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O enigma resolvido há 300 anos pelo matemático

Leonard Euler e que hoje nos permite navegar na internet


O desafio matemático anual apresentado pela
Academia de Ciências em Paris em 1727 foi este:
"Qual a melhor maneira de organizar mastros num
barco?"
À primeira vista, é um problema muito prático, mas
o jovem matemático suíço Leonhard Euler abordou-
o como um quebra-cabeças puramente matemático.
Apesar de nunca ter posto o pé num barco, ele se
sentiu perfeitamente qualificado para calcular a
melhor disposição dos mastros. "Não me pareceu
necessário confirmar esta teoria com experimentos
práticos, porque ela deriva dos princípios mais
seguros da matemática. Não há dúvida sobre sua
validade e funcionamento na prática", declarou.
Leonhard Euler tinha uma fé absoluta na
matemática. Ele emprestou o nome a várias
O matemático e físico suíço Leonhard Euler (1707-1783)
fez descobertas em geometria, trigonometria, álgebra, fórmulas e princípios e, 50 anos após a morte, seu
teoria de números, física e teoria lunar, entre outros.
trabalho ainda segue sendo publicado.
Euler fez reformulações de quase todas as áreas da matemática. Como que por
hobby, resolveu o problema das sete pontes de Königsberg, um popular enigma do
século 18.
"Para Euler, resolver o problema foi uma forma de entretenimento. Era algo ameno
para ele", disse à BBC o especialista em tecnologia Bill Thompson.
"Claro que ele não tinha ideia de o quanto aproveitaríamos o seu trabalho, de como
construiríamos sobre suas ideias e nem que as usaríamos para criar uma plataforma
de buscas que mudaria o mundo por completo."
Thompson se refere à internet.
'Calcular era como respirar'
Desde criança. Leonhard Euler fazia cálculos sem qualquer esforço aparente. Fazia
isso assim como os homens respiram ou como as águias se sustentam no ar, dizia o
matemático francês François Arago.
Testava teoremas por divertimento, assim como eu e você poderíamos fazer o
Sudoku. Mas o pai de Euler, que era sacerdote, queria que o filho seguisse seus
passos.
"Tive que me inscrever na faculdade de teologia e me esforçar no aprendizado dos
idiomas grego e hebreu, mas não progredi muito, porque dedicava a maior parte do
meu tempo aos estudos da matemática. Para a minha alegria, as visitas de Johann
Bernoulli aos sábados continuaram", escreveu o matemático.
Johann Bernoulli foi um
destacado matemático da
Basileia, cidade natal de
Euler. A família de Bernoulli
"produziu" oito bem-sucedidos
matemáticos em apenas
quatro gerações.
Johann foi tutor de Euler e
convenceu o pai deste a
permitir que estudasse
matemática em vez de
teologia.
E foi o filho de Johann, Daniel,
grande amigo de Euler, que
conseguiu para ele o primeiro
emprego na Academia de São
Petersburgo, onde trabalhava.
Euler assumiu uma função na
A matemática era uma paixão tão grande para Euler que, ao final da vida, quando ficou quase cego,
área médica, o que não era o
ele disse: "Suponho que agora terei menos distrações"

ideal. Dedicado, antes de ir à


Rússia, o matemático leu tudo o que podia sobre medicina. Conseguiu converter a
fisiologia da orelha em um problema matemático.
No dia em que Euler chegou a São Petersburgo, a czarina Catarina 1ª, da Rússia,
grande patrona da Academia de São Petersburgo, morreu.
Em meio à confusão, Euler discretamente se transferiu do departamento de medicina
para o departamento de matemática.

Cruzando Pontes

A cidade de Königsberg tinha um passatempo aos domingos que chamou a atenção do matemático.

Enquanto trabalhava em São Petersburgo, o matemático suíço tomou conhecimento


do enigma das sete pontes de Königsberg.
A cidade prussiana de Königsberg estava dividida em quatro regiões diferentes
banhadas pelo rio Pregel. Sete pontes conectavam essas quatro áreas e, na época
de Euler, um passatempo comum entre os residentes era tentar encontrar uma
maneira de cruzar todas as pontes apenas uma vez e voltar ao ponto de partida.
Euler escreveu uma carta ao astrônomo da Corte de Viena em 1736, descrevendo o
que pensava sobre o problema:

É possível cruzar as pontes uma só vez e voltar ao ponto de partida?

"Esta pergunta é tão banal, mas me parecia digna de atenção porque nem a
geometria, nem a álgebra, nem sequer a arte de fazer contas eram suficientes para
respondê-la. Diante disso, me ocorreu perguntar se a resposta estaria na geometria
de posição. Portanto, depois de um pouco de deliberação, obtive uma regra simples,
com a ajuda da qual pude decidir de imediato se esta ida e volta é possível."
Em vez de caminhar interminavelmente pela cidade, testando diferentes rotas, Euler
criou uma nova "geometria de posição", pela qual medidas como longitude e ângulo
são irrelevantes. O que importa é verificar como as coisas estão conectadas.
Euler decidiu pensar nas diferentes regiões de terra separadas pelo rio como pontos,
e as pontes que as unem, como linhas que conectam os pontos.
Descobriu o seguinte: para que uma viagem de ida e volta (sem retornar pelo mesmo
caminho) seja possível, cada ponto - com exceção do ponto de partida e do ponto final
- deve ter um número par de linhas entrando e saindo.
A vantagem da regra de Euler é que ela funciona para qualquer situação.
Quando analisou o mapa das sete pontes de
Königsberg dessa maneira, o matemático
descobriu que cada ponto - ou pedaço de
terra - tinha um número ímpar de linhas ou
pontes que emergiam delas.
Assim, sem ter que caminhar pela cidade,
Euler descobriu matematicamente que não
era impossível andar por toda a cidade
cruzando cada ponte apenas uma vez.

Usando pontos e linhas, Euler encontrou a solução não só para o


enigma de Königsberg, mas para inúmeros problemas

Do século 18 ao 21

A regra de Euler é fácil de aplicar. E não é preciso ser um matemático para perceber
que ela é útil em diferentes situações.
A solução matemática ao enigma de Königsberg agora impulsiona uma das redes
mais importantes do século 21: a internet, que conecta milhões de computadores em
todo o mundo e move dados digitais entre eles numa velocidade incrível.
"Se tenho meu computador em casa e quero entrar num site, preciso fazer uma
conexão entre meu computador e o site na web, que pode estar em qualquer lugar",
diz Bill Thomson.
"Consigo fazer essa
conexão porque meu
computador está
programado pelas regras
baseadas no trabalho que
Euler desenvolveu no
século 18, ao resolver o
enigma das pontes de
Königsberg", explica o
especialista em tecnologia.
O enigma de Königsberg
Graças a Euler, os mecanismos de busca pela internet são tão eficientes
estava longe de ser um
problema urgente naquele momento - era mais uma curiosidade -, mas sua solução
perdurou e revolucionou a era da informação do século 21.
O que para Euler foi apenas um passatempo teve papel decisivo no mundo em que
vivemos hoje.
*Marcus du Sautoy é matemático, professor da Universidade de Oxford e
apresentador da BBC

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