (fls. 24).
7. Pelo exposto, somos pelo improvimento do
presente agravo de instrumento.
É o parecer.’
2. Adotando a exposição, a fundamentação e
a conclusão do parecer do Ministério Público
Federal, nego seguimento ao presente Agravo”.

5. De mais a mais, ante a alegada inconstitucionalidade


material, por ofensa ao inciso III do art. 195 da Carta Magna de
1988, anoto que, por analogia, o aresto impugnado está em
consonância com o entendimento desta nossa Corte sobre jogos de
azar. A propósito, confiram-se o AI 649.403, da relatoria do
ministro Gilmar Mendes; bem como os REs 502.270, da relatoria do
ministro Ricardo Lewandowski; 502.271-AgR, da relatoria da ministra
Ellen Gracie; e 513.436, da relatoria do ministro Gilmar Mendes,
este assim fundamentado, na parte que interessa:

4
“Ressalte-se, ainda, que o artigo 195, III,
da Carta Magna, estabeleceu tão-somente a
possibilidade da seguridade social ser financiada
por receitas de prognósticos. Por conseguinte, tal
disposição não se refere à exploração de jogos de
azar mediante pagamento, feita por particular, a
qual, além disso, não se constitui sequer como
atividade autorizada por lei.”

6. À derradeira, pontuo que a jurisdição foi prestada de


forma completa e fundamentada, embora em sentido contrário aos
interesses da parte recorrente. Pelo que não há falar de afronta ao
inciso IX do art. 93 da Constituição Republicana. Nesse sentido,
leia-se a seguinte passagem do voto do ministro Sepúlveda Pertence
no RE 140.370:

“o que a Constituição exige, no art. 93,


IX, é que a decisão judicial seja fundamentada; não,
que a fundamentação seja correta, na solução das
questões de fato ou de direito da lide: declinadas
no julgado as premissas, corretamente assentadas ou
não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão,
está satisfeita a exigência constitucional”.

Isso posto, e frente ao art. 38 da Lei 8.038/90 e ao § 1º


do art. 21 do RI/STF, nego seguimento ao recurso.
Publique-se.
Brasília, 22 de junho de 2010.

Ministro AYRES BRITTO


Relator

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