Professional Documents
Culture Documents
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi realizado para a disciplina de História das Artes a pedido do
professor. O desafio era juntar e analisar três quadros.
Nesse sentido, procurei encontrar quadros de épocas diferentes que tivessem a
mesma temática, que me agradassem e que me ensinassem alguma coisa. Mais do que falar
do que conheço, queria tocar num tema que me fosse menos conhecido, para que, desse
modo, este trabalho me ajudasse a não só que, no futuro, pudesse interpretar melhor certos
quadros como a compreender coisas que desconheço e não entendo.
Como nasci numa família algo desligada da religião, essa temática é-me praticamente
desconhecida. Muitas das obras de que gosto têm uma relação forte com a Bíblia, o meu
desconhecimento nessa área faz com que muitas vezes tenha dificuldade em interpretar
essas obras. Por isso, quis estudar obras que tratassem um tema religioso para aprender um
pouco mais desse universo.
Por outro lado, e tendo em conta a sugestão do professor, procurei quadros que
estivessem reproduzidos nos manuais ou autores que nele estivessem referidos. Assim, a
minha escolha recaiu sobre três quadros que tratam o tema da Anunciação realizados por
Fra Angelico, Leonardo da Vinci e Paula Rego. Os dois primeiros estão no manual do 10º
ano que foram a minha principal fonte de informação, o terceiro encontrei-o num livro
sobre a autora, sendo que o seu nome é referido no manual do 11º ano.
Ao longo deste trabalho vou procurar compreender o que é a Anunciação, analisar
individualmente cada um dos quadros e, por fim, compará-los tendo em conta o que
normalmente é pedido nos exames desta disciplina.
A ANUNCIAÇÃO
A Anunciação, também conhecida como Anunciação da Virgem Maria, é a
celebração cristã do anúncio pelo Anjo Gabriel a Virgem Maria de que ela seria a mãe de
Jesus Cristo. Apesar da virgindade, Maria conceberia milagrosamente uma criança, que
seria chamada de Filho de Deus. Gabriel disse a Maria que deveria chamar à criança Jesus
("Salvador"). Muitos cristãos celebram este evento na festa da Anunciação, em 25 de
março, exatamente nove meses antes do Natal.
A Anunciação é também um dos mais importantes temas da arte cristã em geral,
particularmente durante a Idade Média e o Renascimento.
Apenas o Evangelho Segundo Sº Lucas descreve esta situação. O Evangelho de Sº
Marcos faz referência a um Anjo, mas neste caso ele comunica a José o milagre da
conceção para que este a aceite.
Comum em todos os quadros que tratam este tema é a presença do Anjo Gabriel. A
palavra Anjo deriva do latim angelus e do grego ángelos (ἄγγελος) que significavam
mensageiro. É importante na cultura cristã como mensageiro ou intermediário de Deus
junto dos homens. Por ter esta qualidade, representa-se habitualmente com asas,
mostrando-o entre os dois mundos – o terreno e o celeste.
A OBRA
Esta Anunciação de Fra Angelico é uma das várias que foram pintadas por este autor.
Foi realizada por volta de 1434, tendo como medidas 160 por 180 cm, usando a técnica de
têmpera sobre madeira e encontra-se atualmente no Museu Curico, Cortona. Essa pintura
é o painel central de um complexo retábulo com uma elaborada moldura entalhada e
pequenos painéis laterais, mostrando cenas da vida da Virgem, provavelmente
encomendado pelos frades dominicanos que a têm como padroeira.
A ÉPOCA
O Alto Renascimento foi a fase de culminação do Renascimento, que se dissipou mal
foi atingida, mas seu reconhecimento é importante porque ali se cristalizaram ideais que
caracterizam todo o movimento renascentista: o humanismo, a noção de autonomia da arte,
a emancipação do artista de sua condição de artesão e equiparação ao cientista e ao erudito,
a busca pela fidelidade à natureza, e o conceito de gênio, tão perfeitamente encarnado em
Da Vinci, Rafael e Michelangelo. Se a passagem da Idade Média para a Idade Moderna
não estava ainda completa, pelo menos estava assegurada sem retorno possível.
A OBRA
A Anunciação, ou L’annunciazione, em italiano, é um óleo sobre painel de Leonardo
da Vinci, pintado entre 1472 e 1475, com 98.4 × 217 cm de dimensão. O trabalho ficou
oculto até 1867 quando foi transferido de um convento próximo de Florença para a Galeria
degli Uffizi, também em Florença.
Os três elementos fundamentais deste quadro são o anjo, a Virgem e a paisagem do
fundo. Embora haja dúvidas quanto à autoria do quadro, nomeadamente nos que se refere
à decoração da mesa de pedra, em frente à qual se encontra sentada a Virgem Maria, bem
como a frieza retilínea dos silhares do edifício que surge por detrás, os três são são tão
característicos do conceito e estilo de Leonardo que a mais ninguém se pode atribuir a sua
autoria
Ainda que a interpretação, a composição e a rigorosa perspetiva linear se insiram
perfeitamente na continuidade estilística proveniente do Quattrocento, os aspetos
inovadores podem encontrar-se na paisagem de fundo, na luz, na composição das figuras e
na expressão dos rostos.
A pintura retrata a paixão de Leonardo Da Vinci pela natureza, já que o artista pintou
muitos elementos naturais minuciosamente desenhados, com precisão naturalista como as
flores, o mar e as montanhas, a névoa azul clara, os efeitos atmosféricos trabalhados como
o sfumato. Uma luz dourada de fim de tarde derrama-se por toda a cena, transformando em
sombrias silhuetas as árvores de fundo.
Também o anjo projeta uma sombra à sua frente, ao pousar silenciosamente e com
as asas abertas no canteiro florido que se encontra à frente de Maria. A sua atitude é de
respeitosa distância. Ajoelhado, inclina-se submisso para a frente, mas a sua testa alta e
orgulhosa está virada para ela. Com os olhos levemente obscurecidos pela sombra dirigida
a ela, lança-lhe um olhar intenso, que o revela como conhecedor no seu destino. A sua boca
entreaberta está prestes a anunciar a “boa nova”, mas algo nos faz intuir que os seus lábios
suaves são irão revelar tudo aquilo que sabe sobre o doloroso final da história da Redenção.
O seu braço erguido e o gesto da mão correspondem numa perfeita harmonia à forma das
asas. O anjo ainda segura uma flor em sua mão, símbolo da virgindade e pureza de Maria.
Com um olhar mais admirado do que surpreendido, embora atento, a jovem Maria escuta
as palavras do anjo. Esta é uma obra humanista, visto que a Virgem Maria não é retratada
de forma submissa, e sim de maneira a entender o seu papel na vida de Jesus Cristo. A
sombra de incerteza de dúvida que se espelha nos seus olhos rasgados e ligeiramente
oblíquos parece converter-se, nesse preciso momento, num gesto de reconhecimento
imediato. Com a doçura da inocência, embora com a concentração que só a sabedoria
concede, esse jovem rosto dá a impressão de pertencer a uma criança inteligente e
estranhamente madura. Já neste quadro se manifesta a mestria de Leonardo em integrar a
alma e o tema numa grandiosa harmonia.
Uma primeira análise da obra pode concluir que alguns elementos estão
representados de forma desproporcional do ponto de vista da perspetiva, mas um estudo
aprofundado de especialistas descobriu que a perspetiva é corrigida ao observar a pintura
de um determinado ângulo à direita, ou seja, Da Vinci o fez de forma premeditada
considerando o local de apreciação da obra
A ÉPOCA
Não há um consenso entre os autores sobre o início do período contemporâneo na
arte. Neste trabalho vamos considerar que a arte contemporânea, os seus estilos, escolas e
movimentos, tenha surgido por volta da segunda metade do século XX, mais precisamente
após a Segunda Guerra Mundial, como ação de rutura com a arte moderna. A arte
contemporânea começou a questionar a sociedade do pós-guerra, rebelando-se contra o
estilo de vida difundido no cinema, na moda, na televisão e na literatura.
Constituído por vários movimentos que foram surgidos ao longo das décadas, cada
um deles revela-se por meio de uma linguagem própria, através da constante
experimentação de novas técnicas, incorporando ou questionando as diferentes inovações
técnicas e tecnológicas.
Se a velocidade das máquinas e o movimento foram dois dos pilares da arte moderna,
a perceção do tempo, por sua vez, continua sendo fator motivante para as expressões
artísticas contemporâneas.
A OBRA
Esta obra de Paula Rego insere-se num grupo de oito pequenas pinturas que foi
convidada a fazer pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, em 2002, para
preencher um número igual de nichos na parede da capela de Nossa Senhora de Belém, no
Palácio da Presidência em Lisboa.
É uma pintura quase quadrada que usa a técnica do pastel. Paula Rego nem sempre
privilegiou esta técnica, nos anos 60, por exemplo, usava enormes colagens. O uso do pastel
aproxima a pintura do desenho, proporciona uma maior espontaneidade, permitindo à
artista a captação rápida de pormenores, atitudes ou momentos.
Esta obra, como é comum em muitas obras da autora, não é uma mera ilustração de
um acontecimento. A artista reescreveu visualmente a história que lhe serviu de motivo,
selecionando e salientando detalhes e interpretações que acabam por sobrepor o seu
universo à narrativa inicial.
À obra de Paula Rego aplica-se o provérbio de que quem conta um conto acrescenta
um ponto. A artista acrescenta sentidos e interpretações, compondo as figuras de tal modo
que se abre toda uma complexidade de interpretações, desafiando e implicando o espetador
pela estranheza, pelo desvio.
Neste quadro temos o confronto entre o real e o imaginário, a materialidade de uma
situação quotidiana, uma jovem que lê, contraposta à excecionalidade da situação, o
aparecimento de um Anjo. Paula Rego representa a sua Virgem da Anunciação como uma
pré-adolescente vestida com um bibe branco bordado, com folhos nos ombros como era
uso nos anos 40, a década em que ela foi uma pré-adolescente, pode dizer-se não só que
ela recuou ao melhor da sua memória para encontrar a imagem de uma menina desprotegida
e inocente a quem é proposta uma realidade inaudita, como nos poderá dizer que esta
realidade foi vivida, de algum modo por si e por qualquer pré-adolescente. Será ela mesmo,
a compreensão da maternidade? O momento em que uma jovem compreende que pode ser
mãe? Será o Anjo apenas a mulher mais velha que lhe comunica essa sabedoria ainda oculta
da criança?
Neste caso particular, a artista não só dialoga com a narrativa bíblica como com a
representação clássica deste tema, nomeadamente com os quadros citados. Num misto de
respeito e transgressão, de conhecido e desconhecido, de modelo e invenção, os corpos são
colocados lado a lado (tal como nas representações de Fra Angelico e Leonardo da Vinci),
contudo, de frente para o espetador e olhando um para o outro. Por um lado, oferecendo-
se ao olhar e interpretação do espetador, por outro refugiando-se desse olhar. O Anjo
tocando na barriga, algo desajeitado e cujo corte de cabelo acentua uma certa rigidez, pode
estar a anunciar a boa nova a Maria, como, pelo contrário, referir-se à sua própria gravidez,
o que é acentuado pela posição dos dedos da mão direta que nos outros quadros se dirigem
a Maria e neste quadro tocam em sim mesmo, pelos olhos fechados do Anjo, como que em
sinal de recolhimento e por fim pelo olhar que Maria lhe dirige, curioso e expetante.
A Virgem da Anunciação, enquanto pré-adolescente, algo infantil e provocadora no
jogo do olhar, na forma como junta e desnuda as pernas, tem a ver com uma história que
Paula Rego contou muitas vezes referente a uma menina que viu um dia numa feira da
Ericeira. Essa menina tinha cerca de doze anos e trabalhava como assistente do pai que
dirigia um pequeno teatro de fantoches. Diz Paula Rego que ela era pequena e fazia tudo
quanto o pai lhe dizia para fazer com enorme eficiência e, numa entrevista dada em 1999,
completa “Mas impressionou-me muito aquela menina, tão eficiente e capaz de viver a vida
dos adultos. Penso que todas as crianças que fiz daí em diante têm a ver com aquela menina,
sabes?”. O que há de perturbador nesta imagem e nesta entrevista é esse descobrir do adulto
que há em cada criança. Do que há de inocente e perverso em cada criança. Do que há de
sagrado e de profano nesta imagem.