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qU ESTÕES ioí,§'l,,ff
Valdir do Nascimento Flores
Désirée Môtta-Roth lorgs.] 55. Linpistíca aplicaclq nu üodernidade recente,
15. O tempo nos verbos do português, M" Luiza M. S. Corôa l.uiz Paulo da Moita l-opes [org.]
16. Considerações sobre a fala e a escrlta, Darcilia Simões 56. Gramáticâs contemporâneas do português, Maria Helena de
17 . Princípios de linguísticq descrittua, Mário A. Perini Moura Neves & Vânia Cristina Casseb-Gâlvão
18, Furulamentos empíricos para uma teoria da mudança 5'1. l,etrumefrbs ,\ociuis, no etnografia e na educação,
Brian V Street
PARA ANALISTAS
linguística,U. Weinreich, W. Labov & M. l. Herzog
19. Por uma linguística aplicacla indísciplinar, 58. Á ordem das puk»ras no portugué.s, tirotilde Goreti Pezatti
Luiz Paulo da Moita Lopes 59. Frq,ves sem tt'x1o, Dominique Maingueneau
20. Origens do português brasíleiro, Anthony Julius Naro & 60. Espanhol a porluguês brasileiro.
Maria Marta Pereira Scherre Adrián Pablo Fanjul & Neide Maia González [orgs.]
21. Introdução à gramatícalização, Sebastião Crlos Leite 61. Sujeitos em ombientes vírÍuois. Maria Cecilia Mollica,
Clynthia Patusco & líadinei Ribeiro Batista [orgs.]
DO DISCURSO
Gonçalves, M" Célia Lima-Hematdes & Vânia Cristina
Casseb-Galvão Iorgs.] 62. Voloiinot, c u lilosoJia da linguugen, Patrick Sériot
22. O acento em portagzá.s, Gabriel Antunes de Araújo [org.] 63. A históriu dos lírgra.s, Tore Janson
23. Sociolinguística quantitativq, Grcgory R. Guy & 64. Dist:urso e análise do discurso, Dominique Mainguenearr
Ana Maria Stahl Zilles 65. Sobre u Jàla dialogal, Lev Jakubinskij
24. MetáJôra,Tony Berber Sardinha 66. Retórico da ação /etrada, Charles Bzermm
25. Norma cultq brasllelra, Carlos AlbeÍto Filaco 67 . Teoria da ação letrada, Charles Bzeman
26. Podrões sociollzgrísrlcos, William Labov 68. Liniclade e vqriqção na língua portugaesa, André C. Valente
27. Gênese dos discarsos, Dominique Maingueneau 69. Lin gu i s t ic a func i o n a l, Maria Angél ica Furtado da Cunha,
28. Cenus da enunclação, Dominique Maingueneau Mmimgela R. de Oliveira & Mário Eduardo Marlelotta lorys.]
29. Estudos de gramáticq descritivq. Mário A. Perini '70. O ÍexÍo e seus corcelto,s, Ronaldo de Oliveira Batista [org.]
30. Caminhos da linguística histórica,Rosa Virgínia Mattos e Silva 7 I . Gramáticas brasllerras- Carlos Alberto Faraco & F'rancisco
.\9. / ntçio l<' 'liirnulo'cn unúlisc tkt lis<:urstt, Moura Neves [orgs.l
Alicc Kricg-l'lantluc 7ll. .\rarrrrrc c Bcnvenisle no Brqsil, Yaldir do Nascimento Flores
["r"-
CaPA G PnoJETo cRÁFtco: Andréia Custódio
Eoron:
Corsrrxo Eoronrlr:
Marcos Marcionilo
Ana Stahl Zilles [Unisinos]
Angela Paiva Dionisio IUFPE]
Sumário
Carlos Alberto Farãco [UFPR]
Egon de Oliveira Rangel IPUC-5P]
Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago dê Compostela]
José Ribamar Lopes Batista.,r. tUFpl/CTFlLpTl
I Nota prévia
Kanavillil Rajagopalan IUNtCAMP]
Marcos Bagno [UnB]
Maria Marta Pereira Scherre lUFESl
Rachel Gazolla de Andrade [PUC-Sp]
9 Relações entÍe análise do di
Roberto Mulinacci [Universidade de Bolonha]
Roxane Rojo IUNICAMP]
Salma Tannus Muchail tPUC-SPl
2L O discurso a respeito de leitura em editoriais daALB
5írio Possenti [UNICAMP]
Stella Maris Bortoni-Ricardo [UnB]
39 Ler embalagens
51 O linguístico e o sentido
P889q
Possenti, Sírio
?'1. Observações esparsas sobre discurso e texto
Questôes parâ analistas do discurso / Sírio possenti. - São paulo
B1
:
Parábola Editorial, 2009.
(Lingualgeml ; 32)
Dez obseÍvações sobre a questão do suieito
lnclui bibliografla
tsBN 978-85-884s6-94-s
Direltos reservados à
119 A noção de acontecimento
Parábola Editorial
Rua Dr. Mário Vicente, 394 - lpiranga
04270-000 São Paulo, SP
L27 Slogans que se Íetomam
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L4L Ducrot e a análise do discurso
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153 Observações sobre interdiscurso
lSBN: 978-85-88456-94-5
'1"
L69 Sobre dois conceitos de Foucault
- 2' reimpressão:
181
edlçâo feverelro de 2018
o da edlção braslleira: Parábola EditoÍlal, São paulo, fevereiro de 2OO9
Bibliografia
7ll sílllo l,ossl,lN'l'l(.1 t,ts,t'()t.s t,\li \ \\ \t t*t \\ t), t)ts(.t ti\()
unr objct«r hetcrogôlco, c, rnais rlue isso, fugidio. As posições se firrnar.n ern
Pêcheux (1988), quando o autor propõe
a questão teórica (...) do estatuto das discursiviclades que trabalham um aconteci-
n'iento, entrecrttzando proposições cle aparência logicarrrente estável, suscetíveis
cle resposta unívoca (...) e formulações irrer,rediavelme*te equívocas (p
zB)
pron-rissos rnetafísicos clo que por sllas análises (embora à en repugne a apálise
e texto.
"solta" cle frases cuja função é fundarnentalnrente a cle tentar
ittteruas à língua, sem consideração do acontecinrento cle suas "rpli"itr.,"916
enunciações).
Thmbórn ó claro c;ue "recusa" as análises cla sernântica formal, mas é rnuito
rnais pelo fato de qtte esta não cottsiclera as contraclições {e rrma socieclacle
quc se rnanifestarn na língua, pretenclendo, de certa forrna, que as apálises te- tNrRoDUÇÃO
nharn urn caráter "rrni\rers;rl", clo que pelo fato cle não consiclerar ,.contertos,,,
exatanrente porque cste é u.r terna das pragrnáticas. Estas, frequerterlente, a divisão nrais ou nrcl)os insütucional dos saberes,
apresetrtaur-se colrlo teorias qtte invocam a necessidacle prcrnepte de os termos "discnrso" e "texto" têm servido tanto para
consi-
derar o "social" para cornpreender vercladeirarnentc uma língtur, scn qlle, 1., dernarcar claras diferenças quanto para estabelecer
e.ta.to, ur,a tcoria sociológica seja aclotada e explicitacla. c manter colfusões. Por unr lado, tanto as teorias
Thlvez não haia melhor trtaneira cle encerrar uur texto assinr clo que clar quanto as práticas cle análise r:rostram que fazer
a palavra a Pêcheux, numa citação unr polrco longa. Atente-se que se trata clc (análise do) clisctrrso e (linguística do) texto não são
urn texto, para rnuitos, tardio. :r rlleslll:l coisa, seia pclos clispositivos teóricos e metodológicos rriobilizados
(nrcsnro clre cacla unr clesses carnpos não seja honrogêneo), seja pelos resrrl-
A prirneira exigência consiste cm clar o prirnado :ros gestos cle descrição clas n11-
terialiclades discrrrsivas. L.lma clescrição, nessa perspectiva, não é uma apreens:io trrclos obticlos. C) clue colabora para demarcar as diferenças. Por outro laclo, as
fenonrellológica ou herurenêtrtica rra c1-ral descriver se torna indiscerlível rlc t rrrrtttsões tlecorrem clo fato cle os corpora da RD serem tipicamente tcxtuais,
interpretar: essa concepção da descrição supõe, ao contrário, o reconhecimerrt6 ,r c;rre llocle clat tt entctrcler quc it eo analisa textos, rracla nrais cprc isso. Oonr
de um real específico sobre o clual eia se instala: o real da líng,a (...). Eu
clissc srnrs tcorias prírprias, eviclenterrrcnte. Mas podc pareccr cluc ó aperras ruais
benr: a língua. lsto é, nem linguagem, nem
fara, nem discursi, nem texto, nent trttt:t ettt-c tarrt:ts. Aléru clisso, as teorias (lingLrísticas) de tcxto passaranr a iu-
interação conversacional, tnas acluilo qne é colocaclo pelos lingtristas corrr<l
rr
conclição cle existênci:r (de princípio), sob a fornr:r cle existência clo sirrrbólic«r,
no senticlo cle fakobson c de l,acan (pêchcrrx, lggtj: 50 - ôrrfirsc rrrirrha). Í'trNt t':: "()bsi nrtçirt's ts1:»rrsrrs sobrc rliscrrrso (' l( \lo - notits dc trabllho" foi publicado crrr 2004 rros
ll,rtltrnostlcl",sltt<htsl,íttgtrislitos,.l-l.Orrrrrpirrrrr:llil,/tlrrica:rr;t,pp.2ll-222.
-.) ()ll\l':ll\ \(,()l')s l'l5l'\ll: \5:()lllll'; l)ls(:l llso t' 't t,r't'o 7li
t- sílilo l,osst,lN'l'l(.rt t,,s't'ol,:s t,\lt \ \\ \t,ts,t',\s t)t ) t)tslIlt\( )
corporxr "cxtcriorcs" c cleixaraur clc ser quase/pseudograrnáticas (cla coesão). A prinrcira ol;scrvação cliz respeito ao (ple até então havia (c aittcla trão
Assirn, poclenr ser vistas como tratando "também" da enurciaçãot (sujeito, lravia ao). A segunda iá visa dernarcar unra cliferença clara entre AD, que co-
paráfrases, digressões), e até mesrno de posições ou de efeitos ideológicos. lneçavâ a existir, e análise de texto. Observe-se que o autor exclui certa possi-
bilidade (analisar uIIr discurso corno texto) a partir de deterrninada defir'rição
Co,sidera,do o quadro geral brevernente descrito, este trabalho se ocu-
de textoa. Ern Pêcheux & Fuchs (1975), a posição é reafirmada, e em decor-
pará cle dois aspectos:
rência da incorporação do interdiscurso:
a) anotar algunas circunstâncias em que texto e discurso se cruzaram,
Estes esclarecimentos permitern compreender por qtle o dispositivo da eao (...)
no interior de trabalhos de ,to, seja para demarcar diferer-rças, seja exclui fundanlentalmente a própria ideia cla análise semântica de um texto.
para apontar soluções, sela para âcenar qlre os procedimentos deve- Sobre esse ponto, convém observar a distinção ... entre a análise linguística de
riam ser diversos, se ja para negar que se tratasse da mesrna coisa2; uma sequência discursiva e o tratamento automático de um conjunto de obje-
b) apresentar, visto que não se trata de conceitos muito correntesl, tos obtido por rneio desta análise... (p. 169-70).
I*rn os DE
'EGUND,
GRAU assinalou F'oucar-rlt).
à lírrgtra. Fissa clrcstiro sc c<ltrclertsa, cn aniilise clo discurso, na caractcrizaçã<r canrpos privilcgiados pcla linguística de texto. Ao invés cle tratar cla anaforização
clo cnrrlciarclo (p l0)
como questão cognitiva (como o faz a teoria clo texto) ou, nluito genericamente,
O comentário pratican'rente reduz o texto a um espaço errr que ocor- colno criando uma uniclade ir-naginária (con'ro o faz aeo), Mainguerleau cotlsi-
rem ennnciados, e, assim, deixa o texto aquén'r clo próprio texto, rnesmo da dera a questão da "unidade" textual de um ponto de vista niticlanente discursivo,
perspectiva clas prir-r-reiras linguísticas textuais. A linguística privilegiada por cxâtamente porque é a posição cliscursiva do suieito que "detennina" a seleção
Courtine é uma linguística clo er-runciado, por mais que esse conceito seja lexical (enquanto que é Ltma questão de texto que l-raia algum tipo de ligação
problemático, como o próprio autor assinala, aliás, muito adequadamente. entre uma e outra parte do texto). Se a eo aceitar que há urr-tâ "ordenl própria do
texto"5, esse seriâ um dos casos, tâlvez exemplar, de que a superfície textual deve
A segunda ocorrência se clá no cap. rrr e diz respeito ao ir-rtradiscurso.
organizar-se segundo alguns princípios. Um é a anaforização, que pode tarnbém
Irnporta clestacar a seguinte passagem:
ocorrer de um texto a or-rtro, diga-se cle passagen, o qlle se configura como u[Itl
Esse r-rível de descrição é aqr-rele â qtle nos referirros habitualmente corn as vantagem para uma teoria do discurso (se se aceitar que este é ltma clispersão
noções cle "fio do discurso", "coerência textual", "estratégias argur.nentativas"... de textos). Mas que a anaforização seja ttlna oll outra, isso dependerá não do
e que suscita as análises ern terntos de correferência, ternatização e progressão "fâlante", mas do sujeito, isto é, da FD à qual está subordinado. Maingueneatt não
temática, inferências pressuposicionais, conexões interfrásticas etc. (p. 50).
clesdenhou o fato de que se trata de uma questão texhtal, uma das prediletas do
A passageur ilustra bern um fato: o discurso "precisa" do terto, é no texto cilrtpo, aliás. Não ftrgiu do terno, cla metalirguagerl, como se ela contan-rirlasse
que o discurso se delineia, nras falta um tratamento explicitern'rente cliscursivo a teoria. Ao contrário, cleu-lhe rtur tratamento explícito etn teruros de,co6.
das categoriâs "de texto" que explicitern o que é discr:rsivo no texto (vefa-se orlancli (2001) explicita aspectos relevantes da relação texto/discurso:
que as categorias enumeradas derivam basicamer-rte, embora não exclusiva-
a) o texto é a materialidade do discurso. A autora pretende - corrr
ntente, da lir-rguística textual), assiln como se disse claramente o que é cliscur- uma diferença
sivo no enunciado e no léxico. A pergunta que se poderia fazer é, se a a» pode
razão, a meu ver
- que esta formulação significa
(um avanço) lo interior da eo que deriva de Pêcher-rx, porque, de
atribr-rir algurra especificiclacle ao texto (no discurso), à maneira da atribuição
fato, ela operava basicamente com eltrrnciados, ernbora extraídos de
cle uma especificidade à língua. Em outros terrnos, os da eo: haveria urna
textos fisto é especialmente claro ern Courtine (1981)];
"orclern própria do texto"? Ele teria algurna "autonornia relativa"? A decisão,
b) que a unidade clo texto é iniaginária (problema que as teorias de
creio, depende cle definir em qlle n'redida "lnarcas" de textr-ralização transfrás- texto de certa maneira resolven'r apelando parâ o saber compartilha-
ticas são da ordern do linguístico, por Llm lado, e do cliscursivo, por outro. do, porque tan'rbém se dão conta de que uln texto não cliz tudo; a
Um terceiro contato entre discurso e texto ocorre ern Maingueneall diferença de solução é, evidentemente, significativa);
(1976). Na seção em que trata da gramática cle texto, mais especificamente, c) essa r-rnidade in'raginária (que a alltorâ afinna passar pela coesão
cla anaforização, o autor afirr-na que ela e pela coerência, sern urais explicitações oll exemplos) é crucial
para a defir'rição cle autoria - especialmente no caso cle "alltores"
introch-rz a possibilidade de tornar aceitável essa ou aquela afirmação. obvia-
mente, são as restrições discursivas que regulanr esse gênero de fenômenos; que não são autoresi. A rara exernplificação ainda é feita co,1t textos
segundo o tipo de discr-rrso, detenninada anaforização será possível ou não. (...) breves, llas as postulações teóricas são certamente Llm avanço na
o comando palestino pode anaforizar-se corn esses assassinos revolucionários explicitação dessa relação.
(repírdio), os combatentes revolucionários (avaliação positiva), esse grupÍrsculo
cle extremistas (repúdio rnoderaclo) etc." (p. 174). ' P. ex., a ocorrê1cia cle "o" ou "este" anafóricos pressupõe a ocorrêtrcia de um nomc, e essa é ttrna
tlrrcslãrl rle texto, assint como ult "que" introclutor de relatir a pressr.tpõe lrrll ltottte. e essa é uln:r qttestão
A mert ver, este é ttm exemplo de intervenção explícita cle outra teoria, uma rlt sintaxc (cL llcrr11 l975).
'' 'liata-sc cxât:ltl)cntc tlc Ltttt c:rso ct)l (lllc llllr:l t'tl dcfirlc o clttc podc/<lcvc scr tlito.
tcoria cla Ao, sobre o "tttestno datclo", nar rneclicla clll (prc a analrrrização ó trnr clos l'lss:t lcsc csl:i, <lc [:rkr, crrr ()rlirrrtli (l9ll7).
i lt sílil0 t,0ssllN'l't(.)l t,:s't'ot,ts t,\il \ \N \l,ls't'i\s tx) l)tsll lso ()llsl,:ll\ \{.il)l.,S l':sl'\lls\s s()lllll'l l)ls(:lllls() t': 'l'l'l\'l'() 77
Flttt Possenti (l98tt), tentei trnra aproximação entre cliscnrso c cstilo, cuja tos crrjo estatttto é este , o discurso é o urestlo qtle Se pode etrcontrar etn utna
base empírica passava, ern boa rnedida, exatamente pela reanálise de lugares piacla, em url slogan ou em um manifesto (o que só é possível se manifestos,
cle investigação típicos das teorias cle coesão8.
Em Possenti (2001), elenquei e piaclas e textos literários emanarem da mesma formação discursiva).
tentei dar certo estatuto a um conjunto do que chamei de indícios de autoria,
Esta posição corre o risco de não evitar definitivamente que a AD seia
alguns corn efeitos de tipo textual e, simultaneamente, discursivo. Trata-se de
nrna variante da análise de conteúdo, pois identifica o discurso com os assim
uma tentativa de retomar questões relativas à estilização dos textos (efeito es-
cor-rsicleraclos "conteúdos" dos textos (por mais que não os charte assim),
e
pecialn'rente de leituras de Schneicler, mâs sempre com Granger ao fundo).
porque não se dáconta de que a própria textualidade é gerida por categorias
Na verdade, há outras assinalações da relação entre texto e discurso, cliscursivas. A mesma sen'rântica que determina o que pode e deve ser dito
como a seguinte, formulada a propósito do que seja uma forrnação cliscursiva, seleciona, de algun'ra foilna, em que textos isso se dirá e, na mesma medida,
formulação sempre assinalada e sempre repetida, mais ou nenos automatica- como isso se dirá, pelo menos, qual é o tom requerido. O que não deve ser
nrente. Em Pêcheux & Fuchs (I975:166), pode-se ler: compreendido como significando que, daclo um tipo de texto, automatica-
... uma ou várias formações discursivas interligadas que determinani o que pode mente se tratará de certo discurso.
e deve ser dito (articulado sob a forrra de um discurso, urn sermão, um panfle-
Esse rápido levantamento mostra que a questão do texto em AD nâo foi
to, rrma exposição, um programa etc.)
suficientemente bem tratada.
A passagem ten'r sido interpretada simplesmente como se a relação entre
as FDs e os gêneros (tipos de texto) fosseindiferente, ou seja, como se a rres-
lna FD pudesse materializar-se ern qualquer tipo de texto c continuar senclo
coRPo PARA o DISCURS,
a mesrna. Isso é em grande rnedida verdadeiro, diga-se, mas é provável que §§
haja restrições. Por exemplo, e correndo o risco cle repetir sempre o rrresmo Maingueneau (2008) propõe que os discursos seia[r regidos Por uma
bom exemplo de Mainglreneau, não se encontra (não se poderia encontrar) sernântica global, que não só explica uma conpetência discursiva e inter-
nenhuma manifestação do discurso jansenista em uma obra longa cujo estilo
cliscursiva, como confere aos discursos um coliunto de outros traços que os
fosse o das conversações amenas, enquanto que este gênero de obra materia-
caracterizaln (para além cle seu, digamos, conteÍtdo). Assin-r, "uma atitucle
liza exatamente o discurso aclversário, o hurnanista devoto.
que se funda sobre uma semântica 'global' não apreencle o discurso privíle-
É a aceitação simplificacla clessa posição que leva pesquisaclores à posição giando tal ou tal cle seus 'planos', mas integranclo-os a todos, tanto Ira ordem
segundo a qual um sujeito (enunciador) até pocle produzir alguma variante sub- do enunciado quanto na dâ enunciaçáo" (p. 8l)
etiva ou singular em um texto, mas jamais em urrr discurso: justamente porque
Por exemplo, é a semântica global que condiciona a intertextualidacle
f
não se imagina que certa discrrrsiviclade, por um lado, possa "preferir" certos
interna e externa de cada FD. No caso que analisa a polêmica etttre o ianse-
tipos de textos e, eventualmente, não lance mão jamais (ou mtrito raramente) -
rrismo e o humanismo devoto -, é o traço semântico concentração vs. expân-
de outros. Outra constatação: há analistas de discurso que consideram estranha
são que define que, Para um discurso, haia rnenos textos citáveis e Para olltro,
uma categoria como "discurso literário", exatamente por suporem que, em tex-
rnais. Alén'r disso, o mesmo traço comanda um nodo de coesão dos textos,
a preclileção por certos gêneros, como os aforismos (cor-rcentração) para os
' Os pottquíssit-t-tos analistas de discrrrso que comentaram este trabalho ativerarn-se aos aspectos tex-
tttais ou sociolinguísticos (que eram resenhas...). Sem querer apâgar seus clefeitos, anotaria que pratica- jansenistas, de certa maneira "soltos" (pois que não há uma orclern visível"') e
ntente r1ão se percebeu que a novidacle, sc havia alguma, vinha de Cralger, e não cle Labov. Mas a leitrrra
os livros longos (expansão) que simularll conversaÇões (uI]r
"hábito" secttlar,
se cxyrlica: nittgttém lia Granger, e toclos liam Lal;ov.... Assim, o filósofo não jogava ua rccepção. Iíi uur
os httttriulistas clcvotos.
cxcttrplo casciro dc cfcik>lcikrr; nrais cspccificarnenle, de ]cituras cnr fr»-rna dc sirrrrrlacro... irí que eles não tenrianr o rnunclo...) Para
711 sílllo l,ossliN'l,l(.)l t,;s,t'()l,ls t,\il \ \N \t,ts't,\s tx) t,ts.t ns() ()r:t..lt\ \(.()1,.S l,lsl,\lis \S 5oltl(l) l)l\r i ll:() 1,, l'l \ lr) 79
I)e rrru laclo, a "Oottcctttraç^ão" clo "nrerror escrito" proclrrzitlo rra /lrrtcrioricla- O autor aprcscrrt:r suâ concepÇão cliscursiv r clc etlrcs etn cliversos traba-
cle/ silerlciosa cle
ttttta ahra /lclêrrtica/ a Deus, /Estável/ corno ele; cle otrtro, a vã lhos, couro crrr Maingueneâu (1996).
/Extensão/, a exterioriclade de "ton-ros inteiros", cle "grancles livros" cle autores
tagarelas (p. i02-a). Sem recluzi-la à eloquência iurídica ou à oralidade, ProPomos que todo o clis-
curso, mesrlo se o nega, teu trtna vocalidade específica, que lhe permite reme-
A semântica global de unr discurso explica seu ethos característico (cloce, têla a uur:r fonte enunciativa (p. B0).
duro, irônico...), e, ern decorrência, em boa medida, seu lérico, que, por slla vez,
A leitura faz ernergir assim uma origem enunciativa, una instância sub-
dá concretud e ao ethos. o exemplo rnais característico, segundo o autor,
é a pa- jetiva encarnada, que exerce o papel de fiaclor da fala (p. 80).
lavra "rnalso", que caracteríza o discurso humanista devoto. Ilsse tom ,,apóia-se
na cltrpla figura do enunciador, a de um carátere a de uma corporalidade, A fiador, "ctrja figura o leitor cleve construir a partir de inclícios tex-
esse
estrei-
tamente associadas" (p. 100). Assim, a figura que dá o torn pode ser caracterizacla tuais de ordem diversa, se atribuem assim urn caráter e uma corporalidade,
"psicologicamente", ser afetada por disposições mentais cujo grau de precisão varia conforr-ne os textos" (p. 81). Implica, assirn, "certa
que sejam o correlato
dos afetos que o modo de enunciação e,gendra. No caso do humanismo política tácita clo colpo, apreenclida através de um con'rportamento global"
clevoto,
(p 81) Enr princípio, ttão é possível clissociar a orgarização clos conteúdos de
clesenha-se a presença de um er-runciador capaz de integrar-se às nrúltiplas ,,or-
nrn discurso cle sua cena de enunciação (p. 82). Usualmente, assim colno os
de,s" clo Real: afabilidade, dispo,ibilidade, jovialiclacle etc., que acabam por se
textos remetent a certas fontes, também o ethos apela para cenas validadas.
cristalizar em uma "mansidão" exemplar" (p 100). Maingueneau esclarece
que
se trata de algo completame,te cliferente de urn dispositivo retórico
pelo qual Além do exentplo da enunciação mansa do humanisnto devoto, Maingue-
o autor "escolheria" o proceclimento que estivesse rnais cle acorclo corr] o que neau aduz outros, como a secura cle D. Quirote - tanto corporal (seco cle
ele "quer dizer" . Esse traço, que os retóricos destacararn corrlo Llma virtude do carnes, enxuto de rosto) quanto cle I'rábitos (cloruiir pouco e ler muito lhe secou
orador, Mai.gueneau o erplica por uillâ tripla .oção cle ir-rcorporação: o cérebro), que são próprios da teoria hipocrática clos humores ertão vigente
(este é tan'rbérn urn exemplo de como un ethos se valida). Ao contrário, Sancho
l. o discurso, através clo corpo textual, faz encarnar-se o enunciaclor,
Pança apreser-rta um corpo gorclo, preocupação constante cour comida' A estes
dáJhe corpo;
ethoi, coruesponclem, cliz Maingueneau, tnodos de gestão clo discurso: D. Qui-
2. Esse fe.ômeno funda a "incorporação" pelos sujeitos cle esquemas
xote é o homern clos enunciaclos longos e obscuros, das "razões intrincadas" clos
que definern uma forrna concreta, socialmente caracterizável, de
româtlces cavalaria, enquanto Sancho é o homem dos enunciados elementa-
. habitar o rnunclo, de entrar em relação com o outro;
c1e
res, clos provérbios; tlras ambos enunciatu rnediante a repetição, um dos ronan-
). Essa dupla "incorporação" âssegura ela própria a "incorporação ima-
ces, orrtro, clos clitos popr-rlares. Menciona de passagen'r outros exemplos bastante
ginária" dos destinatários,o corpo dos adeptos do discurso (p. l0l-z).
claros: o ethos manso dos humanistas contrastâ com os ethoi românticos poste-
Mainguer-reau afirma finalmente que riores, que implicanr construções distintas cla corporalidade e clo caráter. Sabe-se
as restrições da semântica global não são somente destiuadas a anajisar "icleias". qlle o romantismo do início do século XIX privilegiava a corporaliclacle pálida,
Elas especificam o funciottamento discursivo que, elri grar-rs cliversos, investiu magrer, na qual o suieito oscilava entre a paixão e a atonia n'relancólica. Etc.
o vivirlo dos suieitos. Vintos corrlo â "doutrina" era er) realidacle inseparável
A imprensa nos fornece bons exen'rplos do ethcts dos enunciadores. Ob-
cle rttlla irttercliscrrrsividacle, de um modo de enunciação, de .rm
processo c1e
"irrcor-poração"..., que são as mesrnas categorias scrve-se, por exer-r'rplo, a propósito do tema das cotas nas universiclades, o tom
qlre go\rernarn toclàs esses pla-
llos ao ll)cslllo tetttpo. O sisterna de restrições define tanto uma relação cout corclato, bonachão e colnpreensivo de ttm enunciador disposto a ouvir, que
o
('orl)o, colll o otttro ... clrtatlto cortr icleias, ó o clireito e o avesso
clo cliscrrrso, tocla rrão est/t seguro cle slta posição eut relação tt tllna qttestão complexa, e que
rrrrn rclirç'io irrragirriíriu corrr o nrurrclo (1>. 105). faz aparcccr tur)a corporaliclaclc l;olacltotra, tto pritttciro excrtlplo; e o tom
tlO síRto t,osst,:N,t,l(.)l t,;s,t,()t,;s l,\il \ \t\ \t,rs,t,\s tx) l)ts(:t ilsr )
@wcLUSÃo rn boa parte dos textos que tenho publicado, a questão clo
strleito ou é o foco principal ou, no mínirno, é altrdida. Iss<r
o que decorre dos pontos de vista acima apresentacros
é basicame.te
que o cliscr-rrso deve ser concebido como urna prática tenho entendido (juntanrente corn a
se cleve ao fato cle que
e qLle, corno tal, suas rnaioria das pessoas que lê an) que a grande disputa cla en
dinrensões são mais arnplas do que o q.,e "sig,ificam,,
osiextos. E que essas com outras clisciplinas se ofganiza basicamente em torno
outras dimensões, inclusive o tom cro e'runciador,
podem explicar-se pelo dessa questão. A desvantagern, por um laclo, e a vantagem,
recrlrso a Llrna semântica discursiva. o qr.re não significa
qlle a AD, assim, outro, clos argumentos cle que teuho nre valido, e qtre foram bastante re-
se torna a melhor história, a melhor antropologia Por
o., , ,r-,Lll,or sociorogia
lleticlos - lllas essa não é apenas cerracterística de rneus textos, é talyez ulra
- que explica iuclusive os conrportame,tos cros sujeitos. Significa ,p"i^ irljtrnção clo cliscurso
qlre, r)uma certa dinensão, a do discurso, cr-rjas relaçõ", ..realiclacle,, -, é clue eles estavam à nrargenr das versões dominarrtes
estão para ser explicadas, "o*", elll AD, nlas selll aceitarcm as posições dos seus aclversários rnais caractcrísti-
Llrl conjunto de comportame.tos é mais coerente
do q.e se poderia irnaginar. E que os discursos .ão cos, etllllclra, eventrtaltnente, alguns leitores tenham conftrldiclo lpels argl-
só surgem apenas se certas
co,clições são satisfeitas, rras tarnbérn que eles poclem "rf"tr. tttctrtos colll os cla pragnrática (o clre os pragrnaticistas nrrnca fizcrant, essir
,esnlâs Irorncnagcnr eu lhes clevo), provavelmente pelo fato de não serern a repetiçãcr
condições' Não só porque os discursos possrrem uma "terrível "rrr,
materiali4acle,,
e tenclem a ser por isso perigosos, mas porqlre rlos argumerrtos canônicos da eo. Leitura que a própria eo explica bcrn, aliás.
essa materiaridade está lo'rge
cle ser un-ra metáfora.Há muito por fazer. Os arralistas cle discurso também sornos, às vezes, leitores berp co11r1s.