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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS - UEMG

- Escola de Música -

Talita Suelen Santos Barcelos

Aspectos do treinamento vocal na formação do cantor:


Relato de experiência na formação em canto, da informalidade a
graduação.

Belo Horizonte
2018
Talita Suelen Santos Barcelos

Aspectos do treinamento vocal na formação do cantor:


Relato de experiência na formação em canto, da informalidade a
graduação.

Monografia apresentada à Escola de Música da


Universidade do Estado de Minas Gerais para
obtenção do título de Graduação em
Licenciatura em Música com Habilitação em
Canto.

Orientadora: Prof. Me. Andréa Peliccioni


Sobreiro

Belo Horizonte
2018

2
FOLHA DE APROVAÇÃO

Talita Suelen Santos Barcelos


Aspectos do treinamento vocal na formação do cantor: Relato de experiência na formação em
canto, da informalidade a graduação.

Monografia apresentada à Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais para


obtenção do título de Graduação em Licenciatura em Música com Habilitação em Canto.

Aprovado em:

Orientador: _________________________________________________________________

Prof. Me. Andréa Peliccioni Sobreiro

Banca Examinadora

_________________________________________________________________________
Prof.a Me. Andréa Peliccioni Sobreiro
Universidade do Estado de Minas Gerais

_________________________________________________________________________
Universidade do Estado de Minas Gerais

_________________________________________________________________________
Universidade do Estado de Minas Gerais

3
A Deus toda honra e toda glória!
Para dois dos elos mais importantes da minha
vida: Joaquim Afrânio e Vilma (Pai e Mãe) sem
eles jamais essa conquista seria possível.
À minha irmã Dalila, meu presente de Deus.
Ao meu amado filho Heitor Benjamin minha
melhor canção.
Ao Clayson Barcelos pelo “Amor”.
A minha querida “Tia Juca” In memorian

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AGRADECIMENTOS

À Deus, pelo sopro de vida e pela renovação diária de minhas forças para superar os desafios.

Aos meus pais e minha irmã que me deram suporte (físico, moral e espiritual) necessário para
conclusão do meu curso e realização deste sonho.

Ao meu marido pelo apoio, amor e paciência.

À Universidade do Estado de Minas Gerais – Escola de Música, pela oportunidade de realização


do curso de graduação.

À Professora Andréa Peliccioni Sobreiro, pela orientação, companheirismo, correções e


incentivos.

Aos professores Geraldo e Juliana Grassi que foram meus mestres na minha introdução na
aprendizagem da técnica vocal para o canto lírico.

Aos professores do corpo docente da Escola de Música (ESMU-UEMG), que me ajudaram


direta ou indiretamente na conclusão deste trabalho. Em especial a minha querida Professora
de Canto Elizeth Xavier, pelas orientações técnicas no canto, pela amizade e paciência no
decorrer do curso.

Aos meus alunos, que me inspiram e me ensinam todos os dias, me impulsionando a sempre
continuar buscando conhecer mais sobre a voz e o ensino de canto.

5
Louvarei ao Senhor por toda a minha vida;
cantarei louvores ao meu Deus
enquanto eu viver.

Salmos 146:2

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RESUMO

BARCELOS, Talita Suelen Santos. Aspectos do treinamento vocal na formação do cantor:


Relato de experiência na formação em canto, da informalidade a graduação. 2018. 50f.
Monografia (Graduação em Licenciatura em Música com Habilitação em Canto) – Escola de
Música, UEMG- Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte.

Este trabalho apresenta a influência de aspectos do treinamento vocal na formação do cantor,


baseado no relato de experiência da própria autora. A revisão de literatura adotada, aborda os
aspectos técnicos da respiração, da vocalização e da ressonância no treinamento vocal, assim
como, a análise da aplicação desses aspectos no processo de formação do cantor, desde a
iniciação musical até a formalização em canto, nesse caso em um curso de graduação. E por
fim, promove um relato desse contexto e seu impacto relacionado às experiências vividas pela
autora durante seus estudos em canto, até a formação acadêmica. Com o objetivo de obter
informações sobre os aspectos citados, foi efetuada uma revisão de literatura de vários autores
que abordavam o assunto. Em seguida, uma correlação entre a aplicação do treinamento vocal
pelos professores de canto e seu impacto na formação do cantor foi realizada. No que se refere
ao impacto do desenvolvimento dos aspectos da técnica desenvolvida pelos professores de
canto, e a aplicação do treinamento vocal adquirido pelo cantor em sua formação. A avaliação
é aferida através do relato de experiência pessoal da autora, enquanto cantora e professora de
canto. Diante da pesquisa, observa-se a importância do desenvolvimento dos aspectos técnicos
aplicados na técnica vocal pelo professor em relação ao cantor. Avaliamos ainda, que o
treinamento vocal eficiente e correto, pode trazer ao cantor muitos benefícios como; uma voz
saudável, livre de tensões ou distúrbios vocais, melhor desempenho na performance, dentre
outros. Por outro lado, o desenvolvimento incorreto, ou ineficiente dos aspectos técnicos no
treinamento vocal, pode apresentar vários problemas ligados não somente ao processo de
formação, evidenciando lacunas e deficiências durante o canto, como também, na saúde vocal.
Tais conteúdos foram explanados, a fim de contribuir com a literatura, no processo de formação
do cantor e as dificuldades técnicas encontradas ao longo de sua carreira. Portanto, o que se
pretende, é que o cantor avalie e busque aplicar com disciplina o treinamento vocal apresentado
pelo professor de canto com o objetivo de dominar os aspectos da técnica vocal ensinada. Uma
vez que tanto o treinamento vocal do aluno, quanto a técnica vocal desenvolvida juntamente
com o professor, terá impacto e influências positivas ou negativas na formação do cantor em
sua carreira.

Palavras-chave: Canto. Treinamento vocal. Formação. Pedagogia Vocal. Voz.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................09

1 TREINAMENTO VOCAL ...............................................................................................11

1.1 Respiração: a base do canto..................................................................................11


1.2 Aquecimento: corpo e voz ....................................................................................16
1.2.1 Aquecimento Corporal..............................................................................16
1.2.2 Aquecimento Vocal ..................................................................................18
1.2.3 Exercícios de Treinamento Vocal.............................................................21
1.3 Vocalizes ................................................................................................................24
1.4 Ressonância vocal: amplificador natural ............................................................29

2 A FORMAÇÃO DO CANTOR ..........................................................................................35


2.1 Formação informal: cantor- professor ...............................................................35

3 RELATO DE EXPERIÊNCIA: .........................................................................................39


3.1 Da informalidade a graduação em música...........................................................39
3.2 A formalização na graduação ...............................................................................44

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................46

REFERÊNCIAS......................................................................................................................48

8
INTRODUÇÃO

Durante os estudos de canto, há uma série de desafios a serem transpostos pelo


estudante, pois, o canto tem suas facilidades e dificuldades como lhe é peculiar, assim como
qualquer outro instrumento musical. O “instrumento vocal” depende totalmente do indivíduo,
ou seja, do cantor, para a produção sonora. O cantor leva consigo seu próprio instrumento e
sempre estará junto dele, é um instrumento “natural”, com uma identidade vocal de
características exclusivas e únicas.

Ao contrário da voz humana, o instrumento musical “tradicional”, ou “não natural”,


apesar de diferentes qualidades de produção e características de cada material feito, o timbre
será sempre o mesmo. Seja, violão, piano, ou um instrumento de sopro, ele sempre terá o seu
som distinto e característico. Diferentemente na voz, pois, embora um grupo de cantores (as)
possuam uma mesma classificação vocal, há características físicas e únicas que os diferem entre
si. Promovendo essa diversidade no universo da voz humana, seja tenor, barítono, contralto,
soprano dentre outras, existe uma identidade vocal que é exclusiva de cada indivíduo.

Sendo assim, o próprio indivíduo, ou seja, o cantor precisa produzir o som de seu
instrumento, através de todo seu corpo. A partir deste fato, inicia-se o processo de aprendizagem
e descoberta da capacidade sonora da emissão da voz através de todos os órgãos, músculos e
sistemas que compõem o 1aparelho fonador e todos os outros sistemas que se utiliza para a
emissão vocal, como o sistema respiratório, muscular, ressonantal, articulatório, entre outros,
embora o cantor cante com o corpo todo.

Entender, compreender e executar todas as ações para a voz cantada exige muitas
competências associadas ao mesmo tempo. Requer concentração, atenção, precisão e eficiência,
para uma voz saudável e confortável para o emissor, assim como para o ouvinte. Antes de
cantar, o cantor precisa compreender seu corpo. Estar proprioceptivo às sensações e todas as

1
O aparelho fonador é constituído pelo aparelho respiratório e as cavidades de ressonância. O aparelho respiratório
compreende o tórax onde se encontra os pulmões; o diafragma e outros músculos como: o transverso, grande
oblíquo, pequeno oblíquo, grande reto, grande dorsal e intercostais; traqueia; laringe (pregas vocais e glote). As
cavidades de ressonância são compostas pela orofaringe e rinofaringe, além de possuírem paredes fixas (maxilar
superior e palato duro) e paredes móveis (mandíbula, língua, epiglote, lábios e véu palatino) (DINVILLE, 1993,
p. 22-35).
9
informações que o corpo é capaz de produzir durante a emissão da voz cantada. O cérebro
precisa compreender, o corpo precisa sentir e executar o que lhe é proposto, buscando a melhor
sonoridade e qualidade na emissão da voz.

Muitas são as descobertas feitas pelo aluno em sua busca pela compreensão e execução
da técnica vocal aplicada ao canto, seja ele lírico ou popular, pois cada um possui características
distintas dentro de cada gênero e estilo musical. A busca pela qualidade sonora na emissão
vocal depende de muito treino, disciplina e uma rotina de estudos individualizada e eficiente
para a execução do repertório proposto, caso contrário o processo de estudo do canto pode se
tornar ineficiente e muito longo em relação ao objetivo.

Cabe ao professor o papel de desenvolver junto ao aluno o trabalho vocal esperado,


através de orientações pedagógicas relacionadas à técnica vocal, bem como o cuidado com a
escolha dos exercícios de treinamento vocal de forma gradual e objetiva destinada ao repertório.
Pois, é necessário respeitar o nível de conhecimento, a individualidade, a capacidade técnica de
acordo com a evolução do aluno.

No processo de aprendizagem, a maior responsabilidade pelo desempenho da técnica


vocal é do aluno. Estabelecer uma rotina de estudos e realizar o treinamento técnico-vocal
consciente dos limites de sua extensão e tessitura, promovem uma boa saúde vocal e a
longevidade da voz. Ao criar uma disciplina de estudo individual, o aluno pode prevenir lesões
na prega vocal e garantir uma voz saudável e de qualidade superior, que será refletida na
execução do repertório.

Meu interesse pela pesquisa baseia-se na minha própria experiência e nas dificuldades
encontradas no processo de estudo do canto. “Para a compreensão da produção da voz, é
necessário que se conheça os três subsistemas que são relacionados entre si: a respiração, a
vocalização e a ressonância; (CRUZ, 2015, p. 11)”. Baseado nos subsistemas apresentados
pelo autor, a pesquisa se firma em relação aos aspectos necessários para o desenvolvimento
vocal.

Tem como objetivo principal representar a importância da aplicação dos aspectos da


técnica vocal na formação do cantor e seus resultados na voz, em busca da melhor performance
do canto e a plasticidade do som. Meu intento, se dirige a compreender o reflexo do treinamento
10
vocal realizado no ensino do canto na voz cantada. Esses questionamentos induziram a estudar
os aspectos base do treinamento vocal, assim como sua influência na formação do cantor.

Esse trabalho tem atrelado a isso, os objetivos específicos de descrever os papéis do


estudante de canto e dos orientadores, além das ferramentas utilizadas no desenvolvimento da
técnica, bem como apresentar os passos e obstáculos através de um relato de experiência na
busca pela formação em canto.

Para as discussões aqui propostas, o trabalho está dividido em quatro partes: a primeira
trata do processo ensino-aprendizagem da técnica vocal aplicada no canto; a segunda, da
formação e da prática do professor-cantor, respectivamente; em terceiro e por último, o relato
da minha experiência no meu processo de aprendizagem até a graduação, bem como as
considerações finais.

Num olhar mais amplo, esta pesquisa intencionou investigar o papel e importância das
especialidades dedicadas ao estudo e trabalho com a voz cantada. Examinar e discutir essa
questão, entre outras considerações, e possibilitar uma melhora na formação de cantores e das
práticas do treinamento vocal na voz cantada, em relação ao desempenho e bem-estar vocal.

1 TREINAMENTO VOCAL

1.1 Respiração: a base do canto.

A boa voz começa com a boa respiração. Mudando a maneira de respirar, modifica-se
também suas representações interiores. É preciso ter equilíbrio no ato de inspirar e expirar. De
acordo com Behlau e Ziemer (1988), etimologicamente, respirar significa insuflar de vida.
Apesar de ser a função principal do sistema respiratório garantir a vida, a respiração vai muito
além de trocas gasosas.

11
Sob o ponto de vista de 2Behlau e Pontes (1995), o ciclo respiratório apresenta duas
fases, separadas entre si por um pequeno intervalo: a inspiração e a expiração:

A inspiração é a fase eminentemente ativa do ciclo respiratório: o diafragma,


nesse processo, passa de sua posição natural em cúpula a uma retificação;
concomitantemente, com auxílio da ação dos músculos intercostais internos,
aumenta o volume da caixa torácica. Durante a fonação a inspiração deve ser
de modo buco-nasal alternado, rápida, silenciosa e efetiva, ou seja, deve haver
condições suficientes para que o aporte de ar necessário entre nos pulmões.
Tanto a inspiração exclusivamente bucal como exclusivamente nasal são
inadequadas. A expiração, essencial para a fonação por vias laríngias, é um
processo passivo, resultante do relaxamento do diafragma e da elasticidade
das paredes musculares da caixa torácica, o que provoca a expulsão do ar
armazenado. (BEHLAU e PONTES, 1995, apud OLIVEIRA 2000, p. 12).

A fonação ocorre no processo de expiração, quando o ar é expulso dos pulmões para o


ambiente externo. Apesar do processo de emissão vocal ocorrer durante a expiração, para o
canto é de suma importância a inspiração. Pois, é nesta fase que depende da tomada de ar
necessária para a execução de frases longas, além de alguns aspectos e ornamentos da técnica
vocal no repertório.

Quanto ao tipo de respiração, encontramos na literatura quatro tipos básicos:


• Clavicular ou superior;

• Média, mista ou torácica;

• Inferior ou abdominal;

• Completa, diafragmático-abdominal ou costo-diafragmático-abdominal.

Todos os tipos de respiração podem ser utilizados mediante um objetivo. Especificamente


para o canto, a Respiração Diafragmático-Abdominal ou Costo-Diafragmático-Abdominal é a
mais utilizada entre os profissionais da voz ligados ao canto. De acordo com Junior, Ferreira e
Silva, (2010). Eles afirmam que o padrão de apoio costodiafragmaticoabdominal é o ideal, por
isso, resulta em uma fonação mais adequada para o canto, além de proporcionar um melhor
equilíbrio na emissão do ar. É muito comum encontrarmos nos alunos iniciantes em canto, a
respiração clavicular superior, embora não seja incorreta, não é tão eficiente para o canto, pois

2
BEHLAU, M. S. e PONTES, P. A. L. - A avaliação da voz. In: Avaliação e Tratamento das disfonias. São Paulo.
Lovise, 1995.
12
requer demasiado esforço para pouca respiração, além de promover uma tensão muscular
excessiva conforme afirma Junior, Ferreira e Silva (2010):

O apoio respiratório denominado inferior contribui para uma voz mais estável,
com melhor projeção e controle da hiperfunção laríngea e, para o canto, pode
promover uma emissão de voz cantada livre de tensões cervicais. Pode-se
verificar que os cantores que utilizam dos músculos inferiores tais como os
abdominais, diafragma e intercostais inferiores adquirem uma emissão mais
controlada. Em contrapartida, aqueles que trabalham apenas a musculatura
intercostal superior (torácica) durante o canto, promovem uma elevação da
parte torácica, anteriorização do esterno, tendem a uma captação menor de ar
e um aumento das tensões cervicais e laríngeas no ato de cantar. (JUNIOR;
FERREIRA; SILVA, 2010, p. 552)

Um músculo importante recrutado na respiração é o diafragma, que é um músculo que


separa o abdome do tórax. O diafragma tem uma função primordial na respiração. É nosso
principal músculo insipiratório. Em sua função inspiratória, o diafragma pode funcionar tanto
de forma automática quanto sob o controle da vontade. No nosso dia a dia o seu funcionamento
é automático, sem intervenção da consciência humana. Quando se deseja, no entanto, mudar
sua dinâmica, é possível fazê-lo através da vontade, como no caso de se desejar falar, cantar ou
executar exercícios respiratórios. À contração do diafragma corresponde o movimento de
“descida”, ou seja, na inspiração quando então ele desfaz o formato de cúpula e torna-se
achatado. Ao “descer” durante sua contração, o diafragma desloca os órgãos abdominais, sobre
os quais se apoia, para baixo e para fora. Esse abaulamento do abdome é o resultado da
contração do diafragma. A subida do diafragma que acontece na expiração, é causada pela
hiperpressão dentro do abdome durante a contração deste músculo, que tende a se desfazer a
partir do momento em que ele deixa de estar em contração.

Infelizmente, na idade adulta, com o estresse do cotidiano, perde-se o hábito natural de


respirar sem esforço, ocorrendo uma inversão dos movimentos com contração da musculatura
abdominal durante a inspiração e a elevação dos ombros com grande tensão cervical. Conforme
Junior, Ferreira e Silva (2010, p. 560), “as estratégias utilizadas para se trabalhar o apoio
(respiratório) relacionam-se o estímulo à propriocepção, participação da musculatura
abdominal e intercostal, equilíbrio do fluxo aéreo, alívio das tensões e correção de postura”. O
aluno que está ativo as sensações que o corpo emite, desenvolve uma consciência corporal e
fisiológica de extrema importância para o canto. Uma vez que, não é possível ao cantor ter
acesso manual aos músculos e órgãos recrutados durante a emissão vocal.
13
Perez-Gonzalez (2000) utiliza e descreve muito a importância da auto-percepção, auto-
observação do corpo em relação a voz. Portanto, o professor juntamente com o aluno busca
desenvolver essa propriocepção, com o intuito de guiar as sensações, as respostas corporais e
não somente pela audição da voz. Sendo que a voz que ouvimos, não é nossa voz real. Devido
a ressonância e vibração do corpo, a sensação interna nos impede de ouvir apenas a voz
exteriorizada. Um exemplo comum é a estranheza do cantor ao ouvir sua voz gravada, pois,
nossa referencia auditiva é modificada.

Autores da época do Barroco já ressaltavam a importância de se desenvolver um


controle respiratório eficiente. Porém, em seus textos, não costumavam detalhar sobre como
isso deveria ocorrer, de modo que não se sabe se o controle era adquirido pela respiração
clavicular, intercostal ou diafragmática. Junior, Ferreira e Silva (2010), ressalvam em sua
pesquisa:

em relação ao controle do fluxo aéreo deve-se destacar que esse talvez seja o
aspecto que aparece de forma mais recorrente na tradição do ensino. Estudo
revela que autores da época do Barroco ressaltavam a importância de se
desenvolver um controle respiratório eficiente. Um fonoaudiólogo explicou
que, com o objetivo de melhorar o controle do fluxo aéreo, utiliza uma vela
acesa. Mantém a mesma a um palmo de distância dos lábios do paciente e o
orienta a manter um fluxo de ar constante, de modo que a chama não se
apague. (JUNIOR; FERREIRA; SILVA, 2010, p. 552).

Conhecer sobre o funcionamento do sistema respiratório e ter o domínio do mesmo traz


uma eficiente manutenção para a voz, de forma que os professores de canto enfatizam muitos
exercícios na contração de músculos abdominais ou ainda na precisão articulatória de vogais e
consoantes, de modo exaustivo.

Oliveira (2000), diz de modo bastante simplificado, que existem duas opções
respiratórias para o canto e uma série numerosa de posições intermediárias. A primeira opção
é a de se manter o abdome expandido durante a emissão - o que é chamado popularmente de
"cantar com a barriga para fora", e a segunda preconiza que se mantenha o abdome encolhido
durante a emissão - o que é chamado de "cantar com a barriga para dentro". Ambas as escolas
geram bons e maus cantores, mas as pessoas tendem a se sentir mais confortáveis cantando com
o tórax e o abdome expandidos, embora isto não seja uma regra definitiva. Independente de
qual a técnica de respiração escolhida, é importante deixar com que o aluno faça essa escolha
mediante, o conforto e compreensão corporal para o cantar.

14
Muitos exercícios de treinamento para o apoio respiratório são estipulados pela maioria
dos professores de canto/técnica vocal, pois, sem um bom controle de fluxo de ar não se possui
uma boa voz. O controle do fluxo de ar na técnica vocal é responsável pelo bom desempenho
vocal para que não haja nenhum cansaço exacerbado ao término de uma performance.
Normalmente inicia-se o trabalho de técnica vocal com exercícios de respiração, posteriores
aos de aquecimento corporal, tanto nas aulas de alunos iniciantes como para o aquecimento de
um cantor profissional. A importância de ativar a musculatura para a performance modifica a
atitude corporal, muda de um estado passivo para ativo, promovendo uma melhor resposta
muscular para o uso da voz. Junior, Ferreira e Silva (2010) descreve em sua pesquisa a aplicação
e sequencia de um professor de canto em suas aulas.

um dos participantes detalha que aplica exercícios de respiração com foco na


expansão e manutenção da musculatura intercostal, além da contração do
abdômen, de modo a equilibrar as duas forças. Na sequência trabalha
3
vocalizes para a voz cantada e uma música é aplicada de modo que o apoio
respiratório se estabilize. Ainda, como estratégia, solicita que o aluno cante, e
mantenha a postura anterior, com a abertura e sustentação da musculatura
intercostal, para melhor controle do fluxo aéreo. Justifica que as costelas são
mantidas abertas para o não fechamento da musculatura abdominal, para que
se evite a constrição laríngea e consequente perda de qualidade na emissão
vocal. (JUNIOR; FERREIRA; SILVA, 2010, p. 558).

Boone e McFarlane (1994) sugere ao professor que ao trabalhar com um cantor, ator ou
palestrante que precise de algum treinamento formal da respiração, você poderia tomar as
seguintes medidas:
• Discuta a importância de uma boa postura, porque a postura normal é um dos melhores
facilitadores da respiração normal. Qualquer afastamento real de uma boa postura, como
inclinar-se para frente com a cabeça (cifose), pode contribuir para a respiração
deficiente;
• Demonstre respiração abdominal-diafragmática. Primeiramente, faça o sujeito deitar
supino com suas mãos sobre o abdômen, diretamente sob a caixa torácica. Nesta
posição, a distensão do abdômen na inspiração será observável. A excursão para baixo
do diafragma que aumenta a dimensão vertical do tórax, não pode ser vista diretamente
(porque os ligamentos do diafragma estão atrás e dentro das costelas); seu efeito pode
ser visto, apenas, pelo deslocamento para fora do abdômen. Na expiração, enquanto o

3
A palavra “vocalize”, na língua portuguesa pode ser escrita com [s] ou com [z] (vocalize). Mesmo encontrando
o termo vocalise escrito com a letra [s], em dicionários da língua portuguesa, adotamos a palavra escrita com [z].
15
diafragma ascende, a distensão abdominal diminui. Nesta forma de respiração, então, o
paciente deve deliberadamente tentar relaxar os músculos abdominais durante a
inspiração e contraí-los durante a expiração.

Há uma variedade de exercícios que são propostos e aplicados na técnica vocal com o intuito
de promover o treinamento para a arte do canto. Embora, seja muito adverso o uso das técnicas
entre os professores de canto, é de suma importância apresentar ao aluno não somente um
padrão de respiração, mas exemplificar a execução dos mesmos para que este aluno desenvolva
em seu próprio corpo o controle necessário para o trabalho vocal exigido. No que diz respeito
ao treinamento de apoio respiratório é de extrema importância para o cantor, pois, exige uma
rotina de exercícios eficiente e contínua. Esses exercícios precisam ser adequados a necessidade
do repertório, para uma maior capacidade respiratória além de um menor esforço físico. Como
base para funções adjuntas ao canto, a respiração é o combustível para o cantor e para a técnica
vocal em si.

1.2 Aquecimento: Corpo e voz

1.2.1 Aquecimento Corporal

Desde o esportista amador até o atleta profissional é de suma importância para um bom
desempenho físico o aquecimento da musculatura exigida. Igualmente, os músculos exigidos
durante o canto devem ser tratados assim como os demais músculos do corpo. Sendo necessário
que haja um aquecimento antes de uma atividade que exija dessa musculatura. Caso contrário
lesões e outras complicações que alterem a saúde vocal do cantor podem acontecer, gerando
até mesmo a interrupção da prática do canto. Muitos autores de acordo com a literatura
observada por Mello, Andrada e Silva (2008, p. 551) “recomendam que antes de qualquer
exercício de alongamento, se façam exercícios de aquecimento”. Segundo Lopes de Araújo, et
al. (2014):

aquecimento corporal é composto por estratégias que trabalham o corpo, como


alinhamento postural, alongamento, relaxamento, exercícios de respiração e
exercícios fonoarticulatórios. Todos esses procedimentos não utilizam alturas
de nota, foca-se no limiar do corpo. (LOPES DE ARAUJO, et al., 2014, p.
132).
16
O estudo e prática do canto tem uma grande exigência técnica corporal, não somente do
trato vocal em si, mas também de outros sistemas e órgãos que são recrutados pelo sistema
fonador, gerando uma sobrecarga física e até mesmo emocional ao cantor. Ocorre ainda, uma
demanda para a emissão da voz que atua, sob diferentes aspectos técnicos e interpretativos
durante o canto. Portanto, a musculatura sofre uma constante mudança de diferentes exigências
em toda sua extensão vocal, desde notas graves de baixa intensidade a notas agudíssimas de
forte intensidade.

Mello, Andrada e Silva (2008) afirmam que:

cantar é uma ação que exige do cantor grande demanda de energia física e
controle emocional. Quando praticado em forte intensidade e em notas
agudas, certos ajustes no trato vocal tornam-se necessários. Se estiver
associado à movimentação corporal constituem uma sobrecarga muscular
ainda maior, semelhante àquelas realizadas por atletas. Diante disso torna-se
necessário preparar o corpo para se obter expressividade no canto. (MELLO;
ANDRADA; SILVA, 2008, p. 548)

Atualmente os musicais, os grandes shows da musica pop, além da ópera em si, requer
um alto nível de execução do cantor que está além da voz. O desgaste e a exigência do corpo
são importantes nas atuações em cena, trocas de figurino, danças, além da encenação teatral
operística que dependendo da posição do cantor dificulta ainda mais determinada nota ou
registro a ser alcançado. Todas essas atividades fazem com que o cantor use todo o corpo em
uma execução musical de alta performance, tornando necessário um preparo adequado antes da
apresentação.

Mello, Andrada e Silva (2008) apontam que exercícios de alongamento e aquecimento


são complementares na preparação da voz cantada, pois garantem ao cantor mais resistência e
flexibilidade para execução de movimentos, além de postura mais adequada para o canto. Os
autores sugerem ainda que exercícios de aquecimento e alongamento sejam executados com
regularidade para que as respostas motoras sejam mais eficazes na execução do repertório.
Mello, Andrada e Silva (2008) constataram que:

estudos fisiológicos realizados por fonoaudiólogas demonstraram que o


aquecimento e o desaquecimento muscular corporal, associados ao
aquecimento e desaquecimento vocal são de grande importância para o

17
condicionamento vocal. Essa constatação identifica a voz como resultante de
um movimento do corpo todo. O preparo corporal preconiza uma produção
vocal equilibrada. Esse equilíbrio vocal pode ser obtido por meio de uma série
de técnicas que envolvem movimentos corporais globais ou específicos sobre
a região do esqueleto laríngeo. (MELLO; ANDRADA; SILVA, 2008, p. 552)

Muitos autores, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde do


músico e de profissionais da voz (Cantor e professor), enfatizam a preparação do corpo antes
da performance vocal. Apesar de o aquecimento corporal ser abordado por muitos profissionais
da voz, nem sempre é utilizado entre os cantores. Inclusive, falta aos professores de canto,
devida orientação e conhecimento quanto à prática de aquecimento corporal antes do trabalho
técnico a ser executado. No entanto, muitos professores e cantores acreditam ainda que essa
etapa no processo de cantar é desnecessária e seguem direto para os vocalizes ou até mesmo
para o repertório. Embora não seja comum a muitos cantores e professores de canto, o trabalho
de aquecimento corporal alivia tensões desnecessárias tão recorrentes nas queixas de cantores.
O fato de tensionar uma determinada musculatura, pode acarretar diretamente a emissão vocal,
dificultando não somente o controle da técnica como a voz em si.

1.2.2 Aquecimento vocal

O aquecimento vocal serve para aumentar a circulação sanguínea e, consequentemente,


a oxigenação no local, dando às pregas vocais uma maior flexibilidade, melhorando a
articulação dos sons emitidos e a vibração das pregas vocais, facilitando o momento de cantar.
O termo aquecimento vocal muitas vezes é confundido com a técnica vocal ou até mesmo com
a prática de vocalizes. De acordo com Mello, Andrada e Silva (2008, p. 553) “o aquecimento
vocal flexibiliza a musculatura das pregas vocais, garante maior elasticidade e resistência para
os diferentes ajustes de frequência e intensidade; otimiza o fluxo de ar transglótico nas tomadas
inspiratórias curtas e rápidas durante o canto”. Enquanto que a técnica vocal está totalmente
voltada para o treinamento dos aspectos e parâmetros exigidos no canto onde o aquecimento
faz parte do processo de treinamento.

Sobre o aquecimento vocal, segundo Costa (1998) a literatura define que o aquecimento
vocal corresponde à realização de uma série de exercícios respiratórios e vocais, com o objetivo
de aquecer a musculatura das pregas vocais antes de uma atividade mais intensa para evitar a

18
sobrecarga e o uso inadequado da voz, ou seja, a ocorrência de um quadro de fadiga vocal. Para
Lopes de Araújo, et al., (2014), “pode-se afirmar que o aquecimento vocal é realizado por meio
de uma técnica ou conjunto de técnicas para um fim específico, é um conjunto de procedimentos
que têm como objetivo obter um determinado resultado no aprimoramento vocal”. O mesmo
autor afirma ainda que:

acredita-se, portanto, que aquecimento vocal pode ser considerado um


trabalho de aprendizagem, desenvolvido por um determinado período de
tempo com o objetivo de condicionamento neuromuscular (memória e
condicionamento físico e vocal), com o uso de técnica com o propósito de
desenvolver uma estética vocal para execução de um determinado repertório.
(LOPES DE ARAUJO, et al., 2014, p. 135).

Diferenciar o aquecimento vocal dos vocalizes utilizados na técnica vocal, nem sempre
é um senso comum entre professores de canto, cantores e fonoaudiólogos. Muitos profissionais
da voz não secionam o aquecimento vocal do trabalho técnico para o desenvolvimento da voz.
Muitos autores e professores consideram inclusive, os vocalizes como aquecimento vocal para
a execução do repertório. Mello, Andrada e Silva (2008) afirmam em relação aos vocalizes que
são exercícios que quando praticados com 4pitch agudo, podem alongar as pregas vocais.
Embora, não signifique que todos os músculos da laringe estejam alongados, mas que foram
acionados durante o alongamento das pregas vocais.

Behlau e Rehder (1997) orientaram para que se aqueça a voz por meio de exercícios de
flexibilidade muscular, fazendo vocalizes com variação de tons, começando pelos médios e
indo em direção aos extremos da tessitura vocal. Há ainda alguns profissionais que não utilizam
exercícios de aquecimento vocal e trabalham a voz diretamente no repertório, baseando-se no
aquecimento feito pela repetição das canções contidas no repertório. Além de estabelecer uma
sequencia de acordo com o nível de dificuldade da peça ou canção.

Com o intuito de valorizar o objeto de trabalho do cantor, Mello, Andrada e Silva (2008)
também informam através de pesquisa recente que, mesmo o aquecimento sendo prioridade,
falta aos cantores um melhor preparo na prevenção de problemas vocais. Afirma Quintela, Leite
e Daniel, (2008) em sua pesquisa a respeito dos poucos cantores que recebem uma orientação

4
Russo (1993) define: “pitch” – sensação subjetiva de freqüência; duração – tempo em segundos da vibração
sonora. Pesquisado em: http://fonoaudiologia-brasil.blogspot.com/2011/11/clube-do-livro-psicoacustica.html
acesso em 01-6-2018
19
relacionada a prática de exercícios para o aquecimento e desaquecimento referente ao canto
lírico. O autor ainda destaca não só a necessidade de estimular as orientações de aquecimento
e desaquecimento vocal no meio acadêmico, mas também entre os profissionais que atuam
junto a estes cantores.

Segundo Quintella, Leite e Daniel (2008) a análise dos resultados de sua pesquisa apontou
3 fatores importantes relacionados ao canto lírico.
• Priorização dos métodos de aquecimento vocal; 

• Necessidade de uma potencial melhora da atenção dos atuais professores de canto lírico
na orientação de aquecimento e desaquecimento de seus alunos;
• Necessidade de enfatizar a orientação de medidas preventivas aos usuários da voz
enquanto "objeto de trabalho".

O mesmo autor ainda ressalta em sua pesquisa, que durante o aquecimento vocal a vibração
de língua e lábios foi o exercício de maior sugestão. Enquanto que no desaquecimento, a
sugestão são as escalas descendentes, onde cerca de 6% apenas dos entrevistados relatam que
receberam informações sobre o desaquecimento vocal e corporal durante seus estudos
acadêmicos. Essa afirmação ressalta a importância relacionada as informações e orientações ao
estudante de canto na sua formação inicial. Embora haja uma diversidade e individualidade de
cada cantor, orientar e informar sobre todos os aspectos ligados ao bom desenvolvimento do
canto é necessário para a saúde vocal do cantor e função do professor.

Embora o aquecimento seja visto por alguns cantores profissionais e artistas como algo
essencial, em contrapartida, outros o consideram como opcional ou até mesmo prejudicial para
o seu desempenho. Como informado acima, enquanto 5Miller (1990) e 6Gish (2010) apud
(LOPES DE ARAUJO et al., 2014, p. 131) “acreditam que cantores profissionais e estudantes
de canto devem estabelecer uma rotina de aquecimento vocal, pois é fundamental para um bom
desempenho vocal”. O autor ainda em sua pesquisa conclui que professores de canto e
fonoaudiólogos mantêm uma rotina de aquecimento vocal, enquanto os cantores apresentaram

5
Miller R. National Schools of Singing. English, French, German, and Italian Techniques of Singing Revisited.
Metuchen, NJ: Scarecrow Press; 1997
6
GISH Allison K. Vocal warm-up practices and perceptions in vocalists: A pilot survey. Dissertação de Mestrado.
B.M., Louisiana State University, 2010.
20
resultados diversos, além de ressaltar que os cantores realizam o aquecimento com frequência
diferente da indicada por professores de canto e fonoaudiólogos.

Este fato deve ser destacado, pois, a voz de cantores eruditos são seu instrumento de
trabalho, demonstrando uma inconstância em manter uma rotina de aquecimento quando
comparado com outros profissionais. Essa afirmação é importante, pois constata divergência na
formação de cantores quanto a rotina de treinamento vocal e sua formação em canto. Essa
divergência entre cantores e professores ocorre por uma negligência por parte dos cantores
quanto ao treinamento vocal, ou pela falta de orientação dos professores de canto? Essa é uma
questão a ser pesquisada, para verificar a rotina de cantores assim como a orientação de
professores.

1.2.3 Exercícios de treinamento vocal

Para a literatura, é importante estabelecer uma ordem para o bom desenvolvimento do


trabalho vocal. Muitos autores, fonoaudiólogos, pesquisadores, e profissionais da voz em geral,
acreditam, baseado em estudos e na fisiologia do exercício, além da pedagogia vocal, no
estabelecimento de uma rotina de aquecimento e estudo para o cantor. Foram selecionados na
literatura sugestões de alguns autores para o desenvolvimento através do treinamento vocal
desde o aquecimento corporal até a execução do repertório.
Mello, Andrada e Silva, (2008) sugerem que:

o aquecimento para a cantor inicie com rotações das articulações do corpo


todo, seguido de extensão e flexão do pescoço, vibração de língua, vibração
labial, emissão de sons plosivos, emissão de sons fricativos, etc., para que em
um segundo momento a produção sonora possa ser efetivada. (MELLO;
ANDRADA; SILVA, 2008, p. 554)

Segundo 7Baxter (1990) apud (SCARPEL, 2000, p.16), existem alguns passos a serem seguidos
para o aquecimento:


1. Exercícios respiratórios não fonatórios associados ao aquecimento corporal, ex.: soltar


o corpo para frente expirando ao mesmo tempo. Logo após, inspirar e, com isso, haverá

7
BAXTER, M. The singer’s survival manual. Wisconsin: Hal Leonard Publishing Corporation, 1990.
21
a expansão das costelas, reduzindo a tensão no abdome facilitando a movimentação do
diafragma.

2. Exercícios vocais: começando devagar e escolhendo algo bem simples para vocalizar.
Uma escala com a vogal /a/ na faixa média. Estar atento a “8colocação” da voz, observar
a postura quanto a tensão muscular. Observar também a posição da laringe (evitar a
elevação da laringe). Com a musculatura aquecida, aumentar o grau de dificuldade dos
exercícios. Chegar até próximo ao limite da tessitura vocal e da projeção vocal sem
demasiado esforço para isso. Dependendo da condição do cantor, este passo poderá ter
a duração de 5 minutos a horas.

3. Canto: O cantor deve sentir o som e sua habilidade de controlá-lo (pitch e 9loudness).
Deve observar se consegue cantar as músicas do repertório sem esforço, podendo se
exercitar com uma parte da música e depois treinar o todo.

Miller (1990) apud (LOPES DE ARAUJO et al., 2014, p. 126), recomenda que o conjunto
de exercícios vocais no aquecimento inicie com exercícios suaves e curtos, dentro de uma
tessitura confortável para voz, em seguida, exercícios com sons nasais e sequência de vogais,
vibração de língua e lábios de agilidade, e que vocalises em escala ascendente e descendente
possam ser gradualmente adicionados. Observa, também, que após os exercícios iniciais, são
indicados alguns minutos de descanso, antes de começar os exercícios de passagens, que lidam
com definição e modificação de vogais.

10
Prokop (1995) apud (SCARPEL, 2000, p. 19) enfatizou que os exercícios de aquecimento
devem ser divididos em:

• Exercícios corporais: para alongar e aquecer os tecidos e musculatura. É importante


observar a postura. Fazer exercícios para relaxamento cervical e boca (abertura e

8
Ou impostação vocal, se refere ao “direcionamento das ondas sonoras emitidas pela vibração das pregas vocais
até as cavidades de ressonância bucais e faciais, por meio de uma conformação muscular e de uma expiração
adequadas, proporcionando a reflexão de tais ondas e uma consequente amplificação dos sons e de seus
harmônicos” (DUTRA, 2001, p. 211)
9
Moore (1989) define “loudness” como uma impressão subjetiva relacionada á intensidade de um som a partir de
sua pressão, energia ou amplitude.
10
Prokop, J.E. - Exersises for Rehabilitation and Training. Anais do III Congresso Internacional de
Fonoaudiologia, São Paulo, 1995.
22
fechamento de boca, colocar a língua para fora e bocejo); e exercícios corporais (ex.:
deixar o corpo cair enquanto expira). 

• Massagem facial: massagear os músculos da cabeça, face e pescoço, incluindo os da
base da língua. 

• Exercícios respiratórios: visando a prática de respiração abdominal.

• Voz: Exercícios para estirar e aquecer os tecidos, lembrando da postura e reduzindo a
tensão vocal. A autora propõe: técnica de bocejo-suspiro, humming (com variação de 5
notas, em escala ascendente), e vocalizes com /u/ (subindo em escala de terças).

Sataloff (1991) apud (SCARPEL, 2000, p.18), O autor utilizou o termo “Preparação” para
o aquecimento na sequência de exercícios que se segue:

• Exercícios de alongamento corporal.


• Exercícios de cabeça (para cima/para baixo, cabeça em direção aos ombros e rotação de
cabeça).
• Exercícios de massagem facial (com as mãos no rosto) e alongamento (rosto comprimido e ir
abrindo a boca/colocando a língua para fora).
• Exercícios para mobilidade de mandíbula.
• Exercícios para os lábios (ex.: bico e sorriso com boca fechada, com boca ligeiramente aberta
e com boca aberta; fazer we-we-we-we e wa-wa-wa-wa)
• Exercícios para a língua (ex.: língua para fora, rotação de língua no vestíbulo labial, falar la-
la-la-la e gah-gah-gah-gah silenciosamente).

Francato et al. (1996), formularam um programa de aquecimento e desaquecimento vocal,


sugerindo os seguintes exercícios a serem realizados com duração média de 15 minutos:
• Exercícios corporais de alongamento (geral, de ombros, cabeça e massagem facial). 

• Exercícios vocais com sons nasais, vibrantes, hiperagudos, vocalizações com sequência
de vogais e exercícios articulatórios e jogos musicais. 

• Exercícios para extensão vocal: sons de frequências médias para as agudas e depois para
as graves; sons de frequências graves para as agudas; sons de frequências agudas para
as graves; sons ondulatórios em frequências agudas ou graves; glissandos ascendentes
em forma espiral. 


23
• Exercícios para controle da intensidade: com sons nasais, vibrantes e vocalizações:
aumentar e diminuir lentamente a intensidade; aumentando/diminuindo, sem variação
da frequência.

De acordo com o programa mínimo de Francato et al. (1996), os exercícios para o


desaquecimento consistem em relaxamento facial; rotação de cabeça com vogais escuras; sons
nasais e/ou sons vibrantes associados a glissandos descendentes; voz salmodiada com estrofes
de trava-línguas, frases ou sequências automáticas. Percebe-se que há uma homogeneidade nas
orientações da maioria dos autores. Um padrão para a sequência de exercícios que é muito
utilizado até hoje por muitos professores de canto. Demonstrando que a técnica é repassada
oralmente ao longo dos anos, na maioria das vezes pelo processo de imitação e pela oralidade.

1.3 Vocalizes

O vocalize é uma das estratégias mais utilizadas para realizar o aquecimento vocal pela
maioria dos professores de canto, fonoaudiólogos e cantores. É aplicado tanto para o
aquecimento vocal antes do repertório, quanto para o treinamento vocal de habilidades nos
aspectos da técnica vocal em si.

Lopes de Araújo et al. (2014) confirmou em sua pesquisa que:

os procedimentos utilizados para realização do aquecimento vocal podem


variar entre aquecimento corporal e aquecimento estético (vocalises). Neste
estudo, 70,9% dos professores de canto, 76,2% dos cantores e 86,7% dos
fonoaudiólogos utilizam aquecimento corpóreo, porém a maioria absoluta dos
professores de canto (97,7%), dos cantores (95,3%) e fonoaudiólogos (93,3%)
utiliza vocalises como estratégia principal para o aquecimento vocal. (LOPES
DE ARAUJO et al., 2014, p. 131)

O Dicionário Grove de Música (SADIE, 1994) define vocalize como,

Exercício vocal ou peça de concerto, sem texto, cantada sobre uma ou mais
vogais. Desde meados do séc. XVIII, os professores de canto utilizam música
vocal sem palavras como exercícios, e no início do séc. XIX começaram a
publicar solfejos e exercícios sem palavras para voz com acompanhamento.
Escreveram-se muitas composições em estilo vocalize, incluindo uma
sonatina com piano de Spohr, peças de Fauré, Ravel, Rachmaninoff, Medtner,
Giordano e Respighi; existe um concerto para soprano e orquestra de Glière.
A ‘vocalização’ coral foi utilizada por vários compositores, incluindo
24
Debussy (Sirenes) e Holst (The Planets). No Jazz, “vocalizar” refere-se a um
arranjo vocal de um número instrumental). (SADIE, 1994, p. 1004)

No Novo Dicionário da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1986)

1.mús. exercício vocal que consiste em cantar uma vogal uma série de notas
convenientemente escolhidas com objetivo didático. 2. Mus. Trecho vocal
sem palavras, sobre tudo na música polifônica dos sécs. XIII e XV, quando as
partes nem sempre tinham textos”. No Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa (Houaiss, 2001, p. 2877), o termo vocalize significa “MÚS: 1
melodia vocal sem palavras; 2 exercício vocal cantado, em que a voz se apoia
em uma vogal, para percorrer a escala cromática, subindo e descendo.
Exercício escrito para estudo da vocalização; parte cantada sem pronúncia de
palavras. (FERREIRA, 1986, p. 1786)

Ainda de acordo com Costa (2001, p. 85), “os vocalizes são exercícios que
desenvolvem a voz, cantados com as vogais, em escalas ascendentes e descendentes, quer
sejam cromáticas ou não, acordes e intervalos, exercitam o canto com objetivos artísticos”.
A prática do vocalize pode ser um fator fundamental na eficiência do canto e no
desenvolvimento vocal de qualquer cantor, independente do estilo e gênero musical. Atuando,
não somente como uma prática de aquecimento estético, mas no desenvolvimento técnico para
a performance do cantor.

Specht (2007, p. 28) define que “vocalizar é exercitar e desenvolver possibilidades


técnicas da habilidade vocal. Para a autora, os vocalises podem ser, dependendo de seu objetivo,
de aquecimento ou de virtuosidade”. Chaves (2012) acredita que a realização dos vocalizes
melhoram o condicionamento muscular, visando o desenvolvimento técnico do cantor, ou seja,
possibilita que este possa desenvolver o domínio ou controle de toda a musculatura exigida na
fonação: a musculatura respiratória, a laríngea e a facial. Segundo a mesma autora, ela
categoriza os tipos de vocalizes em três, sendo:
• Vocalize de aquecimento e aperfeiçoamento técnico – que são os vocalizes para o
desenvolvimento e preparação vocal;
• Vocalize de estudo – são os métodos vocais (Vaccaj, Panofka, Concone, Marchesi
dentre outros) que tem como objetivo levar o cantor para o desenvolvimento de
variados elementos musical em uma melodia vocal;
• Vocalizes artísticos – uma canção sem palavras, sem ser um recurso didático de
desenvolvimento vocal; exemplo Bachiana n° 5 de Villa-Lobos.

25
Observa-se então uma grande variedade de vocalizes em métodos, tratados de canto, ou na
própria criação (improvisação), por professores de canto, que podem ser estruturados de acordo
com a necessidade do aluno e do repertório. Porém, o objetivo e a ordem dos vocalizes devem
influenciar diretamente a qualidade da voz ou do aquecimento vocal.

Para Chaves (2012),

o desenho melódico de um vocalize de aquecimento e aperfeiçoamento


técnico pode ser elaborado segundo vários princípios que justifiquem sua
execução(...) A forma de execução dos vocalises de aquecimento e
aperfeiçoamento técnico fica, geralmente, sujeita àquilo que o professor de
canto e o aluno pretendem alcançar. Normalmente, o cantor realiza vocalises
buscando certa ‘colocação da voz’, buscando ainda expandir sua extensão,
tessitura e aumentar sua agilidade vocal. Esses vocalises frequentemente são
iniciados, conforme indicação da maior parte da bibliografia sobre o tema, no
registro grave ou médio. Posteriormente, são repetidos em diversas alturas, de
maneira ascendente, de meio em meio tom (cromaticamente), até atingirem a
região aguda; em seguida, retorna-se (também cromaticamente), ao tom em
que foram iniciados. O nível de dificuldade dos exercícios deve ser crescente,
conforme o desenvolvimento do estudante de canto; para isso, os mesmos
exercícios podem receber variações que atendam a suas necessidades de
evolução no estudo. (CHAVES, 2012, p. 10-11)

Não existe uma regra para a execução do vocalize. Podendo ser executados apenas com
o uso de uma vogal, precedido de uma consoante, possuir estruturas melódicas simples ou
altamente complexas, dentre outros. É importante ressaltar que cabe ao profissional que está
aplicando ou executando o aquecimento, definir o objetivo e sua configuração, visando um
melhor aproveitamento para o repertório proposto. Segundo Miller (1990) apud (LOPES DE
ARAUJO et al., 2014, p. 126), “a técnica de aquecer a voz deveria ser parte importante de
qualquer sistemática da pedagogia vocal, e não deve consistir de uma execução de improvisação
de vocalizes”. O mesmo autor afirma que “é por meio dos vocalizes, que podemos contemplar
as necessidades vocais do aluno para a realização de determinado repertório, que está
estabelecido dentro de certos padrões estilísticos previamente conhecidos pelo professor”.

Quanto aos tipos de vocalize descritos por Chaves (2012) em sua pesquisa intitulada “O
Vocalise no Repertório Artístico Brasileiro: aspectos históricos, catálogos de obras e estudo
analítico da obra Valsa-vocalise de Francisco Mignone”, destaca-se os vocalizes de
aquecimento - aperfeiçoamento técnico, que atualmente são os vocalizes mais utilizados entre
professores e cantores. Embora, os demais tipos de vocalizes descritos também possam ser
26
utilizados para o canto, dependendo do objetivo e da necessidade técnica. A respeito dos
vocalizes de estudo, estes são considerados como métodos de canto, e caíram em desuso, sendo
considerado por alguns, desnecessários pois, as competências apresentadas podem ser
desenvolvidas diretamente no repertório. Já os vocalizes artísticos, embora não seja uma regra,
geralmente são utilizados para o desenvolvimento da interpretação do cantor, pois não possuem
texto, porém são pouco utilizados como fonte de estudo e até mesmo como repertório.

Diante da literatura e da vivência na prática, constata-se, que os professores em sua


11
maioria, ainda continuam a repetir os mesmos vocalizes e exercícios tradicionais do Bel
Canto, introduzindo pouca ou nenhuma modificação naquilo que aprenderam durante sua
própria formação (GOULART, 2000). Existem escolas de canto que são oriundas do canto
lírico, como: italiana, alemã, francesa, ou ainda as advindas do popular, como é o caso da escola
americana e a busca pelas técnicas contemporâneas, sendo assim, cada professor traz consigo a
bagagem de aprendizado da sua carreira. Por conseguinte, a diversidade na pedagogia vocal
induz a uma ampla variedade de práticas de aquecimento vocal no canto erudito e popular,
ocasionando uma falta de uniformidade na técnica vocal, trazendo diversos resultados aos
cantores.

Muito embora exista uma diversidade técnica, onde muitas vezes a técnica do professor
está ligada diretamente ao seu processo de formação. Observa-se que o aluno iniciante, muitas
vezes não possui orientação adequada quanto ao desenvolvimento do seu estudo individual, ou
seja, sem a presença do professor. O cantor, muitas vezes se torna o reflexo da formação do
professor, sendo importante, que busque diferentes abordagens para o aprimoramento de sua
técnica. Apesar, da relação mestre-pupilo ser muito comum no ensino do canto, por
conseguinte, muitas vezes está associada à uma determinada escola de canto, entretanto, o
cantor precisa desenvolver a técnica de acordo com seu instrumento. Ampliar as possibilidades
de adaptação das diversas técnicas para a construção da sua identidade vocal, respeitando seu
corpo, seu instrumento, suas características é um passo importante para a sua formação.

Embora o estudo de canto seja personalizado, pois, depende de cada indivíduo com seus
objetivos e peculiaridades, acredita-se que o desenvolvimento de uma rotina de treinamento

11
O termo Bel Canto faz referência a uma tradição vocal, técnica e interpretativa empregada na ópera italiana,
primeiramente, em seus primórdios, no século XVII e, posteriormente, no período romântico, quando atuaram
compositores como Gioacchino Rossini, Gaetano Donizetti e Vicenzo Bellini, maiores representantes dessa escola.
27
vocal com o auxilio de material adequado seja fundamental para uma boa voz. De acordo com
Lopes de Araújo, et al., (2014), acredita-se que essa rotina precisa acontecer mediante objetivos
estabelecidos por profissionais da voz: professores de canto, fonoaudiólogos e cantores de
acordo com a necessidade técnica. Consoante com Chaves (2012) a autora sugere que, o
treinamento vocal deveria ser introduzido na rotina do cantor. Primeiro para manutenção vocal
e aprimoramento técnico, em que o tempo de duração poderia ser maior, com a finalidade de
exercitar a musculatura vocal, ajustar o timbre e a sonoridade, sem execução de repertório, ou
seja, seria um trabalho técnico de aperfeiçoamento vocal; e ainda de acordo com Quintela, leite
e Daniel (2008), a segunda rotina seria de aquecimento para estudo e execução de repertório,
onde o aquecimento deve ser menor em duração, para evitar uma sobrecarga da musculatura
vocal.

Quanto a produção de materiais de pedagogia vocal desenvolvidos para a rotina de


treinamento vocal, Cruz (2015, p. 4) afirma que: “os materiais existentes, escritos por
fonoaudiólogos e médicos, contemplam a objetividade dos mecanismos e processos vocais”.
Equanto que a literatura escrita por cantores, em geral, trabalha de forma subjetiva no ensino
vocal, através da utilização de metáforas e imagens associadas a sensação do fazer musical, e
na aplicação de vocalizes que muitas vezes não condiz com a anatomia e fisiologia humana. O
autor ainda diz que “com a disponibilidade de pesquisas e material bibliográfico sobre voz,
percebe-se que há uma pequena produção de material científico que conecte
12
anatomofisiologia e criatividade, ou ainda, objetividade e subjetividade na didática vocal”.

Outro aspecto muito comum, é a utilização de vocalizes por muitos cantores e


professores de canto, sem saber, ou sem especificar o objetivo de cada vocalize para o repertório
a ser praticado, ou para o aquecimento vocal. Baseado nessa afirmação, o autor propõe em sua
pesquisa:

para cada exercício, um conjunto de justificativas é apresentado, numa relação


analógica. Para cada etapa dos exercícios e vocalizes, uma Fundamentação
Teórica será desenvolvida como sustentação para a pesquisa. Não se trata,
portanto, de uma relação teórica dissociada dos exercícios propostos, mas de
uma criação embasada nos estudos feitos dos textos elencados e escolhidos
para esta finalidade: nortear o cantor quanto ao bom desempenho com a voz.
(CRUZ, 2015, p. 1)

12
Estudo da anatomia e fisiologia humana.
28
Roman-Niehues e Cielo, (2010) também dialogam com Cruz (2015) a respeito e cita:
“há uma importante lacuna na pesquisa da área de voz: a documentação do efeito das técnicas
vocais terapêuticas, embora no Brasil, se esteja buscando maior cientificidade nesta área”. A
ausência desse material de apoio estruturado em língua portuguesa, especificamente para
vocalizes voltados para o estudo e desenvolvimento de questões técnicas do canto como:
13
respiração, ressonância, extensão, articulação, ornamentos, agilidade, entre outros, gera
uma deficiência constatada por cantores, principalmente iniciantes. Pois se veem sem um
suporte adequado em seu estudo diário, pois muitos destes cantores não tocam um instrumento
melódico, que é tradicionalmente utilizado no treinamento vocal. Por conseguinte, a execução
inadequada da prática de vocalizes compromete não somente o desenvolvimento da técnica
vocal como pode gerar danos ao sistema fonatório. Logo, a inconsistência do treinamento pode
ser refletida na execução do repertório.

1.4 Ressonância vocal: amplificador natural

Sabemos que para se cantar bem não é necessário apenas ter uma voz bonita, mas sim
um conjunto de fatores que favoreçam uma boa emissão vocal. Portanto, há uma pergunta:
como se produza a voz? Behlau e Pontes (1993, p. 29 e 30) define:

A voz se produz na laringe, um tubo que contém as pregas vocais, situadas em


posição horizontal no interior da laringe (paralelas ao solo). As pregas
afastam-se ao inspirar e o ar entra nos pulmões. Ao falar, as pregas vocais
aproximam-se, o ar sai dos pulmões e, passando pela laringe, produz as
vibrações que resultam no som da voz. Esse som passa por um “alto falante”
natural formado pela faringe, pela boca e pelo nariz, que são as cavidades de
ressonância. Os sons da fala são articulados na cavidade da boca, através de
movimentos da língua, dos lábios, da mandíbula e do palato, que modificam
o fluxo de ar que vem dos pulmões e, consequentemente, projetam o som para
fora do corpo. (BEHLAU e PONTES, 1993, p. 29 e 30)

A partir deste fato, inserimos a técnica vocal e o treinamento da voz em determinados


aspectos com o intuito de desenvolver e potencializar toda sua capacidade. Dentre os sistemas

13
Segundo o Dicionário Grove de Música (1994, p.684), os ornamentos estão presentes em todos os períodos da
música ocidental, mas foi, principalmente, no Renascimento tardio, no Barroco e no Classicismo que eles foram
mais utilizados. Os ornamentos podem ser livres, os quais o próprio interprete os improvisa ou podem ser escritos
na partitura. Acciaccatura, apojatura, grupeto, messa di voce, trinado, são alguns ornamentos.
29
necessários para uma boa emissão vocal, destacam-se os ressonadores, ou seja, o sistema
ressonantal. Mas o que é ressonância vocal?

Boone e Mcfarlane apud (Cruz, 2015, p. 30) define: “a voz, originada pelo fluxo de ar
vibrando as pregas vocais, é amplificada nas cavidades da via aérea superior do pescoço e da
cabeça. Esta amplificação é denominada de ressonância”. Dinville (2001, p. 86) também fala
sobre a ressonância, segundo a autora: “na voz cantada e falada, a ressonância vocal consiste
na modificação, pelas cavidades de ressonância, do som produzido pelas pregas vocais,
ocorrendo efeitos de amortecimento e amplificação desse sinal sonoro”.

Ainda, a respeito da definição, Coelho (2008) afirma que:

“ No contexto da voz a ressonância é o efeito resultante das modificações que


as cavidades de ressonâncias humanas imprimem as vibrações laríngeas
transmitidas pela coluna de ar (propagação em gases) e pelos ossos e músculos
(propagação em sólidos) “. (COELHO, 2008, p. 59)

Durante essa modificação em cada cavidade, o som produzido pelas pregas vocais sofre
alterações. Essas alterações podem aumentar ou reduzir a intensidade, ou seja, o volume do
som que pode resultar em uma variação do timbre.

Quanto aos “locais” onde a ressonância acontece, Coelho (2008), reitera que, embora
todo nosso corpo vibre, as cavidades em nossa cabeça são mais fáceis de se perceber, portanto,
é um amplificador natural. Simplificando, podemos dizer que nossa cabeça é formada
basicamente de dois tipos de materiais: um esponjoso e outro sólido. A carne e as cartilagens
assumem aqui os papéis de materiais esponjosos e os ossos o papel do material sólido. Quanto
às cavidades de ressonância e o sistema ressonantal, Zemlin (2000) apud Campos (2007, p. 31)
descreve:

O trato vocal é apresentado como um tubo uniforme complexo, “formado


primariamente pelas cavidades laríngea, faríngea e oral e, às vezes, pelas
cavidades nasais”. Para Huche (1999, p.161), os órgãos que compõem esse
sistema são a laringe, a faringe (hipofaringe, orofaringe e nasofaringe) e a
cavidade oral (véu palatino, palato duro, mandíbula, língua, dentes, lábios).
(ZEMLIN, 2000 apud CAMPOS, 2007, p. 31)

Dinville (1993), fala a respeito dos muitos órgãos, músculos e mucosas que terão, na
perspectiva do canto, a função de ressonadores e de articuladores. Para a autora, “estas
30
cavidades possuem paredes fixas (maxilar superior e palato duro) e paredes móveis (mandíbula,
língua, epiglote, lábios e véu palatino”), (DINVILLE, 1993, p. 35). Nas paredes móveis, alguns
órgãos são responsáveis pela articulação de vogais, como a língua e os lábios, pois, sua posição
interfere diretamente no timbre da voz.

Há muitas estratégias utilizadas no estudo do canto com o propósito de otimizar a


qualidade da voz. O uso de imagem, algumas metáforas, movimentos corporais, são utilizados
por muitos professores de canto tradicionais, enquanto que uma outra linha de ensino, faz uma
abordagem mais fisiológica cabendo ao cantor verificar o que mais contribui para o controle da
voz.

De acordo com Souza, Silva e Ferreira (2010, p. 322)

As estratégias de trabalho citadas incluem: exercícios vocais variados; o uso


de imagens; o uso de exemplos auditivos; exercícios de refinamento da
percepção auditiva e da propriocepção; uso de movimentos corporais
associados ao som; e uso de instruções fisiológicas objetivas com ou sem o
auxílio de figuras de anatomia. Numa outra tendência de pensamento, as
respostas apontam a preocupação dos professores em definir conceitos chave
para seu trabalho com a voz (SOUZA; SILVA e FERREIRA, 2010 p. 322)

A utilização de termos como: “voz clara”, “voz escura”, “entubada”, “metalizada” entre
outras nomenclaturas, são algumas formas de tentar identificar a qualidade do som produzido,
com o objetivo de buscar o resultado desejado. Embora saibamos como se dá o processo da
ressonância vocal, a prática não é tão simples de se executar. Há uma necessidade de se
desenvolver a propriocepção no cantor a fim de identificar a colocação da voz. A auto
percepção, auto-observação na emissão da voz cantada, é fundamental para o cantor durante o
treinamento dos exercícios de ressonância. É através do treinamento dos exercícios da técnica
vocal aplicada, que o cantor aprimora a audição e a sensação da colocação da voz, afim de
melhorar o desempenho vocal. Um exercício muito utilizado entre cantores e professores para
o treinamento vocal, é cantar com a boca fechada com a consoante “M” ou Humming, chamado
14
de Bocha chiusa. Que é um termo italiano utilizado no Bel canto para o treinamento da
ressonância devido à sua configuração e percepção da sonoridade dentro das cavidades.

De acordo com Coelho (2008), algumas outras medidas são associadas a uma voz com

14
Boca chiusa: “ (It., ‘boca fechada’) Canto sem palavras e com a boca fechada” (Dicionário Grove de música,
1994, p. 116).
31
boa ressonância como, por exemplo: abrir a boca no sentido vertical; manter a língua baixa e
plana com a “ponta” encostada nos dentes inferiores; levantar o palato mole para aumentar o
espaço bucal; alargar a faringe (como em um bocejo); esboçar um leve sorriso para levantar as
maçãs do rosto; abrir as narinas e relaxar a faringe. Essas medidas podem e devem aumentar os
espaços das cavidades de ressonância, e consequentemente ampliar o som da voz.

Diante das possibilidades, como se atinge uma boa ressonância, e o que é necessário? A
esse respeito, Souza, Silva e Ferreira (2010, p. 322) concluíram em sua pesquisa que:

dos professores de canto erudito, três (60%) citaram o uso do apoio


respiratório como fundamental para se atingir uma boa ressonância,
ressaltando a importância do fole no processo de produção da voz cantada;
sete dos sujeitos, de todos os estilos (35%) (S5=erudito; S6 e S8=popular
brasileiro; S12=CCCA; S16, S18 e S20= holística), dão mais ênfase à
qualidade da emissão, e ressaltam a necessidade de se produzir som sem
esforço, com amplificação comandada pela vibração equilibrada das pregas
vocais, fato que demonstra maior preocupação com a fonte sonora da voz.
(SOUZA; SILVA e FERREIRA, 2010, p. 322)

A importância de atingir o volume e a qualidade da voz necessária à prática vocal, não


pode ser substituída pela responsabilidade de cantar sem esforço. Muitas vezes pela
compreensão equivocada, pelo treinamento incorreto, pela técnica vocal mal executada ou até
mesmo pela informação incorreta. A voz pode ficar comprometida, não somente na
performance e na qualidade da voz, mas também no que diz respeito a saúde vocal do cantor.
Segundo Coelho (2008), a busca pela intensidade do som nas cavidades de ressonância, é uma
das maiores responsáveis pela rouquidão no canto por esforço inadequado.

Dinville (1993, p. 112) cita:

se a laringe estiver localizada muito em cima ou muito embaixo em relação à


altura tonal, haverá um “esforço pedido a toda a musculatura circunvizinha
para impedir a laringe de executar os movimentos” e um “incômodo imposto
à articulação”. Qualquer posição rígida ou fixa da laringe será considerada
prejudicial à voz. Por ser causadora de tensão, leva a um funcionamento
antifisiológico, impondo ao mesmo tempo uma “captação excessiva das
[pregas] vocais, uma modificação do timbre, uma pressão expiratória
intensificada demais, assim como uma má união faringo-laríngea”
(DINVILLE, 1993, p. 112)

32
Em concordância com Campos (2007), os ajustes feitos de forma incorreta, podem levar
o cantor a adaptar mal sua laringe, podendo forçar a voz demasiadamente para os graves ou
para os agudos. Ocasionando uma falsa amplitude de extensão ou podendo ainda distorcer seu
timbre. Conforme Dinville (1993, p. 13), “essas possibilidades não devem ser usadas como base
de técnica vocal, pois, com o tempo, as modificações feitas à natureza da voz podem criar
problemas e dificuldades”.

Muitos cantores e professores acabam “forçando” a voz contra as cavidades de


ressonância, muitas vezes em busca do volume, da projeção vocal e da amplificação do som.
Termos como “voz de garganta”, que é uma ressonância apoiada na laringe, e de acordo com
Coelho (2008) é uma voz estridente e apertada. Muitos cantores priorizam a ressonância nasal,
produzindo uma voz fanha e velada. Contrária à ideia de “voz de máscara”, que é considerada
pela autora e por muitos profissionais da voz, como ideal para o canto, desenvolvendo uma voz
brilhante e com boa projeção. Frases e imagens como “cantar com os olhos”, pensar em um
ponto no centro da testa, são termos utilizados para exemplificar ao cantor, quanto ao “local”
fisiológico da ressonância em que o foco da voz deve estar.

Ainda existem algumas terminologias e conceitos usados na abordagem do canto como,


“laringe alta” ou “laringe baixa”. As mesmas estão ligadas diretamente ao posicionamento da
laringe, já que é uma estrutura móvel, podendo subir ou descer de acordo com a necessidade.
Embora este movimento seja involuntário, em alguns momentos é possível controlar a laringe
para alcançar o timbre desejado. No canto, a busca pela ressonância é geralmente alta, havendo
maior concentração do foco de energia sonora na parte superior do trato vocal, ou seja, nas
cavidades de ressonância superiores. Não que a vibração da voz aconteça somente nas
cavidades superiores, como já foi dito o corpo todo vibra, porém, o direcionamento do som está
com maior enfoque nesses ressonadores.

Uma ressonância equilibrada, tem como objetivo promover ao máximo o alívio da


sobrecarga muscular da laringe, com a utilização de ajustes musculares adequados. Campos
(2007) menciona sobre a importância da movimentação da laringe e sobre esse movimento ser
um processo natural e desejável além da busca pelo equilíbrio da ressonância, promovendo os
ajustes adequados. Ainda segundo Campos (2007, p. 40), acerca da laringe, afirma que “ela
deverá estar livre, ajustando-se as flutuações da linha melódica, assim como aos movimentos
dos outros órgãos e músculos”. Pois, segundo Dinville (1993, p.32) “ela só́ pode se elevar,
33
abaixar ou deslocar-se da frente para trás, através dos movimentos da língua, da mandíbula e
das modificações no volume das cavidades de ressonância”.

Na pesquisa de Souza, Silva e Ferreira (2010) os autores mostram a dificuldade entre


professores e cantores de conceituar sobre a ressonância vocal, além de haver junção e
discordância a respeito de outros elementos da técnica vocal.

com relação à abordagem da ressonância vocal, as respostas dos professores


da amostra pesquisada mostram forte presença de uma não distinção de
conceitos, apresentando elementos próprios da ressonância misturados ao
conceito de timbre e ainda ao conceito de subregistros vocais modais (peito,
misto e cabeça). Isto parece se dever ao fato de que ainda não houve um
esforço conjunto e interdisciplinar entre cantores e estudiosos da voz para
encontrar uma terminologia comum, e, como fica claro ao observar, que nem
mesmo entre os professores de canto existe um consenso. (SOUZA; SILVA e
FERREIRA, 2010, p. 325).

Em relação a essa afirmação, muitas são as competências exigidas para emissão de uma
boa voz. Do mesmo modo, a pedagogia vocal ainda se encontra em divergência no que se refere
ao uso das técnicas. Até porque, cada cantor é um instrumento diferente, com adaptações únicas
e exclusivas. O desenvolvimento tanto da técnica vocal, como do treinamento de exercícios,
precisa ser individualizado, apesar de já existir um bom embasamento prático como fonte de
orientação pela busca da melhor voz.

2 A FORMAÇÃO DO CANTOR

2.1 Formação informal: cantor-professor

O conceito de Formação é bastante abrangente e pode ser encontrado em discussões


relacionadas a diversas áreas do conhecimento. Para Matos e Matos (2010, p. 2) “mais do que
compreender a formação como mudança na capacidade profissional, entendemos que a
formação também deve ser encarada na perspectiva da transformação do indivíduo humano”.

34
Segundo Matos e Matos (2010):

o uso do conceito de Formação tem sido recorrente na área educacional, [...].


Assim, mesmo reconhecendo a formação como um termo de destaque no
campo educacional, temos que ser cuidadosos para não fazer um mau uso
deste termo, empregando-o de forma indiscriminada, sem considerar sua
complexidade e as diferentes perspectivas teóricas que o fundamenta
(MATOS e MATOS, 2010, p. 01 e 02).

15
Silva (2009) apud (SANTOS, 2015) também comenta:

temos [...] no mínimo duas questões que devemos vincular à formação. Em


primeiro lugar a questão do conhecimento. Como ele se estabelece, como ele
é adquirido, como ele se desenvolve e questões afins. Em segundo lugar, a
questão do juízo: como se pode, a partir de algum tipo de conhecimento,
efetuar um juízo, efetuar um julgamento sobre o que quer que seja. (SILVA,
2009, apud SANTOS, 2015 p. 05).

Quando refletimos sobre o termo formação e suas competências, 16Freire (1996) apud
(SANTOS, 2015, p. 5), aponta que “formar é muito mais do que puramente treinar o educando
no desempenho de destrezas”. Dentro deste entendimento, Santos (2015, p. 5) afirma que: “a
formação em canto pode ser compreendida como a etapa final de um processo que busca o
desenvolvimento de habilidades e a apreensão de competências para o exercício do canto”.
Portanto, para a formação do cantor são necessários conhecimentos específicos sobre a emissão
da voz, tanto para a performance vocal quanto para o ensino da técnica vocal.
De acordo com Cruz (2015, p. 11), “para a compreensão da produção da voz tem se que
conhecer os três subsistemas que são relacionados entre si: a respiração, a vocalização e a
ressonância”. Conforme aponta o autor, compreender os aspectos técnico vocais é necessário
para a emissão da voz. As técnicas envolvidas que abrange todos os sistemas: fonatório,
ressonantal, respiratório, dentre outros, podem ser compreendidas a partir do treinamento
inadequado dos mesmos para o canto. Entende-se ser de suma importância o domínio sobre os
aspectos da técnica vocal tanto para o canto popular e principalmente para o canto lírico. Não
somente para a emissão de uma voz de qualidade quanto para a saúde vocal do cantor.

15
SILVA, Franklin Leopoldo e. O Conceito de Formação. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo – IEA - USP, São Paulo, 2009.
16
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 37a ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1996. (Coleção Leitura) 148 p.
35
No que se refere a área de atuação do cantor - professor é ampla. Em diversas áreas do
mercado musical, o cantor pode atuar sem a necessidade do diploma. Diante dessa realidade,
questiona se: os professores de canto são cantores? Há muitos regentes de coro, instrumentistas,
atuando como professores de canto, portanto, nem sempre quem atua como professor de canto
tem uma especificação na área. Ao refletir sobre as principais competências para a formação
do cantor, é importante reconhecer quais os conhecimentos teóricos específicos, além das
habilidades práticas relacionadas à técnica vocal e à performance.
Requião (2002), denomina o músico-professor aquele que:

[...] teve uma formação profissional voltada para o desenvolvimento de


atividades artísticas na área de música, e que coloca a atividade docente em
segundo plano no escopo de suas atividades profissionais, apesar de ser,
frequentemente, a atividade mais constante e com uma remuneração mais
regular em seu cotidiano profissional (REQUIÃO, 2002, p. 64).

Há ainda algumas divergências na concepção de docência entre aqueles que se


capacitam para atuar como professores de música como licenciados e os que atuam como
professores bacharéis, estes que em sua formação visa a performance e não a docência. Pederiva
(2005), fala que a esse respeito, uma discussão ocorre mediante o fato de haver professores de
música com enfoque na performance que se tornam docentes não por opção, mas por
necessidade de trabalho. Estes comumente concluem seus cursos carentes de preparo
pedagógico, uma vez que nos currículos de bacharelado não existe grande preocupação com a
formação de pessoas capacitadas para a docência.

De acordo com Pederiva (2005):

o grande problema enfrentado pelo bacharel em música, agora licenciado, é


que as disciplinas de licenciatura não contemplam a didática do instrumento
musical, mas são direcionadas a ‘educadores musicais’, ou seja, professores
que atuam em escolas do ensino fundamental e médio. A autora ainda
argumenta que “a busca de um equilíbrio entre competências pedagógicas e
músico-instrumentais seria pré-requisito para a formação deste profissional”
(PEDERIVA 2005 p. 115, 116).

A autora afirma que “as competências pedagógicas seriam encontradas na licenciatura


e a competência músico-instrumental no bacharelado” (p.116). Uma vez que há uma importante
diferença e ênfase nos dois cursos. Enquanto o bacharel tem o enfoque no domínio do
instrumento, voltado para a prática pessoal, o licenciado está direcionado a orientar o outro para

36
a prática do instrumento. Para adquirir as informações e o domínio da técnica vocal a ser
aplicada, é necessário ao cantor ou professor a prática referente aos aspectos técnico vocais que
elucidam o treinamento vocal do estilo, embora o ensino de música vá além dessas capacidades,
conforme Del bem (2003):

para ensinar música [...] não é suficiente somente saber música ou somente
saber ensinar. Conhecimentos pedagógicos e musicológicos são igualmente
necessários, não sendo possível priorizar um em detrimento do outro [...]
Precisamos estar atentos para buscar o equilíbrio e uma maior articulação
entre os campos da música e da educação na formação de professores, sejam
professores de educação básica ou de instrumento [...] (DEL BEN, 2003, p.
31).

Muitas vezes o “professor” simplesmente reproduz o que foi repassado pelo seu mestre,
algo que é muito comum no ensino do canto por gerações, como a relação mestre-pupilo.
Pederiva (2005, p. 117) alega que o fato de o indivíduo apenas saber tocar um instrumento não
o torna preparado para ensinar. Em suas palavras, “o sucesso do ensino não provém
automaticamente do sucesso na execução musical”.

Braga (2009) também reforça que:

um dos problemas advindos dessa lacuna na formação de professores de


música é a adoção, pelos mestres, de métodos e/ou técnicas frutos de sua
experiência enquanto aprendizes, ou ainda, como intérpretes. Como exemplo,
explicito uma situação muito comum: o fato de haver professores que
entendem ser suficiente apenas demonstrar como se executa determinada peça
musical, seguros de que o processo de aprendizagem do aluno funciona
somente pela repetição do que vê e/ou ouve. (BRAGA, 2009, p. 26).
Ensinar música, então, seria fazer o aluno simplesmente reproduzir aquilo que o
professor ou outro intérprete é capaz de executar? Sendo assim o aluno fica a mercê, ou se vê
condicionado ao processo de imitação seja de um interprete ou do professor.

No que se diz respeito aos locais de formação do cantor, geralmente, as escolhas do


aluno iniciante em canto geralmente são as escolas de música livre, aulas individuais em casa,
masterclasses, festivais de música, coros amadores ou o conservatório de música. Este último
está cada vez mais escasso no âmbito musical além de normalmente ser direcionado à música
erudita. A questão em si, é a qualidade da preparação vocal ministrada pelos professores de
canto, seja em uma instituição, ou em uma aula individual de técnica vocal, até mesmo o
trabalho desenvolvido em coros. Sandroni (2000) nos alerta para o fato de que, embora hoje

37
seja quase um lugar comum admitir que é possível aprender música fora das escolas de música,
ainda se pensa que o modo como se aprende fora delas, em alguma medida, é menos importante,
ou mesmo irrelevante.

Diante do exposto pelos autores além da complexidade do tema, ao referir os espaços,


e não as práticas, como formais (escolas de educação básica, escolas especializadas da área e
outras instituições de ensino regulamentadas pela legislação educacional vigente no país), não
formais (ONGs, projetos sociais, associações comunitárias, espaços diversos que oferecem
cursos livres de música, etc.) e informais (manifestações da cultura popular em geral,
expressões musicais urbanas etc.).

Se queremos um treinamento equilibrado que permita atuar no mundo musical


real do século XXI, os músicos devem ter uma formação universitária que lhes
permita desenvolver tanto o conhecimento teórico quanto o intuitivo,
equilibrando habilidades técnicas e auditivas. A ênfase na audição, e também
nas habilidades de improvisação poderia levar a uma abordagem mais livre,
onde a busca de aperfeiçoamento técnico ou a ampliação de outros
conhecimentos possa ocorrer naturalmente e como consequência de uma
necessidade interna. O processo deve ser de dentro para fora. A comunidade
inteira da música vai se beneficiar através de uma abordagem integrada. (...)
A consequência seria a formação de músicos melhores e mais completos, com
uma vasta gama de habilidades, que possam tomar parte no mundo musical
real do século XXI. (17FEICHAS, 2006 apud LIMA, 2010, p. 227).

Quanto a formação do cantor, acredita-se na importância e nos benefícios para a carreira


de um cantor, ter uma formação musical consistente e de qualidade que vise o desenvolvimento
técnico e pessoal priorizando a individualidade e a capacitação na performance. Logo, a escolha
pelo curso, professor, espaço e a técnica vocal a ser aplicada é de ordem exclusiva do aluno. De
tal forma que influenciará toda sua carreira enquanto cantor. A falta de preparo de muitos
profissionais da voz e o fator econômico de muitos desses profissionais, resultam em cantores
mal treinados e consequentemente em futuros professores limitados e muitas vezes
incapacitados para a atividade.

17
FEICHAS, H.; MACHADO, Daniel. Projeto Connect na Escola de Música da UFMG. In: XVIII Congresso da
Associação Brasileira de Educação Musical/ 15o Simpósio Paranaense de Educação Musical, 2009, Londrina.
Anais do XVIII Congresso da Associação Brasileira de Educação Musical/ 15o Simpósio Paranaense de Educação
Musical, 2009, p. 1052-1058.
38
3 RELATO DE EXPERIÊNCIA

3.1 Da informalidade à graduação em música

O canto sempre esteve presente no meu convívio familiar, e era uma atividade muito
estimulada por meus pais, apesar, de não terem nenhuma formação ou contato com a música
no âmbito formal. Muita são as lembranças referentes a esse fato: as muitas músicas cantadas
antes de dormir; algumas canções das histórias de Walt Disney e fábulas musicadas, presentes
em minha coleção de livros com LPs, além das fitas cassetes com filmes musicais da Disney;
várias atividades realizadas na escola onde eu sempre estava participando, com as brincadeiras
de roda que envolviam a música; além do contato com a música na igreja, que foi minha
“escola” ao longo de muitos anos.

O meu prazer pela música iniciou-se logo cedo. As aulas de educação religiosa aos
domingos pela manhã, foi a minha inserção no meu processo de musicalização. Canções e mais
canções sobre as histórias da bíblia, sobre comportamento, sobre a natureza e educação familiar,
tomavam conta de boa parte das atividades. Embora a professora não tivesse uma formação em
música, ela era muito afinada e acompanhava com seu violão as canções com muito entusiasmo,
e apesar de ser um ambiente informal, várias atividades musicais estavam inseridas nas aulas.

De todas as atividades, cantar sempre era meu momento favorito, e as canções eram
cantaroladas ao longo de toda semana. Todavia, foi através da doce voz de meus pais, que a
música foi internalizada dentro de mim, devido as muitas horas dedicadas a canções folclóricas
e religiosas que embalavam minhas noites e horas de sono. A doce voz de minha mamãe, e a
forte e volumosa voz de meu papai, foram minhas referências musicais ao longo de toda minha
vida. A partir dessa vivência musical em minha casa, minha escola e minha igreja, que o contato
com a música foi se estendendo, e ampliando ao longo do meu crescimento.

Desde a participação nos grupos infantis na igreja, até a coragem de fazer um solo no
culto de domingo à noite, essas foram ações que influenciaram o meu processo de formação, e
deram início a minha performance musical. Minha formatura de pré-escola, foi minha
introdução como cantora no meu distrito, uma participação como solista em homenagem a

39
diretora da escola cantando “Amigo” de Roberto Carlos e “Senhor quem entrará” de Padre
Zezinho. No ano seguinte, fui convidada para cantar na formatura dos alunos da classe do pré-
escolar novamente. Foram muitas as atividades na escola, do pré-escolar até o Ensino médio,
onde participei de muitas apresentações e performances, todas elas sem um estudo formal de
canto, desde cantar o hino nacional em ações cívicas, ao hino da bandeira em uma celebração
formal de revitalização da escola. Até o ensino médio foram muitas apresentações, um destaque
para minha formatura de 8° ano, onde mais uma vez cantei como solista na entrega dos
diplomas.

Aos 15 anos ganhei meu primeiro instrumento, um violão, da marca Di Giorgio, foi
minha aventura no mundo das revistas de músicas cifradas. Ao aprender meus três primeiros
acordes com minha querida “Tia Juca”, ré maior, sol maior e lá maior foram companheiros de
muitas canções. Como autodidata, a curiosidade e a vontade de fazer música deu lugar a
composições próprias, onde iniciei uma série de canções religiosas de minha autoria, inserindo-
as nos cultos de domingo a noite. Mesmo que harmonicamente fossem muito simples
musicalmente, o gosto pela música expandiu a ponto de ser convidada para participar de uma
banda de música gospel, e com ela o convite de inserir minhas composições na gravação de um
CD.

Mesmo não tendo nenhuma instrução sobre técnica vocal ou qualquer contato formal
com o ensino de música, possuía uma boa afinação, ritmo, além de boa audição referente aos
parâmetros musicais como: altura, intensidade, duração e timbre. Responsável pelo louvor, ou
seja, pela música da igreja além das viagens para cidades próximas para cantar com a banda,
minha bagagem musical foi sendo inserida no meu cotidiano e transformando meu desejo pela
música em algo maior e mais profissional. Convites para cantar em casamentos e cerimônias,
para trabalhar como backing vocal em outras bandas, participações em CD de cantores local,
festivais de música gospel, eventos religiosos faziam parte da minha vida.

Diante desse contexto ligado a música, senti a necessidade de buscar mais conhecimento
e aprimorar minhas habilidades musicais. Dado que não havia musicalização na educação
básica, muito menos no ensino médio, ponto importante a ser destacado, a ausência de música
na escola regular. As minhas aulas de arte não passavam de alguns desenhos, ou muitas vezes
um horário recreativo, ausente de um conteúdo programático, ou sistematizado. Sem o ensino
de música na escola regular, decidi iniciar meus estudos formais aos 17 anos de idade na escola
40
de música livre da minha cidade, chamada Arte Nossa. Foi nessa escola, que de alguma forma
meus estudos “formais” tiveram início, onde posteriormente trabalhei como professore de canto
antes mesmo de ingressar na faculdade de música. O curso livre de canto foi minha primeira
escolha. A princípio, o objetivo era aprender a técnica e aprimorar o canto popular para a música
gospel. Nessas aulas, o foco estava na técnica, na postura e na expressão. Percebi que tinha uma
boa consciência corporal e que era importante o desenvolvimento dessa habilidade. Além disso,
mesmo que por imitação, eu havia desenvolvido uma percepção auditiva muito aguçada e uma
consciência minuciosa do funcionamento do aparelho fonador. Foi uma fase de muitas
transformações vocais, exploração vocal, um contato diferente com o instrumento que eu
carregava o tempo todo, mas de cujo potencial eu não me dava conta.

A dificuldade de modificar os hábitos e vícios vocais já instaurados, mediante alguns


anos de prática do canto sem um conhecimento técnico da emissão da voz, ocasionou uma série
de conflitos. A inserção dos aspectos técnicos vocais, os vocalizes, as técnicas de respiração,
de sustentação da voz fez com que o meu timbre, a sensação da “minha voz” fosse diferente
daquilo que meu ouvido estava acostumado. Com a falta de domínio e controle da técnica vocal
ensinada, as mudanças na colocação da voz em determinados trechos das músicas ficaram
evidentes, modificando o timbre, a intensidade da voz, e a 18impostação, trazendo uma oscilação
técnica para a voz e interpretação das canções.

A voz que até então era atribuída como “voz de garganta”, que tinha características
diferentes da voz que se buscava através da técnica vocal aplicada, gerava um desconforto e
muitas inseguranças na execução do repertório popular. A falta de controle do ar, ou seja, da
respiração, do apoio (appoggio), da homogeneidade nos registros de passagem, da projeção
vocal, bem comum aos alunos iniciantes nos estudos de canto, trazem algumas críticas e
comparações de pessoas próximas, provocando um questionamento pessoal da técnica vocal.
Mediante a insegurança com a aplicação da técnica, decidi dar uma pausa nas apresentações e
convites para a performance e me dedicar ao treinamento vocal. Uma baixa auto estima, a

18
Se refere ao “direcionamento das ondas sonoras emitidas pela vibração das pregas vocais até as cavidades de
ressonância bucais e faciais, por meio de uma conformação muscular e de uma expiração adequadas,
proporcionando a reflexão de tais ondas e uma consequente amplificação dos sons e de seus harmônicos”
(DUTRA, 2001, p. 211).

41
dificuldade da compreensão técnica, a falta de disciplina para uma rotina de estudos eficiente
me fez interromper os estudos de canto e migrar para o violino.
Devido a esse novo instrumento, pelo qual sempre fui apaixonada, deu-se origem a um
novo desafio. As cordas me remetem a voz, me trazem uma melancolia e força, algo “divino”.
Do ensino de instrumento para o ensino do canto, é visivelmente diferente não só a abordagem,
como a linguagem. Existe uma sistematização mais clara e concreta no ensino do instrumento,
enquanto que no canto, tudo é muito subjetivo. O ensino de canto está em partes associado a
proprioceptividade, dependendo da sensação do aluno mediante a explicação, como também do
entendimento do professor em relação à voz.

A partir do estudo do violino surgiu a necessidade de frequentar as aulas de teoria


oferecidas pela escola, que até então, não eram obrigatórias no curso e sim um complemento.
Logo, o conhecimento teórico-prático sobre música, trouxe muitos benefícios, inclusive à
leitura de partitura, de modo que facilitou o processo de aprendizagem com o violino. Porém,
muitas lacunas ainda são evidentes na minha formação, devido às aulas de teoria não possuírem
uma sequencia ou módulos estruturados, avaliações durante o curso, mas foi o suficiente para
garantir minha entrada no curso de música na graduação em canto.

A necessidade de cantar e de ser mais “livre” na música, ficou evidente ao longo do


estudo de violino. Enquanto que no canto popular eu sentia falta de uma metodologia
progressiva e estruturada, no estudo formal de violino a rotina de estudos com muitos métodos
e exercícios repetitivos para o desenvolvimento do instrumento, tornavam maçante o prazer de
tocar. De modo que a necessidade de me expressar através da voz , tornou-se latente e retomei
meus estudos de canto, paralelo ao de violino. O meu contato com a música clássica me levou
a um gosto musical mais apurado e novos estilos foram introduzidos na minha bagagem
musical. O conhecimento e a audição da música erudita no meu dia a dia fortaleceram minha
relação com a música em um âmbito mais intelectual e um desejo de aprofundar no estilo.

Com a retomada das aulas de técnica vocal, a inserção do canto lírico nas aulas ocorreu
mediante a necessidade de explorar a minha voz e aumentar minha capacidade técnica, elevar
o nível de dificuldade de performance exigido pelo estilo, em relação ao meu repertório gospel.
Muito embora houvesse uma constante insistência do meu professor em desenvolver-me como
cantora lírica, já que era sua formação, o maior contato e convívio, despertou em mim o desejo
pelo estilo. Apesar de não ter acesso às salas de concerto e uma vivência próxima à música
42
erudita, quando criança “brincava” de cantar ópera, com as canções que se popularizaram pelos
cantos eruditos da época. A partir deste momento, iniciou-se um novo processo musical, uma
“nova técnica”, um novo mundo da música, modificando a leitura da minha própria voz.

A técnica vocal em função do canto lírico teve grandes mudanças em relação ao ensino
de música popular. Aquecimentos e vocalizes específicos para o repertório, o estudo de
ornamentos vocais para a execução das peças, a mudança no timbre, em busca da “voz lírica”,
da impostação vocal, era uma outra rotina de estudos. Embora essa rotina fosse mais intensa
que no canto popular, o treinamento vocal era melhor definido. Mas, os vocalizes
acompanhados de um CD, tornava o estudo pouco atrativo, embora necessário para o
desenvolvimento das exigências técnicas para a o canto lírico. Outra grande dificuldade durante
meus estudos de canto foram, a ordem e a escolha dos vocalizes para o aquecimento vocal,
além do trabalho técnico a ser desenvolvido para o repertório. Muitas vezes iniciava a
performance do repertório sem sentir a voz aquecida, e o resultado normalmente era de esforço
vocal.

O retorno a performance vocal trouxe novos ambientes e formações. A participação no


coral Arte Nossa, no grupo Melisma, em grupos de casamento, apresentou novos horizontes
musicais. A vivência como corista foi de grande importância para a ampliação de repertório, e
também um novo conceito técnico vocal, diferente do trabalho desenvolvido como voz solista
no canto lírico. Mais uma vez uma nova abordagem vocal, buscando uma timbragem com o
naipe, o controle da intensidade da voz, a execução de uma voz mais “clara”, “branca”,
nomenclaturas comuns para a descrição da “cor” da voz. O trabalho auditivo no coro foi
também de suma importância, não só harmonicamente, mas também social. A participação
como solista em cantatas e as apresentações anuais da escola, além da participação em festivais
de corais, foram de grande contribuição para a formação no canto e intensificou o desejo de
tornar essa paixão pela música nas horas vagas em trabalho, profissão.

3.2 A formalização na graduação

Ao iniciar a graduação, dúvidas surgiram inicialmente sobre qual curso eu iria escolher
licenciatura ou bacharelado? Em qual universidade vou me inscrever? UFMG ou UEMG? O
curso da UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais foi minha escolha, pois possuía
43
habilitação em instrumento/canto. A partir desse currículo, os alunos se formam não apenas
para atuarem com as aulas de música na educação básica, mas também em escolas específicas
de música. Além das disciplinas de estágios nas escolas e metodologias de ensino, há também
aulas de instrumento/canto durante todo o curso bem como as matérias pedagógicas decorrentes
dos mesmos. Foi então que optei por fazer a licenciatura, pois assim eu me formaria como
professora e cantora. Um adendo na graduação seria a possibilidade de poder fazer algumas
matérias optativas e/ou como enriquecimento curricular no curso de bacharelado.

O ingresso no curso de licenciatura em música com habilitação em canto pela UEMG


ocorreu em 2011. Através do incentivo da minha professora de canto Juliana Grassi, me inscrevi
para o vestibular, mas sem muitas expectativas quanto à aprovação. Apesar do amor pela
música, não me sentia preparada, acreditava ainda que não possuía competência e experiência
suficiente para a graduação. Porém eu tinha plena consciência que a princípio, seria uma forma
de testar meus conhecimentos e submeter ao processo seletivo. Diante do edital o repertório foi
escolhido, porém, a maioria das peças eram novidade para mim.

Apenas a um mês da prova, me dediquei às quatro peças exigidas de acordo com o edital,
além de um intensivo em teoria musical para o vestibular. A aprovação na primeira etapa
referente à prova prática foi uma grata surpresa. Logo depois, os dois dias de avaliação do
conhecimento teórico foram meu maior temor. Devido às muitas lacunas existentes na minha
formação inicial, além do pouco tempo de estudo teórico, as provas de domínio e habilidade
exigidas no solfejo, ditado, harmonia, análise musical, foram as de maior tensão. A última etapa
foi a prova de conhecimentos gerais e ao constatar meu nome na lista de aprovados gerou uma
grande surpresa e um misto de sentimentos e insegurança.

Novos desafios se iniciam, a começar pela distância de estudar em outra cidade. Cerca
de 80 km da minha cidade até BH. A mudança na minha classificação vocal ocorreu logo na
primeira aula. Classificada como mezzo-soprano e cantando o pequeno repertório de cerca de
um ano de estudo, logo na minha primeira aula de canto na graduação minha classificação vocal
mudou e a incerteza da competência para meu novo desafio surgiu. No início do curso, muitas
dificuldades técnicas ficaram evidentes na execução de algumas peças, devido ao pouco
conhecimento do repertório, e inclusive da ausência ou insuficiência do treinamento vocal de
determinados ornamentos exigidos no canto lírico. Uma questão importante a ressaltar é que o
tempo de aula do aluno com o professor é de apenas 50 minutos por semana no curso de
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licenciatura. Portanto, muito curto para o professor universitário, trabalhar todos os aspectos
técnicos e interpretativos do repertório exigido nas provas, principalmente quando há uma
deficiência ou inexperiência na formação base do aluno de canto lírico o que era meu caso.

O curto tempo das aulas era voltado para a execução do repertório para as provas, e as
orientações quanto a dificuldade de determinado trecho, estava ligada ao treinamento no
repertório. Treinar o trecho apenas com as vogais, repetir a articulação da palavra (s), estudar
o ritmo antes da melodia, eram orientações que faziam parte da técnica vocal como forma de
treinar a voz para a execução exigida. Em contrapartida, peças com ornamentos de maior
exigência vocal como 19messa di você, trinados, ou às 20coloraturas, necessitam de um maior
treinamento da voz para ser realizado.

Mesmo na graduação, me vi deslocada muitas vezes em relação a quais exercícios


executar para aprimorar a execução no repertório e muitas vezes me vi repetindo o trecho em
si várias vezes ou até mesmo por imitação de uma gravação. Algo que acontece frequentemente
entre cantores. A audição das peças por um determinado intérprete e a imitação em vez do
estudo pessoal. Embora não seja algo negativo, porém, muitas vezes falta a percepção e
interpretação do próprio estudante. Outro fator importante a ressaltar é a diferença entre as
escolas de canto dos professores universitários o que é comum no canto lírico. O entendimento
de “voz lírica” muitas vezes influenciava minhas provas e notas. Como minha maior
experiência era no canto popular, muitas vezes a impostação vocal não era suficiente para a
“voz lírica” e era um desafio buscar essa mudança de timbre que muitas vezes não me soava
“natural” inclusive na sensação de conforto. Ouvi por muitas vezes de outros professores que a
colocação da voz estava popular e não erudita. Embora minha voz seja “leve”, eu ainda tinha
pouca experiência e treinamento no canto lírico, e essa falta de prática neste repertório e
domínio técnico teve um impacto negativo durante minha formação.

19
Traduzido como “medida de voz”, messa di voce significa: “o canto ou execução de uma nota longa, de forma
que comece suavemente, cresça até plena intensidade e então diminua. Era originalmente (no início do séc. XVII)
encarado como um ornamento; alguns autores posteriores indicam-no para todas as notas longas. Apesar de ser
basicamente um efeito vocal, também era usado (e foi muito abusado) por instrumentistas” (SADIE, 1994, p. 598-
599).
20
Termo utilizado, particularmente, para a música vocal, e significa figuração ou ornamentação floreada. É
caracterizado por uma sequência de notas que são executadas agilmente e, quase sempre, sobre uma única vogal.
45
Ao final da graduação, ao longo dos quatro anos, o desenvolvimento da voz foi
perceptível, o controle e domínio técnico foi aprimorado, creio que o objetivo foi alcançado,
porém a “voz” lírica ainda não está formada. Por vezes, nas provas de canto um certo “esforço”
evidenciava a minha falta de treinamento da voz, imaturidade vocal, seja por excesso de tensão,
ou por erro na aplicação dos aspectos técnicos exigidos no canto lírico, o que nem sempre era
percebido pelos ouvintes. A diferença na preparação vocal de alunos que tiveram um período
de estudo de canto maior, e uma formação melhor desenvolvida para o estilo, embora não seja
de forma generalizada, era visível. De modo que o resultado da voz depende muito da dedicação
e do treinamento do aluno, além de uma boa técnica vocal desenvolvida junta com o professor,
esse resultado é fruto de uma formação inicial eficiente. Creio que o trabalho técnico não
termina na graduação, por isso a importância da participação em festivais, masterclasses, dentre
outras atividades complementares sejam imprescindíveis para a formação do cantor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação do aluno e aprendizagem em si do canto, não se constrói na universidade e


sim no curso de formação. Em relação ao canto lírico, o foco está totalmente voltado para a
execução das peças para as provas de canto, pois há uma exigência a ser seguida. Cabendo
muitas vezes ao aluno, a busca pelo resultado vocal esperado, e em alguns momentos isso ocorre
sem uma orientação precisa ou objetiva de vocalizes ou de exercícios técnicos. Não pela
incompetência, mas muitas vezes pelo tempo limitado no trabalho vocal, embora acredita-se
que o aluno universitário já tenha desenvolvido a técnica vocal do canto lírico em sua formação
base, o que muitas vezes não acontece.

Creio que seja necessário um trabalho de desenvolvimento técnico e de treinamento


vocal consistente na formação inicial do aluno em canto, antes de ingressar em um curso formal
de graduação, neste caso, em canto lírico. Uma vez que o enfoque da universidade é de
aprimorar, elevar profissionalmente o cantor para a performance ou docência. No entanto, a
grade curricular principalmente do curso de licenciatura, não possui o enfoque na performance
e na atuação como solista, todavia não impeça o aluno de seguir essa carreira. As muitas
matérias contidas no curso, relacionadas à pedagogia musical, não permite ao aluno uma

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dedicação total a pratica do canto ou da própria voz em si, à medida que é necessário o
conhecimento e desenvolvimento da voz do “outro” enquanto licenciado.

Muitas vezes o aluno ingressa na graduação sem o preparo ou o treinamento vocal


necessário para o repertório exigido ao longo do curso, ou seja, sem uma formação inicial
adequada e eficiente, podendo acarretar muitas dificuldades e lacunas em sua carreira. Embora
não haja impedimentos para a sua inserção na academia, o resultado pode ser melhor
aproveitado, caso haja melhores opções de formação. Mesmo que, o cantor esteja em constante
formação e transformação vocal, não há impedimentos para buscar complementação após sua
formação. Contudo, uma base técnica e vocal bem desenvolvida pode trazer ao cantor um
melhor aproveitamento vocal e menor esforço na produção da voz.

Diante do exposto, observa-se então que é necessário ao aluno possuir uma boa
formação inicial em canto, antes de ingressar no curso formal em uma graduação. Caso
contrário, cantores com deficiências significativas em sua formação inicial terão muitas
dificuldades, além, das já estabelecidas na busca da estética vocal desejada, podendo
comprometer a própria saúde vocal. Mediante a literatura consultada, entende-se ainda que a
compreensão e o domínio dos aspectos técnicos do treinamento vocal, sejam impreteríveis na
formação do cantor, assim como, a disciplina para a rotina de estudos individual.

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