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sociológica.
Resumo
Introdução
Todo e qualquer ser humano tem uma noção intuitiva do que seja disciplina e,
normalmente, essa noção conduz o senso comum a um tipo de disciplina que está relacionada
às instituições militares. Não é incomum ouvir de pais de conscritos, recém-incorporados às
fileiras do Exército Brasileiro, que seus filhos aprenderão na disciplina militar o verdadeiro
valor da obediência. Esta concepção de disciplina não está no todo errado, pois segundo
Weber (1974), a disciplina tem suas origens na guerra. Nas instituições militares a palavra
disciplina, também, apresenta outros significados, tais como a punição ou o castigo.
Mas afinal de contas, o que é disciplina para as instituições sociais de caráter militar?
Existem, ainda, outros significados? Qual o impacto na vida social do indivíduo e do coletivo
de massa tipicamente militar? Qual sua importância para os exércitos profissionais? Qual a
função social da disciplina na guerra? A disciplina pode se desenvolver ou é imutável ao
longo do tempo histórico? A disciplina tem uma essência? Esses questionamentos
procuramos respondê-las no decorrer do artigo.
Este artigo trata da noção de poder disciplinar nas instituições militares e seu uso na
guerra, presente nas obras de diferentes abordagens sociológicas. Tal temática assume
significativa importância por contribuir para a compreensão de que as relações sociais num
Origens da Disciplina
Segundo Weber (1974), a disciplina tem suas origens na guerra, nos exércitos
burocráticos da antiguidade tanto do Oriente Próximo quanto do Ocidente, por intermédio da
concentração dos meios materiais de administração militar – equipamentos, provisões e
animais – nas mãos do senhor da guerra. Dito de outro modo, o desenvolvimento da
disciplina tem fundamentação de base econômica ou capitalista seja nos exércitos do faraó ou
nas legiões romanas, sendo o senhor da guerra um disciplinador cuja definição também é
administrador, organizador ou corretor.
A estrutura burocrática dos exércitos contrasta com a situação dos exércitos das tribos
agrícolas, dos cidadãos armados das cidades antigas, das milícias medievais e de todos os
exércitos feudais, onde os guerreiros tinham de prever para prover por seus próprios meios. A
burocracia nas organizações militares foi influenciada pela necessidade de criação de
exércitos permanentes, determinada pela política de poder e pelo desenvolvimento da
administração pública e privada. A disciplina e a arte militar só podem ser plenamente
desenvolvidos num exército burocrático, em face da guarda, manutenção e controle dos
materiais de guerra, exigindo-se, assim, a implantação de um sistema organizacional
disciplinar. (WEBER, 1974)
Ainda segundo Weber (1974), a disciplina numa instituição burocrática, como as
organizações militares, refere-se ao grupo de atitudes e comportamentos do funcionário
(militar), de obediência dentro de sua atividade habitual nas organizações públicas ou
privadas – seja nos exércitos permanentes dos Estados antigos ou nas milícias dos condottieri
na modernidade –, sendo que essa disciplina é a base de toda ordem social, em proporções
cada vez maiores. (WEBER, 1974)
Aquellos que se adhieren a una teoría por la que la guerra irregular resulta
violenta a causa de su carácter medieval sostienen esto porque la guerra irregular
presupone una ausencia relativa de estructuras formales, causa un colapso de la
disciplina militar y convierte así a la guerra en un pretexto para el saqueo
descentralizado, para el bandidaje y para todos los tipos de violencia contra los
civiles. (IGNATIEFF, 1998, apud KALYVAS, 2010, p. 106, grifo nosso).
Mas o que leva um guerreiro a frear seus instintos mais primitivos de violência para
com o outro na guerra? Qual a força que inibe um exército a não saquear a cidade do inimigo,
mesmo depois de submeter a sua vontade? Pressupõe-se que a resposta a estas perguntas
pode ser definida em uma única palavra: disciplina. Porém, isto não implica afirmar que o
fim da disciplina seja de impedir ou restringir a violência dessa natureza, mas sim de
canalizar esta violência, como meio, para aplicá-la num esforço determinado e necessário na
guerra. (CORVISIER, 1999)
Los Griegos y los Romanos por medio del exercicio y disciplina militar
consiguieron ganar muchas batallas, y hacer muchas conquistas. Entre los
Romanos se hallaron dos modos de exercicios, uno general y otro particular. El
exercicio general consistía en acostumbrar los Soldados a trabajar y á la fatiga;
como hacerles hacer marchas forzadas, estado armados de pies á cabeça,
guardando cada uno su puesto y distancia; exercitarlos á correr y saltar;
enseñarlos á nadar y á disparar saetas. (SAEZ, 1794, p. 144)
Joana não mais esperou para entrar em ação. […] ela deixou o castelo de Sully sem
despertar a atenção das autoridades, levando consigo uma companhia de 200
Piemonteses, […]. Ela foi combater nas regiões ameaçadas, pois já sabia, de há
muito, que só haveria paz “na ponta da lança”. [...] Porém, em lugar daquela chefe
guerreira dos tempos da marcha sobre Orléans, ela parecia, agora, um pouco
sem brilho, como se fosse uma simples capitã de tropa. (PERNOUD, 1996, p.
109. Grifo nosso)
Já a disciplina é impessoal e neutra, não está afeta a um único indivíduo com dons
especiais ou divinos, mas está à disposição a toda e qualquer autoridade que possa fazer o
bom uso deste argumento para um fim específico. A força da disciplina é racional e diminui a
relevância do carisma pessoal numa comunidade até o ponto de eliminá-la, prevalecendo as
tradições e a socialização em vez da ação individual, no entanto a disciplina não é hostil ao
carisma e não impede um líder carismático ou um “senhor da guerra” de empregá-la.
(WEBER, 1974).
Disciplina e Moral
Arruda (2007) comenta que o moral elevado e a disciplina militar andam de mãos
dadas e acrescenta, ainda, que o exército que possui um moral cambaleante está fadado ao
fracasso.
Mas o que é o moral na guerra? Qual a sua ligação com a disciplina? De acordo com
Houaiss (2010), o conceito de moral é atrelado ao estado de espírito, ao ânimo ou a
determinação de um indivíduo. Segundo Marshall (2003, p. 162), “moral é todo o complexo
conjunto de pensamento de um exército; o modo que ele se sente em relação à terra e ao povo
a qual pertence; […]. Como se sente em relação aos seus amigos e aliados, bem como aos
inimigos, em relação aos seus comandantes e aos seus maus elementos”. Fruto destas
definições verifica-se, portanto, que o campo da moral dos combatentes na guerra pode ser
mensurado como um valor positivo ou negativo em relação ao moral do inimigo e que,
também, pode ser estimulado por um outro processo: pela disciplina.
De acordo com Araújo (1959, p. 288), a disciplina é uma das “forças morais” que um
chefe militar deve conduzir suas tropas. Para esse autor, “a disciplina supõe a existência de
chefes e deve ser ela mesma a resultante de uma convergência de tôdas as vontades para o
objetivo perseguido pelo chefe; os soldados devem agir no sentido por ele desejado, mesmo
na sua ausência.” Dito de outro modo, a disciplina deixa de formar autômatos, de uma
obediência cega e despersonalizados para formar homens conscientes de sua missão, tomados
de suficiente iniciativa para o cumprimentos das ordens emanadas das autoridades militares e
de espírito combativo face as vicissitudes da guerra.
Considerações finais
ARRUDA, João Rodrigues. O Uso Político das Forças Armadas. Editora Mauad, Rio de
Janeiro, 2007.
CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. Tradução de Luiz Carlos Nascimento e Silva do Valle.
Princeton: Princeton University Press, 1984. Disponível em: https://www.egn.mar.mil.br
/arquivos/cepe/daguerra.pdf. Acessado em: 12 set 16.
CORVISIER, André. A guerra. Tradução de José Lívio Dantas. Rio de Janeiro: Bibliex, 1999
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. 30ª ed. Petrópolis,
Rio de Janeiro: Vozes, 2005.