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t é c n ic a p r o c e s s u a l
e
TEORIA DO PROCESSO
A ID E ED ITO RA
BIBLIOTECA DA PuC
I a edição — 1992 MtNAS BcTíM
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d a t a 1
CDD-341.45
ISBN: 85-321-0071-6
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PUBLICAÇAO N °146 tacetV O : *
Reservados os direitos desfl^èíTfÇãQ^ara jí
AIDE EDITORA E COMÉRCIO DE LIVROS LTDA.
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INTRODUÇÃO
7
um verdadeiro prisma de possibilidades de múltiplos caminhos.
Pode ser lembrado, nos anos sessenta, deste sécu lo, o movimen
to da contracultura, que, reagindo contra uma cultura considera
da arcaica, propõe-se a fechar as Universidades, a retirar os
professores das salas de aula, e a renovar o mundo a partir de
outras bases. Seus efeitos se desdobram em marchas sobre Paris,
no movimento h ip p ie, nos w ood stockes, e em tantas outras ma
nifestações inesquecíveis, que fizeram dos anos sessenta os anos
das revoluções.
O movimento dè renovação do Direito Processual parece
cumprir também esse destino. Tenta superar as insuficiências de
uma concepção deficiente de processo, do rito pelo rito e da
forma pela forma, abolindo o formalismo. Tenta superar um
direito insuficiente, porque não deu respostas adequadas aos
problemas sociais da época, eliminando o fator jurídico, que se
torna o elemento menos importante, confrontado com uma or
dem social ou política. Tenta substituir uma técnica jurídica
deficiente, porque construída sobre antigos conceitos que não
passaram pelo necessário ajustamento, eliminando a técnica.
Nega-se, ou se exclui como algo necessário, o papel fundamental
do conhecimento em relação às necessidades sociais e humanas,
e às necessidades da Ciência do Direito Processual. O importan
te, no Direito Processual, já não são os conceitos, mas é uma
nova mentalidade de reforma, que se quer efetiva, e se fez urgen
te, porque é preciso transformar as condições sociais. E o meca
nismo dessa transformação é direcionado para o processo, a que
se atribui a missão de reformador social, pelo cumprimento de
finalidades políticas e sociais.1 MARX é sempre relembrado, na
4 "Digamos, antes, que o homem é um animal louco que, por meio da sua
loucura, inventou a razão. Sendo um animal louco, naturalmente fez da
9
Assim como, no limiar da Idade Média, SANTO AGOSTI
NHO chorava amargamente por haver cedido à tentação de ter se
entretido com a literatura grega,5 o Ocidente carrega essa sina.
Ama a razão apaixonadamente, cultua-a como nenhum outro
povo jamais o fez, HEGEL o mostrou, mas depois se lamenta por
haver cedido à sua sedução e faz o seu m ea cu lp a, repudiando-a.
Tenta encontrar sua absolvição no culto dos procedimentos ir
racionais (no sentido Weberiano). A razão não deu respostas
adequadas aos problemas do mundo? Exclui-se, elimina-se a
razão.
A crise da razão, com a negação da racionalidade, alastrou-
se pelo Ocidente, que mal percebeu que, se não deu respostás
adequadas a seus problemas, o fato não poderia ser tributado à
razão, mas às finalidades que foram dadas a seu uso, eleitas pelos
próprios homens. Se a técnica se aperfeiçoou tanto a ponto de
permitir a eficiência em grau de excelência para o culto da vida
ou para o culto da morte, a responsabilidade que decorre desse
aperfeiçoamento não é certamente da técnica, ou da capacidade
que o homem possui de produzi-la, mas da vontade que a dire
ciona para os fins. Porque a pedra foi, segundo os antigos textos
sagrados, a primeira arma de um crime, para se acabar com os
crimes não basta destruir as pedras.
O jogo de amor da cultura ocidental com a razão é um
estranho jogo, mas não mais estranho do que qualquer jogo de
amor. E um jogo dirigido e presidido pelas emoções, e forma
10
não um curso regular, mas um dis-curso, que, como viu ROLAND
BARTHES,6 é a única via possível em toda experiência amorosa,
porque a sua trajetória jamais se dá em uma linha reta e contí
nua. A razão é tão amada e tão cultuada que o homem ocidental
quase se dissolve nela. Mas pede demais a ela, projeta demais
nela, espera demais dela, e logo se ressente e a repudia, incrimi
na-a por não dar respostas satisfatórias a todos os seus anseios.
Entretanto, a separação não dura muito, porque o ser humano
ocidental se fez uno com a razão e necessita dela para se reco
nhecer a si mesmo, e sem ela se vê fragmentado e, para se
recompor, acaba retornando a ela. E porque a razão o cativa, ele
a detém cativa.7
A penosa caminhada de uma sociedade, que ainda não
resolveu problemas de ordem vital para a maioria de seus mem
bros, desperta, nos estudiosos mais conscientes da dignidade
reconhecida a cada ser humano pelo Direito, a indignação por
sabê-lo existente e por vê-lo, não obstante, negado. A indignação
que nasce da pureza das intenções tem pressa. A dignidade
humana é valor que não se negocia, como realmente sempre o
foi, por isso nasce a ânsia de promovê-la já. Compreende-se,
então, o apelo para que o Direito seja o elemento transformador
da sociedade. Mas não se pode esquecer que a sociedade con
temporânea não tem a pureza das primitivas, e já não aceita
profetas com suas tábuas de leis. Quer fazer o seu destino e quer
ser agente da sua história. Seus conflitos são trazidos à luz do dia
e resolvem-se no jogo das pressões e das contradições.
O direito material, enquanto cânone de conduta e de orga
nização social, será fator de transformação, se assim for construí
do pelos seus destinatários, que são também os seus criadores. O
11
processo, como instrumento disciplinado pela lei para permitir a
manifestação do Poder Jurisdicional, chamado a resolver os con
flitos, onde as autocomposições falharem, é instrumento pelo
qual o Estado fala, mas é, também, instrumento pelo qual o
Estado se submete ao próprio Direito que a nação instituiu. E
esse Direito é o único p o d e r capaz de limitar a atuação do Poder.
Foi a crise de confiança no Direito instituído pela sociedade
politicamente organizada que inspirou a Escola do Direito Livre
na Alemanha, o F reirech t de KANTOROWICZ, de EHRLICH, de
PHILIPP HECK, mas foi~também ela que, a partir de 1933,
inspirou a "renovação completa dos ideais do direito e da missão
do juiz", que repudiou as construções lógicas dos romanistas e
confiou no senso inato do juiz à con d ition q u 'il so it d e p u re
ra ce et q u ’il s'inspire, non p a s d ’urt in d iv id u alism e désu et,
m a is d e la com m u n au té n a tio n a le, que admitiu que a lei é um
aspecto do direito, mas não o mais importante, porque existe un
d ro it non écrit q u i se d ég ag e d e Vâm e du p eu p le a lle m a n d et
q u i est con form e au x n ecessités d e la vie n ation ale, d ro it claire-
m en t reconnu, ou m ieux, sen ti et én ergiquem en t réa lis é p a r le
ju g e a llem a m fí. Como recorda DU PASQUIER, o congresso jurí
dico germano-italiano, realizado em Viena em maio de 1939,
tratando do problema do Direito e dos juizes, adotou teses no
sentido de que o juiz vinculasse à lei, ressalvando-se que ele
$’in spire d e 1’esp rit d e la n ou velle p h ilosop h ie et n on p lu s d es
p rín cip es in d iv id u alistes su ran n és du siècle p a s s é ? Essa nova
filosofia que se impunha aos juizes era o nacional-socialismo.
O século XX rompeu com o mito do século passado de que
a ciência é um conjunto de verdades e certezas, permanentes,
12
im utáveis, definitivam ente estabelecidas. Ao co n trá rio d e d ep o r
co n tr a o co n h e cim e n to científico, essa postura anseia pelo seu
p ro g re sso , p o r su a co n tín u a com plem entação, e con d u z àquela
palavra d e fé, d e qu e fala BACHELARD, d o cientista que term ina
o se u d ia d e trab alh o dizen d o: "Amanhã sab erei".1®. E nessa
p rofissão d e fé a ciên cia re cu p e ra a sua dim ensão hum ana. T odo
co n h e cim e n to , em q u alquer área, é fruto d e m u itos esforços
co n ju g ad o s, em qu e co n ce ito s e teorias se substituem e se ren o
vam , e, n ã o raras vezes, a ren o vação se faz com esteio nas antigas
co n c e p ç õ e s rep u d iad as o u c o m o resposta a elas.
T o d a afirm ação so b re a inutilidade, a im p rop ried ad e ou
im possibilidade d o re e x a m e d e con ceitos só p o d e ser tom ad a
c o m o u m a atitu d e d e ren ú n cia o u com o um a atitu d e autoritária,
o u , ainda, c o m o m an ifestação d e extraordinária pureza, d a qual
u m a d as form as se revela naquela fé inabalável n o d o g m a que
leva as p esso a s a m o rre re m p o r suas verdades. Essa fé é a dos
san to s, m as n ã o d os cientistas, pois, lem brando n ovam en te BA
CHELARD, "verdades inatas n ão poderiam intervir n a ciência"11.
A lib erd ad e d a investigação científica n ão p o d e ser tolhida, e
m esm o a lei, q u an d o fixa definições e estab elece co n ceito s, não
p o d e ria im p ed ir a a çã o d a d ou trin a jurídica. Poderia, p o r certo ,
te n ta r im p ed ir a su a divulgação, co m o o co rre u co m a censura,
q u an d o legalm en te adm itida, m as a própria h istória d em o n stia
q u e a lib erd ad e d e p en sam en to, m esm o quanclo n ã o e n co n tra
su a co rre la ta garan tia d e com u n icação, e n co n tra o u tro s cam i
n h o s p ara se exp an d ir.
A a u to n o m ia d o D ireito Processual, com o seu bem d em ar
ca d o ca m p o d e investigação, co m con ceitos e categ o rias p ró
prias, n ã o p o d e ria co n stitu ir razão para se d ispensar u m a revisão
d e seu s p rincipais institutos. A revisita a eles n ã o é m ovida p o r
13
diletantismo ou por qualquer afinidade com uma jurisprudência
dos conceitos, há muito desmistificada pela crítica de VON JHE-
RING sobre o lúgubre céu dos conceitos descarnados, que per
dem a vitalidade quando se distanciam do real. Longe, também,
de sugerir postura conservadora, a tarefa que se constitui não
apenas no "repensar o que já uma vez foi pensado", mas princi
palmente "em um pensar até ao fim o já pensado uma vez",—
expressão utilizada por RADBRUCH12 para definir o próprio
labor interpretativo — é, ainda, a alternativa de se projetar
alguma luz sobre a própria realidade do Direito que tem vínculos
diretos com o fator humano. Assim, embora não seja certo,
porque intrincados fatores não autorizam tal previsão, sempre
será possível que o resultado dessa tarefa contribua para que as
transformações sociais possam se fazer não de modo caótico,
mas com o mínimo de sofrimento possível, com a racionalidade
que a época alcança.
No momento em que uma ciência renuncia a continuar
investigando seu objeto e as complexas relações a que pode ser
submetido pela análise, terá renunciado, antes, a si própria,
como competência explicativa da realidade, quando clarificar a
realidade que elege como seu domínio de trabalho é, inegavel
mente, a missão social comum de qualquer ciência.
A retomada do exame de alguns dos conceitos já considera
dos seguramente estabelecidos no Direito Processual pode com
portar certas surpresas. A importância crescente que os institutos
do Direito Processual adquiriram na época contemporânea não
chegou, ainda, ao ápice de seu movimento ascendente. Não
obstante, a doutrina do Direito Processual não resolveu alguns
problemas que têm retardado sua marcha e ela não pode negli
genciar seu próprio progresso justamente quando as formas de
solução de conflitos do mundo atual dela muito esperam.
Este trabalho não pretende e não poderia pretender inven
14
tariar todas as inovações que se prenunciam no Direito Proces
sual Civil. Mas prétende deixar uma contribuição sobre a nova
concepção de processo como procedimento realizado em con
traditório entre as partes, que exige que se pensem novamente
alguns conceitos da moderna doutrina que já não se ajustam ao
novo quadro do Direito positivo contemporâneo: assim, a pró
pria concepção de procedimento, de relação jurídica processual,
da ação, da relação entre o direito material e o processo. Preten
de, também, a partir de uma nova concepção de processo, refle
tir novamente sobre os escopos que lhe são atribuídos.
A nova concepção de processo será trabalhada com base na
obra do ilustre Professor italiano ELIO FAZZALARI, que contém a
síntese de suas investigações sobre o tema. Não há a preocupa
ção de se citar passagens no original, a não ser quando a oportu
nidade do tratamento do tema o autorizar, porque, na obra de
FAZZALARI, toda reflexão é profunda, o que tira o sentido de se
relevarem os aspectos mais importantes que j ustificariam a trans
crição acadêmica. As constantes referências em notas de pé de
página suprirão as exigências de se indicar o pensamento do
autor citado e do controle de sua autenticidade. O método
escolhido se explica pela opção que se faz: entre a tentativa de se
demonstrar erudição e a tentativa de se conquistar a clareza, a
preferência é por essa última, em coerência com o que se enten
de ser a função social da ciência.
A reflexão sobre os escopos do processo tem inspiração na
obra do ilustre jurista brasileiro, Professor CÂNDIDO R. DINA-
MARCO, citado, inclusive, por FAZZALARI, em notas de pé de
página. Dele se vai divergir em vários tópicos, mas este é apenas
o sinal do reconhecimento da grande influência que seu pensa
mento tem exercido na formação dos processualistas brasileiros
da nova geração.
Não se negará, em nenhum m om ento, o direito fundamen
tal da doutrina de fazer suas opções filosóficas. O que se coloca
em questão são os problemas da construção jurídica e de sua
fundamentação.
15
As possíveis elu cid açõ es sob re as ainda p resen tes insuficiên
cias o u co n tra d iç õ e s d o q u ad ro con ceitu ai utilizado p ela d o u tri
na d o D ireito P ro cessu al Civil para estab elecer as relaçõ es en tre
p ro ce d im e n to e p ro ce sso , que incidem inevitavelm ente em dife
ren tes m o d o s d e se c o n ce b e r o p rocesso, e qu e se refletem n o
c o n ce ito d e a çã o , e qu e se p rojetam n a finalidade d o p ro cesso ,
p o d e rã o se co n stitu ir em con trib u ição tan to p a ra a C iência d o
D ireito P rocessu al, c o m o p ara o tratam en to d e q u estõ es d e o r
d em prática, tã o n ecessária nesse m o m en to em que a nova o r
d em c o n s titu c io n a l b rasileira abriu e x te n s o ca m p o d e p o s
sibilidades d e a lte ra çõ e s n o D ireito P rocessu al, aqui referid o
c o m o sistem a n orm ativo.
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CAPÍTULO I
3
CIÊNCIA E TÉCNICA 3
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1.1. A CIÊNCIA
3
A divisão do campo do conhecimento, no curso da História, 3
gerou uma multiplicidade de ciências e, mais ainda, de termino
logias para designá-las de acordo com variados critérios referi
3
dos, principalmente, à relação entre teoria e prática e ao objeto 3
da investigação científica.
Não se pretende, aqui, recuperar o elenco das diversas
3
3
propostas de divisão e de designação das ciências, mas explicitar
algumas noções cuja obscuridade tem prejudicado a compreen 3
são do tema que se põe como objeto deste estudo. 3
E, ainda, comum encontrar-se a divisão das ciências entre
3
teóricas e práticas, ou especulativas e práticas.
A qualificação, imprópria e ainda amplamente utilizada na 3
doutrina jurídica,13 que contrapõe às ciências teóricas as práti 3
cas, tem a única utilidade de ressaltar que as primeiras se voltam
3
3
13 Sobre as manifestações da doutrina envolvendo a distinção entre ciências
3
3
especulativas e práticas, cf. MIGUEL REALE - Filosofia do Direito, 8a ed. rev.
e atualizada - São Paulo: Saraiva, 1978, 1° v., pp. 264 e s.
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para a produção do conhecimento e as segundas para a aplicação
3
dos resultados adquiridos por aquelas.
0 Tal terminologia certamente é reminiscência da divisão aris-
3 totélica entre a ciência e arte (ars, tradução latina do grego
teXvn, de que derivou a palavra "técnica").
3 Sem necessidade de se aprofundar, aqui, as transforma
O ções por que as duas concepções passaram na experiência
O histórica, registre-se apenas que ARISTÓTELES restringe o
campo da ciência ao conhecimento teórico, cujo objeto é con
o
cebido como necessário, e projeta fora dessa esfera do neces
o sário o que, não sendo necessário, é, entretanto, possível.
o Subdividindo o possível, quanto à ação e à produção, reserva a
o expressão arte à ação possível que tem como objeto a produ
ção. A arte é definida como o hábito dirigido pela razão de se
o produzir alguirík coisa.14
o Hoje, a antiga denominação, de que se tem ainda resquí
o cios, se substitui, mais adequadamente, por ciências teóricas e
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BIBLIOTECA
PUCMINAS/BETIM
termo ciência, pois a falta dessa discriminação tem gerado muitas
disputas inúteis, no campo do Direito.15
Em uma das cinco acepções registradas por LAIANDE —
quatro delas referidas a "saber", a "direção de conduta", a "habili
dade técnica", e a "termo usado para oposição a letras" — o
termo ciência corresponde a "um conjunto de conhecimentos e
de pesquisas que têm um grau suficiente de unidade, de genera
lidade, e susceptíveis de levar os homens que a ele se consagram
a conclusões concordantes que não resultam de convenções
arbitrárias ou de gostos e interesses individuais que lhes sejam
comuns, mas de relações objetivas que se descobrem gradual
mente e que possam ser confirmadas por métodos de verificação
definidos".16
A definição de LALANDE compreende a ciência tanto como
conjunto de conhecimento, tanto como pesquisa. Encerra, tam
bém, a idéia de que ciência é descoberta gradual e de que seus
resultados são sujeitos àverificabilidade.
HUISMAN e VERGEZ, com base em LAIANDE , afirmam que
"a ciência pode ser entendida como descoberta progressiva das
relações objetivas que existem no real" (...) "um esforço para
conhecer, para explicar o que é".17
Percebe-se, no exame das duas propostas, que o termo
ciência refere-se ou ao conhecimento obtido, ou à atividade
desenvolvida para se obtê-lo, sendo empregado ou como produ
15 Até hoje se discute, por exemplo, se o Direito é uma ciência, ou uma arte.
Mesmo considerando-se a multiplicidade de sentidos que o term o Direito
comporta, essa questão se esvazia, porque obviamente o Direito enquanto
objeto de um conhecimento fundamentado é só objeto desse co
nhecimento. Nem por outra razão se fala em Ciência do Direito.
19
to de uma atividade ou como a própria atividade capaz de produ
zi-lo.
Quando se diz que a ciência é uma procura, uma investiga
ção, uma tentativa de compreensão, está implícito, nessa afirma
ção, que o intelecto se debruça sobre a realidade procurando
entendê-la, pois o conhecimento não é um objeto natural que
possa ser simplesmente encontrado em algum lugar, mas é,
antes, construído sobre uma determinada realidade. A atividade
científica, enquanto atividade que gera conhecimento, se faz por
muitas formas, mas uma atividade científica racionalizada, capaz
de compreender o seu próprio operar, exige alguma meta (em
bora o resultado obtido sempre possa dela escapar e causar
surpresas), alguns métodos que já foram testados, ou mesmo o
teste de novos métodos, e o manejo do que usualmente se denomi
na instrumental teórico, ou seja, alguns conceitos, definições, no
ções, teorias que auxiliem a investigação. Nenhuma realidade pene
tra na mente humana senão pela representação que se tenha dela,
por isso a atividade científica necessita encontrar um meio de
relação do intelecto com o real que se faz objeto da investigação, e
o encontra nesse instrumental, que também sofre retificações, na
medida em que novos conhecimentos são produzidos.
A ciência, considerada já não como atividade, mas como con
junto de conhecimentos, é, naturalmente, a unificação das desco
bertas fragmentadas, dos resultados parciais da investigação.
Assim, as duas acepções do termo, como atividade que
produz conhecimento e como conjunto de conhecimentos fun
damentados, se complementam.
Convém, ainda, explicitar o que se entende por criação de
conhecimento, e, para tanto, vale a pena relembrar duas defini
ções propostas, em síntese magistral, por BRONOWSK1
20
"A Ciência é um processo de criação de novos
conceitos que unificam a nossa compreensão do
mundo".19
Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo,
1979, p. 19.
19 Cf. JACOB BRONOWSKI - O Senso Comum da Ciência, Trad. de Neil
Ribeiro da Silva, BeLo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universida
de de São Paulo, 1977, p. 114.
21
*
1.2. A TÉCNICA
A palavra técnica é objeto de dois verbetes em LALANDE,
que fez a crítica de seu significado tomando-a como adjetivo e
como substantivo. A técnica, como substantivo, que nomeia um
objeto, é por ele definida com dois sentidos:
23
tos. E nenhuma das duas hipóteses, pelo que já disse, poderia ser
aceita.
É por isso que os estudos críticos do termo técnica hoje
incluem técnicas racionais e técnicas irracionais, como já está em
ABBAGNANO.23
Se é verdade que a técnica nunca é concebida como um
fazer desordenado, que eventual e acidentalmente alcança resul
tados, não é menos verdade que a ciência se quer um conjunto
de conhecimentos, organizado e ordenado.
24
bastante significativos p ara d em on strar um postulado que é qua
se intuitivo, q u a n d o se reflete so b re os p rocessos culturais e os
resu ltad o s d eles d erivad os: o d e qu e "historicam ente a prática
p reced e a teoria, a técn ica p reced e à ciência".
O p ro c e s s o d e racio n alização da técnica iria levá-la a p o s
sibilitar q u e a ciên cia se torn asse, realm ente, um "saber aplica
do". Ao alca n ça r essa etap a, a ciên cia engendra novas técnicas e a
té cn ica , ra c io n a liz a d a , p e rm ite ta n to o c re s cim e n to d o c o
n h ecim en to cien tífico c o m o a m elh or aplicação d a ciência, co n
form e finalidades previam en te concebidas.
A p artir d esse p o n to d e confluência, é possível se fazer um a
ciên cia da técn ica e é tam bém possível se o b ter tan to o ap rim o ra
m e n to d e antigas c o m o a p ro d u çã o d e novas técnicas pela aplica
ç ã o d o co n h e cim e n to fo rn ecid o p ela ciência.
E n tretan to , d eve s e r ressaltad o que essa possibilidade é
ap en as o q u e se d isse : u m a possibilidade.
MAX W EBER ,25 a q u em se deve um a sistem atizada investiga
ç ã o d os p ro ce sso s d a cre sce n te racionalização d a civilização o ci
dental, d e m o n stro u c o m o essa tendência n ão é suficiente p ara
afastar as form as irracion ais em vários de seus dom ínios, d en tre
eles o d o D ireito.26
25
o
3
3 De qualquer forma, para racionalizar a técnica, investigando
3 os meios mais hábeis, mais idôneos e mais adequados para a
3 consecução de resultados sobre bases objetivas, que podem ser
O explicadas e entendidas, ou seja, sobre bases inteligíveis, a ciên
cia, em qualquer campo do conhecimento, necessitou, primeira
3 mente, se construir a si mesma, como competência explicativa da
3 realidade que se fez objeto de sua investigação.
3
3
3
3
O
3
D
O
com as formas racionais. As variadas formas de irracionalismo passam pelo
O direito carismático, que apela a um profeta deixado à própria inspiração,
O porque interpreta oráculos ou recebe revelações, do qual WEBER formula
o arquétipo da justiça do Kadi (Kadi-justiz), profética e carismática, que
Q não se vincula a normas preexistentes. Os exemplos fornecidos por
WEBER, sob esse arquétipo, são bem amplos, e podem ser lembrados a
O justiça de Salomão, as Ordálias, os linchamentos e as atuações dos tribu
3 nais revolucionários. Tais formas irracionais subsistem nos sistemas os mais
racionais, e, para demonstrar a convivência da racionalidade com a ir
3 racionalidade, WEBER toma a distinção entre direito formal e material,
oferecendo quatro hipóteses e afirmando que um pode ser tão irracional
O quanto o outro: 1. O direito material irracional que se funda sobre o
3 sentimento pessoal do juiz ou sobre o arbítrio do déspota. A justiça do.
Kadi é o exemplo típico. 2. O direito material racional, quando o direito ou
3 a sentença se baseiam em normas exteriores e anteriores (nâo importando
sua fonte: moral, política, religiosa ou ideológica). 3- O direito formal
O irracional — quando o juiz formaliza a sentença, mas fundando-se sobre
27
direito natural e o direito estatal, e o que estava em jogo, na
verdade, eram os limites da intervenção social na liberdade indi
vidual, e, logo, a sua recíproca, que entra em cena, passada a fase
do individualismo: os limites da liberdade humana dentro de
uma sociedade politicamente organizada. Como resultado desse
processo, uma multiplicidade de temas e de perspectivas se abriu
para a investigação do fenômeno jurídico, ou seja, do direito
manifestado na experiência, do direito positivo, com existência
no tempo e no espaço. Do estudo da gênese das normas até o
estudo de sua aplicação há uma infinidade inesgotável de refle
xões, pois o que está envolvido, entre esses dois momentos, é a
própria existência da sociedade humana, as formas de sua orga
nização e de solução de seus conflitos.
27 Cf. MIGUEL REALE - op. cit., 2~ v. p. 609 e s.; NORBERTO BOBBIO - Teoria
delia Scienza Giurídica, Turim, 1950, p. 18 e s., GUSTAV RADBRUCH -
Filosofia do Direito, Trad. do Prof. L. Cabral de Moncada, Coimbra: Armê
nio Amado, Editor, Sucessor, 1961, v. II, p .185 e s.; ENRIQUE R. AFTALIÓN,
FERNANDO GARCÍA OLANO, JOSÉ VILANOVA - Introduccion a l Derecho,
8a ed., Buenos Aires: La Ley, 1967, p.73 e s; LUIS RECASÉNS SICHES -
Tratado G eneral d e Filosofia D el Derecho, Quinta Edicion, México: Edito
rial Porrua, S.A., 1975, p .l6 0 e s. Sem pretender esgotar os quadros do
saber jurídico, apresentados na doutrina, registre-se que incluem, ainda,
outros domínios, como a Psicologia Jurídica, a Antropologia Jurídica, a
Lógica Jurídica, com destaque para os trabalhos de PERELMAN, a recente
tendência do "Politicismo Jurídico", Cf. ANTONIO HERNANDEZ G IL-Meto
dologia d e la Ciência d el Derecho, Madrid, 1971, v.I, pp. 337/352.
28
3
3
internas, se ocupou do Direito em sua natureza e em seus funda
3
mentos; aí, Sociologia Jurídica se preocupou com as relações 3
entre os fatos sociais e a normatividade; a Ciência do Direito 3
restringiu seu campo ao Direito que se positiviza, que se torna
3
manifesto na experiência, como fenômeno, o fenômeno jurídico
que se delimita pelo critério espácio-temporal. Os três domínios 3
não esgotam as possibilidades do estudo do Direito e, se essas 3
possibilidades se voltam também para o passado, pela História 3
do Direito, projetam-se, igualmente, para o futuro, com a preo
3
3
cupação em torno de uma Política Jurídica, já admitida por
RADBRUCH,28 e até mesmo de uma recente Informática Jurídica,
que já pretende se sistematizar como campo autônomo do co 3
nhecimento jurídico.29
O ponto de interesse desse tópico, no entanto, não é o de
3
fazer cortes epistemológicos no amplo espaço em que se realiza 3
a investigação jurídica, mas apenas o de correlacionar a Ciência 3
Jurídica e a Técnica Jurídica, superando algumas dificuldades
3
que se põem para o trato da técnica processual.
3
3
2.3. DOGMÁTICAJURÍDICA E
3
3
TEORIA GERAL DO DIREITO
33 Cf. MIGUEL REALE - O Direito como Experiência, São Paulo: Saraiva, 1968,
pp.88191, p. 130.
34 Cf. JOHN AUSTIN -Lectures on Jurispm dence, London: R. Campbell, 1885.
Sobre a influência do positivismo analítico na construção da Teoria do
Direito v. EDGAR DE GODOI DA MATA-MACHADO - Elementos de Teoria
Geral do Direito. Belo Horizonte: Editora Vega S.A., 1976, p .121 e s; W.
FRIEDMAN - Tbéotie Générale d u Droit, Paris: Librairie G énérale d e D roit
et d e Jurisprudence-LGDL, 1965, p.211 e s.; EDGAR BODENHEIMER - Ciên
cia do Direito, Filosofia e Metodologia Jurídicas - Trad. de Enéas Marzano,
Rio de Janeiro: Forense, 1966; p. 109 e s.; ALBERT BRIMO - Les G rands
Courants d e La Philosophie d u Droit et de UÉtat, Paris: Ed. A Pedone, 3 a
ed., 1978, p. 276 e s.
30
jurídica e dos princípios fundamentais que regem seu conjun
to .»
Entretanto, com a diferença de grau apontada, ambas, a
Dogmática Jurídica e a Teoria Geral do Direito, têm como objeto
de investigação o Direito positivo36 e, por isso, estão no quadro
da Ciência do Direito. Nem por outro motivo, quando justificou
o título de sua obra Teoria Pura do Direito, KELSEN definiu i
como uma Teoria do Direito positivo em geral, e não, de umu
ordem jurídica especial, uma Ciência do Direito positivo.37
J 2.4. A TÉCNICAJURÍDICA
c■
JULIEN BONNECASE, fazendo o levantamento das doutri
nas jurídicas surgidas em França, de 1880 até o fim da segunda
década do século XX, considera que o estudo da ciência do
Direito Civil não apareceu senão pela via da técnica jurídica e
que a distinção entre ciência e técnica no Direito foi o signo da
grande revolução do pensamento jurídico.38
A revolução, de que fala BONNECASE, produziu resultados
realmente profícuos. Sob o título de Técnica Jurídica, a Ciência
do Direito anunciava que havia uma técnica de criação, uma
técnica de interpretação e uma técnica de aplicação do Direito, e
31
passava à investigação detalhada e exaustiva dos procedimentos
intelectuais da construção jurídica.39
A técnica jurídica, conforme a define CLAUDE DU PAS-
QUIER, é "o conjunto de procedimentos pelos quais o Direito
transforma em regras claras e práticas as diretivas da política
jurídica"40.
Mas, no estudo desses procedimentos, embora a Técnica
Jurídica, desenvolvida no âmago da Ciência do Direito, já
percebesse que há uma "técnica legislativa" e uma "técnica da
jurisprudência", seus estudos se concentram na formulação dos
conceitos, de categorias jurídicas, de institutos jurídicos, e de
ramos do Direito positivo.
É sobretudo da elaboração jurídico-científica que trata essa
técnica, que, como diz RADBRUCH, executa-se em três tempos:
interpretação, Construção e Sistematização, a que correspon
dem os conceitos juridicamente relevantes e os genuínos concei
tos jurídicos41.
Enquanto a Ciência do Direito construía seu instrumental
32
Q a Q Q C j Q O Q Q Q O Q U Q Q O Q Q Q Q O Q Q O O a Q Q Q Q Q Q Q U C
teórico para trabalhar seu objeto, os procedimentos de criação
da lei e da aplicação do Direito ao caso concreto não constituí
ram preocupação fundamental do pensamento jurídico. Este
parava no limiar daquela investigação, quando, do estudo da
interpretação da lei, fazia o salto para pesquisar os problemas de
ordem ética ou axiológica da atividade do juiz e o grau de sua
independência em relação à lei. Entre esses momentos, ficava
sem explicação, ou, antes, explicado como une a ffa ir e d esp rati-
cien s, todo o procedimento que leva o Direito a incidir sobre
casos concretos ou a dar solução para os~conflitos sociais, sub
metidos à decisão do Poder.
Na expressão de PIERRE PESCATORE, tais procedimentos
constituíam o sav oir fa ir e daqueles que elaboram e praticam o
Direito, podendo assumir duas funções distintas: a de fazer leis
— a técnica legislativa e a de aplicar a lei, en d ’au tres m ots, la
p r a tiq u e ju d ic ia ir e et ad m in istrativ e42.
Sua descrição dessa atividade é significativa para demons
trar a concepção generalizada quanto à aplicação do Direito ao
caso concreto, na época em que a técnica de construção jurídica
resplandescia:
33
laissé. Leur a rt est la p ru d en ce ju rid iq u e, la iu ris
p ru d en tia au sens etym ologiqu e du term e"43.
34
Em seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, a técnica jurí
dica tem oferecido excelentes resultados, como conjunto de
meios idôneos para o trato do Direito.
O Direito, como sistema normativo, não é elaborado pelos
juristas, mas pelos órgãos que são legitimados pelo próprio
sistema para produzi-lo. O poder para elaborar a norma genérica
e abstrata destinada à observância geral, ou é difuso na coletivi
dade, quando o sistema jurídico acolhe o costume como forma
de produção normativa, ou é centralizado pelo Estado, que re
presenta a comunidade jurídica, a sociedade politicamente orga
nizada pelo Direito.
A Ciência do Direito tem desenvolvido e aprimorado suas
técnicas para apreender o fenômeno jurídico e realizar seu traba
lho de construção jurídica. As normas criadas pelo legislador são
recolhidas, sistematizadas, classificadas, conceitos são formula
dos, através da busca das semelhanças ocultas na diversidade,
unificando realidades jurídicas em um modelo genérico aplicá
vel a uma multiplicidade de casos, normas são agrupadas por um
critério lógico de conexão e coerência entre a matéria social
regida, sobre princípios comuns, que conferem unidade ao con
junto, em grau crescente de categorias jurídicas, institutos jurídi
cos e ramos do Direito; constroem-se teorias explicativas e críti
cas, que oferecem subsídios novamente ao trabalho do legisla
dor. A construção jurídica se desdobra em construção técnica e
em construção criadora46.
Toda essa atividade não poderia deixar de ser extremamen
te valiosa para o crescimento do conhecimento jurídico, para a
35
aplicação de seus resultados, pelos próprios juristas, e para a
oferta desses resultados, no plano da atividade da criação e da
aplicação do Direito47.
36
É compreensível que, na falta de uma construção científica
mais aprimorada, em uma época em que o Direito "da aplicação"
estava se "reconstruindo", pela elaboração de seus conceitos, o
pensamento jurídico, necessitando de um ponto de apoio para
explicar o procedimento da aplicação, houvesse recorrido ao
silogismo.
As reações ao silogismo da aplicação vieram, e vieram muito
fortes, mas não atacaram o ponto que merecia o pronunciamento
mais incisivo. Contornaram o problema com argumentos sobre a
complexidade dos casos concretos, a liberdade da interpretação do
juiz, a opção implícita na aplicação pela escolha da norma aplicável,
a questão axiológica que permeia todo o direito49.
O "silogismo da aplicação" poderia ter tido seu golpe de
misericórdia com o auxílio da própria lógica. Não porque fosse
verdadeiro ou falso, correto ou incorreto, provável ou imprová
vel, conveniente ou inconveniente, mas simplesmente porque
era logicamente inviável. Não havia, na verdade, sequer silogis
mo, no modelo proposto, porque não havia como se estabelecer
as premissas para a inferência da conclusão, já que não seria
37
ü ü O U Ü Ü U U O O G O Ü ü O O O D O D O Ü ü O O O ü Ü U U J U ü U t
38
na, e não sob aquela fria argumentação gerada nos "gabinetes" da
razão.
Mas algo muda em nosso tempo. Começa-se a descobrir que
a lógica pode ser outra coisa que não comandos para o pensa
mento e para a conduta ou prisão para uma razão vital, de que
fala ORTEGA Y GASSET50, ou camisa-de-força para o Direito.
Fazer o inventário do que mudou exigiria um incomensurá
vel esforço. Mas podem ser apontados alguns fatos e conquistas,
que ajudaram a desmitificar o mito sobre as leis do pensamento,
da verdade e da conduta, e tornar a lógica uma aliada na verifica
ção e na correção dos temas de qualquer argumento da ciência.
39
tica, da primeira metade do século XX, que pretendia compreen
der, com essa denominação, a lógica algorítmica, a lógica simbó
lica e a lógica matemática, e pela lógica contemporânea, que,
"agora que a nova lógica se substituiu suficientemente à antiga
para que a confusão já não seja possível"53, volta à antiga deno
minação de lógica formal, ou simplesmente lógica, englobando
as lógicas paralelas que renovam e alargam antigos sistemas, até
a paralógica, que se propõe como uma linguagem da lógica.
A lógica, referida nos próximos tópicos, é a lógica formal
contemporânea, mas máis do que o nome, é conveniente esclare
cer alguns dos pontos por ela estabelecidos.
1. Ela não é, nem uma "arte de pensar", nem uma ciência
normativa54. Não tem qualquer pretensão de estabelecer ou de
recolher as "leis do pensamento"55. O pensamento, como proces
so mental, a psicologia já o revelou, e utilizou tal achado para
construir o método da livre associação, pode passar por movi
mentos bastante complexos, nem sempre sujeitos à descrição,
que não se submetem a leis. Ela não é, também, uma "ciência do
raciocínio", porque este pode se formar por intrincadas vias, não
alcançadas por critérios objetivos de descrição.
2. A lógica preocupa-se apenas com o raciocínio, que é uma
espécie de pensamento em que se inferem ou se derivam conclu
sões a partir de premissas, entretanto, não para estabelecer leis
para seu desenvolvimento, mas tão-somente para verificar a cor
reção do resultado já completado56. Propõe-se, assim, "a estabe
lecer e enunciar explicitamente as leis da dedução, apresentan
40
do-as elas próprias sob a forma de uma teoria dedutiva axiomati-
zada57."
3- A lógica não pretende estabelecer critérios de verdade ou
falsidade sobre o conteúdo das proposições, enquanto simples
enunciados ou juízos. Essas podem ser verdadeiras ou falsas,
mas são afirmações ou negações que podem ser formuladas
sobre qualquer tema, sobre qualquer campo do conhecimento, e
apenas à ciência do respectivo domínio compete o controle de
sua verdade ou falsidade. A lógica não pretende ser onisciente,
também o problema do enunciado vazio, pelo critério da existên
cia, é deixado à ciência. Já não se repudia a tautologia, porque o
que é evidente em um campo do conhecimento póde não o ser
em outro, e isso vale também para um só campo, quanto a temas
diferentes.
4. Os critérios de verdade e falsidade interessam à lógica
apenas na estrutura formal das proposições, por isso pode-se
falar não em "enunciados falsos", mas em "falsos enunciados", em
sua estrutura, e quando estes são tratados como proposições da
dedução. As verdades da lógica são formais, porque referidas não
ao conteúdo das proposições mas a elas na estrutura do argu
mento, como um sistema proposicional de premissas e conclu
sões. Por isso, no argumento dedutivo, o valor de verdade e
falsidade é substituído pelos predicados de "validade e invalida
de", e pela forma de relações entre proposições que são premis
sas e proposições que são conclusões.
5. O processo de inferência já não incide sobre a relação dos
termos de um juízo, nos moldes da antiga lógica formal58, mas se
42
ciónada. Nenhuma proposição tomada isoladamente é uma
premissa. Também a conclusão é uma proposição, mas não isola
da, porque nenhum juízo tomado isoladamente é uma conclu
são60.
8. O argumento é um grupo de proposições dentro de uma
estrutura, em que as proposições são premissas ou conclusões.
O argumento dedutivo pretende a certeza de uma conclusão, e o
argum ento indutivo pretende oferecer apenas uma pro
babilidade da afirmação da conclusão61.
9. A dedução se faz entre classes, que é apenas uma coleção
de objetos que possuem algumas características específicas co
muns. O que é necessário na identificação dos objetos para
integrá-los a uma classe é que compartilhem de características,
qualidades, determinações específicas. Assim como o problema
da proposição vazia é deixado à ciência de cada campo do co
nhecimento, a lei da implicação, que rege a relação de inclusão
entre classes, não se detém mais sobre o problema das classes
vazias62, mas incide apenas sobre o modelo formal da inclusão.
63 Cf. ROBERT BLANCHÉ, op. cit., p.329 - A inclusão de uma classe em várias
classes, pelas características compartilhadas entre objetos individualmente
diferentes, é exemplificada por BLANCHÉ com a classe das dúzias, que
permite incluir a classe dos meses do ano, a classe dos apóstolos, e uma
variedade de outras classes.
64 Cf. ROBERT BLANCHÉ op. cit., p.287, p.304, e, no mesmo sentido, "a lógica
tem a obrigação de enunciar explicitamente tudo que fica implícito no
pensamento", p.256.
44
CAPÍTULO III
46
mento que podem, sob o aspecto didático-metodológico, consti
tuir-se em novas disciplinas autônomas.
Na reflexão sobre a Ciência e a Técnica do Processo, convém
relembrai- com EDUARDO J. COUTURE, que "a ciência do processo
não é só a ciência das petições, das provas, das apelações, das
execuções, das formas e dos prazos. Seria difícil construir uma
ciência de conhecimento do real, com validade universal, servindo-
se, apenas, desses elementos. Antes, porém, de chegar a eles, a
ciência do processo necessita assentar uma série de proposições de
conteúdo real e legitimidade universal, independentemente de
tempo e de espaço, sem as quais o objeto da ciência — o processo
— não pode ser concebido, nem chegar a ser realizado"66.
47
c o m o atividade d e co n h ecim en to , o u co n sid erad a co m o co n ju n
to o rg a n iz a d o de con h ecim en to s, n ã o tem essa função.
C o n sid erad o c o m o co m p le x o d e n orm as, o b jeto d o c o
n h ecim e n to d a ciên cia qu e dele se o cu p a, o D ireito P rocessu al
tem a fu n ção criad o ra qu e to d a n o rm a possui, n o sen tid o de
co n ferir significado ju ríd ico a d eterm in ad as situ ações p rod u zi
das p o r fatos e ato s que receb em a v a lo ração norm ativa.
48
suais, e reservam a qualificação de normas secundárias, de se
gundo grau, às normas materiais68.
E, ainda, oportuno ressaltar que as duas categorias de nor
mas são plenas de substância, de conteúdo, de matéria.
Essas constatações são suficientes para que se dê razão a
FAZZALARI quando afirma que a qualificação das normas em
normas de primeiro grau e de segundo grau é meramente con
vencional69.
Ambas disciplinam condutas, inserem-se no mesmo ordena
mento jurídico e se complementam mutuamente. ‘
A distinção entre elas se mantém pelo conteúdo que com
portam, e não pela referibilidade a qualquer hierarquia, pois
enquanto as normas materiais se destinam a valorar a conduta,
qualificando-a como lícita e como ilícita, tendo como matéria ás
50
O antigo conceito de Estado foi referido à junção de duas
noções.- statu s, no sentido original de situação, condição, e res
p o p u li-res p ú b lica , a coisa pública, que se sintetizaram no
S tatu s-res p ú b lic a , em que a situação de organização política
da sociedade se corporifica no Estado71. As doutrinas contra-
tualistas, dos séculos XVII e XVIII, com HOBBES, LOCKE e
ROUSSEAU, contrapuseram o estado de "natureza" ao estado
"social" ou "político", o direito natural ao direito positivo, civil,
adquirido — expressões utilizadas para designar o direito exis
tente no estado "social" ou "político" — na tentativa de estabe
lecer um fundamento racional para o poder. Embora divergin
do sobre o caráter social do estado pré-político, negado por
HOBBES, com violência a manifesta e latente do h om o lu pu s
h om in i, e afirmado por LOCKE e ROUSSEAU, sobre o caráter
cordial do ser humano, o seu ponto de convergência se deu na
construção teórica do "pacto social". Tais doutrinas são
expressões de uma época em que dominava o voluntarismo, e
a necessidade de se buscar um fundamento de legitimidade
para o poder, sem referi-lo a um direito "divino", que permitis
se de alguma forma limitar, teoricamente, seu exercício pelo
Direito, foi trabalhada sob as concepções disponíveis na épo
ca. Na época contemporânea, surgem várias teorias sobre o
Estado, e a tese da cisão entre Estado e sociedade, cuja formu
lação mais expressiva é devida a MARX — o Estado sendo
concebido como instrumento de opressão da classe dominan
te — , tem recebido várias análises da Ciência Política e da
Sociologia Jurídica. Uma delas tem se desenvolvido sobre o
conceito de racionalidade do Estado contemporâneo, baseada
na legitimação pelo procedimento em detrimento da comple
xidade social, o que caracterizaria a crise resultante da contra
posição entre a superlegalidade política e a legalidade consti
51
tucional72. O dimensionamento da "crise", sob a concepção da
"democracia" como espaço da liberdade que não anula mas per
mite a manifestação de conflitos, tem se expandido na reflexão
jurídica73, e é sob esse enfoque que a idéia do contraditório se
desenvolveu como elem ento fundamental do conceito de
processo.
Os três enfoques mencionados, referidos a momentos his
tóricos distintos, foram escolhidos para demonstrar que a ques
tão da legitimidade do poder pode ser contemplada sob prismas
diferentes. Entretanto, quaisquer que possam ser as teorias de
senvolvidas sobre o Estado, dificilmente será possível concebê-lo
sem a função jurisdicional, ainda que se mudem as formulações
sobre os modelos instrumentais de sua atuação. E a função
jurisdicional, no Estado contemporâneo, não é apenas a expres
são de um poder, mas é atividade dirigida e disciplinada pela
norma jurídica.
No que tem de específico, a função jurisdicional substitui a
autodefesa, eliminando o recurso da autotutela, da vingança
privada, da represália. Do primitivo rito da religião doméstica,
do culto dos deuses lares, quando a represália era uma das
formas de obrigação para com os Manes, pela vingança de san
gue realizada pelo membro do clã ofendido contra qualquer
representante do clã de onde partira a ofensa, vingança neces
sária para o repouso da alma da vítima74, às mais antigas leis que
52
hoje são conhecidas, as da Cidade-Reino deE shn un n a, tombado
sob o exército de H a m m u ra b f3, o Estado foi se organizando
juridicamente, e avocando, progressivamente, a repressão dos
atos repudiados pelo grupo social. Dentre as flutuações históri
cas da racionalidade e da irracionalidade, de que fala WEBER, o
Estado organizou sua função jurisdicional dirigida a dar respos
tas à sociedade sobre as condutas valoradas negatiyamente, que
seriam qualificadas de ilícitos, e, em conseqüência, assumiu a
tutela dos direitos da sociedade. "Direitos da sociedade" é
expressão intencionalmente escolhida, para que nela se introdu
zam os direitos individuais e coletivos, em suas várias clas
sificações: sociais, culturais, econômicos e políticos, cujo reco
nhecimento e ampliação se observa como uma tendência comum
nas sociedades contemporâneas.
Baseando-se na mesma concepção de RUDOLF VON JHE-
RING, a quem reconhece o título de l e plu s g ra n d ju riscon su lte
d e V Allem agne m odern e, segundo a qual o Direito ex a composto
de dois elementos: a regra (Norm) e a realização da regra pela
força (Z w an g), DUGUIT conclui que, se o Estado tem o monopó
lio da força sobre seu território, não são regras de direito senão
aquelas que têm, atrás delas, a força estatal76.
O caráter de universalidade da sanção jurídica, frente a
outros tipos de sanção que estão presentes enj outras formas
normativas, é lapidarmente posto em evidência por MIGUEL
REALE, quando, discorrendo sobre a pluralidade de ordens nor
mativas, e de ordens jurídicas grupalistas. extra ou intra-estatais,
demonstra que se pode escapar às sanções grupais renunciando-
3.5. O PROCESSO
56
a
a
a
sobre "procedimentos em matéria processual", desperta um no
3
vo interesse sobre procedimento e processo como objeto das
normas estudadas pelo Direito Processual, que ultrapassa o cam a
po acadêmico. a
Anote-se que a doutrina processual brasileira já vislumbra,
nos arts. 22, I, e 24, XI, da Constituição da República de 5 de a
outubro de 1988, distinção entre "norma processual" e "norma a
procedimental"81. a
a
cumulativa ou paralela, significa a faculdade de legislar ou praticar certos
atos, em determinada esfera, juntamente e em pé de igualdade, consistin
a
do, pois, num campo de atuação comum às várias entidades, sem que o a
exercício de uma venha a excluir a competência da outra, que pode assim
a
ser exercida cumulativamente, a competência concorrente possui dois
elem entos constitutivos: 1. a possibilidade de disposição sobre o mesmo
assunto ou matéria por mais de uma entidade federativa; 2. a primazia da
a
União no que tange à fixação de normas gerais; a competência suplemen 3
tar, que é correlativa da competência concorrente, significa o poder de
formular normas que desdobrem o conceito de princípios ou normas d
gerais ou que supram a ausência ou omissão destas. Essa é a dos §§ 1° a 4~
do art. 24 da Constituição de 1988. Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA - Curso de
3
Direito Constitucional Positivo - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3
1990, pp.413/415.
3
81 Cf. ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER
e CÂNDIDO R. DINAMARCO - Teoria Geral do Processo, 8 - ed. rev. e atual. 3
- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, P- 83.
Desta "técnica e teoria..." vai resultar, no final, que a Constituição de 05 de 3
outubro de 1988, abre, definitivamente, as portas para a edição de Códigos
Q
Estaduais de Processo (civil e penal). Outra não pode ser a conclusão que
se extrai de leitura do art. 24, item XI e parágrafos, do texto constitucional Q
em vigor, que dispõe que compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar, concorrentemente, sobre "procedimentos em matéria 3
processual", ou em outras palavras, legislar sobre "procedimentos em
processo jurisdicional". Para maior clareza vejam-se os capítulos IV e VI
Q
seguintes, onde estão explicitados os sentidos dos termos "procedimento" 3
(gênero) e "processo" (espécie), não havendo "distinção" entre eles, mas
relação de inclusão (todo processo é um procedimento). Fica, pois, aos O
"legisladores estaduais" o cumprimento da missão que lhes foi deferida,
cabendo-lhes discutir, votar e aprovar, o quanto antes, as Codificações O
locais de processo (civil e penal). No que concerne à "distinção" entre o
"norma processual" e "norma procedimental", ANTÔNIO CARLOS DE
ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO R. DINAMAR- o
a
o
57
o
Q
Essa interpretação só poderia se ajustar a um contexto teó
rico em que procedimento e processo são tratados como realida
des independentes e distintas. Em uma concepção de procedi
mento que comporta o processo, a diferenciação teórica entre
normas de procedimento e normas de processo perde todo o
significado, mesmo diante das disposições constitucionais referi
das. O processo será uma espécie de procedimento, e assim se
poderá compreender que a matéria processual sobrequ èincide
a competência concorrente é a matéria do Direito Processual,
enquanto norma que disciplina o processo jurisdicional.
A norma processual é a que disciplina a jurisdição e seu
instrumento de manifestação, o processo, mas a própria exten
são do conceito de processo ainda não se esgotou na doutrina.
58
CAPÍTULO IV
PROCESSO E PROCEDIMENTO
4.1.PROCESSO E PROCEDIMENTO:
MULTIPLICIDADE DE ACEPÇÕES
4.1.1. PROCESSO
O termo processo é muito rico em acepções. É empregado
na linguagem comum, na linguagem científica, na linguagem
filosófica e na linguagem jurídica (com maior ou menor rigor),
com uma variedade tão grande de sentidos que, quando se
pretende dar-lhe uma conotação específica, é conveniente deter
minar a acepção em que é utilizado.
Na linguagem corrente, fala-se indiferentemente em proces
so como etapa, como desenvolvimento, como método, como
movimento, como transformação. Na linguagem científica, com
suas conotações específicas, o termo é amplamente utilizado em
qualquer domínio do conhecimento. Pode-se lembrar que, na
informática, por exemplo, a idéia sugestiva de processo inte
grou-se à linguagem da ciência na expressão processamento de
dados, como técnica de transformação de dados (números) em
informações, informações obtidas de variáveis quantitativas ou
qualitativas, depois que os dados são organizados, pois os núme
59
ros sozinhos não dizem nada. Processamento de dados, proces
sador de textos, são exemplos frisantes dos mais recentes usos
do vocábulo, que denotam a intensa carga simbólica sugerida
pela palavra processo.
Na linguagem filosófica, NICOLA ABBAGNANO82 registra
três sentidos para o termo: 1. "Procedimento, maneira de operar
ou de agir", exemplificando com extratos da Sum m a T beologica
de Sto. Tomás de Aquino, "o Processo de composição e de
resolução" que indica "o método que consiste no descer das
causas ao efeito, ou no subir, de novo, do efeito às causas", e
"processo ao infinito" "para indicar o subir de novo de uma causa
para outra sem parar". 2. "Transformação ou desenvolvimento"
exemplificando com WHITEHEAD (P rocess a n d R eality, 1929):
"Processo da história". 3. "Uma concatenação qualquer de even
tos", exemplificando com expressões de campos científicos
"Processo de digestão", "Processo químico".
Em LALANDE, o vocábulo é registrado significando: Suite
d e ph én orn èn es p résen tan t une certain e u n ité ou se reprodu i-
sa n t a v ec une certain e régu larité83.
Em meio às variedades da acepção do termo, pode-se perce
ber uma constante implícita em seu sentido: a de movimento e
de conseqüente desenvolvimento e transformação, o que se con
trapõe à inércia, à imobilidade e à inalterabilídade.
Que a vida, a realidade, a experiência humana, as paixões,
os sentimentos e, também, o conhecimento, enfim, tudo que
pertence a este mundo sublunar84, possuam seus "processos", no
60
; nA '
sentido de movimento, de desenvolvimento e de transformação,
já o havia percebido HERÁCLITO — "tudo flui", "ninguém se
banha duas vezes no mesmo rio"85, e, na filosofia moderna, é
difícil imaginar que algum pensador o tenha exposto com maior
ardor do que HEGEL86.
No Direito, a palavra está também impregnada desse simbo
lismo, mesmo quando tecnicamente empregada, embora seu uso
indiferenciado, em diversificadas situações, a tenha tornado um
dos termos mais equívocos do campo jurídico.
4.1.2. PROCEDIMENTO
A palavra procedimento, na linguagem comum, assume fre
qüentemente o mesmo sentido registrado por ABBAGNANO na
primeira acepção do termo processo.- "maneira de operar ou de
agir".. — ---------- ------ — ------
Em geral, a doutrina do Direito Processual relembra a ori
gem etimológica do termo procedimento: "procedere" — pros
seguir, seguir em frente, para dela fazer derivar a palavra "proces-
sõ ^ co m idêntico sentido etimológico. Esquece-se, entretanto,
de indicar um outro significado que etimologicamente o vocábu-
62
sobre a relação que pode existir entre eles, é básica para a adoção
de todo um quadro conceptual, um sistema de conceitos, que
servirá como instrumental teórico para o tratamento do proces
so.
As doutrinas particulares, quando possuem fundamentos
comuns, podem ser agregadas em escolas ou em correntes de
um determinado campo do pensamento jurídico. Podem ser,
ainda, designadas genericamente como "doutrina", mas a essa
expressão se ajunta um determinado qualificativo, que será a
marca pela qual se reconhecem os fundamentos que, sendo por
elas compartilhados, sustentam diversas construções teóricas so
bre um dado tema, que se põe como objeto do conhecimento. As
diferenças internas que apresentem não serão importantes para
impedir seu recolhimento dentro de uma mesma tendência de
pensamento.
É nesse sentido que se pode falar na existência, no campo
do Direito Processual, de duas tendências distintas, firmadas
sobre dois fundamentos teóricos diferentes, cada uma delas
trabalhando com base em seus conceitos, suas definições, suas
categorias, seus institutos. As diferenças do quadro teórico não
incidem apenas no conceito isolado de procedimento e de
processo, mas alcançam temas fundamentais d]5 Direito Proces
sual. E necessário se ressaltar^ entretanto, que essa diferença de
tratamento dado aos temas decorre, lundamentalmente, da con
cepção qué~s’e ãdote sobre procedimento e sobre processo, por
que é por ela que se começará a estabelecer todo um sistema de
conceitos de que o Direito.Processual necessita para suas cons
truções jurídicas.
No desenvolvimento do Direito Processual Civil como ciên
cia autônoma, a doutrina, sob a influência de BÜLOW, reagiu
contra a postura tradicional deséculos passados, que absorvia o
processo no procedimento e consideraváestecõm om era suces
são^ de atos que compunham o rito da aplicação judicial do
direito. Em progressivos passos, buscou estabelecer a distinção
63
entre processo e procedimento, e encontrou, em critérios teleo-
lógicos, a base da diferenciação. .— ___
Essa distinção perdurou por muito tempo de foima quase
soberana, até que começou a despontar, dentro da doutrina,
uma outra proposta pela qual era possível se considerar as rela
ções entre procedimento e processo. Em movimentos concer
nentes a desenvolvimento de idéias, falar-se em pioneirismos é
algo bastante arriscado, mesmo porque, como ocorre em geral,
as idéias que conduzem a mudanças são latentes nos sistemas
precedentes, e, ademais, não sé fez úm levantamento histórico
com esse objetivo. Mas dentre os autores mais divulgados, pode-
se encontrar em REDENTI um esforço bem conduzido em dire
ção a essa nova visualização do procedimento e do processo, e
em FAZZALARI, o sistema aperfeiçoado dessa nova postura88.
4.2.1.PROCEDIMENTO E PROCESSO:
A DISTINÇÃO BASEADA EM CRITÉRIO "TELEOLÓGICO"
A linha doutrinária que separa o procedimento do processo
firmou-se sobre o critério teleológica, pelo qual se atribui finali
dades ao processo e se considera o procedimento delas destituí
do. Nela, o procedimento é "puramente formal", algo que tanto
pode ser uma técnica, como os atos de uma técnica, como a
ordenação de uma técnica, enfim, separa-se do processo como
idéia impregnada de finalidades por ser estranho a qualquer
teleologia89.
64
Essa posição predomina na doutrina processual brasileira
contemporânea, em que_Q-p£Ocedimento comparece como técni
ca que "disciplina, organiza ou ordena em sucessão lógica o
processo"90, á técnica de "ordenação e racionalização da ativida
de á ser desenvolvida" (...) "forma imposta ao fenômeno proces
sual"91. A doutrina pátria, em sua expressão mais jovem e bri
lhante, aprofundou o conceito do procedimento como "meio
extrínseco" de desenvolvimento do processo, "meio _pelo qual a .
lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo", até
reduzi-lo a manifestação exterior do processo, "sua realidade
fenomenológica perceptível"92. ^ jb&ujy. ^ctu í) 1ÁÀO-
Em contraposição, ao processo é atribuída natureza teleoló
gica, "nele se caracteriza sua finalidade de exercício do poder",
como "instrumento através do qual a jurisdição opera (instru
mento para a positivação do poder)"93.
A distinção pelo critério teleológico propicia ao processo a
abertura de um leque de finalidades94, dentre as quais a atuação
do direito95, mas suscita, dentre outras questões, um problema
para o qual não se encontra resposta adequada. E que, se o
65
3
O
3
3 procedimento se constitui em meio necessário, (pois não se
aboliu, ainda, a necessidade da existência do procedimento),
3 para a existência, ou o desenvolvimento, ou a ordenação, do
3 processo, tem, então, o caráter teleológico que toda técnica
3 intrinsecamente comporta, como meio idôneo para atingir fina
lidades. Mesmo considerado como série de atos, como forma de
O ordenação, como meio de se estamparem o sãtos do processõ, õ
O procedimento estaria impregnadojde sentido teleológico,,por
o que sua finalidade, já explícita em sua funcionalidade, não.pode
67
Pelo critério lógico, as características do procedimento e do
processo não devem ser investigadas em razão de elementos
finalísticos, mas devem ser buscadas dentro do próprio sistema
jurídico que os disciplina. E o sistema normativo revela que,
antes que "distinção", há entre eles uma relação de inclusão,
porque o processo é uma espécie do gênero procedimento, e, se
pode ser dele separado é por uma diferença específica, uma
propriedade que possui e que o torna, então, distinto, na mesma
escala em que pode haver distinção entre gênero e: espécie. A
diférença específica entre o procedimento em geral, que pode ou
não se desenvolver como processo, e o procedimento que é
processo, é a presença neste doelem ento que o especificado.
contraditório/Ò processo é um procedimento, mas não qual-
quer procedimento; é o procedimento de que participam aque-
les que são interessados nõatõTihãl, de caráter imperativo, por
ele preparado, mas náo apenas participam; participam de uma
forma especial, em contraditório entre eles, porque seus interes
ses em relação ao ato finaLsão opostos. ___
Fica evidente que essa concepção trabalha com um novo
conceito de procedimento e dele extrai um novo conceito de
processo.
Ao se concluir este tópico, não se pode deixar de registrar as
palavras dirigidas por FAZZALARI à própria ciência do Direito
Processual, ante a constatação de um fato que os processualistas
de ambas as correntes já perceberam, o da crescente tendência
da sociedade contemporânea para resolver suas questões (suas
qu aestion es) adotando o modelo do processo, com o contradi
tório que o especifica:
68
d eg li in teressati, in con traddittorio, alV iter d i fo r-
m azion e d i un ato), en u cleare prin cipi, offrirli a chi
f a le leggi e d a ch i deve applicarle'm
*
99 Cf. FAZZAIARI, op. cit., pp. 14/15. Impende insistir na Codificação Estadual
de Processo (civil e penal), em face da diretiva de política jurídica emanada
do texto da Constituição de 05 de outubro de 1988 (art. 24, XI e parágra
fos). E isto porque, com o se deixou bem claro, não há "distinção" entre
"norma processual" e "norma procedimental" ou entre "processo" e "proce
dimento". "Procedimento" é gênero, "processo" é espécie. Como se insistiu,
a marca ou sinal específico está no "contraditório" e a relação é de "inclu
são". Com o já está no rodapé 81, importa destacar, mais uma vez, que, com
o art. 22, item I, o Constituinte de 05 de outubro de 1988 dispôs, isto sim,
que é da competência privativa da União legislar sobre "direito processual"
em "processo administrativo", em "processo legislativo", e em processos
jurisdicionais exclusivamente federais (os das Justiças Federais comuns e
especializadas); nos processos jurisdicionais das Justiças Estaduais editará
normas em concorrência com as Codificações Estaduais, civis e penais
(art.22, XI e parágrafos).
CAPÍTULO V
101 Cf. CÂNDIDO R. DINAMARCO - Execução Civil, vol. 1, 2~ ed. rev. e ampl.,
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 95.
102 Cf. CÂNDIDO R. DINAMARCO - Execução Civil, cit. p. 95.
que já obteve, dando por encerrada sua reflexão sobre a adequa
ção de seu próprio instrumental técnico para capturar o objeto
de sua investigação.
EDUARDO COUTURE, afirmando que La d octrin a d om i
n an te con cib e e l p ro ceso com o una relación ju r íd ic a I03, men
ciona os argumentos que se levantaram contra tal concepção e
tenta demonstrar que a relação é uma "união real ou mental,
vínculo que aproxima uma coisa da outra, permitindo que
mantenham sua individualidade". Entretanto, não é só de uma
correlação, de uma interação, que se"fala quando se emprega o
termo relação jurídica, mas de vínculo entre sujeitos. COUTURE
o demonstra: C u an do en e l lenguage d e l d erech o p r o c e s a l se
h a b la d e relación ju ríd ica , n o se tien d e sin o a sen a la r e l víncu
lo o lig am en qu e une en tre s í a los su jetos d e l p ro ceso y sus
p o d e r e s y d eb eres respecto d e los d iv ersos a c to sp ro cesa les. (...)
Se h a b la , en tonces, d e la relación ju r íd ic a p r o c e s a le en e l sen ti
d o ap u n ta d o d e ord en a ción d e la con d u cta d e los su jetos d e l
p r o c e s o en sus con ex ion es recíp rocas; a l cúm ulo d e p o d eres y
fa c u lta d e s en q u e se h a lla n unos respecto d e los o tro s104.
Os gráficos que representam as relações paralelas, as formas
angulares de relação, são repetidos habitualmente para caracteri
zar a relação jurídica processual, ressaltando, justamente, esse
vínculo entre sujeitos do qual fala COUTURE.
As teorias que trabalham com os antigos conceitos de rela
ção jurídica e de Direito subjetivo, na clássica acepção, são ainda
predominantes na ciência do Direito Processual105. OSKAR VON
103 Cf. EDUARDO COUTURE - Fundam entos Del D erecho Procesal Civil, terce-
ra edición (póstuma), Reimpresión inalterada, Buenos Aires: Ediciones
D epalm a, 1974, p. 132.
104 Cf. EDUARDO COUTURE, op. cit., pp. 133/134.
105 Cf. OSKAR VON BÜLOW - La Teoria d e las Excepciones Procesales, Los
Presupuestos Procesales. Trad. de Miguel Angel Rosas Lichtschein, Buenos
Aires: Ediciones Ju ríd ica s Europa-America, 1984, J. RAMIRO PODETi'1 -
Teoria y Técnica d el Proceso Civily Trilogia Estructural de la Ciência d el
Proceso Civil, Buenos Aires: EdiarSoc. Anón. Editores, 1963, UGO ROCCO
72
3
3
3
5.2. A QUESTÃO DA RELAÇÃOJURÍDICA * 3
O modelo clássico de relação jurídica construiu-se sobre a
3
idéia de que é ela um enlace normativo entre duas pessoas, das 3
3
- Tratado d e D erecho Procesal Civil, Bogotá: Temis Buenos Aires: Depal-
3
ma, 1970, SALVATORE SATTA - Diritto Processuale Civile, nona edizione
riveduta e d am pliata a cura d i Caimine Punzi, Padova: CEDAM, 1981.
3
106 Cf. CARNELUTTI - Derecho y Proceso, Trad. de Santiago Sentis Melendo,
3
Bueno Aires: Ediciones Ju ríd ica s Europa-America, 1971, p. 41. 3
107 Cf. CARNELUTTI, op. cit., pp. 16/17. Na nota 32 da p. 17, há referências às
obras anteriores que tentaram aprofundar tais conceitos.
3
O
3r
73 3
3
3
quais uma pode exigir da outra o cumprimento de um dever
jurídico.
O desenvolvimento desse modelo é bem descrito por CLAU-
DE DU PASQUIER108, que relembra a lição de ORTOLAN (1802-
1873), segundo a qual "Todo direito tem necessariamente um
sujeito ativo e um ou vários sujeitos passivos, e sejam eles ativo
ou passivos, somente podem ser pessoas"109.
Nascia, assim, a teoria dos dois sujeitos, que começaria a ser
aperfeiçoada quando ROGUIN nela incluiu um terceiro elemen
to: a prestação. A confluência de direitos e deveres para a presta
ção permitia a afirmação do ju s et ob lig atio sunt correlata.
A-tearia_daxelação jurídica não se distineuiu. em suas bases
fundamentais, das construções do Direito privado dõ~seculõ~
passado, impregnadas das concepcões-iadividualistas .da_época.
JOÃO BAPTISTA VILLELA descreve como essas concepções,
assentadas na "idéia de concorrência", se refletiram no Direito:
"O princípio cardeal que tudo informava era o da obrigação
concebida como vínculo jurídico exercitável pelo constrangi
mento." Não se vislumbrava outra forma de se organizarem as
relações sociais e humanas senão pela opressão, pelos elos de
uma tirânica dominação de que, conforme diz, nem o Direito de
família com seu conteúdo ético e afetivo escapava. "Todos os
direitos da ordem privada, segundo a idéia individualista, se
reduzem àquela formulação dos clássicos COLIN e CAPITANT
lembrada ainda por BERTRAND: Tacu Idades_0.u-prerr0 gatiya.s-
pertencentes a um indivíduo e das quais ele pod_e_pxevalecer-se
em relação a seus semelhantes!'!10.
74
O conceito de relação jurídica foi elaborado nesse quadro.
Seus elementos se definiram com a contribuição definitiva de
WINDSCHEID para as novas bases científicas do Direito subjeti
vo, a partir das quais o "vínculo de exigibilidade", ligando "sujeito
ativo" e "sujeito passivo", por um poder da vontade, se estrutura
va para logo se alastrar por todo o campo do Direito.
111 Cf. MICHEL VILLEY - La Gcnèse d u Droit Subjetif chez G uillaum e d'Oc-
carn, in Archiues de Philosophie d u Droit, Tome IX - Le Droit Subjectif en
Question, Paris: Sirey, 1964, p. 127.
112 Cf. FRANÇOIS LONGCHAMPS - Quelques Observations su r Ia nolion de
droit subjectif dans la doctrine, in Archiues d e Philosophie d u Droit, tome
IX Le Droit Subjectif en Question, Paris: Sirey, 1964, p.70.
113 Cf. HELMUT GOÍNG - Signification d e la notion de droit subjectif, trad.
p a r N. Poulantzas, in Archives d e Philosophie d u Droit, Tome IX - Le Droit
Subjectif en Question, Paris: Sirey, 19 6 í, pp. 1/15.
75
se dedica ao tema a GUILHERME DE OCCAM, que segundo
MICHEL VILLEY foi, provavelmente, o primeiro a definir o direi
to subjetivo e a edificar sobre ele uma teoria. As teses de GUI
LHERME DE OCCAM, formuladas para demonstrar a heresia de
João XXII, em defesa de Michel de Césène e da Ordem Francisca-
na, destinaram-se a sustentar que Jesus Cristo e os apóstolos
tinham o uso dos bens, sem deles ter a propriedade. A revolta
dos Franciscanos contra o papa de Avignon, na defesa da idéia da
pobreza e do poder profano, conduziu-o à concepção de um
direito inserido em uma hierarquia de poderes, na qual os confe
ridos pelas leis humanas podiam ser renunciados. O poder se
organizava hierarquicamente em três planos: no primeiro, estava
a p o testa s a b so lu ta , fonte de toda ordem jurídica, que era a
liberdade de Deus; no segundo, os ju r a p o li, constituídos pelo
poder dos homens, e no terceiro, os ju r a fo r i, pelos quais o
governante recebia, por delegação do povo, o poder legislativo.
As leis positivas engendravam o dom in iu m e o ju s u ten d i, e os
direitos subjetivos, no sentido estrito, garantidos pela sanção da
autoridade estatal, importando em p o testa s v in d ican d i. Os di
reitos subjetivos, como poder, admitiam renúncia e, enquanto
direitos assegurados pela lei, poderiam ser reivindicados114.
De OCCAM, no século XIV, a WINDSCHEID, no século X3X,
as transformações se fizeram na quebra da hierarquia do regime
feudal, e o s d i r e i t o s s u b j e t i v o s do racionalismo foram pensados
em termos de uma liberdade absoluta que, derivada do direito
natural, ou a ele identificada, se opunha ao próprio__Direito
positivo e ao Estado.
Com WINDSCHEID, o conceito de..direito subjetivo deu
origem ao dgjcelação jurídica, já no sentido prenunciado por
OCCAM. O antigo vinculum ju r is aperfeiçoou-se como o vínculo
normativo que liga sujeitos, em dois pólos, passivo e ativo7atfi-
114 Cf. MICHEL VILLEY - La Genèse d u Droit Subjectif chez GuiUaum e d ’Oc-
cam, in Arcbives de Philosophie d u Droit, Tome IX - Le Droit Subjectif en
Question, Paris: Sirey, 1964, pp- 116/125.
76
buindo ao sujeito ativo o poder de exigir do sujeito passivo uma
determinará conduta e impondo a este o dever cie prestá-la.
Como afirma HELMUT GOiNG: En A llem agne, on est venu,
d ep u is W indscheid, à une rupture entre la fa ç o n d e voir du
d ro it p riv é et du d roit d e la procédu re. C’est p o rq u o i on a
rem p lacé la n otion d ’a c tio p a r celle d e "Anspruch". Le sen s d e
celle-ci con siste ici d an s le d ro it su b jectif à exiger d ’au tru i qu ’il
fa s s e qu elqu e chose, ou q u ’il s ’abstien n e115.
Vê-se por que o conceito de direito de ação, que iria surgir
das posturas divergentes entre WINDSCHEID e MLJTHER, nasce
sob o signo de um conceito de relação jurídica engendrado por
uma noção de direito subjetivo. Essa opção ressurgida com
WINDSCHEID conciliava o direito subjetivo da A ufklaru n g, po-
der absoluto decorrente da liberdade, com o poder de exigir de
outrem ações e*omissões. Com a clássica obra "A ação do direito
romano do ponto de vista do direito civil", de 1856, WINDS
CHEID lançava as bases da moderna concepção de direito subje
tivo, como narra FRANZ WIEACKER110.
São conhecidas as objeções feitas à teoria de WINDSCHEID
por outras teses que pretenderam aperfeiçoar o conceito de
L direito subjetivo (de VON HERING, DAB1N, JELLINEK, dentre
outras) mas, na procura de novos fundamentos, a doutrina não
feria nenhum ponto essencial do conceito, estabelecido como
'poder absoluto sobre a própria conduta ou como prerrogativa
sobre a conduta alheia117.
77
Do campo do Direito Privado o conceito ganhou o do
Direito Público, e nessa passagem foi fundamental a contribui
ção da obra clássica de JELLINEK - System d er S u bjektiven Of-
fen tlich en Rechte, de 1892. O transporte se deu com a mesma
conotação do vínculo normativo entre sujeitos e da exigibilidade
da prestação: o particular, no pólo ativo da relação jurídica,
podendo exigir do Estado, no pólo passivo da relação jurídica,
uma determinada prestação.
118 DUGUIT contesta a doutrina que denomina individualista e que funda toda
- 'n orm a na autonomia da pessoa humana. Nega, expressamente, essa auto
nomia, que, se existe, conforme diz, é um simples fato, e fatos não fundam
normas. Em lugar da autonomia, propõe, sob a inspiração de DURKHEIM
(La Division du Travail Social, 1891), o princípio da solidariedade social
com o fundante da norma social. Essa será moral, econômica ou jurídica,
pelo grau de reação produzida, no interior do grupo social, à sua violação.
Toda regra social torna-se norma jurídica quando penetra na consciência
da massa de indivíduos, componentes de determinado grupo social, a
noção de que o grupo pode intervir, ou o próprio grupo ou aqueles que
detêm a força mais concentrada dentro dele, para reprimir a violação
daquela regra. Cf. LÉON DUGUIT -Traité d e Droit Constitutionnel, Paris:
A ncienne Librairie Fontem oing & Cie, Éditeurs, 1927, v.I, pp. 65/116.
79
de testamento, contra as concepções dos civilistas e da própria
disposição do Código de Napoleão, que no art. 906, § 2a, exigia,
para a validade da disposição testamentária, que o beneficiário
fosse ao menos concebido antes da morte do testador. O início
dessa construção jurisprudencial se deu pelo célebre caso do
reconhecimento, pelos Tribunais franceses, da validade do ato
que culminaria na criação da Academia Goncourt, o testamento
deixado pelo escritor Edmond Goncourt (1822-1896), que, re
presentando também a vontade de seu irmão, o escritor Jules
Goncourt (1830-1870), dispunha que todos os seus bens deve
riam ser vendidos para a criação de uma sociedade literária que
teria renda e a obrigação de premiar, a cada ano, uma obra da
literatura.
Os argumentos utilizados, quando os herdeiros dos irmãos
Goncourt pretenderam invalidar o ato, a polêmica criada em
tom o da impossibilidade de existência de direitos sem sujeitos,
e os fundamentos dos arestos são amplamente relatados por
DUGUIT, para demonstrar como se realizou uma profunda trans
formação nas concepções jurídicas, ao se admitir a possibilidade
de que o sistema jurídico proteja e garanta certas situações, em
razão de sua finalidade social, e sem que haja relação entre
. . 1 90
sujeitos .
O conceito de relação jurídica, com suas conotações indivi
dualistas e seu precário alcance, é rejeitado por DUGUIT de
modo absoluto, tanto pela sua fundamentação quanto pela sua
estreiteza, que o torna inaplicável aos atos jurídicos que se pro
jetam fora das figuras criadas pela autonomia da vontade. Em
vários capítulos da obra aqui referida, (Las Transform acion.es...)
cita, como exemplo, o "contrato" de adesão, o "contrato" coletivo
de trabalho, e outras figuras, a que a doutrina, mais tarde, acres
centaria, com muita facilidade, prazos, capacidade, e tantas ou
tras.
80
5.5. A5 REAÇÕES DA DOUTRINA E A FORMULAÇÃO DE
NOVAS PROPOSTAS
121 Cf. HANS KELSEN - Teoria Pura do Direito, 5a ed., trad. de João Baptista
Machado, Coimbra: Armênio Amado - Editor Sucessor, 1979, p. 231.
81
3
3
3
tradicional, porquanto há "relações jurídicas", isto é, determina
3 das pela norma, não só entre dois indivíduos mas entre o indiví
3 duo que tem competência para criar normas gerais e os que têm
3 competência para aplicá-las, entre indivíduos que têm competên
cia para imposição de atos coativos e indivíduos contra os quais
3 esses atos se dirigem.
3 Essa extensão da relação jurídica não significa, entretanto,
3 outra coisa que a relação entre sujeitos de deveres. A relação
entre o sujeito do dever de criar ou aplicar a norma e o sujeito de
O
direitos estabelecidos por essa norma é duplamente reflexa, pois
3 esses direitos não são reflexos imediatos do dever do órgão aos
3 quais incumbe a criação ou a aplicação da norma, mas dos
O próprios deveres estatuídos por essa mesma norma.
Por outro lado, afirma, não há qualquer posição de supra-
3 ordenação oh de infra-ordenação entre esses sujeitos, pois os
O órgãos, a quem incumbe criar ou aplicar a norma, somente
O podem atuar no exercício de um poder jurídico, ou seja, estão
subordinados à norma que lhes confere poder ou competência
o para o exercício da função. Assim, não são esses órgãos que
o estatuem os direitos conferidos ou os deveres impostos mas,
o sim, a própria norma que lhes adjudicou tal competência. Não
83
normas que prescrevem a conduta do vendedor e do compra
dor.
Por última hipótese de "relação jurídica", KELSEN toma a
relação da vida, em crítica à teoria de VON JHERING, do direito
subjetivo como interesse juridicamente protegido.
Cor o o direito subjetivo não é o interesse protegido, mas
a própri ■*. proteção, que consiste nas normas, também toda e
qualquer relação da vida não é extrinsecamente regulada, mas
toma forma no direito, através da norma. E nada mais é, então,
=do que um instituto jurídico, um complexo de deveres jurídi
cos e de d: rei tos subjetivos, "no sentido técnico do termo", ou
seja, como KELSEN repete à exaustão, o reflexo daqueles deve
res.
Sob qualquer ângulo, nessa perspectiva normativista, a rela
ção jurídica será sempre negada e seu conceito substituído por
uma conexão de normas jurídicas, enquanto conexão de condu
tas reguladas pelas normas.
Em correlação com a negação da relação jurídica, KELSEN
rejeita a concepção tradicional de direito subjetivo. De início,
demonstra que não há base para a distinção tradicional entre
direito subjetivo absoluto e direito subjetivo relativo, pois ambos
se unificam no mesmo conceito, sendo que "um ju s in rem é
também um ju s in p erso n a m ", podendo se considerar, em tal
distinção, apenas uma relação primária entre sujeitos, e secun
dariamente, a conduta do sujeito em relação à coisa127. A partir
da unificação dos conceitos demonstra a precariedade das
construções tradicionais e, na linha de sua concepção de direi
to centrada no ilícito, em que a norma é vista sob o aspecto
coativo, uma vez reduzido o conceito de direito subjetivo à
unidade conceituai, KELSEN lhe retira a substância, conceben
do-o como um "reflexo do dever jurídico".
84
5. 7. A TEORIA DAS SITUAÇÕESJURÍDICAS
85
3
3
Na doutrina francesa, ROUBIER destaca duas grandes con
tribuições para o desenvolvimento da teoria das situações jurídi
3 cas, vindas do campo do Direito Público: a de LÉON DUGUIT e a
3 de GASTON JÈZE. DUGUIT, no clássico Traité d e D roit C onstitu-
tion n el, rejeitando a teoria da relação jurídica, como uma cons
trução do individualismo do século passado, e a concepção clás
3
sica de direito subjetivo, que via como mera metafísica, dividiu as
3 situações jurídicas em legais ou objetivas, que derivariam direta
3 mente da lei, e individuais ou subjetivas, que resultariam de
manifestações individuais de vontade129. GASTON JÈZE, cuja
3
doutrina se formou na mesma linha, indicou as diferenças entre
3 a situação subjetiva ou individual e a situação objetiva ou legal. A
3 situação jurídica subjetiva ou individual, em sua concepção, é
3 particular e temporária, sendo fixada a partir de um ato de
declaração individual de vontade, como, por exemplo, a aquisi
3 ção de um bem, de que pode derivar a situação de adquirente ou
3 de legatário; a situação jurídica legal é geral e permanente, sendo
3 fixada para todos, da mesma maneira, como por exemplo a
situação do proprietário ou dos cônjuges130.
3 PAUL ROUBIER131, apontando as dificuldades apresentadas
3 por essa divisão quando confrontada com a questão da ir-
3 retroatividade das leis. demonstrou que as situações jurídicas,
cujo número é infinito, cabendo a cada ramo do direito determi
3 ná-las e definir seus efeitos, têm um ciclo de desenvolvimento
3 que se cumpre em três momentos: o da constituição, o da produ
3 ção dos efeitos e o da extinção. No que concerne ao momento da
3
3 129 Cf. DUGUIT, Traité de Droit Constitutionnel, Paris, 1927, vol.I, pp.
3 200/307. Cf. também Las Transformaciones... cit.
3
3
86
3
3
constituição, ou da extinção, a questão a ser resolvida, conforme
diz, incumbe ao legislador. Este se coloca diante de simples fatos
que podem ser, indiferentemente, naturais ou humanos. A lei
discriminará entre esses fatos e atos aqueles que são susceptíveis
de produzir a constituição ou a extinção da situação jurídica e os
que são vistos como incapazes para engendrá-la132. Em relação à
produção dos efeitos, o interesse de ROUBIER se concentra em
estudá-los enquanto referidos à possibilidade ou à impos
sibilidade de serem alcançados pela nova lei, pois a sua investiga
ção é dirigida ao problema da irretroatividade das leis.
Das quatro categorias de situações jurídicas especiais estu
dadas por ROUBIER133, é oportuno recordar que as situações
jurídicas concorrentes têm um caráter duplo, no sentido de que
interessam simultaneamente a duas pessoas, como o crédito que
interessa ao mesmo tempo ao devedor e ao credor, a prescrição
que terá efeito simultâneo sobre o patrimônio daquele a quem
beneficia e daquele contra quem opera. E, ainda, convém relem
brar que as situações jurídicas dependentes surgem como conse
qüência de uma outra situação jurídica, de tal modo que a lei que
governa sua constituição pode ser vista como governando os
efeitos desta que a gerou. Assim o direito ao nome, a obrigação
alimentar são, como exemplifica ROUBIER, conseqüências de
certas situações de estado, como casamento, parentesco; como a
constituição de uma tutela é conseqüência da situação jurídica
da menoridade.
A superioridade da categoria da situação jurídica sobre a da
relação jurídica, para o tratamento dos temas do Direito, é de
monstrada por ROUBIER em razão de sua amplitude. Todas as
leis são feitas para determinar certo número de situações jurídi
cas que podem ser unilaterais ou oponíveis a todas as pessoas,
132 Cf. PAUL ROUBIER - Les Conflits des Lois dans le Temps, cit., tom eprem ier,
pp. 346/381.
87
que podem ser constituídas pela ocorrência de um fato, ou de
um ato ou de uma pluralidade de fatos e atos, e que não pode
riam ser explicadas pela categoria da relação jurídica porque não
decorrem de vínculo entre sujeitos.
Em todas as propostas, a teoria das situações jurídicas se
estruturou não como vínculo jurídico entre dois sujeitos, com o
poder de exigibilidade de um sobre a conduta do outro. A situa
ção jurídica forma-se por fato jurídico ou ato jurídico, produzido
segundo a lei que governa a sua constituição. E, uma vez consti
tuída, é ela o complexo de direitos e deveres de uma pesspa,
direitos e deveres que não se confinam mais no plano abstrato e
genérico da norma, mas que se realizam na situação de um
determinado sujeito. Assim, na situação jurídica de advogado,
nascem para uma pessoa direitos e deveres, que não são os
mesmos de uma pessoa que se encontra na situação de comer
ciante ou de empregado.
Nas situações jurídicas concorrentes, pode-se qualificar o
statu s ou a posição jurídica de que um determinado sujeito é
titular. Em uma situação jurídica de parentesco, por exemplo,
perante a lei, pode-se falar na posição jurídica do filho, com seu
complexo de direitos e deveres, e na posição jurídica do pai,
igualmente com seu complexo de direitos e deveres, como se
pode falar na situação jurídica do serviço público, na posição
jurídica da Administração Pública, com seu complexo de direitos
e deveres, e na posição jurídica do servidor público, igualmente
com seu complexo de direitos e deveres.
Os exemplos seriam infinitos como infinitas são as pos
sibilidades que nascem das normas, que se criam para organizar
a vida social e regular a conduta, tanto quando definem a compe
tência para a prática de atos, como quando valoram os atos como
lícitos ou ilícitos.
Pode-se lembra, aqui, que a doutrina das situações jurídicas
não encontrou terreno fértil no Brasil, pelo tempo e pela forma
em que foi aqui introduzida. A tentativa de sua aplicação não teve
grande sucesso, quando o Decreto-lei n2 4.657, de 04 de setem
88
bro de 1942, alterou a Lei de Introdução ao Código Civil e
substituiu, no art. ó2, a doutrina dos direitos adquiridos, cons
truídos sobre a concepção de direito subjetivo, pela das situa
ções jurídicas134. Era a tese de PAUL ROUBIER, adotada na refor
ma do Código Civil francês. No Brasil, as situações jurídicas
penetraram no Direito sob a vigência da Constituição de 1937,
que abolira a proteção especial que, no plano da norma constitu
cional, era conferida ao direito adquirido perante os efeitos da
lei nova. Sem essa proteção, a situação jurídica esteve na letra da
Lei de Introdução ao Código Civil até 1957, mas na letra: apenas,
porque a Constituição de 1946, em seu art. 141, § 3a, reintrodu-
ziu a garantia do direito adquirido no sistema brasileiro e, con
frontado com o preceito constitucional, o artigo da Lei de Intro
dução ao Código Civil não poderia subsistir no sistema. Os
juristas brasileiros nunca deixaram de trabalhar com o conceito
de direito adquirido, mesmo quando o Direito brasileiro o subs
tituiu pelo critério da situação jurídica135 e, depois que a Consti
tuição de 1946 o recuperou, seu retorno na lei infraconstitucio-
nal se deu com a alteração da Lei de Introdução ao Código Civil
de 1957136.
134 O texto era o seguinte: "A lei em vigor terá efeito imediato e geral. Não
atingirá, entretanto, salvo disposição expressa em contrário, as situações
jurídicas definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfei
to".
135 Cf. VICENTE RÁO - O Direito e a Vida dos Direitos, 2 - ed., São Paulo: Ed.
Resenha Universitária, 1976, v.I, Tomo III, p.370.
89
5 8 . DIREITOS SUBJETIVOS E SITUAÇÃOJURÍDICA
137 Esse critério "mais objetivo", assim qualificado por BONNECASE e por
ROUBIER, tem sido utilizado, amplamente, pela doutrina, que já denomina
a linha desses autores de "objetivista", quando fazem o levantamento das
teorias sobre a irretroatividade da lei. Nesse sentido, v. CAIO MÁRIO DA
SILVA PEREIRA - Instituições de Direito Civil, (Edição Universitária), vol. I,
2~ ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, p .108 e s.
90
5 .9 .0 PROBLEMA DO DIREITO SUBJETIVO COMO PODER
DE EXIGIR A CONDUTA DE OUTREM
141 Cf. GOETHE - Fausto, Trad. de Jenny Klabin Segall, Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981. O verso
original: Wer hat dir, Henker, diese Macht Über mich gegeben? literalmen
te: "Quem deu a ti, Carrasco, esse poder sobre mim?" foi traduzido: "Car
rasco, quem te deu, nas trevas,/Sobre mim tal poder?", p. 198.
lidade, que o torna igualmente sujeito de seus atos, agente e não
instrumento do querer de outrem? Que tratamento é esse que se
dá à vontade, a ponto de se torná-la soberana e dominante sobre
uma outra vontade, subjugada e dominada? Que pacto pode
tornar a vontade, que se constitui na consciente determinação
para o agir, senhora de outra vontade?
A substituição do termo vontade pelo termo interesse, pelo
pertença-domínio, por qualquer outro termo, não i'esolvia a
questão, porque o seu ponto de estrangulamento não estava em
se saber õ que O Direito protegia para con ferir tamanho poder a
um ser humano sobre outro ser humano, ou a uma pessoa, de
direito privado ou de d ireito público, sobre ou tra pessoa de
qualquer das categorias.
D ireito d e exigir a conduta alheia, ju s in rem , que é também
u m ju s in p erson am , direito de obrigar alguém à prática de um
ato, direito de exigir de outrem uma prestação, exigibilidade
sobre a conduta de outrem... Não é de causar admiração que a
doutrina jurídica reagisse, como podia, e nos limites em que
podia.
A doutrina contemporânea reconhece que o único ato im
perativo que pode incidir sobre a universalidade de direitos de
uma pessoa é o ato imperativo do Estado, proferido segundo um
procedimento regulado pelo Direito, que disciplina o próprio
exercício do poder, manifeste-se ele no cumprimento de qual
quer das funções do Estado, legislativa, administrativa ou jurisdi
cional.
Sublinhe-se que esse reconhecimento não tem como conse
qüência a negação de direitos, que existem no plano da norma
jurídica material, ou substancial, direitos que dela decorrem e se
manifestam, se realizam nas situações jurídicas. E a força impera
tiva de uma vontade particular sobre o ato de outrem que se
contesta. É por isso que a função jurisdicional é dita substitutiva.
Por ela, a atividade do Estado se substitui à atividade do particu
lar, quando um direito deve ser garantido, ou quando sua pró
pria existência, perante o ato de outrem (ação ou omissão), deve
92
ser apreciada e declarada. A atividade do Estado se substitui à do
particular quando um dever deve ser coativamente exigido e uma
medida reparatória deve ser aplicada. O ato imperativo do Esta
do, o provimento, pode reparar direitos lesados, mas nenhum
particular tem poder para, através do predomínio de sua vonta
de, vincular outro sujeito. Só ao ordenamento jurídico se pode
reconhecer a força para atos de império, só pelos procedimen
tos, por ele definidos e regulados, tais atos podem ser admitidos.
Mesmo quando se pensa na hipótese da legítima defesa, torna-se
evidente, no Direito contemporâneo, que é toda submetida a um
quadro disciplinado pela lei, que a define, estabelece seus limites
e as condições em que ela é permitida.
O despertar da doutrina jurídica para a fragilidade do con
ceito de relação jurídica, como vínculo entre sujeitos, vínculo de
exigibilidade, não teve como conseqüência necessária, como se
viu, a destruição da concepção de direitos decorrentes da norma,
mas a modificação de seus fundamentos e a sua visualização sob
um novo prisma. O direito que decorre da norma passou a ser
visto não mais como um poder sobre outrem, mas uma posição
de vantagem de um sujeito "em relação a um bem", posição que
não se funda em relação de vontades dominantes e vontades
subjugadas, mas na existência de uma situação jurídica, em que
se pode considerar a posição subjetiva, a posição do sujeito em
relação à norma que a disciplina. *
Já foi explicitado que a teoria da situação jurídica evoluiu de
sua consideração como complexo de normas para uma situação
constituída por fatos e atos que a lei reconhece como idôneos
para sua formação. O "direito subjetivo", ou qualquer outra de
nominação que se dê ao direito que decorre da norma, direito
renovado em seus fundamentos sob a concepção de uma posição
jurídica de vantagem do sujeito em relação a um bem, surge, não
do nada, evidentemente, mas quando é produzido um fato jurí
dico (genericamente considerado) que cria as condições para
seu nascimento. Assim, o próprio tempo que, como dizia RAD
BRUCH, não interessa ao direito pelas voltas que a Terra dá em
torno de si mesma ou em torno do Sol, mas pela significação
jurídica que lhe é conferida, pode ser o fato legalmente previsto
como idôneo para o nascimento de todo um complexo de direi
tos, nas situações jurídicas de diversas categorias, como idôneo
para produzir direitos pode ser o fato humano. A eleição desses
fatos é do Estado, através da função legislativa.
Nessa perspectiva, pode-se falar nos direitos que, configu-
rando-se como uma posição de vantagem do sujeito em relação
a um bem, manifestam-se na situação jurídica, como se pode
falar na posição jurídica subjetiva que se qualifica como um
dever, ou seja, como uma conduta que, perante a norma, deve
ser observada.
Se se quiser manter a clássica terminologia dos direitos
"subjetivos", sobre o novo fundamento, são eles posições jurídi
cas do sujeito, de vantagem em relação a um bem. Essas posições
jurídicas não se formam do nada, mas são posições derivadas da
situação jurídica, que também não se forma do nada, mas do ato
(ou fato) a que a lei confere força para tanto. São, portanto,
posições apreendidas quando se confronta o ato do sujeito com
a qualificação que a norma lhe confere, como poder ou faculda
de. Como se disse, quando se fala em dever e na posição subjeti-
va a ele concernente, não se está referindoa uma condutasubju-
gada a outrem, mas a uma conduta que deve ser observa, porque
qualificada, pelos cânones normativos,-eomo-devida-.— -
A classificação das posições jurídicas de vantagem de um
sujeito em relação a um bem, segundo as possibilidades de sua
manifestação, teoricamente consideradas, pode ser feita, porque
o direito que decorre da situação jurídica é sempre uma faculda
de ou um poder. O dever que dela decorre não traz grandes
problemas de classificação, pois todo dever significa observância
de uma conduta estabelecida pela norma, segundo a valoração
dos atos pelo ordenamento jurídico.
Sob o selo da licitude, a posição subjetiva de vantagem do
sujeito em relação a um bem deixará de ser uma mera faculdade
abstrata, pela realização de uma faculdade que a norma assegura
ao sujeito, ou por um poder que a norma lhe confere, ou pela
conjugação das faculdades ou dos poderes com os deveres que a
norma atribui a outrem ou à generalidade das demais pessoas.
FAZZALARI faz, em relação ao ordenamento jurídico italia
no, o levantamento das possibilidades de manifestação, nas si
tuações jurídicas de direito substancial (ou de direito material),
do chamado "direito subjetivo", ou seja, da posição de vantagem
de um sujeito em relação a um bem. Seu quadro é perfeitamente
aplicável ao ordenamento jurídico brasileiro, e dele se podem
obter as seguintes hipóteses: 1. o direito realizado por uma
faculdade do titular; 2. o direito realizado por um poder do
titular (que corresponde, em termos, ao chamado direito potes-
tativo, mas sem a clássica conotação de poder sobre ã conduta de
outrem, como, por exemplo, a renúncia a um direito, a confissão
judicial); 3- o direito realizado pela obrigação de outro (que
corresponde, em termos, ao "direito de crédito", sem a conota
ção do "vínculo" da relação jurídica); 4. o direito realizado pela
faculdade do titular e pelos deveres de todos os demais (que
corresponde, em termos, ao "direito absoluto" de propriedade);
5. o direito realizado somente pelo dever de todos (nesse critério
estão os direitos da personalidade e os direitos reais em que falta
a faculdade, como a servidão negativa)142.
Não é demais insistir em. que faculdades e poderes não
significam faculdades e poderes de um titular de-direitos. sobre
atos de outras pessoas, mas .são_prerrogativas_que derivam da
nòfma e que quaiificam o ato do próprio agenteem relação à sua
própria conduta. Uma faculdade é a posição de vantagem do
sujeito em relação a um bem e realiza-se pelo simples ato (con
duta) sem necessidade de prévias declarações de vontade, sendo
que esta constitui a consciente determinação para o ato. Na
faculdade essa determinação não necessita ser explicitada, mani
festa-se naturalmente na conduta. Um poder que decorre da
95
norma é a posição de vantagem do sujeito em relação a um bem,
que se realiza pela declaração da vontade do agente, ou seja,
quando é condição do ato a manifestação, a exteriorização da
consciente determinação que o produziu143.
96
5.10.A QUESTÃO DA CONCEPÇÃO DO PROCESSO COMO
RELAÇÃO JURÍDICA
97
"trilateral" inovou a velha bipolaridade do vínculo normativo
existente na relação jurídica, mas mesmo a inovação não poderia
dispensar, na relação "angular" ou trilateral, o vínculo jurídico de
exigibilidade entre os sujeitos do processo, vínculo que constitui
a marca de qualquer "relação jurídica".
E é esse o ponto significativo da questão. Foi demonstrado
que, quer se negue ou se admita o direito subjetivo, já não se
pode afirmar que ele se constitui em "poder sobre a conduta
alheia". Em conseqüência, não há como se admitir que, no
processo, uma das partes possa exigir da outra o cumprimento
de qualquer conduta, por um vínculo entre sujeito ativo e sujeito
passivo.
O processo não se confunde com a situação de dire
material, ou situação de direito substancial, cuja existência ou
cujos efeitoS nele se discutem, mas deve se relevar que mesmo na
situação de direito material, como se expôs, já não se concebe a
possibilidade de que um sujeito possua o poder de exigir a
conduta de outro sujeito. E por isso que o particular tem, na
função da jurisdição, a possibilidade de pedir que o Estado o
substitua, na imposição do ato de caráter imperativo. Assim,
mesmo à situação de direito substancial já não se poderia, coe
rentemente, aplicar a figura da relação jurídica que, nascida do
individualismo do século passado, constituía-se em vínculo entre
sujeitos, vínculo que, mesmo quando dito de "coordenação",
yínculp
expressava, apenas, momentos alternados de subjugação.
No processo não poderia haver tal entre as partes,
porque nenhuma delas pode, juridicamente, impor à outra a
prática de qualquer ato processual.
No exercício de faculdades ou poderes, nos atos proces
suais, a parte sequer se dirige à outra, mas sim ao juiz, que
conduz o processo. E, do juiz, as partes não exigem conduta ou
atos. Mesmo a doutrina tradicional já via a dificuldade de se
sustentar o poder da parte sobre a conduta do juiz, resolvendo a
questão pela concepção de que a "relação" entre eles, juiz e parte,
seria de "subordinação". Não há relação jurídica entre o juiz e a
98
/parte, ou ambas as partes, porque ele não pode exigir delas
' J qualquer conduta, ou a prática de qualquer ato, podendo, qual-
1 quer das partes, resolver suas faculdades, poderes e deveres em
I ônus, ao suportar as conseqüências desfavoráveis que possam
1 advir de sua omissão.
>—'' A análise de algumas hipóteses pode ser ilustrativa dessas
situações, a começar pelos deveres das partes e de seus procura
dores, previstos no Capítulo II, do Título II, do Livro I, do
Código de Processo Civil Brasileiro de 1973. Nenhum deles, nem
a boa fé, nem a lealdade, nem a responsabilidade por danos pela
litigância de má-fé, nem a responsabilidade por despesas e mul
tas tem a sua origem na manifestação de vontade de qualquer das
partes, em vínculo de exigibilidade144. Esses deveres decorrem
tão-somente da situação jurídica que confere à pessoa a posição
de parte no processo.
O mesmo se poderia dizer quanto aos deveres do juiz, que
se podem relacionar, no Código de Processo Civil de 1973, com
base nos arts. 125 a 128: assegurar às partes igualdade de trata
mento; velar pela rápida solução do litígio; prevenir ou reprimir
atos atentatórios à justiça; decidir; decidir nos limites da lei;
decidir nos limites da lide. A relação poderia prosseguir pelo art.
35 da Lei Complementar n2 035, de 14 de março de 1979, que,
nos itens I a VI, tanto se refere a deveres no processo como a
deveres em relação ao processo (cumprir e fazer cumprir prazos,
até o relacionamento do juiz com as partes). Contudo, verifica-se
de plano jiu e os deveres do juiz não derivam de^poderes das
partes.sobre-seus atos, mas são deveres que decorrem da funcão
jurisdicional. Seu fundamento está nas próprias normas que
disciplinam ãTütTsdigãõlTõ~pr5céss5rque..é.a-esti:uiura normati
va .em .que ela se manifesta, onde o. exercício do poder , é .a
realização do poder de cumprir o dever,_o dever pelo qual o
99
Estado se obrigou, quando assumiu-a-função.de.se substituir ão^
particular para garantir seus direitos,._para reagir contra o ilícito,
exercendo um poder que, como todo poder, no Estado de Direi
to, limita-se pela lei.
Inexistindo vínculo entre sujeitos, pelo qual atos possam
ser exigidos, pelo quaS condutas possam ser impostas entre as
partes e o juiz, não há como se aplicar ao processo a figura da
rdarão-jnridira que, conforme se expôs^.construída no-século.,
passado, fruto do individualismo jurídico, já não encontra-tei^
reno propício para continuar Vicejando no Direito.
Há ainda que se registrar problemas que surgem quando se
explica a natureza do processo pela eclética mistura de dois
quadros conceituais diferentes. Posições subjetivas são faculda
des, poderes e deveres que decorrem de uma situação jurídica.
Subordinação e subjugação são conceitos que se situam no qua
dro da relação jurídica. Assim, faculdades, poderes e deveres
como posições subjetivas decorrem da situação jurídica, que se
constitui, como foi visto, sob a disciplina da lei. Faculdades,
poderes e deveres, no quadro conceituai da relação jurídica,
decorrem de vínculos de subordinação de vontade de um sujeito
sobre a vontade do outro. Faculdades, poderes e deveres, na
situação jurídica, são qualificação de condutas valoradas como
lícitas: faculdades e poderes como possibilidades juridicamente
asseguradas, e deveres, como a conduta-a-sei-cumprida. O ato
gerado por uma vontade implícita (faculdade), o ato gerado por
uma vontade declarada (poder) e o ato de cumprimento da
norma (dever) são manifestações exteriorizadas do comporta
mento dos sujeitos, ou seja, conteúdo de condutas.
Quando se usa dentro do mesmo argumento conceitos per
tencentes a categorias jurídicas diferentes, criam-se, inevitavel
mente, dificuldades para a compreensão do próprio argumento.
Diante dessas dificuldades, a reflexão jurídica deve indagar o que
se pretende dizer com tal linguagem, o que se está chamando
por um determinado nome. Sem resolver a questão, ela não tem
qualquer condição de prosseguir em seu crescimento.
100
A exposição que se fez sobre a teoria das situações jurídicas
não levará à afirmação de que o processo é uma situação jurídica.
A teoria da situação jurídica cumpre o seu papel quando de-
rnõnstía a impossibilidade de se considerar vínculos imperativos
entre sujeitos, quando substitui a relação jurídica, mas nem por
isso se pode dizer que o processo seja uma situação jurídica145.
Situações jurídicas nele estarão presentes, mas não o definem,
porque, como instrumento do exercício da jurisdição, ele é uma
estrutura normativa que as comporta. É essa estrutura normativa
de um procedimento que prepara um ato final, de caráter impe
rativo, um provimento,,realizado em contraditório entre as par
tes, que se estudará a seguir.
101
3
3
3
3
3
3
3
3
O
•3 CAPÍTULO VI
O
3 O PROCESSO COMO PROCEDIMENTO
3 REALIZADO EM CONTRADITÓRIO
3 ENTRE AS PARTES
•3
D
O 6.1. PROCEDIMENTO: ATIVIDADE PREPARATÓRIA DO
O PROVIMENTO
O
A caracterização do processo como uma espécie de procedi
Q mento exigiu a reelaboração do conceito de procedimento. Para
O edificar este como uma unidade mental, suficientemente genérica,
para comportar uma multiplicidade de particularidades, o ponto
D de partida foi o ato do Estado, dotado de caráter imperativo, para o
O qual se vólta toda a estrutura normativa que disciplina a atividade
3 constituída pelo procedimento.fO procedimento é uma atividade
preparatória de um determinado ato estatal, atividade regulada por
O
uma estrutura normativa, composta de uma seqüência de normas,
O de atos e de posições subjetivas, que se desenvolvem em uma
3 dinâmica bastante específica, na preparação de um provimento. O
provimento é um ato do Estado, de caráter imperativo, produzido
3 pelos seus órgãos no âmbito de sua competência, seja um ato
3 administrativo, um ato legislativo ou um ato jurisdicional. No exer
3
3
3 102
3
3
cício das funções administrativa, legislativa e jurisdicional, o
Estado pratica vários atos que não se revestem de imperatividade
e que são necessários na dinâmica de sua atuação. Mas quando o
ato do Estado se destina a provocar efeitos na esfera dos direitos
dos administrados, da sociedade, dos jurisdicionados, quando é
um ato dotado de natureza imperativa, um ato de poder, tem-se
o provimento que, para que seja emanado, válida e eficazmente,
deve ser precedido da atividade preparatória, disciplinada no
ordenamento jurídico. Em razão de seu caráter imperativo, o
provimento se distingue de todos os demais atos (sejam atos dos
órgãos da administração, dos órgãos legislativos e dos órgãos
judiciários), pois no Estado de Direito o poder se exerce nos
limites da lei e o Estado cumpre suas funções dentro do quadro
legal que disciplina suas atividades.
A atividade preparatória do provimento é o procedimento
que, normalmente, chega a seu termo final com a edição do ato
por ele preparado, por isso, esse mesmo ato dé caráter imperati
vo geralmente é a conclusão do procedimento, o seu ato final.146
103
o processo como a atividade destinada à formação do provimen
to jurisdicional. A lei se ocupa de determinar os atos que devem
compor essa atividade, quando são legalmente necessários ou
simplesmente consentidos, como devem ser coordenados e com
binados entre eles. A atividade preparatória do provimento en
volve atos do próprio autor do provimento e dos outros sujeitos
que devem concorrer para a sua formação, por isso sua disciplina
se dá por vários esquemas normativos. Esses esquemas, segundo
REDENTI, propostos para as diversas possibilidades de proces
sos, devem tomar o nome dè'^rbcêdimento, que se entende
como il m od u lo legale d e l fe n o m e n o in astra tto 148.
Os paradigmas ou módulos legais, como diz REDENTI, não
se encontram sempre perfeitamente traçados e prontos para o
uso, no texto da lei. Muitas vezes é necessário construí-los pela
via da interpretação, com auxílio de critérios gerais, com e i l bu on
g eo m etra p r o ced e alie sue trian gu lazion e d a lla con oscen za d i
la ti e d i a n g oli.149
O "módulo legal", o modelo normativo capaz de comportar
toda a variedade de procedimentos, se elabora pela mesma ativi
dade de generalização e abstração desenvolvida na formulação
de qualquer conceito. Sua construção é possível a partir das
espécies de procedimentos previstos pela lei, que, conforme diz
REDENTI, podem ser recolhidos ou distinguidos em grupos ou
subgrupos (fam iglie), em razão da classificação dos provimentos
finais que visam a formar.150
104
Também LIEBMAN já revela uma certa aproximação dessa
nova concepção, quando discorre sobre a estrutura do procedi
mento, em que os atos processuais formam elos de uma cor
rente. Mas a aproximação de LIEBMAN é apenas relativa, pois sua
doutrina separa o processo do procedimento, mantendo quanto
a este a concepção antiga, ainda dominante na teoria processual,
quando enuncia que o termo processo é mais amplo, porque
pode compreender mais de um procedimento.151
O ato estatal de caráter imperativo para cuja preparação
todo procedimento se volta é o seu motivo,-sua ratio, mas não é
elemento próprio para que dele se deduza a específica dinâmica
do procedimento, que não é um mero encadeamento de atos.
151 Cf. LIEBMAN - Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, tradução e notas
de Cândido R. Dinamarco, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, pp. 228/229.
Essa posição aproximada também se verifica em ANTÔNIO CARLOS DE
ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRlNl GRINOVER e CÂNDIDO R. DINAMAR-
CO, quando, vendo o processo com o uma relação jurídica, incluem, em
seu conceito, o procedimento. Cf. op. cit. 253.
105
w'
0
3
3
ção, porque estes, muitas vezes designados com o mesmo nome
3 dos conceitos tradicionais, não possuem a mesma conotação e,
3 conseqüentemente, referem-se a realidades jurídicas diferentes.
3 A norma jurídica, do ponto de vista de sua estrutura lógica,
é contemplada não apenas como "cânone de valoração de uma
3
conduta", isto é, como regra vinculante e exclusiva que expressa
3 os valores da sociedade,152 mas também em relação à conduta
(3 por ela descrita, a que se liga a valoração normativa. Sendo o ato
sinônimo de conduta (que tem no comportamento o seu conteú
3 do), dessa valoração resulta a qualificação do ato jurídico como
O lícito (o uso do próprio bem), ou como devido. A posição do
3 sujeito em relação à norma permite falar em posição subjetiva,
ou posição jurídica subjetiva, e qualificar a conduta como facul
3 dade ou poder, se é valorada como lícita, e como dever, se é
3 valorada como devida.
O Da posição do sujeito em relação ao objeto do comporta
mento descrito na norma, FAZZALARI extrai o conceito de direito
O
subjetivo, não como um poder sobre a conduta alheia, ou de
O direito à prestação decorrente de relação jurídica, mas como
o uma posição de vantagem do sujeito assegurada pela norma,
posição que se apreende pelo "objeto do comportamento" des
o
crito na norma relacionado ao sujeito. Se da norma decorre uma
Q faculdade ou um poder, para o sujeito, sua posição de vantagem
o incide sobre o objeto daquela faculdade ou daquele poder que a
o norma lhe conferiu153.
O quadro conceituai com o qual FAZZALARI trabalha será
3 explicitado, na medida em que for conveniente para a clareza
O desta exposição.
o Entretanto, é importante sublinhar, desde já, que os atos
lícitos qualificados como faculdades ou poderes nada têm a ver
3 com a concepção tradicional de direitos subjetivos, e que seu
3
3
3 152 Cf. FAZZALARI, op. cit. pp. 19126.
107
^ O procedimento não é atividade que se esgota no cumpri
mento de um único ato, mas requer toda uma série de atos e uma
série de normas que os disciplinam, em conexão entre elas,
regendo a seqüência de seu desenvolvimento. Por isso se fala em
procedimento como seqüência de normas, de atos e de posições
subjetivas.
108
O ato de caráter imperativo, um provimento, tem no proce
dimento sua fase preparatória, mas não é, entretanto, suficiente
para esgotar sua definição. A atividade que precede sua emissão,
ou edição, ou emanação, é constituída de atos que são disciplina
dos segundo um modelo normativo próprio, que determina sua
especial forma de coordenação e de conexão, no desenvolvimen
to, ou, no iter do procedimento, até o ato final.
Essa especial forma de coordenação será descrita a seguir,
mas, antes, convém recordar que, para FAZZALARI, o procedi
mento não é um conceito particular de uma disciplina, maíLum
conceito geral do Direito, e deve ser "colhido", extraído, de um
complexo de normas que incidem sobre atos e posições subjeti
vas que preparam o provimento, que é, como se viu, um ato do
Estado, emanado de seus órgãos, na órbita de sua competência,
dotado de caráter imperativo.
Não é excessivo ressaltar que a expressão "posição subjeti
va" contém um sentido muito específico. Não se refere à posição
de sujeitos em uma relação com outro sujeito ou à posição de
sujeitos em um quadro qualquer de liames. Posição subjetiva é a
posição de sujeitos perante a norma, que valora suas condutas
como lícitas, facultadas ou devidas.
No procedimento, os atos e as posições subjetivas são nor-
mativamente previstos e se conectam de forma especial para
tornar possível o advento do ato final, por ele préparado. Não só
109
ÜÜÜUUÜUOOOGOOOOOOOOOOÜUOOOOÜÜOÜJUÜÍ
159 FAZZALARI trabalha com a lógica, como ele próprio declara quando expli
cita a eleição de seu método: D a lp a rtico la re a lgen era le, d a lg e n e r a le a l
particolare: è il método delia doppia scala che, quattro secoU fà , ci ha
insegnato Bacone. Cf. op. cit., p. 16. Mas está visto que não trabalhou com
a lógica das classes, no desenvolvimento do raciocínio que o levou a
relacionar o processo com o procedimento, através da extração da espécie
do gênero, quando ao invés de unia relação, que levaria à inclusão, p roce
deu a uma cisão.
110
mental para a apreensão do novo conceito de procedimento. Foi
ele inicialmente referido como uma estrutura que prepara um
ato final imperativo, o provimento, e essa estrutura é constituída
de tal forma que, na cadeia normativa que disciplina os atos e as
posições subjetivas, a incidência de uma norma só poderá se
verificar validamente sobre os atos da seqüência, se a norma
anterior houver sido observada e cumprida, na sua previsão de
atos que poderiam ter sido exercidos ou que deveriam ter sido
cumpridos. Em outras palavras, na seqüência normativa que
compõe a estrutura do procedimento, a observância da incidên
cia da norma que prevê o ato que pode ser exercido ou deve ser
cumprido é pressuposto, é condição de validade, da incidência
de outra norma que dispõe sobre a realização de outro ato,
sendo deste o pressuposto, assim até que o procedimento se
esgota atingindo seu ato final, quando se verificaram todos os
pressupostos normativamente previstos para a emanação do
provimento. A observância da incidência da norma significa que
os atos que ela permite são realizados ou têm a possibilidade de
sua realização garantida, e o atos que ela estatui como devidos
são realizados, quando não se permite a sua conversão em ônus.
Se o procedimento fosse considerado apenas como uma
série de normas, atos e de posições subjetivas, o ato jurídico
isoladamente considerado poderia produzir nele seus efeitos.
Mas o procedimento é mais do que uma mera seqüência norma
tiva, que disciplina atos e posições subjetivas, porque faz depen
der a validade de cada um de sua posição na estrutura, que
requer o cumprimento de seu pressuposto. O ato praticado fora
dessa estrutura, sem a observância de seu pressuposto, não pode
ser por ela acolhido validamente, porque não pode ser nela
inserido.
111
exercem o poder, nas funções legislativa, administrativa ou juris
dicional. O procedimento, como atividade prepâratória do provi
mento, possui sua específica estrutura constituída da seqüência
de normas, atos e posições subjetivas, em uma determinada
conexão, em que o cumprimento de uma norma da seqüência é
pressuposto da incidência de outra norma e da validade do ato
nela previsto.
O provimento implica na conclusão de um procedimento,
pois a lei não reconhece sua validade, se não é precedido das
atividades preparatórias que ela estabelece. Mas o provimento
pode ser visto como ato final do procedimento não apenas
porque este se esgota na preparação de seu advento. Pode ser
concebido como parte do procedimento, como seu ato final,
c o m o o último ato de sua estrutura./É na possibilidade de se
enuclearem os provimentos, em conjunto, segundo essa ótica,
pela qual eles são o próprio ato final do procedimento, que
FAZZALARI encontra a perspectiva própria para o estudo do
processo.1*50
O processo começará a se caracterizar como uma "espécie"
do "gênero" procedimento, pela participação na atividade de
preparação do provimento, dos "interessados", juntamente com
o autor do próprio provimentoy1Os interessados são aqueles em
cuja esfera particular o ato está destinado a produzir efeitos, ou
seja, o provimento interferirá, de alguma forma, no patrimônio,
no sentido de universum ius,l(A dessas pessoas.
A primeira aproximação do conceito de processo é assim
desenvolvida:
112
to stesso, son o c h iam a ti a participare, in una o p iú
fa si, a n c b e gli interessati, in contraddittorio, coglia-
m o Vessenza d e l "processo": che è, appunto, un p r o
cedim en to a l quale, oltre alVautore d e li’atto fin ale,
partecip an o, in con traddittorio fr a loro, g/'interes-
sati, cioè i d estin atari degli effetti d i tale a tto " }62
113
3
3
3 mento realizado através do contraditório entre os interessados,
3 que, no processo jurisdicional, são as partes.
3 Dentro da linha de raciocínio desenvolvida por FAZZALARI,
talvez a relação entre o "gênero" procedimento e a "espécie"
3
processo possa ficar mais bem explicitada se se recorrer ao
3 auxílio da lógica da relação entre classes para a apreensão de seu
3 argumento.
Uma classe se define pelas qualidades, ou propriedades,
O
comuns dos membros que nela se incluem. A classe dos procedi
O mentos é constituída pela atividade que possui uma "estrutura
O normativa" determinada, voltada para a preparação do provi
mento. A classe dos processos (jurisdicionais, legislativos, admi
3 nistrativos, e outros admitidos pelos ordenamentos jurídicos
3 como os arbitrais) possui em comum a preparação do provimen
3 to com a participação dos interessados, em contraditório entre
eles. Como se disse, anteriormente, a respeito dos princípios
O'
lógicos da inclusão, ela é válida se obedecida a hierarquia das
O classes. O procedimento, como "estrutura normativa" que prepa
o ra o provimento, constitui a classe imediatamente superior pela
abrangência que comporta, para que nela se inclua a classe dos
processos.
o É interessante observar que a via encontrada por FAZZALA-
o RI, que foi a da cisão, quando ceifou o gênero, para extrair de seu
o
o naquele, pode-se testar o resultado apresentado para FAZZALARI. Se se
3 invertesse a proposição, dizendo-se que o processo é o gênero e o procedi
mento a espécie, isso significaria que todos os procedimentos deveriam
3 conter todas as qualidades específicas do processo, o que não seria correto
3 porque há procedimentos que não possuem a especificidade que caracteri
za o processo: o contraditório. O processo, sim, contém as qualidades
3 atribuídas ao procedimento. Por isso, se se diz que "todo procedimento é
preparação de um provimento", é possível se dizer que o processo com pa
3 rece como espécie do gênero procedimento porque participa da qualidade
que lhe foi predicada. A relação entre gênero e espécie pela quantificação do
3 sujeito do discurso, no juízo, nas antigas formulações do juízo universal (Todo
3 S é P) ou particular (Alguns S são P), ou do juízo singular (S é P) trazia algumas
dificuldades, que foram superadas pela lógica das relações entre classes.
3
3
3 114
3
O
âmago a espécie, importou, implicitamente, em uma relação que
é, logicamente, de inclusão, porque a classe dos processos, pela
sua qualidade de atividade que prepara o provimento, comparti
lha, com os procedimentos, dessa "específica qualidade" que os
define.
O que há de realmente extraordinário nos resultados de
suas investigações é a identificação do elemento que permite
definir o procedimento e do elemento que constitui a diferença
específica do processo, sendo que este é um procedimento.
115
portivas, de sociedades comerciais. Os exemplos poderiam ser
multiplicados na realidade social brasileira, em que se observa o
movimento ascendente de organização de associações, em vários
setores, e a introdução da prática democrática dos debates que
precedem as decisões dos grupos.
É claro que a atividade que prepara o provimento, seja
administrativa ou jurisdicional, nem sempre constitui processo,
pois o contraditório pode dela estar ausente. O provimento
; administrativo e o provimento jurisdicional podem ter como
atividade preparatória o simples procedimento, como se,dá,,por
exemplo, no âmbito da administração, em relação a um pedido
de inscrição em concurso público, um pedido de licença para
porte de arma, um pedido de matrícula em Instituição Pública de
Ensino e, no âmbito do Judiciário, em relação a um pedido de
tutela, enfim, aos atos da chamada "jurisdição voluntária". Mas se
ocorrer divergência de interesses sobre o provimento, entre seus
destinatários, o procedimento pode se transformar em processo.
Observe-se, apenas, que, em relação aos exemplos referentes à
matéria de natureza simplesmente administrativa, a transforma
ção do procedimento em processo exigirá, naturalmente, o pres
suposto de sua instauração perante o órgão jurisdicional, onde
não houver especialização dos órgãos da Justiça para a aprecia
ção de matéria administrativa. Essa questão não prejudicará a
compreensão da transformação do procedimento em processo
se se recordar que a jurisdição é una, comportando especializa
ção de órgãos do Poder para seu exercício.
Pode entender-se, então, por que o estudo da jurisdição, ou
seja, da norma processual, que é a norma que disciplina seu
correto exercício, deve se fazer sobre o processo que, sendo uma
espécie de procedimento, oferece, como diz FAZZALARI, a estru
tura mais completa para que sejam reunidos e ordenados coe
rentemente os vários aspectos que envolvem a manifestação des
sa atividade fundamental do poder.166
116
Da manifestação do poder jurisdicional, em razão da maté
ria constitucionalmente organizada, segundo a estrutura dos
órgãos jurisdicionais, podem ser apontadas as várias espécies de
processo. Nos termos da Constituição da República de 05 de
outubro de 1988, no ordenamento jurídico brasileiro, pode-se
falar em processo jurisdicional civil, penal, trabalhista, militar,
eleitoral, constitucional e legislativo.167 O processo jurisdicional
administrativo — em plano de jurisdição autônoma —, e o arbi
trai não foram contemplados no texto constitucional, que é de
onde se extrai, fundamentalmente, a legitimidade dos órgãos
que podem atuar no exercício da jurisdição.168
Em relação ao processo de apreciação de inconstitucionali-
117
3
0
3
dade da lei em tese, as divergências doutrinárias169 sobre sua
D
natureza, como "processo" ou como processo de "jurisdição vo
3 luntária", ou seja, simples procedimento, não poderão ser resol
0 vidas sem o eXame do direito positivo, que determina a estrutura
do procedimento em que se dá o controle da constitucionalida-
0
de. As dúvidas, entretanto, não alcançam o Direito brasileiro,
O pois o contraditório ressalta do art. 103 e parágrafos, da Consti
o tuição da República de 05 de outubro de 1988, sendo que o § 32
o expressamente determina a prévia citação do Advogado-Geral da
União, "que defenderá o ato ou o texto impugnado,:, quando o
o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade em
3 tese (abstrata) de norma legal ou ato normativo. E, portanto, um
verdadeiro processo, e não um simples procedimento, ou um
3
"processo de jurisdição voluntária".
O O procedimento legislativo, conforme observa FAZZALARI,
O sempre é processo, sempre se realiza como "espécie" processo,
sempre se realiza com a participação de parlamentares que re
■0 presentam e reproduzem os interesses divergentes dos grupos e
'3 comunidades dos cidadãos. E na sua caracterização que FAZZA
O LARI sublinha o valor da própria estrutura do processo para a
o democracia, o momento em que ele comparece nitidamente
o >
fo n d a m en ta li; e du n qu e, d i strum ento p e r la salv ag u ard ia de-
lie liberta1,170 .
o
0 f.
i. 169 Em linha contrária à de FAZZALARI, CAPPELLETTI sustenta a tese de que "a
.3 jurisdição constitucional é uma dentre as grandes manifestações da jurisdi
ção não ‘contenciosa’, latu sensu, ‘voluntária’" Cf. MAURO CAPPELLETTI -
O O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Compara
3 do, trad. de Aroldo Plínio Gonçalves, Revisão de José Carlos Barbosa
Moreira, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1984, pp. 125/126.
3 170 Cf. FAZZALARI, op. cit., p. 580. Não custa repetir, resistir, persistir e insistir
0 na necessidade da urgente edição dos Códigos Estaduais de Processo (civil
3
O 118
O
o
6.4. O CONTRADITÓRIO
119
possibilita o melhor esclarecimento do juiz, e que, entretanto,
significa, sobretudo, a possibilidade que a parte deve ter de se
fazer ouvir: "Ce p rín cip e d o it être en ten du tou tefois en c e sen s
qu e tou te p a r tie interessée d o it av o ir la p ossib ilité d e se fa ir e
entendre" } 72
A conotação citada como uma aproximação do conceito
atual de contraditório explica-se, pois ele exige mais do que a
audiência da parte, mais do que o direito das partes de se
fazerem ouvir. Hoje, .seu conceito evoluiu para o de garantia
de participação das partes, no sentido em que já falava VON
JHERING, em simétrica paridade de armas, no sentido de jus
tiça interna no processo, de justiça no processo, quando as
mesmas oportunidades são distribuídas com igualdade às par
tes.
O contraditório não é apenas "a participação dos sujeitos do
processo". Sujeitos do processo são o juiz, seus auxiliares, o
Ministério Público, quando a lei o exige, e as partes (autor, réu,
intervenientes). O contraditório é a garantia de participação, em
simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam os
efeitos da sentença, daqueles que são os "interessados", ou seja,
aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos do provi;
mento e da medida jurisdicional que ele vier a impor.
O juiz é sujeito do processo, é o sujeito que tem a titularida
de não apenas do ato do provimento final, mas de provimentos
emitidos no curso do procedimento, sempre que decisões são
proferidas, e de outros tantos atos processuais que a lei lhe
reserva, na preparação do ato final, enquanto investido na fun
ção jurisdicional, enquanto órgão pelo qual o Estado fala. Sendo
sujeito de atos processuais, é claro que ele participa do processo.
A participação do juiz, na fase de instrução, que afasta definitiva
mente a possibilidade de que ele seja visto como um simples
autômato, é posta em relevo por BARBOSA MOREIRA, que, com
base em várias disposições do Código de Processo Civil de 1973,
120
demonstra que ele não se limita a "uma postura de estátua"173. A
maior participação dos juizes no processo é um direito que,
conforme alerta, assiste à própria sociedade, para o qual o legis
lador deve ser sensibilizado e despertado174.
Contudo, saliente-se, a participação do juiz não o transfor
ma em um contraditor, ele não participa "em contraditório com
as partes", entre ele e as partes não há interesse em disputa, ele
não é um "interessado", ou um "contra-interessado" no provi
mento. O contraditório se passa entre as partes porque importa
no jogo de seus interesses em direções contrárias, em divergên
cia de pretensões sobre o futuro provimento que o iter procedi
mental prepara, em oposição. É essa oposição, essa contrarieda
de de interesses, de que o provimento seja favorável a uma e
desfavorável à outra, que marca a presença das partes e que tem
a garantia de igual tratamento no processo. O contraditório, não
é, por isso, a "mera participação no processo". Essa era a idéia
originária do contraditório, quando a participação era concebida
como o auge das garantias processuais. Participação no processo
têm todos os sujeitos do processo, caso contrário não seriam
"sujeitos dos atos processuais". Entretanto, a participação em
contraditório se desenvolve "entre as pártes", porque a disputa se
passã entre elas, elas são as detentoras de interesses que serão
atingidos pelo provimento.
O juiz, perante os interesses em jogo, é terceiro, e deve ter
essa posição para poder comparecer como sujeito de atos de um
determinado processo e como autor do provimento. Essa é uma
garantia das partes, que se expressa tanto pelo princípio do juízo
natural, e não pós-constituído, tanto pelas normas que contro-
122
necessário que o juiz a ele se atenha, adote as providências
necessárias para garanti-lo, determine as medidas adequadas
para assegurá-lo, para fazê-lo observar, para observá-lo, ele mes
mo.176 Nessa exigência, convém ressaltar que mesmo as provas
176 Nesse sentido, dispõe o atual art. 16 do Nouveau Code d e P ro céd u re Civile
da França: Le Ju g e doit, en toutes circonstances, fa ire observer et observer
lui-m êm e le p ríncipe d e la contradiction. A nova redação provocou o
retorno aos textos de 1971 e 1972, substituindo o art. 16 do novo Código
instituído pelo Decreto nc 75-1123, de 05 de dezembro de 1975: "Le ju g e
doit en toutes circonstances fa ire observer le p rín cip e d e la contradiction"
e sua alínea Ia, que dispensava o juiz de observar "le p rín cip e d e la
contradiction des débats lorsqu'il relève d'office u n m oyen d e p u r droit",
disposição anulada pelo Conseil d'État, em 12 de outubro de 1979, após
reação manifestada por várias associações de advogados, conforme relatam
JEAN VINCENT e SERGE GUINCHARD - P rocédure Civile, vingtième édi-
tion, Paris: Dalloz, 1981, p. 432. Como expõem EMMANUEL BLANC e JEAN
VIATTE, o antigo texto de 1971, que foi revigorado, tinha originariamente
a seguinte redação: "le ju g e doit, en toutes circonstances, fa ire observer et
observer lui-m êm e le príncipe d e la contradiction. Il ne p e u t fo n d e r sa
décison su r les moyens d e droits autres q u e d ’o rd re p u b lic q u 'il a relevés
d'office ou su r les explications com plém entaires q u ’il a dem andées, sans
avoir au p réa la ble invité les parties à p résen ter leurs obseivations". Cf
N ouveau Code d e Procedure Civile com m enté da n s l ’o rde des articles,
Patis, Librairíe d u Jo u rn a l des Notaires et des Avocats, 1980, p. 33). Sobre
os Moyens (conceito muito amplo que designa não apenas motivos e
fundamentos, mas os meios de convencimento em geral que comportam
várias classificações, estudadas por JEAN VINCENT e SERGE GUINCHARD,
op. cit., pp. 400/401) e os Moyens d ’office, foram copiosos os arestos dos
Tribunais, que culminaram na revogação da citada alínea: Um tribunal não
pode levantar de ofício u n m oyen não invocado pelas partes e sobre o quai
uma delas não haja sido chamada a se manifestar; A Corte deve dar visia -i
parte para que apresente suas alegações, desde que levante de ofício u>,
m oyen não invocado; Um juiz francês não pode aplicar lei estrangeira por
ele invocada de ofício, senão após dar vista às partes para que, em contra
ditório, se manifestem sobre sua aplicação e sua interpretação; Os juizes
não podem reter, mesmo a título de informação, contra uma das partes,
laudos técnicos que não tenham sido elaborados em contraditório com
ela; É vedado aos juizes fundamentar suas decisões sobre uma peça produ
zida por uma parte, que não tenha sido submetida à discussão contraditó
ria. As ementas, que serviram de base à citação, podem ser encontradas no
N ouveau Code d e Procédure Civile et Code d e Procédure Civile, soixante-
treiziòme édition, Paris: Dalloz, 1981, nas notas referentes ao art. 16.
123
necessárias para a instrução do processo, determinadas de ofí
cio, devem ser postas no debate do contraditório!77
Em recente obra, ADA PELLEGRINI GRINOVER faz um pro
fundo exame da garantia do contraditório na Itália, na Alemanha,
nos Estados Unidos da América e no Brasil, salientando, quanto
à participação do juiz, a observância do contraditório que alcan
ça as provas introduzidas de ofício, e o zelo pela correta garantia
da integral utilização dos prazos!78
A preocupação com o rápido andamento do processo, com
a superação do estigma da=morosidade da Justiça que prejudica
o próprio direito de acesso ao Judiciário, porque esse direito é
também o direito à resposta do Estado ao jurisdicionado, é
compartilhada hoje por toda a doutrina do Direito Processual
Civil. As propostas de novas categorias e de novas vias que
abreviem o momento da decisão são particularmente voltadas
124
para a economia e a celeridade como predicados essenciais da
decisão justa, sobretudo quando a natureza dos interesses em
jogo exige que os ritos sejam simplificados.179 Contudo, a econo
mia e a celeridade do processo não são incompatíveis com as
garantias das partes,180 e a garantia constitucional do contraditó
rio não permite que seja ele violado em nome do rápido anda
mento do processo.181
A decisão não se qualifica como justa apenas pelo critério
da rapidez, e se a justiça não se apresentar no processo não
poderá se apresentar, também, na sentença:'
O juiz, sendo terceiro em relação aos efeitos do provimen
to, não é um "terceiro no processo", no desenvolvimento do
procedimento realizado em contraditório para preparar o provi
mento, como não o é em relação ao próprio ato final do provi
mento. Não é um estranho no desenvolvimento do iter proces
sual, pois dele não pode estar ausente, em relação a ele não pode
ser alheio; é necessário que esteja presente, atuante nos atos
179 Cf. CÂNDIDO R. DINAMARCO - Manual das Pequenas Causas, São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1986, pp. 3/8.
180 Cf. KAZUO WATANABE... (et al.) - Juizado Especial de Pequenas Causas,
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985-
*
181 A tendência para a celeridade é característica da época. Lembre-se, a
propósito, o instituto do "processo de adesão" que permite o pedido de
reparação civil no próprio processo criminal a que o lesado é facultado a
aderir e que foi objeto de recente Simpósio realizado em Sarre, na Alema
nha, conforme divulgado por JOÃO BAPTISTA VILLELA na resenha da
publicação. "Wi/l, M icbael R. (Hrsg.J. Schadensersatz im Strafverfahren:
Rechtsvergleichendes Symposium zum Adhásionsprozess. K ehl a m Rhein:
Engel, 1990". "In Síntese, Nova Fase, n~ 52, vol. XVIII janeiro-março, 1991,
pp. 109/112. No Direito brasileiro as inovações certamente virão com a
aplicação do art. 98, item I da Constituição da República de 1988, pela
criação dos juizados especiais para a conciliação, o julgamento e a execu
ção de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor
potencial ofensivo, mediante procedimento oral e sumai íssimo. A grande
abertura para a celeridade, entretanto, está na competência concorrente,
prevista no art. 24, XI, da Constituição de 1988, que permitirá novas
construções e já constitui um desafio à criatividade dos juristas.
125
nnooonooQQonnooQQQQCOOOOOOOonnnono
judiciais que visem a assegurar o desenvolvimento correto e
pleno do princípio do contraditório. Fazê-lo observar significará
cumprir o dever da jurisdição, para assegurar que o contraditó
rio não seja negligenciado, violado, que a participação das partes
em simétrica paridade seja eficazmente garantida182. Observá-lo,
ele mesmo, significará que o juiz se submete às normas do
processo pelas quais os atos das partes são garantidos, que o juiz
não pode se recusar ao cumprimento da norma que instituiu o
direito de igual participação das partes, em simétrica paridade.
A necessidade da observância do contraditório também na
execução forçada é ressaltada por SÉRGIO LA CHINA, que se
preocupa em apontar as normas do Direito italiano e examinar
os princípios que visam a impedir a emanação do provimento
in au d ita altera p arte.
O princípio do contraditório, tecnicamente considerado,
segundo expõe, se articula em dois tempos essenciais: in form a-
zione, reazion e; a primeira, sempre necessária, e a segunda,
sendo eventual, devendo ser necessariamente garantida na pos
sibilidade de sua manifestação. 183
O juiz tem o dever de informar e de garantir que a informa
ção seja dada, para que a parte, querendo, possa intervir. E
quando se diz querendo, pretende-se realçar que a parte jamais
poderia ser obrigada a vir praticar os atos processuais que lhe
são destinados, podendo optar por suportar os eventuais ônus
de sua omissão. Não se pode perder de vista que o contraditório
é a garantia, a possibilidade assegurada da participação das par
tes em simétrica paridade, e uma garantia, considerada do ângu
lo do Estado, é um dever, mas do ângulo do jurisdicionado
127
A essência do contraditório, que é a igualdade simétrica de
oportunidade dos participantes que sofrerão os efeitos do ato
final, do provimento, a igualdade de oportunidade de "dizer e
contradizer", não se confunde com o seu objeto, que se constitui
das questões que se suscitam sobre os atos processuais. E essas
questões devem ser distinguidas da q u a estio , no específico sen
tido de res d u bia, que nem sempre se torna questão controversa.
O objeto do contraditório, como elucida FAZZALARI, é
constituído das questões relativas aos atos processuais que com
põem a própria atividade processual. Sobre a admissibilidade
desses atos, no sentido de que sejam lícitos ou devidos, vale
dizer, de que os sujeitos do processo tenham a faculdade, o
poder ou o dever de praticá-los, se tais atos são pertinentes ou
úteis, formam-se as questões. São questões que incidem sobre os
atos dos sujeitos do processo.
A q u a estio ,185 no sentido próprio de qu esito, de res d u
b i a ,18<5 não se identifica com as questões objeto do contraditório,
porque o seu conteúdo incide sobre os requisitos legais do
próprio ato, e não sobre a admissibilidade do ato (no sentido
exposto, de que o referido ato constitui uma faculdade, um
poder ou um dever do sujeito do processo), ou sobre sua opor
tunidade.
A qu aestio, no sentido de res d u bia, pode ou não compare
cer no processo como objeto do contraditório, pois nem sempre
o contraditório se fixa sobre ela.
A sua solução pode resultar do exame dos requisitos legais
do ato pelo próprio sujeito que dele seja titular, que faz o prévio
controle dos pressupostos legais de sua existência e subsistência
jurídica. E, uma vez resolvida, pode ocorrer que a qu aestio
sequer seja suscitada no processo. Pode ocorrer, ainda, que ela
seja levantada e que seja resolvida sem divergências. Mas, pode
128
ocorrer a terceira hipótese, que é a da solução disputada, que é a
da controvérsia sobre a solução juridicamente correta para resol
ver a res d u b ia . Nesse caso, em razão da disputa, da controvérsia,
a q u a e s tio passa a ser questão controvertida, e, nesse caso, sobre
ela instala-se o contraditório, como o "dizer e contradizer". FAZ
ZALARI adverte sobre a sinonímia imprópria que se estabelece
entre "questão e questão controvertida", porque a questão, no
sentido próprio de res d u bia, não é necessariamente controver
tida. É a manifestação do contraditório em torno dela que faz
-com que o uso das duas expressões questão e questão controver
sa seja, com certa freqüência, indiferenciado, e como a questão
controvertida é a mais freqüente nos processos que concreta-
mente se desenvolvem, a idéia de contraditório surge impregna
da do sentido de "dizer e contradizer".187
188 Cf. CARNELUTTI - Derecho Procesal Civily Penal, Trad. de Santiago Sentis
Meleno, Buenos Aires: Ediciories ju ríd ica s Europa-América, 1971, vol. I, p.
70 e vol. II p. 63.
129
acusado e o Estado, que atua como parte, através do Ministério
Público. Entre eles o contraditório se desenvolve. As questões
suscitadas em torno do argumento de que o Estado é também o
autor do ato final resolvem-se pela essência do contraditório.
Essa essência exige, como diz FAZZALARI, que do processo parti
cipem pelo menos dois sujeitos, um interessado e outro contra-
interessado, um dos quais receberá os efeitos favoráveis e o
outro os efeitos desfavoráveis do ato final. O autor do ato final
pode ser um dos contraditores, mas o que o distingue, como
autor do ato e como contraditor, é a sua posição, nessa qualida
de, de simétrica paridade em relação ao outro, ou aos outros
contraditores!89 A dupla atividade do Estado, como parte, atra
vés do Ministério Público e como poder, que atua pelo órgão
jurisdicional, não prejudica o processo se nele há a gaxantia do
contraditório, e é exatamente a presença do contraditório, no
processo penal, que necessariamente o caracteriza como proces
so, que faz dele um procedimento realizado em contraditório
entre as partes.
Outro tema que se põe à reflexão, à luz do conceito do
contraditório, é o da caracterização do processo de execução.
FAZZALARI faz ressalvas quanto a ele, porque nele não vislumbra
o contraditório. Entretanto, mesmo considerando-o como um
procedimento sem contraditório, entende que sua estrutura le
gal é disposta para comportar um verdadeiro p rocesso!90
No ordenamento jurídico brasileiro, não pode subsistir dú
vida de que o processo de execução é processo, em toda a
extensão desse termo, e não porque haja nele manifestação do
poder jurisdicional. O poder jurisdicional se manifesta em "juris
dição contenciosa" e em "jurisdição voluntária". O que torna o
processo de execução um verdadeiro processo é a presença do
contraditório, e este emerge de várias questões que incidem
130
sobre a faculdade, o poder ou o dever de praticar um ato, sua
oportunidade e utilidade no processo. Surge, igualmente, a res
d u b ia sobre a subsistência de atos que, não raro, transformam-se
em questão controvertida.
CÂNDIDO R. DINAMARCO demonstra, em outros termos, a
presença da controvérsia e do contraditório na execução, quan
do, conforme diz: "O juiz é seguidamente chamado, na realidade,
a proferir juízos de valor no processo de execução, seja acerca
dos pressupostos processuais, condições da ação ou dos pres
supostos específicos dos diversos atos levados ou a levar a efei
to."191 Em sua exposição, fornece vários exemplos em que ques
tões são resolvidas, e ressalta que a preparação do ato final da
execução é feita com a garantia do contraditório.
‘ * -. O processo é o procedimento que se desenvolve em contra-
ditório entre os interessados, na fase de preparação do ato final
I e entre o ato inicial do procedimento de execução até o ato final,
i aquele provimento pelo qual ela é julgada extinta, está presente
o contraditório, como possibilidade de participação simetrica
mente igual dos destinatários do ato de caráter imperativo que
esgota o procedimento. E claro que o provimento, no processo
de conhecimento, tem conteúdo distinto do ato final da execu
ção e é mesmo pressuposto substancial desta. Mas é também
claro que o ato final da execução se caracteriza como provimen
to, porque incide imperativamente sobre a situação jurídica das
partes, produzindo também efeitos sobre o seu universum ius.
Como procedimento realizado em contraditório, o proces
so caracteriza-se por ser uma atividade cuja estrutura normativa
(organizada por uma forma especial de conexão das normas e
dos atos por elas disciplinados) exige que, na fase que precede o
provimento, o ato final de caráter imperativo, seja garantida a
participação daqueles que são os destinatários de seus efeitos,
em contraditório, ou seja, em simétrica igualdade de oportuni
191 Cf. CÂNDIDO R. DINAMARCO - Execução Civil, 2a ed., rev. e ampl. - São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 107.
131
dades, e, pelo "dizer e contradizer", que resulta da controvérsia
sobre os atos, seja-lhes assegurado o exercício do mesmo contro
le sobre a atividade processual.
A caracterização do processo como procedimento realizado
em contraditório entre as partes não é compatível com o concei
to de processo como relação jurídica!92 Ressaltou-se, neste capí
tulo, o quanto foi possível, a idéia de contraditório como d ireito
de participação, o conceito renovado de contraditório como
g a r a n tia de participação em simétrica paridade, o contraditório
c o m o o p ortu n id ad e d e p a r tic ip a ç ã o , como direito, hoje revesti
do da especial proteção constitucional. O conceito de relação
jurídica é o de vínculo de exigibilidade, de subordinação, de
supra e infra-ordenação, de sujeição. Uma garantia não é uma
imposição, é uma liberdade protegida, não pode ser coativamen-
te oferecida e não se identifica como instrumento de sujeição.
Garantia é liberdade assegurada. Se o contraditório é garantia de
simétrica igualdade de participação no processo, como conciliá-
lo com a categoria da relação jurídica? Os conceitos de garantia e
de vínculo de sujeição vêm de esquemas teóricos distintos. O
processo como relação jurídica e como procedimento realizado
em contraditório entre as partes não se encontram no mesmo
quadro, e não há ponto de identificação entre eles que permita
sua unificação conceituai.
132
CAPÍTULO VII
133
ria que precedeu à codificação do Direito alemão: PUCHTA,
BRINZ, ERNST BEKKER, REGELSBERGER, ARNDTS,' DERNBURG,
nomes a que se deveu sua sistematização, GERBER e LABAND, e
nomes que ficaram definitivamente inscritos nos temas gerais da
Ciência do Direito, um precursor; VON SAVIGNY, o grande divul
gador BERNARD WINDSCHEID e um transformador, RUDOLF
VONJHERING193.
No Direito Romano, a partir do século II a.C. antigas legis
actiones, reservadas à tutela do direito subjetivo, são substituí
das pelo processo formulário, o processo p e r fo rm u la s, em que
um documento escrito "fixa o ponto litigioso” e ”se outorga ao
juiz popular poder para condenar ou absolver o réu, conforme
fique, ou não, provada a pretensão do autor"194. Ao lado do
processo formulário, o Direito Romano conheceu o processo
extraordinário', extra ordin em , a princípio reservado para ques
tões administrativas e policiais, mas estendido às questões civis,
e, a partir do século III da era cristã, já utilizado amplamente em
substituição ao processo formulário, pela sua celeridade e pela
sua simplificação195.
Na Alemanha, adotavam-se duas terminologias para a tutela,
dos direitos subjetivos, a actio (que rememorava o direito de o
193 Cf. FRANZ WIEACKER - "Storia d el Diritto Privato M oderno con particola-
re riguardo alia Germania", volum e secondo, Traduzione italiana di
Umberto Santarelli (§§ 1-19, tomo I) e Sandro - A Fusco (§ 2 0 -fin e, tomo
II) M ilano: Giuffrè Editore, pp. 123/162. Recorde-se que WINDSCHEID foi
membro da primeira comissão preparatória do BGB, de 1880 a 1883.
Embora sua principal obra seja a Pandecta, de 1862, com a última edição
por ele revisada de 1891, sua obra "A ação do direito romano do ponto de
vista do direito civil", (L'actio d el diritto rom ano d a l ptm to d i vista d el
diritto civile, na tradução italiana da obra de WIEACKER) de 1856, 6
considerada como o marco da fundação científica do m oderno conceito de
direito subjetivo. Cf. WIEACKER, op. cit., p.145.
194 Cf. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES - Direito Romano, vol I, 4a ed., Rio de
Janeiro: Forense, 1978, pp. 282/283, v. também para o processo formulá
rio, pp. 261/327.
195 Cf. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, op. cit., pp. 329/350.
134
particular pedir ao magistrado a fórmula em que a proteção
estava condensada, e esse direito ao formulário era a actio) e a
Klage, ou K lagerecbt — O direito de demanda, de querela, de
queixa. A actio, que WINDSCHEID quis substituir por pretensão
(Anspructí) significava o direito de se exigir de alguém uma ação
ou uma omissão. A K lage não era essa pretensão, mas o direito
de ter a tutela jurisdicional do Estado, assim, a a c tio era dirigida
contra o obrigado, e a. K lage, contra o Estado196.
Compreende-se por que a discussão doutrinária durou tan
to tempo, pois, embora diferentes, as bases das duas concepções
fundavam-se em um direito que os juristas alemães atualizavam
para fins práticos e que encontrou aplicação até 1900, quando se
completou a elaboração do BGB, para o qual WINDSCHEID
contribuiu oficialmente, integrando a primeira comissão que se
dedicara ao projeto.
Um segundo ponto que deve ser ressaltado é o de que o
Direito Processual Civil não se desenvolveu à margem dos pró
prios sistemas jurídicos positivos, e sim como parte deles, e, por
isso, quando se compara, por exemplo, o direito de ação, no
Brasil, de 1891 a 1934, de 1934 a 1937, de 1937 a 1946, de 1946
a 1967, de 1967 a 1969, de 1969 a 1988 e o direito de ação no
Brasil a partir de 05 de outubro de 1988, é claro que haveria
diferença sobre o que poderia ser dito sobre ele197. A análise de
135
doutrinas históricas deve comportar, portanto, a relatividade
histórica, caso contrário corre-se o risco de se ser absolutamente
impertinente nas possíveis conclusões que delas se tente extrair,
com a certeza de se ser extremamente injusto com os grandes
passos dados na obra comum de construção do conhecimento.
As teorias sobre o direito de ação fizeram dela o centro de
interesse do Direito Processual Civil. Talvez seja o tema mais
discutido nesse ramo do Direito, e, com apoio em CELSO BARBI,
pode-se afirmar que "o conceito de ação talvez seja o mais polê
mico entre todos os do Direito Processual"198.
A importância histórica que o conceito de ação teve no
desenvolvimento da investigação e da construção científica do
Direito'Processual Civil certamente justificou esse imensurável
interesse por ele. O lugar ocupado pelo direito de ação, conside-
198 Cf. CELSO AGRÍCOLA BARBI - Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nc
5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 16.
136
rado, ao lado da jurisdição e do processo, como elemento funda
mental na estrutura científica do Direito Processual Civil199, é,
ainda, tão destacado como o foi (embora não se tenha certeza de
que o verbo possa ser usado corretamente no passado) o do
direito subjetivo, no Direito Civil.
As teorias sobre o direito de ação, construídas sobre o
conceito de relação jurídica, não podiam deixar de vislumbrá-lo
como um direito subjetivo. E sobre a espécie de direito subjetivo
que seria, no amplo quadro da classificação que cresceu à medi
da que o tema se desenvolvia, formularam-se as propostas dou
trinárias. A partir da polêmica entre WINDSCHEID e MUTHER,
com seus desdobramentos, surgia a concepção de ação como um
direito subjetivo público oponível ao Estado, que assumia o
dever, no pólo passivo de uma relação jurídica, de prestar a
tutela jurídica, e a conquista da noção de "prestação" jurisdicio
nal se fez básica em vários conceitos, que encerram variações
sobre o direito concreto ou abstrato correlato dessa "prestação".
CHIOVENDA sempre merecerá destaque especial na história do
Direito Processual Civil; com ele, firmou-se a concepção do direi
to de ação como direito subjetivo de natureza potestativa e do
processo como relação jurídica e como instrumento de atuação
da lei200.
À importância que CHIOVENDA teve no desenvolvimento
do Direito Processual Civil pode-se comparar a importância que
teve ENRICO TULLIO LIEBMAN, no desenvolvimento do Direito
Processual Civil no Brasil. O realce que lhe é devido não se liga
apenas a seu magistério na Universidade de São Paulo, que seus
discípulos lembram com justo orgulho e especial veneração201
201 Cf. ENRICO TULLIO LIEBMAN, Manual de Direito Processual Civil, I, Tra
dução e notas de CÂNDIDO R. DINAMARCO, Rio de Janeiro: Forense,
137
pela figura do Mestre, mediante o qual influenciou profunda
mente a formação de brilhantes processualistas, mas também às
possíveis marcas de várias de suas teses no próprio Direito posi
tivo, através do Código de Processo Civil Brasileiro de 1973, que
traz a chancela do Congresso Nacional, sob a exposição de moti
vos de um de seus discípulos, o Ministro da Justiça ALFREDO
BUZAID.
LIEBMAN distingue o "poder de agir em juízo", "garantia
constitucionalmente instituída", "reflexo ex p a r te su biecti da ins
tituição dos tribunais pelo Estado", do direito de ação, "direito
subjetivo sobre o qual está construído todo o sistema do proces
so", delineado no art. 24 da Constituição italiana, e caracterizado
na norma infra-constitucional. Do art. 24 da Constituição italia
na, extrai a "legitimação para agir”, referindo-o à atribuição da
tutela dos própVios direitos e interesses legítimos, e o "interesse
de agir". "Como", segundo diz, "o direito de agir é concedido
para a tutela de um direito ou interesse legítimo, é claro que
existe apenas quando há necessidade dessa tutela, ou seja, quan
do o direito ou o interesse legítimo não foi satisfeito como era
devido, ou quando foi contestado, reduzido à incerteza ou grave
mente ameaçado202. Nos termos do art. 24 da Constituição (ita
liana), dentre os que podem propor uma demanda encontram-se
os "que são titulares de um verdadeiro direito que, com referên
cia a uma situação determinada e concreta, visam a obter um
138
pronunciamento sobre essa demanda, para que ela seja julgada
procedente ou improcedente, sendo com isso negada ou conce
dida a tutela pedida. Esse direito é precisamente a ação, que tem
por garantia constitucional o genérico poder de agir, mas em si
mesma nada tem de genérico: ao contrário "guarda relação com
uma situação concreta, decorrente de uma alegada lesão a direi
to ou interesse legítimo do seu titular(...)203".
A existência da ação, em LIEBMAN, tem como requisitos
duas condições: o interesse de agir e a legitimação, e esses
requisitos de existência são dados na norma processual204.
. O fato de que LIEBMAN haja admitido que o provimento
pode não ser favorável à pretensão do autor não é significativo,
pois lesão e ameaça a direitos se provam no processo, e o con
teúdo da decisão final depende, e muito, do que está nos autos.
Entre a alegação de uma lesão de direito substancial e o conteú
do de uma sentença há uma relação inegável, mas entre eles h á ,
também, inegavelmente, todo um desdobrar de atos processuais
que preparam as condições do advento da sentença, e também as
condições materiais para a formação de seu conteúdo.
Significativa, na verdade, é a cisão feita por LIEBMAN entre
"o direito de agir em juízo" e "o direito de ação” delineado no art.
24 da Constituição italiana, tendo sua existência caracterizada na
norma infra-constitucional em relação à situação jurídica concre
ta: a ação separada do poder de agir, o corte entre o genérico
poder de agir como garantia constitucional e o direito de ação, a
"ação como direito ao processo e ao julgamento do mérito"205.
O art. 24 da Constituição italiana, que reserva o direito de
agir em juízo para a "tutela dos próprios direitos e interesses
legítimos"206 não teve paralelo fiel nas Constituições brasileiras.
139
Ressalte-se que, embora não haja interesse em se acompa
nhar a evolução constitucional do direito de ação, mesmo por
que isso exigiria um longo desvio do tema central desse trabalho,
não se pode deixar de pôr em evidência a premissa de que partia
LIEBMAN, por ele próprio explicitada, quando separou o "poder
de agir em juízo" e o "direito de ação", no plano constitucional e
no do direito infra-constitucional nele alicerçado.
As dificuldades dessa construção, que em LIEBMAN se vin
culam ao problema das doutrinas erigidas sobre a ação, são
também enfrentadas por "FAZZALARI, que adota um esquema
conceituai distinto, em que repudia o processo como relação
jurídica e reelabora o conceito de "direito de ação". E chega a
elas, precisamente, quando, discorrendo sobre as medidas juris
dicionais e o provimento, adverte que nem todo processo juris
dicional se desenvolve por inteiro, e seu primeiro exemplo é o da
hipótese em que há recusa do provimento207. O tema fica ainda
mais claro quando, examinando os pressupostos processuais,
FAZZALARI demonstra que "nei p rocessi d i cognizione, il giudi-
ce, p r im a d e em ettere, e p e r emettere, il c o m a n d o in ch e la
sen ten za consiste, accerta, in ep ilog o d e l p rocesso, la sus-
sisten za d e l dovere, d e l diritto, d elia lesione; si d i contro, g lien e
risulti la insussistenza, egli non p o tr à em ettere la sen ten za e
d o v rà rigettare la d om an d o!'208.
A asserfiva de FAZZALARI é compreensível, assim como era
a de LIEBMAN, diante do art. 24 da Constituição Italiana, de
1947:
140
Sono assicu rati a i non abbienti, con appositi
istituti, i m ezzi p e r agire e difen dersi d av an ti a d
ogn i giurisdizione.
L a legge determ in a le condizioni e i m o d ip e r la
rip arazion e degli errori giudiziari"209.
142
ções que, como se disse, só podem ser verificadas dentro do
processo.
Os procedimentos especiais dos arts. 914, 926, 934, reservam
determinadas ações a quem detém uma qualidade jurídica específi
ca, um status decorrente de uma determinada situação jurídica.
Assim, também, os artigos que tratam da ação de consignação em
pagamento, da ação de depósito e das ações possessórias. Pelas
disposições desses artigos não se pode pré-definir a sentença, ou
seja, não há qualquer possibilidade de se afirmar de antemão que a
sentença será favorável ou desfavorável ao autor. A sentença deverá
ser preparada pelos atos do processo, e enquanto esses não se
cumprem, não se pode antecipar seu conteúdo.
Não parece, portanto, que possa ser evidenciada a marca de
LIEBMAN ou de CHIOVENDA em tais disposições, ou que se
possa, por elas, extrair contradições do Código.
Talvez haja chegado o tempo de se tentar visualizar o direi
to de ação sob outros prismas, que permitam uma maior aproxi
mação das novas conquistas da teoria do Direito e da realidade
do sistema jurídico, que tem a sua unidade e o seu fundamento
no sistema constitucional.
143
tada aos progressos verificados no quadro dos conceitos gerais
do Direito.
Lembrando a preleção de CHIOVENDA, L 'azione n el siste
m a d e i diritti, de 1903, o estudo de LIEBMAN L ’az io n e n ella
teo ria d e l p rocesso civile, de 1950, e outros clássicos, FAZZALARI
registra que a relatividade do conceito de ação já se encontra em
CALAMANDREI, La relatività d e l con cetto d i azionne, de 1939,
em ORESTANO, Azione in generale, verbete da E n ciclop éd ia d e l
diritto, de 1959, e prevê a aproximação da época em que se
reconheça não apenas a historicidade das doutrinas, mas a pró
pria historicidade do problema da ação e da ciência jurídica que
o formulou213.
FAZZALARI faz a revisão do conceito de ação tomando co
mo critério a legitimação para agir, que não pode ser concebida
como atribuída apenas ao autor, mas se estende a todos os
sujeitos do processo, o que é perfeitamente lógico, pois sem a
legitimação para agir não se poderia compreender o fundamento
jurídico de seus atos.
Entretanto, a legitimação para agir, trabalhada pelo Direito
Processual Civil, é espécie do gênero legitimação, que é um
conceito geral do Direito, e é por esta base que desenvolve o
argumento, no qual procede ao reexame da ação.
A legitimação em gênero é contemplada por FAZZALARI sob
um duplo aspecto: o da "situação legitimante" e o da "situação
legitimada": "Chiam iam o situazione legittimante ilp u n to d i ag-
g a n c io d e lia legittim azione a d agire, fu o r d i m etafora d a situ a
z io n e in b a s e a lia qu ale si d eterm in a quaV è il soggeto che, in
213 Cf. FAZZALARI - "Di recente, ORESTANO ha, anzi, aperto l ’affascinante
prospettiva d i liconoscere, non solo e n o n tanto la storicità delle varie
costruzioni proposte, m a a n che la storicità dello stesso p ro b lem a
d e li’azione e delia scienza giuridica che lo ha posto". Cf. op. cit., p.403-
Para FAZZALARI, o "conceito de ação" ainda é útil ("ancora utile, m a d a
elaborare e collocare a l suo posto"), enquanto que a idéia de "relação
jurídica processual" deve ser de todo repudiada ("... orm ai d a ripudiare
d e l tutto'"). Cf. op. cit., p. 99-
144
concreto, p u ò e d eve com piere un certo atto, e situazione legitti-
mata il potere, a la fa c o ltà , o il devere — o una serie d e i
m edesim i-che, d i conseguenza, viene a spettare a l soggeto indi-
vidu ato, v a i dire il contenuto d e lia legittimazione, ciò in cui
e ssa consiste"214.
Não é demais recordar que, na evolução do conceito de
situação jurídica, a situação jurídica abstrata, de BONNECASE,
foi superada e que a situação jurídica, seja objetiva ou subjetiva,
para se constituir, dependerá sempre do cumprimento ou da
ocorrência de um ato jurídico ou de um fato jurídico.
A situaçãòlegitimante é uma situação constituída, perante a
qual um poder, uma faculdade ou um dever são conferidos ao
sujeito, e, conforme considerada por FAZZALARI, permite a indi
cação de quem pode atuar como sujeito em um processo concre-
tamente considerado, quem deterá a legitimação para agir em
um dado processo215.
Tem-se argumentado que a legitimatio... sustenta-se na per
sonalidade, o "atributo", ou em linguagem mais técnica, a quali
dade pela qual se adquire o status de sujeito, a titularidade de
direitos e deveres. Esse argumento é, contudo, absolutamente
impróprio e insuficiente, pois a legitimação se dá sempre para
determinado processo, para a participação em uma série de
145
atividades preparatórias de um determinado provimento, e de
uma determinada medida jurisdicional.
O critério para a determinação da legitimação para agir, no
processo jurisdicional civil (podendo ser estendido a qualquer
processo), é referido por FAZZALARI ao provimento, e, em con- ,
seqüência, à medida jurisdicional dele emanada. O provimento
será o ponto referencial para que, com base na situação legiti-
mante, se identifique quem é o sujeito, dentre os protagonistas \
do processo — as partes, (autor, réu, intervenientes), o juiz, seus j
auxiliares, o Ministério Público, quando a lei o exigir —, q u e ;
pode ou deve cumprir um determinado ato processual.
Em relação às partes, os efeitos do provimento determinam i
a legitimação para agir porque esses efeitos incidirão no patri-1
mônio (universum ius) dos sujeitos que dele são os destinatá- >
rios, e o princípio do contraditório exige216 que aqueles que
sofrerão tais efeitos tenham a oportunidade de participar da fase
de sua formação. Por isso, diz FAZZALARI, enquanto são legiti
mados passivos (perante o provimento), tais sujeitos são legiti
mados a "dizer e contradizer", são "legitimados ao processo"217.
Anote-se que a própria concepção de parte já tem seu ponto 't
focal de definição deslocado do pedido (parte não é mais apenas
"aquele que pede...") para o destinatário do provimento, e, por
isso, é sujeito do processo, com a garantia de participação nos
atos que o preparam218. 1
146
A situação legitimante da parte é constituída por dois ele
mentos logicamente encadeados: o da medida jurisdicional re
querida, e o dos sujeitos que serão por ela alcançados, que
sofrerão seus efeitos. São eles que permitem a individualização
de quem pode estar em juízo para participar do processo que se
desenvolve em contraditório.
Quanto à medida jurisdicional, seu estudo só pode ter por
base o Direito positivo, pois cada sistema jurídico especifica
aquelas que nele são possíveis, e cada espécie de processo con
templa suas medidas. No processo jurisdicional civil, a medida
jurisdicional que resulta da sentença condenatória pode se cons
tituir, por exemplo, em um ato de eventual execução forçada que
incidirá no patrimônio das partes, beneficiando o autor e atin
gindo desfavoravelmente a esfera patrimonial do devedor ina
dimplente, em um ato de execução forçada que incidirá direta
mente sobre a disponibilidade física de um bem, e um ato que
impõe a uma das partes um determinado comportamento como
conteúdo de uma conduta. Pode-se, também, transferir os exem
plos para o processo jurisdicional trabalhista, em que as repara
ções de direitos lesados comportam as medidas indenizatórias, a
imissão na posse, a reintegração do empregado no serviço, a
assinatura de uma Carteira de Trabalho. Em qualquer das hipóte
ses, o patrimônio das partes, como universum ius, é alcançado
pelo provimento que, sendo favorável ao autor, impõe a medida
jurisdicional requerida.
Em caso de um provimento desfavorável ao autor, obvia
mente a medida por ele requerida não será imposta, mas o
provimento, como ato final, de caráter imperativo, de qualquer
modo alcança a esfera patrimonial das partes, acertando que, se
não ocorreu a lesão, o universum ius não pode sofrer perturba
ção.
Na análise feita por FAZZALARI, no caso concreto, pode
ocorrer que o processo, ao invés de se concluir por um provi
mento, termine com um pronunciamento "de recusa", ou que a
seqüência de atos fique a meio caminho porque a parte renuncia
147
a seu prosseguimento (dentro das hipóteses permitidas na lei),
ou porque o juiz se declara incompetente. A autonomia do
processo se constata pelo seu resultado: o processo se desenvol
ve embora não chegue à medida jurisdicional, mas se desenvol
ve, mesmo para estabelecer se a medida jurisdicional deve ser,
no caso concreto, emitida ou recusada219.
Quanto às partes, perante a situação legitimante, que permi
te a indicação de quem pode estar em juízo, para, em determina
do processo, participar, em contraditório, da formação do provi
mento, através da participação no iter procedimental, deve ser
considerado que, além do autor e do réu, há os litisconsortes, e
os intervenientes220. E, como parte é aquele a quem se destinam
os efeitos do provimento, aquele que suportará ou se beneficiará
de tais efeitos em seu universum ius, é oportuno que se façam
duas considerações em torno do Direito brasileiro, sobre a ques
tão da legitimação: a primeira, sobre a questão do revel, no
Código de Processo Civil, de 1973, em conexão com a Constitui
ção da República de 05 de outubro de 1988, e, a segunda, sobre
a "legitimação extraordinária", que começa a assumir uma impor
tância crescente, não porque constitua inovação, mas pelos efei
tos sociais de medidas jurisdicionais em processos recentemente
regulados.
O art. 322 do Código de Processo Civil, de 1973, — "Contra
o revel correrão os prazos independentemente de intimação.
Poderá ele, entretanto, intervir no processo em qualquer fase,
recebendo-o no estado em que se encontra" — deve ser conside
rado revogado, porque se o contraditório era, anteriormente,
apenas um principio processual no Direito Processual Civil bra
sileiro, pela Constituição de 1988 foi elevado a princípio consti
tucional (art. 5°, LV da Constituição)221.
148
Pelo princípio da hierarquia das leis, o art. 322 do Código
de Processo Civil perde a eficácia, pois contraria o princípio
constitucional do contraditório. É possível que o réu não compa
reça para se defender por uma infinidade de motivos diversifica
dos, que absolutamente não interferem em seu direito de partici
par da formação do provimento. Contudo, constitui enorme
incongruência afirmar-se que ele poderá intervir em qualquer
fase em que o processo se encontre, se se afirma, também e
conjuntamente, que os prazos correm para ele, independente
mente de intimação. Sem se entrar na- questão “das regras ^da
contagem do prazo, já se percebe que seria verdadeiramente
incompreensível a garantia de participação ao revel, em fases
posteriores àquela em que se caracterizou o efeito da revelia, se
não é ele cientificado dos atos que lhe permitam a participação.
O art. 322 do Código de Processo Civil contraria o princípio do
contraditório e é incompatível com a norma constitucional, pelo
que só pode se considerar revogado.
Quanto à "legitimação extraordinária", é necessário considerar
que a legitimação para agir, enquanto posição subjetiva decorrente
da situação legitimante, da qualidade para ser parte, pode ser
objeto de disciplina legal que, em "caráter extraordinário", destina
os efeitos do provimento a sujeitos que não participaram do
processo. Mas a "legitimação extraordinária" constitui exceção ao
princípio do contraditório, que exige que participem do iter que
leva à formação do provimento aqueles que são seus destinatários,
e, como se configura em exceção, só pode resultar da lei222.
222 FAZZALARI alerta para a distinção entre legittim azione stra o rd in a ria e
substituição processual — cf. op. cit. pp. 317/320. A propósito da subs
tituição processual no Direito brasileiro, v. HÉLIO TORNAGHI - Com en
tários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, vol. I, pp. 9 8 /1 0 1 , 1974.
149
É interessante ressaltar que FAZZAIARI, tratando a questão
do ponto de vista do Direito italiano, faz ressalvas quanto à via da
Justiça civil, para a proteção dos interesses coletivos ou difusos.
Não se pode esquecer que o art. 24 da Constituição italiana, já
mencionado anteriormente, em sua primeira parte, reserva a
legitimação para agir em juízo a todos, "para a tutela de seus
direitos e interesses legítimos". A Constituição brasileira é visivel
mente mais ampla, no item XXXV do art. 52, como já se exami
nou, também, anteriormente. Por ele, não se poderá "excluir da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Os
direitos lesados ou ameaçados, objeto da proteção jurisdicional,
não são, a partir de 05 de outubro de 1988, apenas os direitos
individuais, e não apenas para direitos próprios se pode postular
a proteção jurisdicional.
Perante 1 norma constitucional, encontram, assim, explica
ção lógica, as disposições do art. 103, itens I, II e III, §§ l 2 a 42,
da Lei n2 8.078, de 11 de setembro de 1990. Tais disposições não
importam em alteração do conceito de coisa julgada223, mas em
uma nova visão do conceito de parte, como aquele ou aqueles
que devem receber os efeitos do provimento ou da medida
jurisdicional por ele imposta. E evidente que a legitimação pre
vista nos arts. 81 e 82, da referida lei, importa em representação,
quando os efeitos da sentença são destinados a se produzirem
no patrimônio dos representados.
A propósito, pode-se entender, também, logicamente, pelo
150
novo prisma em que se considera a legitimação para agir e a
situação legitimante de que decorre a qualificação jurídica de
"parte", a disposição do art. 13 do Código de Processo Civil
brasileiro, em sua exata extensão, quando contempla a incapaci
dade "processual", além da irregularidade da representação.
As questões relacionadas com a ilegitimidade da parte, tam
bém, como já se antecipou, são questões do processo, questões
que se suscitam, e que constituem o objeto do contraditório, no
iter processual. Sobre a ilegitimidade, diversas questões podem
ocorrer desde a questão que pode incidir sobre a oportunidade
do ato (a alegação da ilegitimidade), até a da preclusão, que se
pode constituir em simples questão objeto do contraditório, ou
em res d u b ia que se converte em questão controvertida.
Recuperando a exposição de FAZZALARI, deve-se, ainda,
registrar, perante a situação legitimante, a legitimação do juiz, e,
em conseqüência, a de seus auxiliares. Esta se extrai, também,
pelo critério do provimento requerido. O juiz deve controlar se
pode ser sujeito do processo, se pode desenvolver suas funções
de dirigir o iter que conduz ao ato final, ou seja, se pode cumprir
o ato de emanar o provimento, com a medida jurisdicional
requerida, verificando se ele se inclui, ou não, dentro de sua
jurisdição. O exame, a partir do provimento, deve dar relevo,
também, ao princípio inerente à jurisdição que exige que o juiz,
sendo autor do provimento, seja terceiro, em relação aos efeitos
que este irá produzir no universum ius das partes224. E claro que
a parcialidade ou a imparcialidade jamais poderá ser totalmente
controlada pela lei, mas a lei estabelece as condições objetivas
para que a imparcialidade possa ser esperada.
Como a situação legitimante fornece os critérios para se
identificar os sujeitos do processo, concretamente considerado,
pode-se compreender, logicamente, por que FAZZALARI repele,
por absolutamente imprópria, a afirmação de que o autor se
reveste da legitimação ativa e o réu da legitimação passiva, pois a
151
legitimação para agir é de todos os protagonistas do processo e
é "sempre ativa". Somente em relação ao provimento pode-se
falar em legitimação passiva daqueles a quem vem imposto225.
A par da situação legitimante, há a "situação legitimada",
como desdobramento da legitimação, na construção doutrinária
de FAZZALARI.
Enquanto a situação legitimante é contemplada como aque
la em presença da qual um poder, uma faculdade ou um dever
são conferidos ao sujeito, a situação legitimada consiste em uma
série de poderes, faculdades, deveres, que se põem como expec
tativa para cada um dos sujeitos do processo220.
A legitimação para agir de cada um dos sujeitos do processo
tem como conteúdo uma série de atos, poderes, faculdades,
deveres. "Tale serie d i a tti costitu isce, in fatti, il con ten u to d e lia
d i lu i legittimazione ad agire, la situazione legittimata d i ciascu -
no"22].
É sobre a situação legitimada que será formulada a nova
concepção sobre a "ação".
O conceito de processo como procedimento realizado em
contraditório entre as partes permite que se deduza que os atos
dos sujeitos do processo, das partes, do juiz e dos auxiliares, são
mutuamente implicados, o que decorre da própria estrutura do
procedimento e da essência do contraditório.
Da situação legitimante dos sujeitos decorre uma série de
atos que, na ordem do processo, a lei processual impõe ou
permite a cada participante, e tais atos podem ser vistos do
ângulo da posição subjetiva de cada um, quando referidos à lei
que os valora, como poderes, deveres, faculdades. Dessa série de
poderes, faculdades e deveres, para o autor e para o réu, e para
152
os intervenientes se delineia, então, uma "posição subjetiva com
posta". Mas, para o juiz, como afirma FAZZALARI, si con figu ra
u n ’a ltretta lep o siz io n e, con sisten te n ella serie d ei d i lu i dove-
re228.
Conclui, assim, que: L a p o siz io n e com posita che f a cap o
a lia p a r te costitu isce V azione; q u ella che f a cap o a l g iu d ice (o
a d un su o a u siliare) costitu isce la fu n zion e229.
A construção é admiravelmente lógica e coerente. Para se
perceber o seu alcance é necessário recordar-se que a situação
. legitimada, em FAZZALARI, corresponde à situação jurídica sub
jetiva, ou posição subjetiva, extraída da específica posição em
que se coloca o sujeito efri frente da norma, conceito geral do
Direito, aplicável à categoria de situação jurídica. É pela posição
subjetiva que o sujeito comparece como titular de um poder,
uma faculdade ou um dever. Os atos que são o conteúdo da
situação jurídica subjetiva não são atos isolados no processo,
mas constituem uma série, e se entrelaçam como pressupostos
da incidência de normas que disciplinam outros atos, até o ato
final do provimento, na estrutura do processo.
Ressalte-se, mais uma vez, dada a importância do tema, na
doutrina de FAZZALARI, que os poderes, faculdades e deveres
das partes não resultam de "relações jurídicas", mas constituem
os atos lícitos ou devidos que podem ser cumpridos no processo
— os poderes como atos que importam na declaração da vonta
de, e as faculdades trazendo implícita a vontade como consciente
determinação para o ato. Os poderes, faculdades e deveres das
partes não lhes podem ser exigidos. Se a parte preferir não
cumprir tais atos pode optar por sofrer as eventuais conseqüên
cias desfavoráveis que poderão resultar do não cumprimento.
Quanto ao juiz, seus atos não são valorados como poderes ou
faculdades, porque não lhe é dado deixar de cumpri-los. O juiz
o
o
o
o
o
o
o
3
O 230 É fácil perceber a razão pela qual pouco se falou neste tópico (7.2. A
Revisão do Conceito de Ação). O tradicional "direito de ação", com as
3 inúmeras teorias que procuram ou procuraram explicar sua natureza,
3 posto que ancora utile (ainda útil), tende fortemente a tornar-se peça de
museu jurídico. E isto porque a cada dia fica mais nítida a consciência de
3 que "ação" e "processo" são fenômenos interdependentes e essa só é
importante enquanto vista como um agir em relação aquele (estrutura que
3 se desenvolve em lace de atos praticados em decorrência de posições
subjetivas das partes).
3
3
3 154
3
3
CAPÍTULO VIII
155
Com essa observação preliminar, pode-se passar à relação
existente entre o processo e a situação substancial, que nada
mais é do que a situação de direito material que será discutida no
iter do processo, e decidida, no ato final, no provimento.
No processo civil, a situação jurídica de direito substancial,
ou situação jurídica de direito material, ou simplesmente situa
ção substancial, é dada pela conexão entre a inobservância de
um dever jurídico, o ilícito, e o direito por ela lesado ou ameaça
do. O direito, objeto da lesão ou ameaça, no processo civil, é um
direito subjetivo, mas não mais considerado na acepção tradicio
nal, e sim no sentido, já exposto, de posição de vantagem de um
sujeito em relação a um bem. Essa posição subjetiva resulta ou
da norma que a confere a um sujeito ou do endereçamento, pela
norma, de obrigações (conteúdo de deveres) a outro ou outros
sujeitos, em determinadas situações jurídicas231, ou da conjuga
ção das duas hipóteses.
A relação entre a situação jurídica de direito material e o
processo deve ser tratada com certo cuidado. Em uma primeira
aproximação, tende-se a pensar que ela é o pressuposto do
processo de conhecimento.
A confirmação ou a refutação de tal afirmação dependeria,
entretanto, do exame de cada ordenamento jurídico, que possui
as suas especificidades.
É interessante verificar, por exemplo, a mudança da concep
156
ção do direito de ação, na doutrina francesa, ante as novas
disposições dos arts. 30, 31 e 32, d o N ouveau C ode d eP rocéd u re
C ivile. E não deixa de ser surpreendente a constatação de que
esses artigos são reproduções textuais dos arts. 2-, 3a e 4- do
Decreto de 20 de julho de 1972, como expõem EMMANUEL
BLANC e J. VIATTE. Analisando-os, os dois processualistas fran
ceses discorrem sobre a evolução das teorias da ação e mostram
que a assimilação da ação à realização de um direito subjetivo,
tradicionalmente partilhada pela doutrina clássica, foi abandona
da. A ação, em princípio concebida comõ uriTtneio de éxêrcício
de um direito, est deven u e le d ro it d ’accès d ev an t la ju stic e en
vue d e lu i sou m ettre les p réten tion s les p lu s diverses"202.
No ordenamento jurídico italiano, FAZZALARI demonstra
que a situação substancial não é condição prévia para a instaura
ção do processo jurisdicional civil, pois a lei processual requer a
exposição do pedido, mas não a exposição dos fatos e do direito,
como condição para o processo, podendo ela ser feita em fase
posterior à sua inauguração233.
No Brasil, a lei processual exige que a inicial contenha os
fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, bem como o pedido
e suas especificações (Código de Processo Civil, art. 282, III e IV)
e situa a falta do pedido ou da causa de pedir dentre os elemen
tos que caracterizam a inépcia da inicial, que é cau^sa de indeferi
mento (Código de Processo Civil, art. 2 9 5 ,1, Parágrafo único, I).
Contudo, essa constatação ainda não basta para que se
considere a situação de direito material como pressuposto do
processo civil, no Direito brasileiro. A inicial inepta nem sempre
é indeferida de plano, o que não é raridade234. Ademais, o pró-
157
o
0
3
3 prío Código de Processo Civil admite essa hipótese, quando no
art. 301, III, prevê que o réu, em sua defesa, alegue, preliminar
3
mente, a inépcia da inicial, e não limita a alegação da inépcia a
D qualquer uma das hipóteses possíveis, descritas nos itens do
3 parágrafo único do art. 295. Obviamente, a alegação de inépcia
da inicial já supõe o contraditório, e, portanto, o processo em
O franco movimento.
O Pelo Código de Processo Civil brasileiro, está visto que a
O situação de direito substancial não constitui pressuposto para a
o instalação do processo.
A questão deve ser examinada, também, pelo prisma consti
3 tucional, e, por este, não se pode subtrair da apreciação do
O Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 52, XXXV, da
Constituição). Não é, portanto, o ilícito, o pressuposto do
O
processo, ou o direito lesado ou ameaçado.
o A apreciação do Judiciário confirmará ou negará a existên
o cia do direito lesado ou ameaçado, mas o direito de acesso ao
Judiciário está garantido, independentemente da prévia consta
o tação da existência do ilícito, da lesão ou da ameaça a direitos.
o A rejeição da inicial inepta, como se disse, pode ocorrer no
o curso do processo, e não poderia ser sequer a mera afirmação do
o ilícito, da lesão ou ameaça a direito, o pressuposto do processo,
porque dentre as causas de inépcia está a falta de pedido ou da
o causa de pedir.
o Pode-se confirmar, então, que situação de direito material
o não é pressuposto do Processo Çivil brasileiro.
3
3 caso de inépcia, o Juiz Presidente da JCJ não poderia indeferi-la, sem a
audiência dos vogais, porque somente pode agir isoladamente nas execu
o ções. Cf. Processo Civil no Processo do Trabalho, 3~ ed. atual, de acordo
com a Constituição Federal de 1988, São Paulo: LTr, 1991, PP- 35/36.
3 Ressalve-se, porém, o entendimento de que, em face da Constituição de
outubro de 1988 (arts. 111 e 117), está revogado o art. 877 da CLT, sendo
3 competente a JCJ tanto para o processo de conhecimento com o para o de
3 execução e para o cautelar.
3
3 158
3
3
processo, mas não como pressuposto desses atos e sim como
objeto de alegações e provas, como conteúdo do contraditó
rio235.
A res in iu diciu m d ed u cta não é, também, pressuposto da
sentença que põe (ou deveria pôr) fim ao processo, pois os casos
de extinção do processo sem julgamento do mérito, sem aprecia
ção da situação de direito substancial, estão previstos no art. 267
do Código de Processo Civil.
A propósito desse artigo, é oportuno abrir-se um parênte
se para registrar que as disposições de seus itens II e III são
absolutamente incompatíveis com o princípio do contraditó
rio, constitucionalmente acojhido. O contraditório não pode
ser considerado como dever das partes de cumprirem atos
processuais. Já se disse sobre faculdades, poderes e deveres
que se tornam ônus, quando a parte não os utiliza. O contradi
tório é a oportunidade de participação paritária, e não de
participação coativa. Se os prazos processuais são os da lei, se
existe o instituto da preclusão, se o juiz tem o dever de decidir,
que é um dever da jurisdição, e que está explícito no art. 5 a,
XXXV, da Constituição da República de 05 de outubro de
1988 , não se explica por que o processo deve ser extinto sem
julgamento do mérito, nas hipóteses mencionadas. Por incom
patíveis com o art. 5a, XXXV e LV, os referidos itens devem ser
considerados como revogados236.
Se a situação de direito material, constituída por um direito
subjetivo, no sentido que já se definiu, lesado ou ameaçado, não
é pressuposto do processo ou da sentença, o é, entretanto, da
sentença de mérito, do provimento e da medida jurisdicional
requerida, seja ela acolhida ou rejeitada.
Seja o provimento favorável ou desfavorável ao autor, ele
2 36 Em casos que tais em face do impulso oficial (art. 262 do CPC) e do que
dispõe o art. 5°, XXXV, da Constituição de 1988, caberia ao juiz prover de
imediato sobre o mérito, julgando conforme o estado do processo.
159
acerta a situação de direito substancial, confirmando a existência
do ilícito e do direito lesado ou ameaçado, para impor as medi
das requeridas para sua reparação ou para determinar a cessação
da ameaça, ou nega a existência do ilícito e da lesão ou ameaça a
direito, negando a medida requerida.
Nesse ponto, é conveniente que se registre, novamente, a
distinção entre o Direito italiano e o Direito brasileiro, pela
diferença da norma constitucional dos dois sistemas. No Direito
italiano, conforme já se mencionou, o art. 24 da Constituição
'destina o direito de "agir em juízo" à tutela dos próprios direitos
ou interesses legítimos, o que possibilitou várias interpretações
no sentido de que, se constatada a inexistência do direito, não
poderia haver provimento.
FAZZALARI resolveu a questão distinguindo a leg ittim a-
z io n e a d a g ire e a leg ittim azion e a l p rov v ed im en to. Esta últi
ma não ocorrerá no caso em que se constata a inexistência do
dever e, ou, direito subjetivo (ou que o autor e o réu não são,
respectivamente, titulares do direito e do dever) e, conseqüen
temente, da lesão ao direito. Entretanto, o processo existiu,
como existiu a ação, como série de posições subjetivas das
partes, que o acompanha do princípio até o momento do
provimento237.
A questão que se apresenta no confronto entre processo
válido e provimento desfavorável, relevante perante o Direito
positivo italiano, pelos termos do art. 24 da Constituição que
funda aquele ordenamento jurídico, poderia ter recebido trata
mento teórico sobre bases diferentes no Direito brasileiro.
Não obstante, a investigação da doutrina processual no
Brasil transcorreu em linha paralela com a doutrina italiana e
seus resultados merecem uma reflexão mais detida.
160
Verifica-se, por exemplo, que AMILCAR DE CASTRO238 ofe
receu, quanto ao problema dos atos processuais úteis, solução
aparentemente semelhante à proposta de FAZZALARI, mas mani
festa e profundamente distinta quanto à fundamentação, em
conseqüência da concepção diferente sobre a relação entre pro
cedimento, processo e ação.
A aparente semelhança está na admissão por AMILCAR DE
CASTRO da movimentação válida mas "inútil" do processo: "(...)
formado um procedimento por pessoa carecedora de ação, o
mesmo, por falta da legitimação para agir, não deve ser tido
como nulo, ou anulável, mas inteiramente inútil a essa pessoa
que não pôde atingir o alvo em mira"239.
A semelhança é, como se disse, apenas aparente porque em
FAZZALARI não há movimentação inútil, mas "exuberante" do
processo, podendo-se falar em inutilidade da g esta e e não na
inutilidade do processo para uma pessoa, porque não é por esse
critério que o processo cumpre seu destino como estrutura que
prepara o provimento.
A diferença verdadeiramente marcante entre ambos trans
parece em nível mais profundo, na própria concepção de "ação,
de processo ou procedimento", que, para AMILCAR DE CASTRO,
como para a doutrina brasileira predominante, constituem "reali
dades jurídicas inconfundíveis, com aparência definida, uma in
dependente da outra"240.
Em FAZZALARI, como se viu, a ação não possui essa inde
pendência do processo, mas é nele que se realiza, como desdo
bramento da legitimação para agir dos sujeitos do processo (juiz,
auxiliares, Ministério Público quando a lei o exigir, partes). A
legitimação para agir, que é de todos, se especifica em ação e
3
3 162
3
3
Tal postura, dominante na doutrina, correlaciona-se com a
necessidade que teve o movimento de construção do Direito
P rocessual C iv i], centralizado no direito de ação, inde
pendentemente de suas divergências internas sobre a natureza
de tal direito, de conciliar, coerentemente, o direito de se provo
car a atuação do Judiciário com a possibilidade da pretensão
infundada244.
As tentativas de superação dessa dificuldade sugeriram vá
rias teses na doutrina brasileira, desde a dos atos úteis e inúteis
do processo, acima lembrada, até a do fundamento ideológico
que teria pretendido legitimar a "universalização do procedimen
to ordinário", excluindo os processos sumários, levantada por
OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, quando, conforme sustenta,
"toda ação é una e abstrata"245.
A utilidade do processo e a sua instrumentalidade são, por
essas doutrinas que têm a atenção voltada para o "direito de
163
ação", medidas pelo "direito material", sem que se cogite de outra
finalidade cumprida de forma muito útil pelo processo quando
se constata que o direito material, para o qual foi postulada a
proteção, não teve sua existência confirmada no ato final do
provimento.
No sistema brasileiro a Constituição não destina o direito
de se pedir a tutela jurisdicional do Estado à existência de um
direito material. Ò Poder Judiciário é provocado para "a aprecia
ção de lesão ou ameaça a direito"240.
—O princípio n em o iu d ex sin e actore, que condiciona a ma
nifestação da jurisdição à iniciativa de quem pretende a tutela
jurisdicional, não é apenas um apêndice do sistema constitucio
nal brasileiro, pois explica-se já a partir do cap u t do art. 5~ da
Constituição da República de 05 de outubro de 1988, em que há
a promessa de garantia, aos brasileiros e estrangeiros residentes
no País, da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igual-
164
dade, à segurança e à propriedade, nos termos dos itens I a
LXXVII, com seus dois parágrafos. A disposição do item XXXV
não comportaria, portanto, qualquer interpretação no sentido
do exercício espontâneo da jurisdição247, pois a atuação do
Poder Judiciário é posta entre as garantias dos direitos e liberda
des declarados.
E certo que, nos termos do dispositivo constitucional, o
objeto da apreciação judicial é o direito lesado ou ameaçado e o
ilícito, como dever não observado, causa da lesão ou da ameaça.
O caráter substitutivo da função jurisdicional confere a essa
apreciação sua dimensão tutelar. Contudo, quer se ponha em
relevo o direito subjetivo, quer o ilícito que o lesa ou ameaça, o
"objeto da apreciação" não se confunde com o próprio "ato da
apreciação", e por isso, nos termos postos pela Constituição
brasileira, o agir em juízo não pode se condicionar ao prévio
reconhecimento da existência do direito alegado. Significa dizer
que a existência do direito para o qual se pleiteia a tutela pode
ser confirmada ou negada pelo provimento, sem que se necessite
indagar sobre a existência útil ou inútil do processo. Este cum
prirá sua finalidade ao chegar a seu final com a participação das
partes, participação revestida da garantia do contraditório, quer
se confirme a existência do direito, da lesão ou da ameaça, caso
em que não se poderá negar a tutela, quer se verifique a inexis
tência do direito, da lesão ou da ameaça, quando o provimento
será emitido, mas a medida jurisdicional requerida será rejeita
da.
O art. 93, item IX da Constituição da República de 05 de
outubro de 1988 , exige que "todos os julgamentos dos órgãos do
165
Poder Judiciário" sejam públicos e fundamentadas todas as deci
sões, sob pena de nulidade, permitindo que a lei limite a presen
ça, em determinados atos, às partes e seus advogados, ou somen
te a estes, quando o interesse público o exigir.
Sobre a publicidade dos atos judiciários, ALCIDES DE MEN
DONÇA LIMA, analisando o dispositivo constitucional, observa
que ela tem sido considerada, "tradicionalmente, como exigência
democrática, instituída como decorrência da Revolução France
sa", pelo que o sigilo, quando admissível, constituindo exceção,
deve sempre vir expresso em lei248. Ressalta, entretanto, a inova
ção introduzida pela Constituição de 1988, no Direito brasileiro,
pela extensão da expressão "todos os julgamentos", q ie repele a
votação secreta, em todas as circunstâncias, mesmo naquelas
anteriormente admitidas pelo sistema jurídico, como em matéria
administrativa “referente à remoção, disponibilidade, aposenta
doria de juizes, ou recusa de promoção por antiguidade249.
A doutrina brasileira tem visto, na exigência constitucional
de publicidade e fundamentação das decisões, a oportunidade
do controle popular sobre os atos judiciais, ou uma "função
política da motivação das decisões judiciais, cujos destinatários
não são apenas as partes e o juiz competente para julgar eventual
recurso, mas qu isqu is d e p op u lo, com a finalidade de aferir-se
em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das
decisões250.
166
Não há dúvida de que o caráter público das decisões (que
nem sempre se confunde com o caráter público do julgamento,
exigido no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição de
1988), acompanhado de sua fundamentação, é uma garantia
que, desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
de 1789, produzida pela Revolução Francesa, resguarda a socie
dade contra o autoritarismo e o arbítrio que se manifestavam em
nome da lei.
Não se pode deixar de considerar, contudo, que a funda
mentação da decisão é uma proteção constitucional especial
mente dirigida às partes. Elas receberão os efeitos dk séntênça
em seu patrimônio, em seu universum ius, efeitos sustentados
sobre a apreciação da situação de direito material discutida em
contraditório, e se lhes é garantido, pelo contraditório, a partici
pação nos atos processuais que preparam o provimento, é uma
conseqüência dessa garantia que as partes saibam por que um
pedido foi negado ou por que uma condenação foi imposta. Elas
viveram o processo, ou tiveram a garantia de vivê-lo, participa
ram do seu desenvolvimento, reconstruindo a situação de direito
material sobre que deveria incidir o provimento e, nessa recons
trução, fizeram, juntamente como juiz, o próprio processo, na
expectativa do provimento final. Não é, portanto, demasiado que
se tenham as partes como os primeiros destinatários da garantia
da fundamentação das decisões.
Se houver possibilidade de recurso, o contraditório conti
nuará garantido e se não houver, o contraditório terá cumprido
sua finalidade, permitindo que se saiba por que se nega um
suposto direito e por que se condena, em nome do Direito.
167
CAPÍTULO IX
A INSTRUMENTALIDADE TÉCNICA
DO PROCESSO
168
ro, quase intuitivo, a doutrina jurídica vem percebendo a profunda
e crescente importância do processo como modelo ideal de partici
pação dos próprios destinatários na formação, na execução e na
aplicação de seu direito. Seja o processo legislativo, seja o adminis
trativo, seja o jurisdicional, sua instrumentalidade técnica é a mes
ma: a de poder se elaborar, com a melhor estrutura possível, a mais
adequada e ágil, para dar respostas ao fim para o qual se instaura: a
emanação de um ato do Estado, de caráter imperativo, para cuja
formação concorrem, em contraditório, aqueles que receberão, na
esfera de seus direitos, os efeitos'de tal ato. ~
O processo que se põe como estudo do Direito Processual
Civil é o processo jurisdicional, porque o Direito Processual Civil
tem como objeto de investigação a norma que regula o exercício
da jurisdição.
Uma técnica é valorada segundo sua idoneidade para a
realização de suas finalidades. Será uma boa ou má técnica,
conforme seja hábil a cumprir os seus fins, ou conforme se revele
ineficaz para esse objetivo. De qualquer modo, a avaliação deve
ser feita pela ciência, como atividade consciente e capaz para a
produção do conhecimento e a correção de seus pontos de
169
3
3
3
estrangulamento. A responsabilidade da ciência do Direito
3 Processual, em relação ao processo, não é, portanto, pequena.
3
3
9-2. A FINALIDADE DO PROCESSO JURISDICIONAL
3
3 O processo jurisdicional civil, como procedimento que se
O realiza em contraditório entre as partes, para a formação do
provimento jurisdicional, tem, no corxeto desenvolvimento das
O
atividades preparatórias da sentença, a sua primeira finalidade.
O Essa afirmação não pode ser tomada como uma simplificação
3 que poderia conduzir à inexata conclusão de que a técnica se
O desenvolve pela técnica e para a técnica, ou seja, de que ela se
produz e se consome a si própria e nisso se esgota. Tal conclusão
O só poderia advir da falta do alcance do significado contido na
O realização do procedimento em contraditório entre as partes.
o Como se viu, em capítulo anterior, o contraditório tem a
9 3 . A PROTEÇÃO DE DIREITOS
171
qualquer formalismo (os processos que WEBER denominou de
"direito formal irracional", do direito Salomônico, passando pelo
K a d i, chegando aos "tribunais revolucionários")253 os processos
tiveram uma enorme eficácia para uma pluralidade de fins. Com
formalismos ou sem formalismos foram eficazes para condenar
em nome de muitos nomes: em nome de razões sociais e em
nome de razões de Estado, em nome do pecado e em nome de
Deus; em nome de incompreensíveis signos e em nome de mis
teriosos, formidáveis e insondáveis nomes.
Historicamente, com formalismos ou sem formalismos, os
ordenamentos jurídicos já permitiram que o processo tivesse
como finalidade a salvação da alma e a salvação da sociedade.
Das finalidades transcendentes, não se tem perdido a memória,
quando o juízo de Deus se manifestava nas Ordálias. E não está
tão afastada a época em que os procedimentos da Santa Inquisi
ção, que torturava para obter a confissão e para purificar a alma
do condenado, antes de entregá-lo ao braço secular, se faziam
em nome de um "bem maior" da sociedade: em nome da fé, e em
nome de Deus.
A atual estrutura normativa do processo está predisposta
para que as partes que dele participam em contraditório, sendo
os destinatários da sentença, contribuindo para sua formação,
saibam por que pode ela constituir o ato de condenação, por que
pode ela impor uma reparação, por que pode ela rejeitar um
pedido de proteção a um suposto direito. Os sujeitos do proces
so que se realiza como um procedimento em contraditório sa
bem, hoje, em nome de que nome o ato final do processo
condena ou declara que não há base para se condenar. E estão
garantidos de que a condenação ou a rejeição do pedido de que
ela se imponha se fará dentro da mais cristalina regra de uma
estrutura normativa que assegura, através de suas formas, a sua
participação em todas as atividades que preparam a sentença,
172
não de modo arbitrário, mas de modo a que seus atos sejam
reciprocamente controlados, em sua oportunidade e em sua
subsistência. Essa é a forma de um jogo democrático que permite
a manifestação das divergências no iter da formação de um ato
final que produz efeitos na esfera de direitos de seus destinatá
rios, mas com a garantia de simétrica igualdade de oportunida
des desses destinatários nos atos preparatórios daquele que se
revestirá de caráter imperativo.
A primeira proteção que o ordenamento jurídico necessita
oferecer aos jurisdicionados é a proteção de seu direito de,
quando destinatário dos efeitos da sentença, participar dos atos
que a preparam, concorrendo para sua formação, em igualdade
de oportunidades.
173
3
0
0 qual a proteção foi requerida, logicamente, ela não poderá ser
0 concedida.
0 Entretanto, em ambas as alternativas, o processo, como
procedimento desenvolvido em contraditório entre as partes
0
D
que, sendo os destinatários do provimento, participam do iter de
sua formação, permite que saibam por que o conteúdo do ato
O' final, ato imperativo do Estado, consistiu na proteção do direito
o
o
o
o 254 Sérias reservas são feitas aos arts. 263 (primeira parte) e 295 (itens I a IV)
3 do CPC brasileiro.
0
3
0 174
0
O
9-5. A PROTEÇÃO DO DIREITO LESADO OU AMEAÇADO
175
sedimentou a idéia de que o escopo do processo é o de atuar o
direito material, e não tardou a lhe acrescentar a pacificação com
justiça, de conflitos sociais, e outras finalidades, nesse plano de
valoração.
Duas considerações são oportunas sobre a imprecisão de
tal concepção. Já se demonstrou que a finalidade do processo
não pode ser confundida com a finalidade da medida jurisdicio
nal imposta pelo provimento. O processo atuará o direito mate
rial se constatado, pelo correto procedimento e através do con
traditório, que há um direito substancial que deve ser atuado.
Caso contrário, não há, obviamente, como atuar um direito ine
xistente.
Já foi posta em relevo a distinção entre a ordem constitucio
nal italiana e a brasileira. Pelo art. 52, item XXXV, da Constituição
da República de 05 de outubro de 1988, não se pode endossar a
afirmação de que o processo se desenvolva para atuar o direito
material. Desenvolve-se para permitir a preciação do Poder Judi
ciário sobre lesão ou ameaça a direito, e a forma dessa aprecia
ção se dá pelo provimento.
O segundo ponto de reflexão volta-se para as afirmações
sobre os escopos do processo que agregam à atuação do direito
material a pacificação com justiça.
Ainda que se estenda o escopo da jurisdição — o da pacifi
cação — ao instrumento de sua manifestação — o processo,
dizer-se que a finalidade deste é pacificar com justiça suscita uma
questão imediata. Os direitos garantidos no processo não se
confundem com o direito material que será objeto de exame na
sentença.
Quando atuado o direito material, se constatada a sua exis
tência no procedimento desenvolvido em contraditório e, cum
prido o pressuposto da medida jurisdicional, esta for imposta, a
176
justiça que decorrerá da atuação da lei terá a mesma medida que
tem a justiça do direito substancial.
A atuação do direito poderá ser valorada como justa, se
justo for o direito a ser atuado. A palavra justiça possui um apelo
emocional muito forte, mas a afirmação que se fez não pode
causar surpresa se se olha para trás na história, ou se se relan-
ceia, também, o olhar sobre o tempo presente.
A valoração da justiça do direito material não é finalidade
do processo. Pode comparecer na sentença, que o processo
prepara, mas nos limites dos deveres da"jurisdição, porque o
exercício do poder jurisdicional, como o exercício de qualquer
poder, se faz dentro da disciplina da lei, e o poder jurisdicional
não é mais o poder de Salomão, mas sim o poder de se cumprir
o dever da jurisdição.
É oportuno observar que, desde os fins do século passado,
a doutrina jurídica passou a revelar uma grande preocupação
com a natureza da função do juiz (não com a natureza da função
jurisdicional, mas com o próprio papel do juiz na função de
aplicar o direito). Surgiram indagações e respostas sobre o que
ele deveria fazer perante a lei injusta, como poderia ter a medida
para julgar com justiça.
No princípio do século, a questão se tornou tão importante
que toda uma corrente doutrinária se formou em torno da cha
mada Escola do Direito Livre, que, começando por investigar a
questão das lacunas, culminou por investigar a missão do juiz, e
seu lema se espalhou, soprado pelo espírito do tempo: "pelo
Direito ainda que contra a lei". Não mais "pelo direito, além da
lei, mas através dela", como queriam os autores mais moderados,
mas "ainda que contra a lei".
A cisão entre o Direito e a lei é questão antiga. Não se fala
nela sem se rememorar Antígone, e SÓFOCLES nasceu por volta
de 496 a.C. O lema "pelo direito ainda que contra a lei" pode ser
encontrado em expressões vigorosas já no século XIII, quando a
contraposição entre o direito justo e a lei injusta foi organica
mente analisada, sob a lógica aristotélica, por SANTO TOMÁS DE
177
üüüüüUÜUOOOÜOOSOOOOOOOuOOOOüüüUüUüt
AQUINO256. Na verdade, a leitura da história da Filosofia do
Direito revela que a questão nunca foi abandonada.
No início do século XX, quando o problema ressurgiu, o
Direito Processual Civil estava dando os primeiros passos para
consolidar sua autonomia. Compreende-se que toda ânsia pela
justiça no processo fosse projetada no papel que se reservava ao
juiz. Se o Direito Processual, que seria o direito do exercício da
jurisdição, ainda estava se construindo, não havia então base
para se discutir a função jurisdicional, dentro das disciplinas
jurídicas, e a alternativa encontrada foi o desvio do problema
para o "papel-missão do juiz". Não se percebia que o juiz fala
pelo Estado, porque está investido da função que é do Estado e
que os membros da sociedade precisavam de maior proteção, no
processo, do que a projetada na consciência do juiz.
Hoje, a sociedade pede mais do Direito. Ela necessita de
bons juizes mas não transfere para a consciência do julgador a
medida de seus direitos. Sabe que a sentença "poderá ser justa
ou, eventualmente, até injusta", como diz ADA PELLEGRINI GRI-
NOVER, o que, obviamente, nunca se deseja. Mas, como pros
segue a processualista, "de qualquer maneira, o que importa é
que a sentença se siga necessariamente a um procedimento legi
timado pelo ‘devido processo legal’. Não a um procedimento
qualquer. Mas a um procedimento que garanta às partes’ e não
somente ao autor, a possibilidade de apresentarem a sua defesa
e as suas provas e a possibilidade de influírem sobre a formação
do livre convencimento do juiz. Só assim a resposta jurisdicional
será, realmente, a resposta adeqüada ao Estado de Direito"257.
256 Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO-La Ley, trad. do Prof. Constantino Fernan-
dez-Alvar, Barcelona: Editorial Labor S.A., 1936. A referida obra é parte da
Sum m a Theologica, /-//, cc 90-97. V. sobretudo Art. 2, Q.6, p.91, em que a
lei injusta não é considerada lei verdadeira, mas corrupção da lei.
178
O Direito Processual Civil se desenvolveu, adquiriu autono
mia, conquistou seu próprio domínio de investigação.
Mas, para lembrar que a construção de uma ciência é uma
atividade muito humana, que passa também pelas contradições e
pelos sonhos humanos, as contradições aparecem dentro da
própria autoconfiança que o Direito Processual adquiriu em seus
achados e em suas conquistas. Ele não pode se considerar como
um domínio do conhecimento pronto e acabado, como se a
construção de seu mundo nada mais tivesse para oferecer de
novo à sociedade, justamente quando ainda tem, em seu próprio
âmago, problemas não resolvidos, e justamente no momento em
que a sociedade descobre suas garantias dentro do Estado.
179
novos escopos que já se difundem pela doutrina brasileira, e por
outras doutrinas, como atestam os Congressos internacionais258.
Em "A Instrumentalidade do Processo", o Professor CÂNDI
DO R. DINAMARCO propõe que se desenvolva uma nova menta
lidade entre os processualistas modernos em torno da "instru
mentalidade do processo", considerada segundo os fins da juris
dição e do processo. Os fins da jurisdição não seriam apenas
jurídicos, mas também sociais, compreendendo a "pacificação
com justiça e a educação", e políticos, a participação, a "afirma
ção da autoridade do Estado e de seu ordenamento". O conceito
de jurisdição não seria jurídico mas político, já que ela é expres
são do poder do Estado e, assim, "é canalizada à realização dos
fins do próprio Estado (.,.)"259. A relatividade social e política
tornaria a jurisdição permeável às mutações dos conceitos de
"bem comum, justiça, e justiça social", ou seja, os escopos da
jurisdição não seriam os mesmos em momentos sociais distintos
e em sistemas políticos diferentes260. Entende que há uma ten
dência universal, "quanto aos escopos do processo e do exercício
da jurisdição: ‘o abandono das fórmulas exclusivamente jurídi
cas’". Aponta outras tendências e registra a impossibilidade de
que os escopos da. jurisdição sejam esgotados nos "sistemas
jurídicos, sociais e políticos do mundo"2*51.
A obra é densa e não se pretendeu senão uma pequena
abordagem sobre o que se designariam como escopos metajurí-
dicos. Esses escopos são inspirados nas contribuições da Socio
logia Jurídica, que, na linha da separação entre Direito e Estado,
180
alerta para o problema da legitimação pelo procedimento, que
acompanhou a racionalização do Estado moderno.
A contribuição de outros campos do conhecimento jurídico
para o da ciência do Direito Processual Civil, e de outros campos
do conhecimento em geral para o conhecimento do Direito
serão sempre bem-vindas. A história das doutrinas demonstra
que nenhum campo da ciência cresceu sozinho. Entretanto,
quando se fala de jurisdição e de processo, está-se diante do
momento em que é o Direito Processual que pode oferecer, hoje,
suas *grandes contribuições para os outros "domínios do saber
jurídico e de outras áreas da investigação científica. Seria desejá
vel que as conquistas do Direito Processual estivessem disponí
veis para outros importantíssimos domínios que se dedicam a
temas vinculados à normatividade e à legitimidade de suas for
mas de expressão, porque seguramente se pode afirmar que hoje
ele tem muito a oferecer à sociedade.
No Direito Processual atual, concebido como sistema nor
mativo, o processo já não pode ser reduzido a uma mera legiti
mação pelo procedimento262, não porque se deva dispensar as
formas, mas porque o processo já não é mais apenas um rito para
justificar uma sentença. A estrutura jurídica que permitiu o de
senvolvimento do conceito de processo construído sobre o con
traditório é resultado de muitas conquistas históricas. O procedi
mento desenvolvido em contraditório entre os interessados na
decisão final construiu-se não como uma forma de participação
dos jurisdicionais para justificar um ato imperativo final do Esta
do, mas como garantia da participação dos detentores de interes
ses contrapostos, em simétrica paridade, para interferir na for
mação daquele ato.
O Direito Processual estuda as normas que disciplinam o
181
exercício da jurisdição. A manifestação do poder jurisdicional
passou por diversos regimes jurídicos no curso de sua história, e
a grande conquista do Direito contemporâneo é a de que, para
que as liberdades se realizem dentro do Estado (e não fora dele,
ou contra ele), o exercício do poder se submete à disciplina do
Direito. É por isso que não é absolutamente vazia a afirmação de
que a jurisdição e o processo são conceitos jurídicos, e a ciência
do Direito Processual não pode renunciar a seu papel de tomar
esses conceitos e trabalhá-los à exaustão, porque estaria se ne
gando a seu papel social de clarificar, de tornar visível e inteligí
vel um tema de profunda importância para a sociedade.
A admissão de escopos metajurídicos da jurisdição e do
processo pressupõem, necessariamente, a existência de três or
dens normativas distintas: a jurídica, a social e a política. Os
escopos metajurídicos só poderiam ser entendidos, portanto,
como escopos pré-jurídicos. Seria possível pensar-se logicamen
te nessa fase pré-jurídica em relação aos momentos de transfor
mação, que preparam o advento de uma nova ordem jurídica. No
momento que antecede a cristalização dos valores que serão
acolhidos pelas normas, das ideologias que constituirão o con
teúdo das normas, pode-se, por certo, pensar em escopos meta
jurídicos que serão postos no ordenamento jurídico pela norma
que funda toda sua legitimidade. A recente experiência brasileira
foi um verdadeiro laboratório para a observação da eleição das
ideologias que iriam compor a nova ordem estabelecida, sob
uma nova Constituição.
Uma vez que o ordenamento jurídico se institui e se conso
lida em normas, condutas e relações humanas, valoradas como
lícito ou ilícito, como conduta devida e conduta que inobserva
aquela estatuída como cânone valorativo, já não se pode mais
cindir o ordenamento da sociedade para, paralelamente à ordem
jurídica que ela instaurou, pensar-se em uma ordem social autô
noma e em uma ordem política autônoma. Três ordens sobera
nas distintas não explicariam a soberania de uma nação, que não
pode ser fragmentada. Ainda que se possa argumentar com a
pluralidade de ordens jurídicas, em diferentes escalas, no meio
social, elas estarão sempre dentro do ordenamento jurídico so
berano, como ordens intra-estatais.
A ordem política e a ordem social têm o seu fundamento na
ordem jurídica, existem dentro do ordenamento jurídico e so
frem a sua regulamentação. Supor o contrário seria o mesmo que
se admitir a possibilidade de se afirmar que, na sociedade orga
nizada, o poder se exerce dentro da lei e pela lei, e que o poder
não se exerce dentro da lei e pela lei. Já se percebe a impos
sibilidade de se manter as duas assertivas, pois mesmo no caso
do abuso do poder, os limites da lei dão a medida para a qualifi
cação de seu exercício abusivo. No Estado contemporâneo de
Direito, o poder se exerce segundo a disciplina da lei, seja ela
mais rígida ou mais elástica, conforme deixe ao Estado um cam
po mais restrito ou mais amplo de decisão sobre a oportunidade
e as formas de suas manifestações. O critério para a aferição
dessa maleabilidade será sempre dado pelo Direito, pois é na sua
lei fundante, na Constituição, que se encontram a estruturação
dos órgãos do poder, a definição de sua competência e os direi
tos e garantias que limitam a sua atuação.
Os ordenamentos jurídicos contemporâneos têm dado um
grande realce ao exercício da jurisdição e ao processo, que é o
instrumento por excelência de sua manifestação. ITALO ANDO-
LINA e GUISEPPE VIGNERA203 demonstram que já se pode falar
em um modelo constitucional de processo formado, não mais
apenas pela estrutura e organização do Poder Judiciário, mas
também, em plano de igual importância, pelas garantias proces
suais dos jurisdicionados, ao lado das garantias do Poder Judiciá
rio e dos juizes investidos na função jurisdicional. A importância
da especial garantia da norma processual acolhida no plano
constitucional já h á mais de três décadas era ressaltada por
183
RENZO PROVINCIALI264. As garantias constitucionais do processo
são garantias da própria sociedade, enquanto se coloca como co
munidade de jurisdicionados perante o Estado, que detém a san
ção em sua universalidade. São garantias de que o Estado não
invadirá o domínio dos direitos individuais e coletivos, se não
for chamado a protegê-los, de que o Estado não instituirá juízos
pós-constituídos, de que a privação dos bens da vida que o
Direito assegura não se dará sem as formas de um processo
devido e de que não se dará sem a participação e o conttole dos
destinatários do provimento em sua própria formação, de que
não se dará sem a devida explicação aos jurisdicionados sobre os
fundamentos de uma decisão que interfere em seus direitos e nas
liberdades pelo Direito asseguradas. Se as Declarações de Direito
do século XVIII se preocuparam em criar as garantias políticas e
criminais dos indivíduos perante o Estado, o século XX, já em fim
de milênio, preocupa-se em "assegurar" a aplicação daquelas
garantias, já ampliadas. Na base dessa preocupação desenvolveu-
se também uma concepção mais ampla de liberdade e de digni
dade dos homens e da sociedade. As relações sociais não são
sempre harmônicas e a paz que pelo Direito se almeja não
consiste em se abolir a existência dos conflitos, amordaçando-se
o pensamento, negando-se as diferenças, para se aniquilar as
divergências. O conflito é acolhido e reconhecido, abre-se o
espaço para que ele se manifeste, e, do jogo do contraditório,
formam-se as decisões que interferem nos direitos individuais e
coletivos na vida da sociedade.
Processo é termo de múltiplas acepções, como se demons
trou quando foram discutidas as conotações da palavra, mas o
conceito de processo, como "estrutura normativa", composta de
normas e de atos, e do provimento final, é jurídico, como jurídi
co é o conceito de jurisdição como função ou atividade do
Estado "sob a disciplina do Direito".
184
3
3
3
Os chamados escopos metajurídicos, sociais e políticos,
acolhidos em regimes diversificados, são, também, sem ne
o
nhuma dúvida, escopos jurídicos acolhidos nas ordens constitu 3
cionais que organizam a sociedade. 3
Assim, por exemplo, quando se traz à colação o modelo socia
lista265, em que o processo inclui, em suas finalidades, a educação
3
para o socialismo, não se pode deixar de considerar que tal finali 3
dade está prevista na Constituição da União das Repúblicas Socia 3
listas Soviéticas, de 07 de outubro de 1967, onde se encontram266,
a partir do art. 151, as normas que disciplinam a jurisdição. Os
3
Tribunais são constituídos por juizes eleitos e assessores populares 3
eleitos, para um mandato com prazo determinado, respondem 3
perante os eleitores ou perante os órgãos que os elegeram, pres- 3
tam-lhes contas de suas atividades e podem ser por eles demitidos
(art. 152). Os juizes e os assessores populares são independentes e 3
estão sujeitos apenas à lei (art. 155), mas essas se fazem segundo as 3
bases do regime social e da política da URSS, definidas na Constitui 3
ção (arts. 1 - a 9a), onde há expressa definição da força orientadora
da sociedade, o Partido Comunista, e expresso compromisso com 3
a doutrina marxista-leninista, em toda a atuação do poder do 3
Estado (art. 6a). 3
Não há outra base na ciência do Direito Processual Civil,
para se afirmar a existência de escopos da jurisdição e do proces
3
so, como instrumento de sua manifestação, a não ser o próprio 3
ordenamento jurídico, dentro do qual se acomodam as ideolo 3
gias, e, nesse caso, os escopos são todos jurídicos.
A reflexão sobre os chamados escopos pré-jurídicos do 3
processo escapa, por certo, ao objeto de investigação do Direito 3
3
265 CÂNDICO R. DINAMARCO reflete sobre ele em várias passagens de "A
3
Instrumentalidade do Processo". 3
266 Naturalmente fala-se aqui do que se contém no texto de outubro de 1967.
Os acontecim entos da Perestroika e da Glasnost e os acontecimentos do
3
final de 1991 não oferecem ainda dados disponíveis para a reflexão sobre 3
os escopos da jurisdição, em épocas posteriores.
3
3
185
3
3
3
Processual Civil, como ciência que estuda a norma que disciplina
a jurisdição. Entretanto, as contribuições que chegam de outras
áreas são, como se disse, sempre bem-vindas, e tomam-se rele
vantes quando os elementos existentes em um momento pré-ju-
rídico são investigados, identificados e apreendidos depois que
são acolhidos pelo Direito e passam a integrá-lo.
Nesse plano a Ciência do Direito dispõe de estudos verda
deiramente preciosos, desenvolvidos sobre a ideologia, em suas
várias formas de manifestação, pelo Professor WASHINGTON
PELUSO ALBINO DE SOUZA267, que demonstram que há uma
"ideologia constitucionalmente adotada", uma ideologia que po
de ser apreendida nos princípios constitucionais que estão na
base de todo o ordenamento normativo.
A valoração da conduta, na sociedade democrática, é feita
por ela própria' através dos processos admitidos na lei fundante
da ordem jurídica, mas é assumida pelo Estado, que detém o
poder politicamente organizado pelo Direito.
Nos sistemas democráticos, que se caracterizam pelo pluralis
mo, em diversos planos de atuação da liberdade, que se desdobra
em liberdades no Estado e perante o Estado, em liberdades priva
das e públicas, individuais e coletivas, a investigação da ideologia
constitucionalmente adotada pode gerar a questão para a qual a
doutrina tem despertado a atenção, a das chamadas antinomias
constitucionais — a convivência de princípios divergentes e con
267 Cf. WASHINGTON PELUSO ALBINO DE SOU2A - Direito Econôm ico, São
Paulo: Saraiva, 1980, pp. 32/49; p. 133 e s.; Ideologia e Ordem Econômica,
in Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, vol. 30, n—
23/25, 1980/1982, pp. 132/154; O Princípio Econômico no Discurso Consti
tucional, in Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n2
60/61, Jan./Iul. 1985, pp. 271/319; A Experiência Brasileira da Constituição
Econômica, in Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte,
vol. 32, n2 32, 1989, pp. 59/96; Poder Constituinte e Ordem Jurídico-Eco-
nômica, in Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, vol.
30, nQ 28/29, Nova Fase, 1985/1986, pp. 51/73 e Revista de Informação
Legislativa, Brasília, vol. 23, n2 89, Jan./mai. 1986, pp. 33/48.
186
traditórios dentro da mesma ordem instituída, declarados em
sua própria base de legitimação.
Os princípios "divergentes" do texto constitucional são ex
traordinariamente significativos, quando se pensa no pluralismo
admitido na sociedade, para cuja vida a Constituição se volta. Os
princípios contraditórios exprimem uma pluralidade de valores,
e se a sociedade é pluralista, e não monolítica, a verdadeira
contradição lógica se daria pela sua inexistência268.
É por esse ângulo que se pode entender que o princípio do
contraditório integra a vida social e se realiza plenamente na socie
dade, o que torna o seu desenvolvimento um verdadeiro proces
so, quando suas questões são resolvidas com a verdadeira parti
cipação de um povo livre. Nem por outro motivo o modelo
renovado de processo, do Direito Processual, como apontou
FAZZALARI, conforme já referido, tem se expandido para os
setores das deliberações privadas, porque nenhum outro se mos
trou mais adequado para a salvaguarda das liberdades.
Ao se admitir a separação entre o Direito material, pára cuja
apreciação o processo se desenvolve, nos casos em que o jurisdicio-
nado pede a proteção do Estado, argüindo sua lesão ou ameaça, e
o Direito Processual que disciplina o exercício do poder jurisdicio
nal que, através do processo, apreciará o pedido e emanará o
provimento, não se pode confundir a finalidade do processo com
as diversificadas finalidades do Direito material, ou substancial.
E a finalidade do processo, compreendida em toda a exten
são e profundidade em que se pode entender o princípio do
contraditório, ressurgirá de sua própria instrumentalidade técni
187
ca. N ão é ela pequena, estreita o u dispensável; a o co n trá rio , é
en o rm e, p rofu n d a e n ecessária.
Essa finalidade p erm ite qu e as p artes receb am u m a sen ten
ça, n ão co n stru íd a unilateralm en te p ela clarividência d o juiz, n ão
d e p en d e n te d o s princípios id eo ló g ico s d o juiz, n ã o co n d icio n a
da pela m agnanim idade de um fen ô m en o Magnaud, m as gerad a
na liberd ad e d e sua p articip ação recíp ro ca, e p elo re c íp ro c o
c o n tro le d o s ato s d o p ro ce sso .
A finalidade d o p ro ce sso , c o m o p ro ce d im en to desenvolvi
d o em co n tra d itó rio e n tre as partes, n a p re p a ração d e um provi
m e n to q u e irá p rod uzir efeitos n a universalidade d o s d ireitos de
seu d estin atário, é a p re p a ra çã o particip ad a d a sen ten ça.
O s resu ltad o s d ela n ão sã o desprezíveis. P o r ela o s h o m en s
e a so cied ad e, d o ta d o s de lib erd ad e e d e d ignidade, p o d e rã o
sab er q u e têm um d ireito assegu rad o, qu e n ão são co n d e n a d o s e
n ã o têm seu s su p o sto s d ireitos rejeitad os em n o m e d e qualquer
o u tro n om e, a n ão se r em n o m e d o D ireito, d o D ireito q u e a
p ró p ria so cied ad e form ulou e d o D ireito cu ja existên cia foi p o r
ela co n se n tid a 269.
188
CAPÍTULO '
CONSIDERAÇÕES FINAIS
190
dimento, então mero rito, era repudiado. Esgotando-se na for
ma, não merecia um esforço de reflexão mais sério. A ação
tornou-se o centro do universo do Direito Processual Civil, e
desse centro se irradiaram os conceitos que seriam utilizados no
tratamento de seu objeto, mesmo quando este foi identificado na
norma processual e no processo.
O Direito Processual Civil brasileiro deve a sua renovação
ao brilhantismo intelectual de LIEBMAN. E se desenvolveu em
paralelo com a doutrina italiana, que recebera suas bases da
Alemanha do século XIX, privilegiando, também, em suas inves
tigações, o direito de ação.
A doutrina do Direito Processual Civil esteve consciente das
dificuldades geradas pelas múltiplas teorias da ação, mas não se
deteve suficientemente no reexame dos conceitos que estavam
em suas bases.
O direito subjetivo, a ação, a relação jurídica, o processo,
formavam um quadro conceituai desenhado no século passado
para explicar a atividade do Estado que se manifesta na jurisdi
ção.
191
va do século passado não são adequados para responder à reali
dade normativa do mundo de hoje. O processo foi concebido
como uma relação jurídica na circunscrição de um direito marca
do pelo individualismo.
A categoria de relação jurídica, com seu vínculo de sujeição,
foi submetida à reflexão e à crítica da doutrina do século XX,
exigidas por um direito que se transformou na ampliação das
garantias sociais. A reflexão crítica incidiu também sobre a clás
sica concepção de direito subjetivo que era o esteio da categoria
da relação jurídica. Ao conceito de relação jurídica como vínculo
entre sujeitos foi proposta a alternativa da categoria de situação
jurídica, que permite o exame de poderes, faculdades e deveres
na correlação da poçição subjetiva com a norma.
192
exerce-se nos limites do ordenamento jurídico, sob sua discipli
na, em uma estrutura normativa, em que os atos e as normas são
conectadas em especial forma de.interdependência.
194
com a participação das partes na fase de preparação da sentença,
a reflexão jurídica se ateve à missão do juiz, e projetou nele a
grande esperança de se retificarem as injustiças do Direito posi
tivo.
195
disciplinada. O provimento se forma sob a regulamentação de
toda uma estrutura normativa que limita a manifestação da juris
dição e assegura às partes o direito de participação igual, simétri
ca e paritária, na fase que prepara o ato final (Cf., novamente,
rodapé 268).
196
que um direito é assegurado, uma condenação é imposta, ou um
pretenso direito é negado não em nome de quaisquer nomes,
mas apenas em nome do Direito, construído pela própria socie
dade ou que tenha sua existência por ela consentida.
22. Este estudo foi iniciado por uma reflexão sobre a cíclica
crise de confiança da cultura ocidental na razão, crise què se
estende à racionalidade do Direito. E conclui pela afirmação da
necessidade de se recuperar a função social do conhecimento. As
práticas caóticas, e as aventuras experimentais, sem maiores
compromissos com a fundamentação, quando se destinam a
influir no campo social, atingindo liberdades, têm provocado
ingentes sofrimentos, muitos deles irremediáveis.
197
ÍNDICE
INTRODUÇÃO....................................... ........................................
CAPÍTULO I
CIÊNCIA E TÉCNICA
1.1. A C iência............................................................................
1.2. A T écnica.............................................. - ...........................
1.3- Relações Entre Ciência e T écn ica...........................-. .
CAPÍTULO II
CIÊNCIA JURÍ DICA E TÉCNICA JURÍDICA
2.1. Relação Entre Ciência Jurídica e Técnica Jurídica . .
2.2. Os Campos da Investigação do Direito ....................
2.3- Dogmática Jurídica e Teoria Geral do Direito . . . .
2.4. A Técnica Ju ríd ic a ............................................................
2.5. O Auxílio da L ó g ic a .........................................................
2.5.1. Mitificação e D esm itificação...........................
2.5-2. Um Instrumento para um Raciocínio . . . .
CAPÍTULO III
CIÊNCIA DO DIREITO PROCESSUAL E TÉCNICA PROCESSUAL
; 3 -1. A Ciência do Direito Processual e seu Objeto . . . . 45
l 3-2. A Necessidade da Distinção Entre a Ciência e
seu O b je to ......................................................................... 47
3.3- A Norma Processual..................................... 48
3.4. AJ u r is d iç ã o ......................................................... ... 50
3 5. O P ro cesso ............................................................•. . . . 55
I CAPÍTULO IV
PROCESSO E PROCEDIMENTO
4.1. Processo e Procedimento: multiplicidade de
Acepções ............................................................... 59
l 4.1.1. Processo .................................................. 59
! 4.1.2. Procedim ento.................................................. I 61
[ 4.2. Procedimento e Processo: Duas Tendências
i Teóricas D istin tas............................................................. 62
| 4.2.1. Procedimento e Processo: A Distinção Baseada
em Critério "Teleológico"................................. 64
4.2.2. A Base da Distinção pelo Critério
y-j j‘ T e le o ló g ic o .................................. ....................... 66
22 1 4.2.3- Procedimento e Processo Vistos Sob Uma
24 | Perspectiva Lógica ............................................ 67
CAPÍTULO V
O PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA
27 5 1. Relação Jurídica Processual............................................ 70
28 j 5.2. A Questão da Relação J u r íd ic a ..................................... 73
29 5 3. A Questão do Direito Subjetivo ..................................75
31 5 4. As Dificuldades na Aplicação do Modelo Clássico de
36 , Relação Jurídica e do Clássico Conceito de
36 Direito Subjetivo ............................................................78
39 5 5. As Reações da Doutrina e a Formulação de
,! Novas Propostas............................................................... 81
5.6. A Negação da Relação Jurídica Pela sua Redução a Uma
Conexão de Normas e a Correlata Negação do Direito
Su bjetiv o............................................................................ 81
5.7. A Teoria das Situações Ju r íd ic a s ................................85
5.8. Direitos Subjetivos e Situação Ju ríd ica...................... 90
5-9- O Problema do Direito Subjetivo Como Poder
de Exigir a Conduta de Outrem . ............................91
5.10. A Questão da Concepção do Processo Como
Relação Ju r íd ic a ............................................................... 97
CAPÍTULO VI
O PROCESSO COMO PROCEDIMENTO REALIZADO
EM CONTRADITÓRIO ENTRE AS PARTES
6.1. Procedimento: Atividade Preparatória do
Provimento ......................................................................102
6.2. A Renovação do Conceito de Procedim ento............ 103
6.3. A Contribuição de ELIO FAZZALARI......................... 105
6.3.1. O Processo Como Espécie do Gênero
Procedimento ......................................................111
6.3 2. O Processo Como Procedimento Realizado em
Contraditório ........................................ ... 115
6.4. O C ontraditório............................................................ . 119
6.5. Condições e Resultados da Caracterização do
C o n trad itó rio ...................................................................129
CAPÍTULO VTI
A REVISÃO DO CONCEITO DE AÇÃO
7.1. A Ação: Resposta da Ciência ao Problema de
Uma É p o ca ......................................................................... 133
7.2. A Revisão do Conceito de A çã o ....................................143
CAPÍTULO VIII
A SITUAÇÃO DE DIREITO MATERIAL E O PROCESSO . . . 1 55
CAPÍTULO IX
AINSTRUMENTALIDADE TÉCNICA DO PROCESSO
9-1. O Processo Como T é c n ic a ..........................................168
9-2. A Finalidade do Processo Jurisdicional ................... 170
9 3- A Proteção de Direitos ............................................... 171
9.4. A Proteção de Direitos M ateriais............................... 173
9 5- A Proteção do Direito Lesado ou Ameaçado........... 175
9-6. A Questão dos Escopos Metajurídicos do Processo . 179
CAPÍTULO X
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................. ... 189
BIBLIOGRAFIA............. .................................................................199
ÍNDICE DE AUTORES................................................................. 212
ÍN D ICE.................................................................. ; . ...................220