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Manoela Ávila Freire1, Vera Lúcia Marques de Figueiredo1, Alina Gomide2, Karen Jansen1,
Ricardo Azevedo da Silva1, Pedro Vieira da Silva Magalhães3, Flávio Pereira Kapczinski3
RESUMO
ABSTRACT
The internal validity was investigated by the factorial analysis and consistence of the items.
It was observed that all 17 original items, except “Consciousness”, presented psychometric
quality to evaluate general depression, and that there were five dimensions underling those
16 items: Depressed humor, Anorexia, Insomnia, Somatization, and Anxiety, and all of them,
Keywords excepting the last, showed homogeneity in their constructs (alpha coefficients between
Depression, validation 0.66 and 0.78). On content analysis, five specialists suggested editing changes in seven items.
studies, sensibility, Conclusion: This study determinates a different cutoff and psychometric evidences favou-
specificity. rable to the use of HAM-D in Brazil.
do Rio Grande do Sul (UFRGS), em função da pesquisa base da; (B) Conteúdo adequado ou inadequado; (C) Sugestões
deste estudo. As entrevistadoras foram três psicólogas trei- para a nova redação do item.
nadas para realizar a entrevista de acordo com os critérios do
DSM-IV apresentados na SCID. A aplicação dos instrumentos Procedimentos para coleta de dados
foi feita pelas psicólogas, em forma de entrevista. As esca- O protocolo com o rol dos itens da escala HAM-D foi entre-
las foram administradas de forma individual, em uma sala gue aos peritos, que o preencheram de forma individual no
de atendimento do Hospital Universitário da Universidade próprio local de trabalho. Posteriormente, os dados foram
Católica de Pelotas (UCPel). Posteriormente, as informações registrados numa planilha eletrônica.
foram digitadas em um banco de dados.
Procedimentos para análise de dados
Procedimentos para análise de dados Para a análise de conteúdo dos itens, utilizou-se o percentual
Os dados foram analisados, considerando os seguintes pro- de concordância entre avaliadores, detendo-se itens com
cedimentos: 80% de pareceres favoráveis27 quanto à tradução e ao con-
• Descrição das variáveis por meio de frequências e teúdo.
médias.
Procedimentos éticos
• Avaliação da distribuição dos escores por meio do
teste de Kolmogorov-Smirnov. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
• Comparação dos resultados entre os grupos clínico/ da Universidade Católica de Pelotas (protocolo 2006/96). Os
controle pelo Teste U de Mann-Whitney. jovens e os profissionais receberam informações sobre os
• Determinação do ponto de corte da sensibilidade e objetivos da pesquisa e assinaram um “Termo de Consen-
especificidade pela curva ROC. timento Livre e Esclarecido”. Assegurou-se o direito à confi-
• Análise da validade interna por duas técnicas. A pri- dencialidade dos dados e o cuidado na utilização das infor-
meira foi a análise fatorial exploratória, utilizando-se mações nos trabalhos escritos. Os jovens que apresentaram
o método dos componentes principais com rotação sintomas relativos a algum transtorno mental na entrevista
Varimax, que considera as dimensões independen- clínica do estudo principal foram encaminhados para o am-
tes, conforme estudos da lituratura10,13; foram man- bulatório de psiquiatria da Universidade.
tidos os itens com carga fatorial ≥ 0,30. Utilizaram-
-se os procedimentos exploratórios considerando
a busca por dimensões subjacentes ao domínio RESULTADOS
avaliado pela escala; e por não haver expectativa, a
Os participantes do estudo eram, na maioria, mulheres
priori, de sua composição teórica25. A segunda, pela
(68,4%). Elas tinham em média 22,04 anos (dp = 2,18) e as
consistência interna (alfa de Cronbach), adotando-se
idades variaram entre 18 e 27 anos, com mediana de 23
o coeficiente 0,80 como razoável26.
anos. A escolaridade variou entre 1 e 18 anos de estudos,
• A validade de critério entre os resultados da HAM-D
sendo a média de 9,18 anos (dp = 3,14 anos) e mediana, 10
e da SCID – dicotomizados entre presença/ausência
anos. Quanto à classe social, a maior concentração de pes-
– foi analisada pela correlação de Spearman.
soas era da classe “C” (51,5%). De acordo com a SCID, 105
Estudo 2 jovens tiveram diagnóstico de depressão (45,5%), sendo 83
mulheres e 22 homens. Os demais apresentavam diagnós-
Amostra
tico de mania (4,8%), hipomania (3%) e sem transtorno de
Para a etapa da análise teórica dos itens da HAM-D, partici- humor (46,7%). Ao analisar as discrepâncias entre os escores
param cinco especialistas, sendo dois psicólogos e três psi- médios na HAM-D obtidos pelos pacientes depressivos, não
quiatras. Os profissionais tinham domínio no uso da escala e se encontraram diferenças significativas relacionadas a sexo,
na língua inglesa. nível socioeconômico e anos de escolaridade. O escore mé-
dio de pontos na HAM-D foi de 17 pontos (dp = 6,63). Os da-
Instrumentos dos sociodemográficos dos participantes deprimidos man-
Para analisar a qualidade da versão da escala HAM-D usada tiveram características similares aos da literatura, no que se
no Brasil, foi elaborado um protocolo para análise teórica dos refere à predominância do sexo feminino14-17 e à pontuação
itens, que consistia em um formulário impresso com instru- na escala HAM-D16; entretanto, diferenciou-se em relação à
ções para preenchimento e com os 17 itens originais trans- média de idade configurando um grupo mais jovem, uma
critos em inglês, juntamente com os itens da versão em por- vez que nos estudos descritos a média de idade dos sujeitos
tuguês, usualmente utilizada no Brasil. Ao lado, apareciam as variou entre 35 e 49 anos14-17. As características dos sujeitos
seguintes alternativas: (A) Tradução adequada ou inadequa- participantes do estudo aparecem descritas na tabela 1.
Tabela 1. Características sociodemográficas da amostra -positivo), existe 91% de chance de excluir sujeitos isentos
Características Frequência Porcentagem de doença, ou seja, 9% de chance de identificar como tendo
Sexo depressão sujeitos saudáveis (falso-negativo). Para a escolha
do ponto de corte, considerou-se pelo valor especificidade >
Feminino 158 68,4
sensibilidade porque, quando o teste é altamente específico,
Masculino 73 31,6
ele identifica com segurança os resultados falso-positivos28,29.
Idade
De 18 a 22 anos 125 54,1
De 23 a 27 anos 106 45,9
Escolaridade
De 1 a 4 anos 21 9
De 5 a 8 anos 54 23,4
De 9 a 12 anos 107 46,3
1,0
13 anos ou mais 18 7,8
Classe social
0,8
a+b 73 31,6
c 119 51,5
Sensibilidade
0,6
d+e 39 16,9
0,4
Determinação dos pontos de corte
O resultado do teste de Kolmogorov-Smirnov indicou que 0,2
os escores na HAM-D não apresentaram uma distribuição
normal (z = 2,5; p < 0,001). Por isso, para comparação das
0,0
pontuações na HAM-D entre os grupos clínico e controle 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
classificados de acordo com a entrevista clínica (SCID), tendo 1- Especificidade
como referência a variável “depressão atual”, foi utilizado o Figura 1. Curva ROC dos pontos de corte da HAM-D.
teste de Mann-Whitney.
A pontuação média na HAM-D para o grupo que relatou
sintomas depressivos atuais foi de 16,51 (dp = 6,63) pontos Tabela 2. Pontos de corte, sensibilidade, especificidade, valores
e, para o grupo que não relatou sintomas depressivos atuais, preditivos positivos e negativos para a HAM-D
foi de 2,42 (dp = 4,15) pontos. A comparação realizada por Valor preditivo Valor preditivo
Pontos de corte Sensibilidade Especificidade
meio do teste U de Mann-Whitney indicou a presença de di- positivo negativo
ferença significativa entre os grupos (U = 466,50, z = 12,32, 4 0,99 0,75 0,76 0,99
5 0,98 0,79 0,80 0,98
p < 0,001).
6 0,95 0,83 0,83 0,95
A curva ROC foi utilizada para verificar a capacidade dos 7 0,93 0,85 0,84 0,94
escores da HAM-D e para discriminar os grupos em relação à 8 0,91 0,88 0,86 0,92
presença de sintomas depressivos atuais, quando compara- 9 0,90 0,91 0,89 0,91
dos com os obtidos na SCID. A área sob a curva foi igual a 0,97 10 0,88 0,94 0,93 0,90
(erro-padrão = 0,01, p < 0,001) com intervalo de confiança de 11 0,83 0,96 0,94 0,87
95% variando entre 0,94 e 0,99 (Figura 1). Esse resultado in- 12 0,77 0,97 0,95 0,97
dicou que a HAM-D apresentou uma capacidade adequada
para discriminar indivíduos com sintomas depressivos.
A tabela 2 apresenta os valores preditivos da HAM-D em Evidências de validade interna
diferentes pontos de corte que variaram entre 4 e 12 pontos Para examinar a unidimensionalidade da escala, utilizou-se
e os respectivos valores de sensibilidade e especificidade. o método da Análise dos Componentes Principais, a par-
Considerou-se o escore de 9 como ponto de corte satisfa- tir do qual foi identificado um fator geral composto por 16
tório, determinando no instrumento uma sensibilidade de itens, que explicam 19,63% da variância dos resultados. As
0,90 e especificidade de 0,91. Esse resultado significa 90% de cargas fatoriais dos itens variaram entre 0,32 (ansiedade psí-
chance de o teste identificar corretamente indivíduos que quica) e 0,78 (insônia tardia), sugerindo que os 16 itens ava-
têm depressão. De acordo com o diagnóstico médico, rea- liam depressão geral. Constatada a fatorabilidade da matriz
lizado por meio da entrevista diagnóstica SCID (verdadeiro- (Bartlett’s = 485,29; KMO = 0,69), identificou-se a presença de
Quanto à análise de conteúdo dos itens, apesar de não tação transcultural30. As sugestões dadas pelos especialistas
haver concordância significativa dos peritos para que as su- entrevistados foram pertinentes, no sentido de tornar a lin-
gestões fossem inseridas, diferenças em relação ao vocabu- guagem das perguntas e alternativas de respostas mais co-
lário foram apontadas. Por isso, identificou-se a necessidade loquiais e, consequentemente, facilitar o entendimento dos
de realizar alterações na redação de sete questões da versão pacientes.
da escala usualmente utilizada no Brasil. Logo, a análise de Entre as limitações do presente estudo, pode-se destacar
conteúdo evidenciou que a verificação do vocabulário de a impossibilidade de determinar a intensidade dos sintomas
acordo com o contexto é uma etapa importante da adap- depressivos, pois na pesquisa principal não foi utilizado ne-
nhum outro instrumento que verificasse a gravidade sin- 2. Williams JBW. Standardizing the Hamilton Depression Rating Scale: past, present, and
future. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2001;251 Suppl. 2:II/6-12.
tomática para fins de comparação. Alguns estudos encon-
trados na literatura15,17 destacam a relevância de analisar os 3. Araújo RHS. Adaptação transcultural da GRID Hamilton Rating Scale for Depression (GRID-
HAMD) para o português brasileiro e avaliação do impacto de um treinamento sobre a
resultados da HAM-D segundo o sexo, o que não foi feito confiabilidade interavaliadores [dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Ba-
em função da pouca variabilidade da amostra clínica. Ainda hia, 2011.
se pode apontar a falta de variabilidade na idade dos parti- 4. Hamilton M. A rating scale for depression. J Neurol Neurosurg Psychiat. 1960;23(56):56-
cipantes, uma vez que o estudo objetivou a população de 62.
adultos jovens (18 – 27 anos). 5. Moreno RA, Moreno DH. Escalas de depressão de Montgomery & Asberg (MADRS) e de
Hamilton (HAM-D). Rev Psiquiatr Clin. 1998;25:262-72.
6. Shafer AB. Meta-analysis of the Factor Structures of Four Depression Questionnaires: Beck,
CES-D, Hamilton, and Zung. J Clin Psychol. 2006;62(1):123-46.
CONCLUsões 7. Parcias S, Rosário BP, Sakae T, Monte F, Guimarães ACA, Xavier AJ. Validação da versão em
português do Inventário de Depressão Maior. J Bras Psiquiatr. 2011;60(3):164-70.
A escala HAM-D é utilizada há 50 anos no Brasil, sem evidên-
8. Bech P. Rating scales in depression: limitations and pitfalls. Dialog Clin Neuroscience.
cias de validade para essa população e sem estudos de adap- 2006;8(2):207-15.
tação transcultural; considera-se uma adaptação ingênua, 9. Calil HM, Pires MNL. Aspectos gerais das escalas de avaliação de depressão. Rev Psiquiatr
dando ênfase apenas ao processo de tradução das questões Clin. 1998;25:240-4.
originais sem um estudo semântico da linguagem e, por 10. Bagby RM, Ryder AG, Schuller DR, Marshall MB. The Hamilton Depression Rating Scale: Has
essa razão, os resultados da presente pesquisa colaboraram the Gold Standard Become a Lead Weight? Am J Psychiatry. 2004;161:2163-77.
para fornecer subsídios sobre suas qualidades psicométricas 11. Furukawa TA, Akechi T, Azuma H, Okuyama T, Higuchi T. Evidence-based guidelines
da escala em uma amostra brasileira. Os resultados sugeri- for interpretation of the Hamilton Rating Scale for Depression. J Clin Psychopharmol.
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ram que a escala apresenta qualidades promissoras, desde
12. Hamilton M. Development of a rating scale for primary depressive illness. British J Social
que algumas modificações sejam realizadas, com base nas Clin Psychol. 1967;6(4):278-96.
propostas do presente estudo. Recomendam-se outras pes- 13. O’Brien KP, Glaudin V. Factorial structure and factor reliability of the Hamilton Rating Scale
quisas para revisar as características psicométricas da escala for Depression. Acta Psychiatr Scand. 1988;78:113-20.
e validar a nova versão proposta. 14. Pancheri P, Picardi A, Pasquini M, Gaetano P, Biondi M. Psychopathological dimensions
of depression: a factor study of the 17-item Hamilton depression rating scale in unipolar
depressed outpatients. J Affect Disord. 2002;68:41-7.
15. Ramos-Brieva JA, Cordero-Villafafila A. A new validation of the Hamilton Rating Scale for
CONTRIBUIÇÕES INDIVIDUAIS Depression. J Psychiatr Res. 1988;22(1):21-8.
16. Gibbons RD, Clark DC, Kupfer DJ. Exactly what does the Hamilton Depression Rating Scale
Manoela Ávila Freire – Foi responsável pela análise e in-
measure? J Psychiatr Res. 1993;27(3):259-73.
terpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da
17. Akdemir A, Türkçapar MH, Orsel SD, Demirergi N, Dag I, Ozbay MH. Reliability and valid-
versão final. ity of the Turkish version of the Hamilton Depression Rating Scale. Compr Psychiatry.
Vera Lúcia Marques de Figueiredo – Supervisora aca- 2001;42(2):161-5.
dêmica responsável pela elaboração do trabalho da autora 18. Furukawa TA. Assessment of mood: guides for clinicians. J Psychos Research. 2010;68:
principal. 581-9.
Alina Gomide – Foi responsável pela análise de dados 19. Marques AP, Santos AMB, Assumpção A, Matsutani LA, Lage LV, Pereira CAB. Validação
da Versão Brasileira do Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ). Rev Bras Reumatol.
relativa à sensibilidade/especificidade do instrumento.
2006;46(1):24-31.
Karen Jansen, Ricardo Azevedo da Silva, Pedro Viei-
20. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related
ra da Silva Magalhães e Flávio Pereira Kapczinski – Par- quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol.
ticiparam da elaboração do projeto, execução do estudo de 1993;46(12):1417-32.
campo e aprovação da versão final. 21. Jansen K. Transtornos de humor: prejuízos na qualidade de vida e no funcionamento de
jovens da cidade de Pelotas-RS. Universidade Católica de Pelotas. In press 2010.
22. Osório FL, Crippa JAS, Loureiro SR. Aspectos cognitivos do falar em público: validação de
uma escala de autoavaliação para universitários brasileiros. Rev Psiq Clín. 2012;39(2):48-
Conflitos de interesse 53.
23. Del-Ben CM, Rodrigues CR et al., 1996. In: Jansen K. Transtornos de humor: prejuízos na
Nenhum dos autores apresentou divergência de interesses qualidade de vida e no funcionamento de jovens da cidade de Pelotas-RS. Universidade
ao longo da elaboração do projeto e execução do trabalho. Católica de Pelotas. In press 2010.
24. ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Disponível em: http://www.ibge.
gov.br. Dados com base no Levantamento Socioeconômico (IBOPE), 2003.
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27. Pasquali L. Testes referentes a construto: teoria e modelo de construção. In: Pasquali L. 29. Braga ACS. Curvas ROC: aspectos funcionais e aplicações [dissertação]. Universidade do
Instrumentação psicológica – fundamentos e prática. Porto Alegre: Artmed. 2010:165-98. Minho, 2010.
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