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MÔNICA BAHIA SCHLEE

A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO:


MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS

TESE DE DOUTORADO

ORIENTADORA: PROF. DRA. VERA REGINA TÂNGARI (PROARQ/FAU/UFRJ)

CO-ORIENTADORA: PROF. DRA. ANA LUIZA COELHO NETTO (PPGG/IGEO/UFRJ)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


CENTRO DE LETRAS E ARTES
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROARQ - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA

Rio de Janeiro
Julho 2011
Schlee, Mônica Bahia.

S339 A ocupação das encostas no Rio de Janeiro: morfologia, legislação e


processos sócio-ambientais / Mônica Bahia Schlee. Rio de Janeiro: UFRJ / FAU, 2011.
xxii, 398 f.: il.; 30 cm.
Orientadora: Vera Regina Tângari.
Co-orientadora: Ana Luiza Coelho Netto.
Tese (doutorado) – UFRJ / PROARQ / Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, 2011.
Referências bibliográficas: f. 385-397.

1. Paisagem urbana. 2. Planejamento habitacional. 3. Encostas – Rio de Janeiro (RJ) -


Teses. 4. Morfologia urbana. 5. Legislação. 6. Aspectos ambientais. 7. Aspectos sociais. I.
Tângari, Vera Regina. II. Netto, Ana Luiza Coelho. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura. IV. Título.

CDD 712

ii
Para Bernardo e Elisa,
com amor

v
As paisagens nos fazem perguntas.

Pierre Gourou

A paisagem de hoje é um legado das heranças do passado. Sem entendê-las, não seremos capazes de
interpretá-la nem de intervir de forma adequada sobre ela.

Maurício de Almeida Abreu

vi
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer sinceramente a todos que me guiaram, me apoiaram, me indicaram caminhos e referências, me
ajudaram a descontrair e a enxergar mais além, participando de variadas formas desse trabalho.

A professora e orientadora Vera Regina Tângari, pela presença amiga e orientação segura, pelo apoio e confiança e por
me estimular a ter coragem de olhar os detalhes.

A professora e orientadora Ana Luiza Coelho Netto, pelo seu exemplo, pelas sugestões de direcionamentos e conversas
estimulantes.

A Alice Amaral dos Reis pela compreensão e apoio, pelos ensinamentos e pelo exemplo ao longo dos anos de
convivência profissional.

A Valdinam dos Santos, Raphael Urbano de Andrade e Ana Lúcia Costa Mendes, meus guias nas viagens pela Floresta
da Barra, Guararapes, Vila Cândido, Cerro-Corá e Rocinha, e ao PC da Rocinha pelas indicações e informações
valiosas.

Aos professores Maria Paula Albernaz, Jonathas Magalhães Pereira da Silva e Luiz Manoel Gazzaneo, membros da
banca, pelas valiosas sugestões e críticas construtivas.

Aos professores André Avelar e Henri Acselrad pelas ótimas aulas e sugestões de material bibliográfico.

Ao professor Maurício de Almeida Abreu pelo exemplo de dedicação e coerência nas pesquisas acadêmicas, pela
atenção e pela delicadeza em disponibilizar seus artigos referenciados esta pesquisa.

Ao professor Michael Conzen pelas sugestões e indicações de material bibliográfico.

Aos companheiros da equipe da Coordenadoria de Macroplanejamento da Secretaria Municipal de Urbanismo: Daniel


Mancebo, André Pelech, Paulo Vianna, Wanderson Correa, Márcio Lopes, Claudia Muricy, Samir Costa, Kelly Esch,
Pedro Rolim, Marlene Ettrich e Valéria Hazan pelas estimulantes discussões sobre áreas de restrição à ocupação e
sobre legislação urbanística, pelos ensinamentos de ArcGis (em especial, a Paulo Vianna, pela paciência e calma ao
ensinar) e pelos momentos de descontração.

Aos companheiros do Grupo de Pesquisas SEL-RJ: Vera Tângari, Rubens de Andrade, Julieta de Souza Nunes, Andrea
Rego, Maria Angela Dias, Paulo Rheingantz, Noemia Figueiredo, Rita Montezuma, Rogerio Cardeman, Elaine Moreira,
Ines Isidoro, Maria Alice Sampaio, Luiz Neves e Denise Alcântara pelo apoio solidário, pelas trocas, pelos momentos de
descontração e pelas estimulantes discussões sobre sistemas de espaços livres.

Aos professores e colegas do Grupo de Pesquisas QUAPA/SEL-SP: Silvio Soares Macedo, Sonia Afonso, Stael de
Alvarenga Costa, Marieta Maciel, Eneida Mendonça e Aruane Garzedin pelas informações valiosas sobre as cidades
pesquisadas.

A Luiz Carlos de Toledo; à Mayerhofer e Toledo Arquitetura, Planejamento e Consultoria Ltda e ao Consórcio
Mayerhofer & Toledo, MPS, Locus e à Arquitraço pela cessão do mapeamento dos levantamentos de campo e acesso
aos relatórios de diagnóstico do Plano Sócio-Espacial da Rocinha e do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC
Rocinha.

Ao professor e coordenador do Grupo de Pesquisas QUAPA/SEL-SP, Silvio Soares Macedo, pela cessão das imagens
aéreas das cidades pesquisadas e pela ilustração da capa da tese.

vii
Ao professor Jonathas Magalhães Pereira da Silva, pela cessão dos esquemas gráficos utilizados nesta pesquisa.

Aos professores, colegas e amigos Maria Lais Pereira da Silva, Marcia Nogueira Batista, David Cardeman, Eduardo
Barra, Jacira Saavedra Farias, Andrea da Rosa Sampaio, Sergio Rodrigues Bahia, Anita Correa Lima, Solange
Carvalho, Lais Coelho e Rubens de Andrade pelas trocas, explicações, informações, dicas e empréstimos de material
bibliográfico.

Aos bolsistas e estagiários Brunna Wopereis, Cauê Capillé, Natalia Parahyba, Isabelle Fachetti, Raquel Meneses
Cordeiro (FAU/UFRJ) e Ingrid Araújo (IGEO/UFRJ) pela participação nos levantamentos, pela ajuda na preparação do
material gráfico e pela dedicação na preparação da editoração para a defesa da tese.

Aos colegas Adriano Alem, Gustavo Peres Lopes, Murilo Medeiros, Luiz Arueira da Silva, Marco Zambelli, Fernando
Cavalieri, Rita Luz dos Santos, Maria Ernestina Cunha, Luisa Dias, Martha Nunes, Myriam Geoffroy, Mariana Barroso
Ferreira, Georgete Barreto, Glória Torres, Maria Regina Pinho de Sá, Priscila Sholl Machado, Denise Melo, Marisa
Valente, André Peixoto, Mauro Reis, José Aureliano da Cunha Neto, Dauro Leite Filho, Oswaldo Gomes Pires, Maria
Cristina Tardin Costa, Antonio Correa, Heliete Soares, Lucia Vetter, Sabrina Gassner Ribeiro, Marília Borges, Leonor
Junqueira, Regina da Pós, Elcio Romão, Nelson Meirim, Luiz Brandão da Silva, Brasiliano Vito Fico, Leda Magno,
Roberto Rocha, Mauro Salinas, Paulo Fonseca, Antonio Humberto Gomes, Georgiane Costa e Pedro Jorgensen pelas
explicações, informações e disponibilização dos dados utilizados nesta pesquisa.

A Maria Rosália Guerreiro, que estudou as povoações localizadas em encostas em Portugal, pelas trocas durante o
International Seminar on Urban Form - ISUF 2011: Urban Morphology and the Post-carbon City, em Montreal, Canada e
pelo acesso à sua dissertação de mestrado.

Aos queridos Vera Tângari e Rubens de Andrade pelo auxílio luxuoso na virada da editoração e montagem da tese para
a defesa.

Ao meu companheiro de vida Bernardo pelo carinho, pelo estímulo e apoio (inclusive logístico, com computadores e
programas) e pelos nossos momentos de encontro.

Aos queridos Bernardo e Elisa, Iracema e Gustavo, Dalu e Antonio Augusto, Magda, Zé, Lucas e Antonio, Márcia,
Cláudio e Sofia, Cida e Júlio, Zeca e Marina, Crica, Evandro e Rafinha, Maurício, Carol e Clara, Ricardo e Dominichi
pelo carinho, pela presença, pelo apoio e pelos momentos felizes.

Aos queridos Ana Luiza Ehlers Melecchi, Charles e Jivan Goodman por me ajudar a enxergar a mesma imagem por
outros ângulos.

À Fundação Bento Rubião pelo acesso aos relatórios do Plano de Regularização Fundiária Sustentável da Rocinha.

Ao Laboratório GEOHECO/IGEO/UFRJ.

Ao Centro de Documentação da Secretaria Municipal de Habitação pelo acesso aos diagnósticos do Programa Favela-
Bairro relativos às comunidades analisadas.

A Coordenadoria Geral de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal de Urbanismo.

A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

viii
RESUMO

O objetivo da presente pesquisa é refletir sobre a situação atual da ocupação das encostas e seus
efeitos na transformação da paisagem da cidade do Rio de Janeiro, identificar os padrões morfológicos, os
processos e as lógicas que lhes deram origem e investigar a influência da legislação na sua formação,
transformação e disseminação sobre o território, bem como na gênese dos conflitos sócio-ambientais que aí
têm lugar.
Este trabalho fundamenta-se em contribuições da ecologia da paisagem, da morfologia urbana e da
arquitetura da paisagem e desenvolve-se em três escalas de análise. O primeiro nível de análise diz
corresponde à contextualização da cidade do Rio de Janeiro, em comparação a outras quatro cidades
brasileiras − Florianópolis, Vitória, São Paulo e Belo Horizonte, à luz dos aspectos geo-biofísicos,
paisagísticos e de regulação da ocupação e de proteção das encostas. O segundo nível de análise refere-se
à caracterização da ocupação nos maciços e morros isolados no contexto intra-urbano da cidade do Rio de
Janeiro. O terceiro nível de análise diz respeito à ocupação das encostas no Maciço da Tijuca, onde se
localiza o único Parque Nacional brasileiro integralmente urbano; com foco em três áreas de maior
detalhamento, localizadas em áreas sujeitas a intensa pressão urbana decorrente da progressiva valorização
imobiliária, em suas vertentes sul, leste e oeste, nas bacias de São Conrado e do Rio Rainha, do Rio Carioca
e do Rio Cachoeira.
Parte-se do pressuposto de que uma leitura sistêmica da paisagem urbana implica em análises
complementares do suporte geo-bio-físico e do suporte construído em diversas escalas, articuladas a
diagnósticos comparativos a outros contextos de referência. A partir dessa premissa, defende-se a hipótese
de que a morfologia da paisagem das encostas reflete a lógica dos processos que a produziram ao longo do
tempo e a influência da legislação que incide sobre ela. Defende-se também que os espaços livres
localizados nas encostas são fundamentais para fortalecer a aplicação de instrumentos legais destinados à
proteção das florestas urbanas no Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Ocupação de Encostas, Paisagem, Morfologia, Legislação, Processos sócio-ambientais;


Conflitos sócio-ambientais.

ix
ABSTRACT

The goal of the present research is to reflect on the existing conditions of the occupation of the
mountains and its effects on the transformation of the urban landscape of Rio de Janeiro, to identify the
morphological patterns, processes and the logic that originated them and to investigate the influence of
legislation on its configuration, transformation and sprawl over the territory, as well as the origin of social-
environmental conflicts which take place there.
This work is based on contributions of the fields of landscape ecology, urban morphology and
landscape architecture and is developed in three scales of analysis. The first level of analysis is the city of Rio
de Janeiro and its national context, in comparison with four other Brazilian cities – Florianópolis, Vitória, São
Paulo and Belo Horizonte – in the light of geo-physical, regulatory and landscape protection aspects. The
second level of analysis corresponds to the characterization of the occupation in the massifs and isolated hills
within Rio de Janeiro City limits. The third one comprises the urban occupation process of Tijuca Massif,
where the only totally urban Brazilian National Park is located, with focus on three case studies, situated in
areas subject to intense pressure from real-estate market in the south, east and west slopes of Tijuca Massif,
in São Conrado, Rainha, Carioca and Cachoeira river basins.
The research assumes that a systemic analysis of the urban landscape implies on complementary
and integrated studies of the geo-physical and the built environments on different scales, in articulation to
assessments in other referential contexts. From this premise, the supported hypothesis stands that the
morphology of the mountainous landscape of Rio de Janeiro reflects the logic of the processes occurred over
time and the influence of the legislation which regulates it. It is also argued that the open spaces located on
the mountains are critical to strengthening the application of legal instruments dedicated to the protection of
Rio de Janeiro’s urban rainforests. The approach proposed in this research and its developments indicate that
the urban planning, the regulation and the logic of both formal and informal occupation in the edge in between
the forest and the urban tissue on the slopes need to be adjusted in order to enable the open space system to
reverse the situation of instability and spatial segregation in the borders of the protected areas.

Key-words: Hillslope settlement, Landscape, Morphology, Legislation, Social-environmental processes,


Social-environmental conflicts.

x
LISTA DE FIGURAS

Fig. 1. Cidades brasileiras e recortes espaciais estudados

Fig. 2. O perfil montanhoso da Região Sudeste do Brasil.

Fig. 3. Esquema geomorfológico da Região Sudeste do Brasil.

Fig.4. Domínios morfoclimáticos e localização das cidades analisadas.

Fig. 5. Biomas brasileiros e localização das cidades analisadas.

Fig. 6. Rio de Janeiro: Domínios montanhosos e mancha urbana na Região Metropolitana.

Fig. 7. Rio de Janeiro: Domínios montanhosos e mancha urbana na Cidade do Rio de Janeiro.

Fig. 8 a e b. Perfil montanhoso do Maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, na vertente voltada para a zona sul.

Fig.9. Florianópilis: Domínios montanhosos e mancha urbana.

Fig. 10 a e b. Perfil montanhoso dos maciços costeiros em Florianópolis.

Fig. 11. Vitória: Domínios montanhosos e mancha urbana.

Fig. 12. Perfil montanhoso do Morro da Fonte Grande, em Vitória.

Fig. 13. São Paulo: Domínios montanhosos e mancha urbana.

Fig. 14. Perfil montanhoso da Serra da Cantareira, em São Paulo.

Fig. 15. Belo Horizonte: Domínios montanhosos e mancha urbana.

Fig. 16. Belo Horizonte emoldurada à sudoeste pela Serra do Curral.

Fig. 17. Região que apresenta os maiores índices de ocorrências de deslizamentos em áreas urbanas.

Fig. 18. Rio de Janeiro: Cicatriz na paisagem decorrente de um dos deslizamentos.

Fig. 19 a e b. Rio de Janeiro: Igrejas e fortificações em topos de morros junto à Baia da Guanabara.

Fig. 20 a e b. Rio de Janeiro: Vetores de ocupação iniciais a partir da área central.

Fig. 21. Rio de Janeiro: Relação de contigüidade entre a ocupação formal e informal.

Fig. 22. Rio de Janeiro: Configuração da ocupação formal e informal na Bacia do Rio Carioca

Fig. 23. Florianópolis: Padrão linear da ocupação formal.

Fig. 24. Vitória: exemplo de padrão de ocupação do Morro da Fonte Grande.

Fig. 25. Belo Horizonte: exemplo de padrão de ocupação ao longo das curvas de nível.

Fig. 26. São Paulo: exemplo de ocupação de alto padrão na Serra da Cantareira.

Fig. 27 a e b. Belo Horizonte/Nova Lima: as cicatrizes deixadas pela exploração mineral nas encostas.

Fig. 28 a e b. Florianópolis: As cicatrizes deixadas pela exploração mineral nas montanhas.

Fig. 29. Belo Horizonte: Contigüidade espacial entre a ocupação formal e a informal.

Fig. 30. São Paulo: Situação semelhante na Serra da Cantareira.

Fig. 31 a e b. Rio de Janeiro: Relação volumétrica e contigüidade espacial entre a ocupação formal e informal.

xi
Fig. 32 a e b. Florianópolis: Anel viário em torno dos maciços e núcleos de ocupação dispersa.

Fig. 33 a e b. Perfil longitudinal leste-oeste e transversal norte-sul dos maciços costeiros do Rio de Janeiro.

Fig. 34. Relação entre o suporte geo-biofísico e os padrões de ocupação na cidade do Rio de Janeiro.

Fig. 35. Perfil montanhoso do Maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, na vertente voltada para a zona sul.

Fig. 36. Perfil montanhoso do Maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, na vertente voltada para a zona norte.

Fig. 37. Perfil montanhoso do Maciço da Pedra Branca, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro.

Fig. 38. Relação de contigüidade espacial entre núcleos de ocupação formal e informal no bairro do Itanhangá.

Fig. 39. Nucleação e fusão de territórios.

Fig. 40 a e b. Favelas do Morro do Borel e do Morro da Formiga, na Tijuca.

Fig. 41. Processo de favelização ao longo da Estrada Grajaú-Jacarepaguá.

Fig. 42. Ocupação formal de alto padrão entre os bairros de São Conrado e Barra da Tijuca.

Fig. 43. Ocupação nas encostas de Barra de Guaratiba, na zona oeste da Rio de Janeiro.

Fig. 44 a, b e c. Cicatrizes deixadas na paisagem pelas pedreiras desativadas.

Fig. 45. Ocupação agrícola dispersa nas encostas de Jacarepaguá, a oeste do Maciço da Tijuca.

Fig. 46. Ocupação formal encravada na escarpa rochosa na Urca.

Fig. 47 a e b. A ocupação extremamente adensada do complexo de favelas Pavão, Pavãozinho e Cantagalo.

Fig. 48. Núcleo de ocupação residencial vinculada ao exército na elevação que separa Botafogo e Copacabana.

Fig. 49 a, b e c. As impressionantes escarpas e pontões rochosos que caracterizam a paisagem do Rio de Janeiro.

Fig. 50. Desmatamento e cicatrizes de deslizamento na vertente norte do Maciço da Tijuca.

Fig. 51. Faixa de servidão da linha de transmissão.

Fig. 52. O avanço gradativo da ocupação sobre as encostas da Pedra da Panela, na Barra da Tijuca.

Fig. 53. Variações tipológicas nas encostas da zona sul.

Fig. 54. O conjunto residencial composto por edificações escalonadas ao longo das curvas de nível no Humaitá.

Fig. 55. Ocupação formal nas encostas do Morro da Saudade, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas.

Fig. 56. Enclave de ocupação formal nas encostas da Avenida Niemeyer, entre a Rocinha e o Vidigal.

Fig. 57. Conjunto residencial composto por seis edifícios em fita e parque Eduardo Guinle em Laranjeiras.

Fig. 58. Edifícios implantados pelo Programa Favela-Bairro na Mangueira.

Fig. 59. Conjunto residencial da Gávea.

Fig. 60 a e b. Conjuntos de edifícios habitacionais verticalizados no sopé das encostas da zona sul e da zona norte.

Fig. 61 a e b. Igreja da Pena, em Jacarepaguá, e Igreja da Penha, na Penha.

xii
Fig. 62. Morro da Providência: uma das primeiras favelas do Rio de Janeiro.

Fig. 63 a, b e c. A interface entre a floresta e os núcleos de ocupação formal e informal no Cosme Velho.

Fig. 64 a, b e c. A interface entre a floresta e os núcleos de ocupação formal e informal na Gávea.

Fig. 65 a e b. A interface entre a floresta e os núcleos de ocupação formal e informal no Itanhangá.

Fig. 66 a e b. Enclaves de blocos rochosos e material sedimentar na Floresta da Barra, Itanhangá.

Fig. 67. Risco iminente de queda de lascas rochosas na vertente a jusante do Morro Dois Irmãos, na Rocinha.

Fig. 68. Interface e relação de contigüidade nas bordas entre os tecidos formal e informal no Cosme Velho.

Fig. 69 a e b. Contraste entre a ocupação da Rocinha e a ocupação formal no alto do bairro da Gávea.

Fig. 70 a e b. Contraste entre a densa ocupação da Rocinha na vertente voltada para o bairro de São Conrado.

Fig. 71. Maior fracionamento da ocupação em áreas mais baixas.

Fig. 72. Relação de contigüidade espacial entre os núcleos de ocupação formal e informal no bairro do Itanhangá.

Fig. 73. Característica do parcelamento, da volumetria construtiva e dos espaços livres no Cosme Velho.

Fig. 74. Característica do parcelamento, da volumetria construtiva e dos espaços livres na Gávea.

Fig. 75. Característica do parcelamento, da volumetria construtiva e dos espaços livres no Itanhangá.

Fig. 76 a, b e c. Extravasamento de águas pluviais e servidas diretamente sobre a floresta.

Fig. 77 a, b, c, d. Cicatrizes dos deslizamentos de abril de 2010 nas áreas do Cosme Velho e Gávea.

Fig. 78. Acúmulo de lixo no Complexo Guararapes e na Rocinha.

Fig. 79. Soluções de contenção e estabilização de encostas executadas pelos moradores na Rocinha.

Fig. 80. Núcleos de ocupação formal na confluência entre Santa Teresa e Cosme Velho.

Fig. 81. Núcleo de ocupação formal na Gávea ao longo de um divisor de águas.

Fig. 82. Mina d’água e tanques coletivos em Guararapes: espaço coletivo para lavagem de roupas.

Fig. 83. Largo do Vinte, principal espaço livre da comunidade Guararapes.

Fig. 84. Um dos eixos da ocupação em Guararapes, chamado de Via Carioca, ao longo do Rio Carioca.

Fig. 85. Eixo de ocupação, sob a forma tentacular, no Laboriaux, na Rocinha.

Fig. 86. Projeto Aprovado de Loteamento nº 35149, de 1978.

Fig. 87. Grupamento de edificações verticalizadas no Cosme velho.

Fig. 88. Trecho da ocupação informal localizado sobre domínio público no Cosme Velho.

Fig. 89. Edificações sobre embasamento no Cosme Velho.

Fig. 90 a e b. Os diferentes tipos arquitetônicos existentes na Floresta da Barra, no Itanhangá.

Fig. 91. Ocupação formal: Esquemas gráficos dos tipos arquitetônicos.

Fig. 92 a e b. Ocupação informal: Esquemas gráficos dos tipos arquitetônicos sobre rocha e sobre solo

xiii
Fig. 93 a e b. Edificações sobre pilares aparentes na Floresta da Barra e no Complexo Guararapes.

Fig. 94 a, b e c. A precariedade da ocupação informal aumenta em direção às bordas dos assentamentos informais.

Fig. 95. Verticalização ao longo do eixo de ocupação na Gávea e o sistema de espaços livres.

Fig. 96 a, b, c e d. A verticalização acontece tanto nas áreas formais quanto nas informais.

Fig. 97. Edificação em área de risco, condenada pela Prefeitura em 2004.

Fig. 98. Edificações construídas pelo poder público municipal no Laboriaux em 1982.

Fig. 99 a e b. Fronteiras fluidas e relação de contigüidade espacial entre os tecidos formal e informal no Cosme Velho.

Fig. 100. Na Gávea, a segregação entre os dois tipos de tecido é mais evidente.

Fig. 101 Acesso à área com titularidade indefinida localizada entre loteamentos fechados, no Itanhangá.

Fig. 102 a e b. Uso comercial ao longo do eixo que liga o Complexo Guararapes aos bairros vizinhos.

Fig. 103. Uso comercial ao longo do eixo que liga a Rocinha aos bairros vizinhos.

Fig. 104 a e b. Uso comercial ao longo do eixo que liga a Floresta da Barra ao Itanhangá.

Fig.105 a, b e c. Presença do uso institucional religioso de diferentes orientações nos núcleos de ocupação informal.

Fig. 106 a e b. O comércio e armazenagem de gás liquefeito nos núcleos de ocupação informal.

Fig. 107 a, b e c. Áreas de lazer nas bordas das áreas informais.

Fig. 108. Queda d’água do Rio Cachoeira, espaço de lazer apesar da poluição, junto à favela Floresta da Barra.

Fig. 109 a, b, c e d. Envoltória de espaços livres com caráter ambiental em torno núcleos de ocupação.

Fig. 110. Ocupações irregulares e despejo de lixo em Áreas de Preservação Permanente na Floresta da Barra.

Fig. 111. Os pequenos largos localizados no entroncamento dos eixos de ligação no Come Velho.

Fig. 112. A densa massa edificada na Rocinha e os espaços livres coletivos no miolo da ocupação.

Fig. 113. Muros recobertos por vegetação e espaços livres privados.

Fig. 114. Espaços livres residuais nos fundos de lote.

Fig. 115 a e b. Lotes vazios no Cosme Velho e na Gávea.

Fig. 116 a e b. Pequenos espaços livres monofuncionais nas áreas formais.

Fig. 117 a e b. Espaços livres coletivos nos loteamentos fechados no Itanhangá.

Fig. 118. Praça sobre um córrego na Floresta da Barra, Itanhangá, pelo Programa Favela-Bairro.

Fig. 119 a e b. Espaços livres de permanência em Guararapes e na Floresta da Barra.

Fig. 120 a e b. Mini-pátios coletivos encontrados em todos os núcleos informais.

Fig. 121 a e b. Os becos e vielas são os lugares de brincar nos núcleos informais.

Fig. 122. Espaço livre associado ao uso comercial no Complexo Guararapes.

xiv
Fig. 123. Quintais na Floresta da Barra, Itanhangá.

Fig. 124 a e b. Sinais da privatização do espaço coletivo.

Fig. 125 a e b. Ruas com acesso controlado no Cosme Velho, na Gávea e no Itanhangá.

Fig. 126 a e b. Ausência de calçadas nos loteamentos de alto padrão na Gávea e no Itanhangá.

Fig. 127 a. b e c. A atrofia dos percursos nos becos e vielas nos núcleos de ocupação informais é recorrente.

Fig. 128 a e b. Edificações avançam sobre o espaço aéreo dos caminhos, formando túneis.

Fig. 129. Apropriação do espaço livre pelo uso comercial ou de serviços.

Fig.130 a e b. Edificações precárias junto à calha da GEO-RIO.

xv
LISTA DE MAPAS, QUADROS E TABELAS

Mapa 1. Localização dos recortes espaciais analisados no Rio de Janeiro

Mapa 2. Localização dos recortes espaciais analisados no Maciço da Tijuca

Mapa. 3. Hipsométrico

Mapa 4. Rio de Janeiro: Vetores de indução à ocupação

Mapa 5. Rio de Janeiro: Ocupação urbana

Mapa 6. Rio de Janeiro: Núcleos de ocupação

Mapa 7. Rio de Janeiro: Sub-bacia hidrográficas e Áreas de Planejamento

Mapa 8. Rio de Janeiro: Usos

Mapa 9. Rio de Janeiro: Espaços livres

Mapa 10. Rio de Janeiro: Zoneamento

Mapa. 11. Rio de Janeiro: Áreas de Proteção do Ambiente Cultural

Mapa 12. Rio de Janeiro: Unidades de Conservação de Proteção Integral

Mapa 13. Rio de Janeiro: Unidades de Conservação de Uso Sustentável

Mapa. 14. Rio de Janeiro: Florestas de Proteção e Zona de Amortecimento

Mapa. 15. Rio de Janeiro: Síntese Proteção Ambiental, Cultural e Urbanística

Mapa 16. Rio de Janeiro: Proteção Urbanística

Mapa 17. Maciço da Tijuca: Ocupação nas encostas

Mapa 18. Maciço da Tijuca: Localização dos recortes espaciais analisados e o Parque Nacional da Tijuca

Mapa 19. Áreas urbanizadas e áreas com ocupação efetiva - Cosme Velho

Mapa 20. Áreas urbanizadas e áreas com ocupação efetiva – Gávea

Mapa 21. Áreas urbanizadas e áreas com ocupação efetiva – Itanhangá

Mapa. 22. Figura-fundo Cosme Velho

Mapa 23. Figura-fundo Gávea

Mapa 24. Figura-fundo Itanhangá

Mapa 25. Maciço da Tijuca: Espaços livres com caráter ambiental e espaços livres com caráter de urbanização

Mapa 26. Forma do relevo – Cosme Velho

Mapa 27. Forma do relevo – Gávea

Mapa 28. Forma do relevo – Itanhangá

Mapa 29. Declividade – Cosme Velho

Mapa 30. Declividade – Gávea

Mapa 31. Declividade – Itanhangá

xvi
Mapa 32.Maciço da Tijuca: Vetores de indução da ocupação

Mapa 33. Maciço da Tijuca: Núcleos de ocupação urbana e agrícola

Mapa 34. Maciço da Tijuca: Usos

Mapa 35. Maciço da Tijuca: Dinâmica da ocupação

Mapa 36. Dinâmica da ocupação – Cosme Velho

Mapa 37. Registro dos Projetos Aprovados de Loteamento – Cosme Velho

Mapa 38. Dinâmica da ocupação – Gávea

Mapa 39. Registro dos Projetos Aprovados de Loteamento – Gávea

Mapa 40. Dinâmica da ocupação – Itanhangá

Mapa 41. Registro dos Projetos Aprovados de Loteamento – Itanhangá

Mapa 42. Domínios fundiários – Cosme Velho

Mapa 43. Domínios fundiários – Gávea

Mapa 44. Domínios fundiários – Itanhangá

Mapa 45. Parcelamento – Cosme Velho

Mapa 46. Parcelamento – Gávea

Mapa 47. Parcelamento – Itanhangá

Mapa 48. Implantação – Cosme Velho

Mapa 49. Implantação – Gávea

Mapa 50. Implantação – Itanhangá

Mapa 51. Tipos arquitetônicos – Cosme Velho

Mapa 52. Tipos arquitetônicos – Gávea

Mapa 53. Tipos arquitetônicos – Itanhangá

Mapa 54. Gabaritos – Cosme Velho

Mapa 55. Gabaritos – Gávea

Mapa 56. Gabaritos – Itanhangá

Mapa 57. Territórios – Cosme Velho

Mapa 58. Territórios – Gávea

Mapa 59. Territórios – Itanhangá

Mapa 60. Usos – Cosme Velho

Mapa 61. Usos –Gávea

xvii
Mapa 62. Usos – Itanhangá

Mapa 63. Espaços livres com caráter ambiental – Cosme Velho

Mapa 64. Espaços livres com caráter ambiental – Gávea

Mapa 65. Espaços livres com caráter ambiental – Itanhangá

Mapa 66. Espaços livres com caráter de urbanização – Cosme Velho

Mapa 67. Espaços livres com caráter de urbanização –Gávea

Mapa 68. Espaços livres com caráter de urbanização – Itanhangá

Mapa 69. Maciço da Tijuca: Proteção ambiental e cultural

Mapa 70. Maciço da Tijuca: Zoneamento urbanístico

QUADROS

Quadro 1: Modelo do Quadro Síntese - Contextualização da ocupação nas encostas em cidades brasileiras

Quadro 2: Modelo da Matriz Temática - Contextualização da ocupação nas encostas nos recortes territoriais

Quadro 3: Conceituação do sistema de espaços livres

TABELAS

Tabela 1: Cidade: População, área territorial e densidade bruta em 2000

Tabela 2: Cidade: Área territorial acima da cota 100m por Área de Planejamento (AP)

Tabela 3. Cidade: Dinâmica populacional

Tabela 4. Favelas acima da cota 60m

Tabela 5 . Cidade: Ocupação acima da cota 60m

Tabela 6. Cidade: Densidades e taxa de ocupação médias nas áreas urbanas formais acima da cota 60m

Tabela 7. Cidade: Ocupação acima da cota 100m

Tabela 8. Cidade: Ocupação entre as cotas 60m e 100m

Tabela 9. Cidade: Usos área urbana acima cota 60m

Tabela 10. Cidade: Usos área urbana acima cota 100m

Tabela 11. Dinâmica populacional nos recortes territoriais analisados

xviii
AUTORIA DAS IMAGENS, MAPAS, ILUSTRAÇÕES E LEVANTAMENTOS

Imagens Cidades Brasileiras


Acervo QUAPA-SEL/SP
Alexandre Villalon
Denis Cossia
Eugenio Queiroga
Silvio Macedo
Sonia Afonso

Imagens Rio de Janeiro


Acervo QUAPA-SEL/RJ
Cauê Capille
Denis Cossia
Marcio Lopes
Mônica Bahia Schlee
Rogério Akamine
Rogério Cardeman
Silvio Macedo
Vera Tãngari

Mapeamento Rio de Janeiro


Mônica Bahia Schlee

Mapeamento Maciço da Tijuca e Recortes Espaciais Analisados


Mônica Bahia Schlee
Ingrid Araújo

Ilustrações e esquemas gráficos


Cauê Capille
Jonathas Magalhães Pereira da Silva
Mônica Bahia Schlee

Mapeamento dos Projetos Aprovados de Loteamento


Mônica Bahia Schlee (Cosme Velho, Gávea e Itanhangá)
André Pelech (Gávea)
Brunna Wopereis (Itanhangá)
Daniel Mancebo (Cosme Velho)
Isabelle Fachetti (Cosme Velho)
Raquel Meneses Cordeiro (Itanhangá)

Participação nos levantamentos de campo


Mônica Bahia Schlee (Cosme Velho, Guararapes, Vila Cândido, Cerro-Corá, Gávea, Rocinha, Itanhangá e
Floresta da Barra)
Brunna Wopereis (Guararapes, Vila Cândido)
Isabelle Fachetti (Floresta da Barra)
Natalia Parahyba (Vila Cândido e Cerro-Corá)
Raquel Meneses Cordeiro (Itanhangá e Floresta da Barra)

xix
FONTES ICONOGRÁFICAS E CARTOGRÁFICAS CONSULTADAS

PCRJ Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

PCRJ/AGRJ Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

PCRJ/IPP Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos

PCRJ/SMAC Secretaria Municipal de Meio Ambiente

PCRJ/SMU/CGPU/CMP Coordenadoria de Macro Planejamento/ Secretaria Municipal de Urbanismo

PCRJ/SMU/GCT Gerência de Cadastro Técnico/ Secretaria Municipal de Urbanismo

PCRJ/SMU/CA Centro Arquivístico/ Secretaria Municipal de Urbanismo

PCRJ/SMH/CDOC Centro de documentação/ Secretaria Municipal de Habitação

QUAPA/SEL Grupo de Pesquisas Quadro do Paisagismo no Brasil/ Sistemas de Espaços Livres

PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo

PMV Prefeitura Municipal de Vitória

PMBH Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

PMF Prefeitura Municipal de Florianópolis

xx
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO 1
Quadro conceitual e metodológico

1.1 Abordagem conceitual 9


1.1.1. Paisagem
1.1.2. Território
1.1.3. Sistema
1.1.4. Fronteira
1.1.5. Espaços livres de edificação
1.1.6. Espaços edificados

1.2. Metodologia de análise 24


1.2.1. Contribuições teórico-metodológicas
1.2.2. Recortes territoriais e escalas de análise
1.2.3. Categorias de análise
1.2.4. Procedimentos e ferramentas metodológicas

CAPÍTULO 2
Os processos de ocupação das encostas e a influência da legislação em cinco cidades brasileiras
– estudo comparativo

2.1. Gênese, processos e padrões espaciais 50


2.1.1. O suporte geo-biofísico e a estrutura da ocupação
2.1.2. Dinâmica da ocupação
2.1.3. Vetores e padrões de ocupação
2.1.4. Configuração, composição e disseminação da ocupação
2.1.5. Usos e espaços livres

2.2. A influência da legislação 76


2.2.1. O processo de constituição do arcabouço legal ambiental e urbanístico no Brasil
2.2.2. O foco no zoneamento na regulação da ocupação das encostas
2.2.3. Parâmetros adotados nas legislações municipais analisadas
a. Quanto à restrição e controle da ocupação
b. Quanto à destinação de áreas a espaços livres vinculados à urbanização

2.3. Síntese crítica e considerações intermediárias 91

CAPÍTULO 3
Processos de ocupação e a influência da legislação nas encostas do Rio de Janeiro

3.1. O suporte geo-bio-físico, a estrutura e a intensidade da ocupação 97


3.2. Configuração, composição e disseminação da ocupação no Rio de Janeiro 114
3.2.1. Nucleação, polarização social e segregação espacial
3.2.2. Expansão, dispersão e fusão de territórios
3.2.3. Usos
3.2.4. Espaços livres e cobertura vegetal
3.2.5. Volumetria construída

xxi
3.3. Gênese, processos e agentes de formação e transformação 138

3.4. A regulação e a proteção na legislação aplicada às encostas 150


3.4.1. A regulação urbanística
a. Normativas relativas aos espaços livres
b. Normativas relativas à política habitacional

3.4.2. A proteção ambiental


a. Recortes territoriais sob proteção
b. Dispositivos legais de prevenção quanto à vulnerabilidade a deslizamentos

3.5. Síntese crítica e considerações intermediárias 181

CAPÍTULO 4
Singularidades, relações e contrastes em três recortes territoriais no Maciço da Tijuca
– estudo comparativo

4.1. O suporte geo-bio-físico, a estrutura e a composição da ocupação 189


4.2. Dinâmica da ocupação: gênese e processos de transformação 247
4.2.1. Estudo de Caso 1: Cosme Velho e Complexo Guararapes
4.2.2. Estudo de Caso 2: bairros da Gávea e Rocinha
4.2.3. Estudo de Caso 3: Itanhangá e Floresta da Barra

4.3. Padrões de configuração 276


4.3.1. Situação fundiária: quanto aos domínios
4.3.2. Parcelamento
4.3.3. Implantação e volumetria construída
4.3.4. Situação fundiária e edilícia: quanto à legalidade
4.3.5. Usos
4.3.6. Espaços livres
I. Espaços livres com caráter ambiental
II. Espaços livres com caráter de urbanização
a. Espaços livres transitórios e residuais
b. Espaços livres destinados à permanência
c. Espaços livres destinados à circulação

4.4. Os efeitos das normas nos recortes estudados 362


4.5. Síntese crítica e considerações intermediárias 371

SÍNTESE PROPOSITIVA E CONSIDERAÇÕES FINAIS 375


Subsídios para repensar a ocupação das encostas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 385

xxii
INTRODUÇÃO

O conflito existente entre o crescimento urbano e a proteção ambiental nas cidades tem sido objeto
de inúmeros debates, tanto em nível mundial, como em âmbito nacional. Várias são as linhas de investigação
dirigidas a esta questão. A partir de uma visão sistêmica, a proposta dessa pesquisa é fazer uma leitura
transescalar da paisagem das encostas da cidade, pelo viés da morfologia da paisagem, integrando
abordagens de campos disciplinares diversos  com ênfase nas contribuições da ecologia da paisagem, da
morfologia urbana e da arquitetura da paisagem  de modo a subsidiar iniciativas de proteção da paisagem
e de ordenamento da ocupação do território.
O presente trabalho desenvolve-se em três escalas de análise: a cidade do Rio de Janeiro e sua
contextualização, em comparação a outras quatro cidades brasileiras − Florianópolis, Vitória, São Paulo e
Belo Horizonte, à luz dos aspectos geo-biofísicos, paisagísticos e de regulação da ocupação e de proteção
das encostas; a caracterização da ocupação nos maciços e morros isolados no âmbito da cidade do Rio de
Janeiro no contexto intra-urbano; e a ocupação urbana no Maciço da Tijuca, onde se localiza o único Parque
Nacional brasileiro integralmente urbano; com foco em três áreas de maior detalhamento, localizadas em
áreas sujeitas a intensa pressão urbana decorrente da progressiva valorização imobiliária, em suas vertentes
sul, leste e oeste, nas bacias de São Conrado e do Rio Rainha, do Rio Carioca e do Rio Cachoeira (Figura 1
e Mapa 1).

Fig. 1. Cidades brasileiras analisadas

Fonte: presente pesquisa a partir de


mapeamento IBGE

INTRODUÇÃO
A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 1
As montanhas são marcantes na paisagem da cidade do Rio de Janeiro. Configuram-se como
suporte da interface entre matrizes distintas  a floresta, a cidade e o mar  que se encontram em
processo contínuo de transformação devido a fatores diversos. A fronteira entre a cidade e a floresta tropical
apresenta padrões espaciais, relações e limites, à primeira vista nebulosos, uma vez que as manchas de
ocupação urbana mesclam-se às florestas que as envolvem.
As lógicas de ocupação se rebatem sobre as lógicas do suporte geo-biofísico, com maior ou menor
grau de adequação, configurando uma área extremamente heterogênea e dinâmica, sob constante mutação,
sujeita a conflitos e instabilidades ambientais e sociais. Desmatamento, exploração vegetal e mineral,
agricultura, abertura de vias, urbanização, apropriação irregular da terra, desabamentos, reflorestamento,
regeneração natural, polarização social e segregação espacial  vários foram os processos que deixaram
suas marcas gravadas na paisagem.
Ao integrar conceitos e métodos de campos disciplinares complementares, propõe-se desenvolver
uma metodologia que possa contribuir para esclarecer as relações entre estes padrões e os processos que aí
têm lugar, de modo a auxiliar na caracterização das áreas de pressão nas bordas da floresta e subsidiar
futuros esforços de re-organização do território. Trata-se de tema emergente e que envolve múltiplos
aspectos, tendo gerado intenso debate, em âmbito municipal, sob o enfoque da ocupação desordenada das
montanhas cariocas. Nesse contexto, a presente pesquisa se propõe a descobrir similaridades, estudar
princípios universais presentes na heterogeneidade, entender o significado dos padrões e processos, e
identificar singularidades, relações, correspondências, contrastes e conflitos, em busca de uma análise que
supere o dualismo tradicionalmente aplicado aos diagnósticos do suporte geo-biofísico e do suporte
construído, fornecendo subsídios para a elaboração de políticas públicas que aproximem as questões urbana
e ambiental e tenham como foco a proteção de paisagens.
Indicadores utilizados em estudos prévios (GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ, 2000 e SCHLEE, 2002)
demonstraram que o processo de transformação da paisagem vem ocorrendo com especial intensidade na
área de fronteira entre a floresta e a malha urbana, ao longo da zona de ruptura de gradiente (degrau
estrutural), onde as declividades são mais acentuadas. Este trecho das encostas vem sofrendo fortes
impactos em toda a cidade do Rio de Janeiro e, em especial, nas bacias hidrográficas do Maciço da Tijuca,
que se degradaram em graus diferenciados nas últimas décadas (GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ, 2000).
Este fato nos instiga a explorar com mais aprofundamento as relações de interdependência entre os padrões
espaciais da paisagem das encostas cariocas e os processos naturais e socioculturais que estes refletem. À
preocupação com a biodiversidade e a manutenção dos processos ecológicos que garantem a
sustentabilidade ambiental urbana, somou-se a necessidade de reconhecer a sóciodiversidade e entender as
inter-relações e conflitos entre agentes, estratos e aspectos que ainda são tratados como estanques e
apartados.

INTRODUÇÃO
A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 5
O problema
As encostas da cidade do Rio de Janeiro se caracterizam como um mosaico de paisagens
heterogêneo e dinâmico, configurando-se como uma zona de fronteira entre a cidade e a floresta, onde a
matriz floresta ainda desempenha o papel de maior destaque na composição da paisagem da cidade, apesar
da pressão urbana exercida em suas bordas. Do mesmo modo que a floresta é composta por um gradiente
de fragmentos em estágios sucessionais diferenciados1, a mancha urbana, ao se expandir sobre as
encostas, também não se configura de modo uniforme, compondo-se de tecidos sociais e espaciais
diferenciados: de um lado, a pressão exercida pelo mercado imobiliário formal; de outro, a expansão das
favelas e loteamentos irregulares. A crescente pressão urbana sobre as encostas é o principal fator
relacionado à retração da floresta carioca, a qual, por sua vez, ocasiona desabamentos a cada evento de
chuva de maior intensidade. Quando esses deslizamentos atingem áreas ocupadas pela mancha urbana,
suas conseqüências tornam-se catastróficas. Diante deste quadro, esta pesquisa visa contribuir para a
identificação dos processos de ocupação e das lógicas a estes vinculadas, de modo a auxiliar a
compreensão dos conflitos sócio-ambientais decorrentes.

Questões relacionadas
As seguintes questões orientaram a condução da presente pesquisa e guiaram os argumentos aqui
defendidos:
Como se constitui a lógica de ocupação das encostas urbanas e qual a natureza da pressão que é exercida
sobre elas?
Quais as relações entre os processos de transformação dessa paisagem e os padrões espaciais que a
conformam?
Qual a influência da legislação nesse processo?
Quais os conflitos socioambientais decorrentes desta relação?
Qual o papel dos espaços livres na composição dessa paisagem?

Objetivo e hipóteses
Orientada por estes questionamentos, a presente pesquisa tem como objetivo refletir sobre a
situação atual da ocupação das encostas e seus efeitos na transformação da paisagem da cidade do Rio de
Janeiro, investigar a natureza da pressão que é exercida sobre a floresta, buscando relacionar padrões
morfológicos, processos e as lógicas a estes vinculados, e investigar a influência da legislação que incide

1Em 2000, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o Maciço da Tijuca apresentava 68% de sua área territorial coberta
por florestas (florestas em estágio avançado de regeneração, florestas alteradas e bananais). Esse percentual era equivalente a 58%
no Maciço da Pedra Branca e a 85% no Maciço de Gericinó/Mendanha (SMAC 2000).

INTRODUÇÃO
6 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
sobre os domínios montanhosos, buscando entender os conflitos sócio-ambientais2 decorrentes. Ao fazer
uma leitura transdisciplinar dos processos de transformação da paisagem nas encostas na cidade do Rio de
Janeiro, examina relações de interdependência e singularidades intra-urbanas, e coteja-as com os processos
que tiveram lugar em outras cidades brasileiras. Na busca de um melhor ajuste entre os elementos que
conformam essa paisagem, contribui para ressaltar o potencial do sistema de espaços livres como elemento
chave para repensar a ocupação nas encostas cariocas.
Parte-se do pressuposto que uma leitura sistêmica da paisagem urbana implica em análises
complementares do suporte natural (aspectos geo-bio-físicos) e do suporte construído (padrões de
parcelamento, usos, volumetria e espaços livres) em diversas escalas, articuladas a diagnósticos
comparativos a outros contextos de referência e embasadas por uma fundamentação teórica que integre
contribuições da ecologia da paisagem ao escopo metodológico da arquitetura da paisagem e da morfologia
urbana.
A partir dessa premissa, defende-se a hipótese de que a morfologia da paisagem das encostas
reflete a lógica dos processos que a produziram ao longo do tempo e a influência da legislação que incide
sobre ela. A leitura transescalar e em diferentes contextos pode auxiliar no entendimento da lógica dos
processos que moldaram a paisagem montanhosa atual do Rio de Janeiro e na formulação de estratégias e
instrumentos para sua efetiva proteção e fruição. A interdependência entre os processos de transformação,
as normas de regulação da ocupação urbana e os padrões espaciais observados potencializam os conflitos
sócio-ambientais decorrentes da pressão urbana exercida sobre as encostas e conduzem a um quadro de
segregação sócio-espacial que caracteriza esta porção do território.
Derivadas dessa hipótese principal alinham-se duas hipóteses complementares:
A zona de fronteira entre a floresta e a malha urbana sobre as encostas do Rio de Janeiro
caracteriza-se como uma zona de transição e instabilidade, heterogênea e dinâmica. Nessa zona é possível
discernir faixas com configurações distintas, cujas lógicas internas de estruturação afetam a configuração das
demais, causando impactos, tensões e conflitos:
 Florestas conservadas com focos de ocupação urbana isolados (tecido com predomínio da
floresta como matriz da cobertura do solo)
 Mescla de fragmentos florestais e fragmentos de mancha urbana formal e informal, com
predominância da floresta (tecido onde a matriz da cobertura do solo é configurada pela mistura de floresta e
mancha urbana)
 Mescla de fragmentos de mancha urbana formal e informal e fragmentos florestais, com
predomínio da mancha urbana (tecido onde a matriz da cobertura do solo é configurada pela mistura de
floresta e mancha urbana)

2Entende-se por conflitos sócio-ambientais os confrontos ou litígios inerentes aos valores e interesses da sociedade em relação a
questões ambientais, vinculados à apropriação, ao controle e ao ordenamento territorial e às condições de vida deles derivadas.

INTRODUÇÃO
A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 7
 Mancha urbana consolidada com focos de fragmentos florestais (tecido urbano consolidado
onde a matriz de cobertura do solo é a mancha urbana)
Essas faixas conformam um gradiente de ocupação urbana e de proteção em relação às florestas,
onde as faixas internas (faixas de mescla) são as que sofrem transformações mais dinâmicas, onde as
tensões e conflitos se configuram de forma mais evidente, repercutindo e causando impactos nas faixas
exteriores.
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, tornou-se clara a relação entre a configuração em faixas
e a forma como a legislação que incide sobre as encostas tem sido formulada para lidar com a questão da
tridimensionalidade. A legislação (urbanística e ambiental) destinada, tanto a proteger, quanto a regular a
ocupação das encostas, expressa processos e lógicas divergentes, ora comprometendo, ora contribuindo,
para garantir as condições ambientais e paisagísticas urbanas.
Defende-se também que os espaços livres de edificação, ou seja, os espaços não edificados,
localizados nas encostas são fundamentais para fortalecer a aplicação de instrumentos legais destinados à
proteção das florestas urbanas no Rio de Janeiro e integrar tecidos urbanos segregados. A abordagem
proposta nesta pesquisa e seus desdobramentos indicam que o planejamento urbanístico, a ordenação e a
lógica da ocupação formal e informal na fronteira entre a floresta e a malha urbana sobre as encostas
necessitam passar por um processo de ajuste, no qual o sistema de espaços livres, os usos a eles atribuídos
e as formas de sua apropriação podem reverter a situação de instabilidade e segregação espacial nas bordas
das áreas protegidas. Nesse contexto, a conciliação compactuada entre os agentes produtores desta porção
do espaço adquire importância fundamental.

INTRODUÇÃO
8 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
CAPÍTULO 1

Quadro conceitual e metodológico

1.1. Abordagem conceitual

Conceitos têm a propriedade de orientar enfoques e ajudar a compreender a realidade em suas


múltiplas manifestações. Enquanto representação, são dinâmicos e historicamente condicionados, isto é,
refletem interpretações da realidade limitadas ao grau de conhecimento do momento em que foram
formuladas e incorporam construções culturais que se alteram no tempo (SCHLEE et al, 2009).
Para fundamentar esta pesquisa, optei por utilizar um referencial teórico-conceitual transdisciplinar
 com ênfase nas contribuições da ecologia da paisagem, da morfologia urbana e da arquitetura da
paisagem  articulando os seguintes conceitos considerados de maior interesse para a compreensão do
objeto de estudo: “paisagem“, “território“, “sistema”, “espaço livre”, “fronteira” e “espaço edificado”. Os quatro
primeiros conceitos foram debatidos pelo Grupo Interdisciplinar de Pesquisas Sistema de Espaços Livres
SEL-RJ e suas conclusões registradas em trabalho anterior realizado pela equipe3.
No âmbito desta pesquisa interessa, sobretudo, destacar as relações de complementaridade entre
os conceitos de paisagem e território e ressaltar o alcance dos conceitos de sistema, fronteira, espaços livres
e espaços edificados para fundamentar a abordagem metodológica adotada, embasada por olhares
diferenciados sobre uma mesma realidade4 e auxiliar na compreensão das questões em exame. Nesse
sentido, o quadro conceitual permeia todo o texto desta tese, incorporado às opções metodológicas,
expressas nas escalas de análise e nos estudos de caso selecionados.

1.1.1. Paisagem

A paisagem foi inicialmente percebida como uma expressão materializada, idealizada e reduzida,
das relações do homem com a natureza em uma determinada porção do espaço em um dado momento5
(CLAVAL, In: CORRÊA e ROSENDAHL, 2004). A partir da abordagem de Eduard Suess no final do século

3As passagens consideradas chave para subsidiar esta discussão foram revisitadas na presente pesquisa. Para conhecer a íntegra
do artigo, ver: SCHLEE, Mônica Bahia; NUNES, Maria Julieta; REGO, Andrea Queiroz; RHEINGNTZ, Paulo; DIAS, Maria Ângela;
TÂNGARI, Vera Regina. Sistema de Espaços Livres nas Cidades Brasileiras – Um Debate Conceitual, publicado na Revista
Paisagem e Ambiente: Ensaios, nº 26, São Paulo: FAUUSP, ISSN 01046098. 2009. p. 225-247.
4 A contribuição da geografia cultural para a decodificação do significado destes conceitos encontra-se documentada na Coleção

Geografia Cultural, organizada por Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendaahl. Neste estudo foram consultados especialmente os
volumes CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (orgs). Cultura, espaço e o urbano. Coleção Geografia Cultural. Rio de
Janeiro: EDUERJ, 2006. 166p; CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (orgs). Paisagem, Textos e Identidade. Coleção
Geografia Cultural. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004. 180p e CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (orgs). Paisagem,
Tempo e Cultura. Coleção Geografia Cultural. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. 123p.
5O termo surge no século XV para designar um fragmento da natureza, tal como vista através de um enquadramento. A partir do
domínio da perspectiva, o termo ganha novos significados e ampliam-se as possibilidades de representá-la.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 9
XVIII, retomada por Ratzel no final do século XIX e com o surgimento da ecologia, a paisagem deixa de ser
um quadro estático e passa a ser concebida como interface entre os seres humanos e o ambiente onde
vivem. Claval (2004, op. cit) apontou, entretanto, que a clivagem entre o domínio físico natural e o domínio
cultural, que teve origem, segundo este autor, na abordagem de Ratzel, se consolidou no século XX como
fundamento para a sua compreensão, baseada em critérios analíticos. Esta concepção norteou a criação dos
campos disciplinares diversos e fomentou os múltiplos significados que a paisagem adquire na atualidade,
conforme destacou Miranda Magnoli (2006).
Em 1925, Sauer revolucionou o estudo das paisagens ao propor um método morfológico de síntese,
salientando a importância da identificação de tipos e padrões que as estruturam, das relações entre os
elementos da forma que as compõem e da análise de seus conteúdos (SAUER, 1998, In CORRÊA e
ROSENDAHL, 1998). Nessa mesma direção, Troll considerou a paisagem como resultado de um processo
de articulação entre os elementos que a constituem, enfatizando a importância de estudá-la ao nível das
interações entre os seus diferentes elementos (TROLL, 1950).
Entre as décadas de 1960 e 1970, os estudos da paisagem tomaram novo impulso e traçaram
novos rumos. De um lado, estudos relacionados à ecologia e à ecologia da paisagem, como os elaborados
por Ian McHarg (1969) e Leopold et al (1964) nos Estados Unidos, começam a relacionar a ecologia ao
planejamento e incorporar a idéia de processos ao estudo das paisagens, baseados nos trabalhos de Rachel
Carson (1962) e Eugene Odum (1963) e no movimento de conscientização ambiental que (re)emergia na
época nos Estados Unidos e na Europa. Consolida-se nesta época a conscientização das profundas relações
entre os aspectos físicos, biológicos e as realidades sociais, como definiu Bertrand (1971).
Forman e Godron (1986) e posteriormente Forman (1997) materializaram estas abordagens nas
bases metodológicas aplicadas em seus estudos relacionados à ecologia da paisagem. A definição de
paisagem proposta por Forman e Godron (1986:12) a considera como “uma porção de terra heterogênea
composta por um agrupamento de ecossistemas em interação que se repetem de forma semelhante em toda
a sua extensão”. Ainda conforme Forman (1995, p. 4), esta heterogeneidade tanto pode ocorrer devido a
uma variação gradual sobre o espaço, onde não há limites facilmente identificáveis, como é o caso da
floresta tropical, cujo conjunto de espécies muda gradativamente ao longo do perfil da encosta; ou sob a
forma de um mosaico de fragmentos, onde os elementos encontram-se agregados e apresentam padrões
delimitados no espaço por um contorno definido.
Apesar de agregar noções importantes como a heterogeneidade e a constante interação entre os
elementos que a compõem, esta definição, contraditoriamente, carregava ainda em si uma idéia de
estaticidade e de supremacia absoluta do suporte natural, não condizentes com a análise de paisagens
urbanas, objeto do presente estudo, ao delimitar a paisagem como uma composição de “ecossistemas que
se repetem de forma semelhante no espaço” (FORMAN, 1986, op. cit). Na verdade, conforme observou
Weins (In: WEINS e MOSS, 2005: 366) a configuração dos padrões espaciais que nela têm lugar afetam e
são afetados por processos inerentes ao espaço onde acontecem. Como complementação, vale ressaltar

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


10 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
que as paisagens podem ser formadas por um mosaico de elementos naturais ou de elementos construídos,
ou, o que é mais comum em contextos urbanos, pela mescla destes elementos, e podem apresentar padrões
bem definidos ou variações espaciais gradativas, conforme será destacado nessa pesquisa.
No campo perceptivo e simbólico, Kevin Lynch (1960) direcionou o enfoque para a questão da
imagem transmitida pelas paisagens urbanas e sua apreensão pelo observador-usuário, destacando a
relação entre percepção, legibilidade, significado e identidade. Para este autor, cada indivíduo forma um
quadro mental do mundo físico exterior que é produto de sensações imediatas e de lembranças de
experiências passadas (LYNCH,1960:3-4).
Também dedicado à análise e avaliação das paisagens urbanas, Gordon Cullen buscou entender
como as paisagens urbanas suscitam "reações emocionais" nas pessoas ao serem experimentadas,
considerando três aspectos que concorrem para a apreensão das mesmas: a dimensão do visível e do
movimento, captados pelo autor na aplicação da visão serial; a dimensão local, referente à localização em
um espaço determinado, recintos e unidades urbanas; e a dimensão relacionada ao conteúdo, formas
apropriação e interpretação (CULLEN, 1971: 10-13). Meinig (1979: 6), por sua vez, considerou a paisagem
como expressão simbólica dos valores culturais, do comportamento social e de representações individuais e
coletivas inerentes a um determinado local e a uma época específica.
Segundo Wiley Urquizo (1997), a paisagem é também uma forma de representação mental derivada
do ato de vivenciar, perceber e atuar sobre o meio ambiente. É um elemento de referência e símbolo de
identidade pessoal e coletiva. A paisagem se constrói apoiada na relação entre esses elementos e o
observador (individual e coletivo). Trata-se de uma manifestação que realiza essa relação, tanto no seu
conteúdo, quanto na sua aparência; uma realidade condicionada, mas que, por sua vez, também condiciona.
A interação entre paisagem, tempo e espaço foi bastante enfatizada por Milton Santos. Para esse
autor (1996: 84), a paisagem é uma porção dinâmica do espaço, “uma espécie de palimpsesto onde,
mediante acumulações e substituições, a ação das diferentes gerações se superpõe” daí seu caráter
"transtemporal". Para Santos (1996 e 2004), a paisagem nada tem de fixo, de imóvel. Ela representa, através
de suas formas, criadas em tempos históricos diferentes que coexistem no momento atual, momentos
diversos do desenvolvimento de uma sociedade. A paisagem representa as heranças das sucessivas
relações entre natureza e cultura e carrega em si as noções de intencionalidade e imprevisibilidade
(SANTOS, 1996). Como consideram também Aziz Ab’Saber (2003: 9) a “paisagem é sempre uma herança, ...
herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as
herdaram como território de atuação de suas comunidades” e David Harvey (1974), é a expressão da
dependência entre acontecimentos atuais e os anteriores.
Silvio Macedo complementa esta visão ao considerar a paisagem “como um produto e como um
sistema. Como um produto porque resulta de um processo social de ocupação e de gestão de determinado
território” Como um sistema, na medida em que uma ação sobre a paisagem desencadeia reações e

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 11
transformações correspondentes, podendo vir a se materializar em uma alteração morfológica parcial ou total
(MACEDO,1999: 11).
No âmbito dessa pesquisa, a noção de paisagem é considerada como produto da interface entre o
suporte físico-ambiental e o suporte sócio-econômico e abrange múltiplos aspectos e sentidos, além do
visual. Por sua característica eminentemente dinâmica e transtemporal, sua análise não deve se restringir a
retratos estáticos no espaço e no tempo, interligando registros espaciais simultâneos e registros históricos
correlacionados. Além de multidimensionais, a paisagem incorpora sistemas heterogêneos e multifuncionais
que representam a realidade num determinado contexto físico e social. O desafio deste estudo é procurar
entendê-la em suas quatro dimensões, incluindo a terceira dimensão, expressa pelo aspecto tridimensional
das encostas, e a quarta dimensão, o tempo, pois busca compreender os processos e as complexas relações
que a conformam, movimentam e transformam, engendrando representações, apropriações, permanências,
conflitos e ideologias.
A aplicação do conceito de paisagem nessa pesquisa incorpora sua definição como um sistema
complexo, heterogêneo e interativo que congrega processos e elementos plurais nele refletidos – derivados
do suporte natural e do suporte construído – em interação em diversos tempos e escalas, e em constante
transformação no espaço e no tempo, criando e recriando formas e fluxos, com funções múltiplas, em
estágios diferentes e simultâneos de desenvolvimento, degradação e regeneração. Essa definição embasou
o enfoque metodológico adotado e as análises realizadas, contribuindo para reforçar uma visão crítica sobre
a leitura do território da cidade com base no entendimento da paisagem e de suas categorias de análise, que
será retomada no capítulo Síntese e Contribuições, com base nos resultados obtidos, evidenciando a
heterogeneidade – tanto sob o aspecto biofísico, quanto sob o aspecto sócio-cultural – que caracteriza a
paisagem urbana da cidade.

1.1.2.Território

O conceito de território é definido como espaço físico delimitado que acolhe significados sociais e
psicológicos e é condicionado por valores culturais (FISCHER, 1994: 17). Relaciona-se à expressão de
poder, domínio, influência e apropriação sobre uma parcela do espaço, e à manutenção de um modo de vida
ou de identidade (SOUZA, 1995), através da “imposição de regras de acesso, de circulação, da normatização
de usos, atitudes e comportamentos” (GOMES, 2002: 12). Para Fisher (1994: 23-24), o território é um “lugar
socializado” onde as “características físicas e os aspectos culturais que lhe são atribuídos se combinam em
um único sistema”. O território pressupõe a construção de laços afetivos ligando o espaço vivido à trajetória
pessoal, familiar e comunitária e à construção de um “mundo comum’” tecido no tempo, que converge no
sentido de um “enraizamento”, em uma mistura das trajetórias pessoais, sociais e espaciais.
Como argumentaram Souza (1995) e Gomes (2002), o território ou espaço social ao mesmo tempo
inclui e exclui, é objeto de mecanismos de controle e subversão. Gera raízes, suscita vínculos, afinidades,

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


12 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
relações de pertencimento e identidade. Estabelece-se com base em regras e é delimitado por fronteiras que
fixam seus limites materiais e simbólicos. Nesse sentido, o conceito de território nos remete diretamente às
estratégias de territorialidade, as quais, tanto nas análises de Gomes (2002), como nas de Fischer (1994),
são utilizadas para demonstrar, manter e reforçar o poder sobre o espaço. Para Fischer, a dominância
territorial pressupõe a construção de zonas de influência associadas ao controle sobre o espaço. Segundo o
autor, “os sinais desta influência podem ser variados”, pois a idéia de território implica na personalização do
lugar com a ajuda de marcações e de elementos de apropriação, sendo resultado da organização social que
inscreve no ambiente regras e usos culturais de um determinado grupo ou sociedade.
Outra característica dos territórios é a sua delimitação por meio de fronteiras, materiais e simbólicas.
“Fronteiras e marcadores articulam-se em códigos que informam” sobre as condições e as características de
um determinado ambiente, e indicam o valor do território com base nas condições sociais em que é
vivenciado (FISCHER, 1994: 26-27). Uma vez que o grupo se define pelo mecanismo de exclusão, tendo em
vista uma característica demarcadora qualquer, ele se vê ameaçado pelos elementos oriundos de fora dele e
essas fronteiras, ainda que fluidas, são territórios de conflito, reivindicação e reprodução da ideologia central
da diferenciação (GOMES 2002: 63).
Uma diferenciação importante entre as concepções de território delineadas a partir de Altman,
(1975), Fischer (1994), Souza (1995) e Gomes (2002) diz respeito aos seus limites, ora definidos como
precisos, onde as fronteiras não apresentam transições, ou considerados fluidos, instáveis, com nuances e
superposições associadas ao simbolismo que lhes são atribuídos. Altman (1975) distinguiu dois tipos de
territórios de acordo com o nível de domínio, influência e controle social. Os territórios primários, geralmente
privados, onde o domínio e o controle são claramente estabelecidos através de limites definidos, e os
territórios secundários, que não se configuram nem como completamente privados nem totalmente públicos,
correspondendo aos enclaves criados por determinados grupos e regidos por regras, rituais e códigos de
condutas comuns apenas a esses grupos. Estes territórios configurariam zonas de sombreamento e
superposição entre as esferas pública e privada.
Embasando-me nos conceitos enunciados, considero território como o espaço vivenciado
socialmente, que admite múltiplos significados psicológicos, simbólicos, políticos e culturais. Delimitado por
fronteiras, que podem se configurar como precisas ou fluidas, e identificado por marcas e códigos de
conduta, o território é utilizado como forma de expressão, afirmação de identidade e exercício de poder.
Ambos os conceitos, paisagem e território, formam um sistema interdependente e articulado.
No âmbito dessa pesquisa, interessa ressaltar a noção de território como expressão espacial da
distinção de um modo de vida sobre outros e de seu papel na construção de identidades coletivas de grupos
tornados singularizados, seja por vontade própria ou por imposição da sociedade como um todo. Além disso,
a noção de territórios primários e secundários, proposta por Altman (1975), será útil na discussão sobre a
distinção entre os domínios público, privado e coletivo, necessária à compreensão da estrutura e dos
processos de formação e conformação que regem a ocupação das encostas no Rio de Janeiro. Este

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 13
entendimento é de vital importância para a proposição de mecanismos mais efetivos para a sua proteção,
conforme demonstrou o levantamento fundiário elaborado no presente estudo.

1.1.3. Fronteira

A exemplo da noção de território, a definição de fronteira foi inicialmente associada à idéia de limite
entre partes distintas, extremidade de determinada área territorial. Fronteiras referem-se também a espaços
a serem conquistados, espaços de penetração e avanço da civilização, conforme observou Silva (2006: 25).
Em termos morfológicos, os limites podem funcionar como barreiras abruptas e impenetráveis ou como uma
pele, uma costura ao longo da qual dois tipos de tecido ou fragmentos se tangenciam e estabelecem algum
tipo de conexão (FORMAN 1995: 83). Em termos de dinâmica ecológica, as bordas ou fronteiras apresentam
características diferenciadas em relação ao interior da matriz dos núcleos centrais, dependendo de seu
arranjo espacial. Mais recentemente, o conceito de fronteiras tem se expandido para incorporar a noção de
mudança, transformação, mutação. Neste sentido, incorpora a dimensão do tempo, como lugar onde a
dinâmica das relações sociais contemporâneas reflete temporalidades históricas distintas e diferentes níveis
de desenvolvimento econômico associados a modos de vida diversos.
Uma das dimensões da estrutura urbana contemporânea é caracterizada pela dualidade pólo-franja
ou centro-periferia (ARAÚJO, 2007). O pólo detém a maior força, convergente e atratora. A franja, zona de
fronteira, se constitui por uma forma fluida, híbrida e, portanto, heterogênea, sem limites definidos, sujeita a
mutações. Como uma área de transição, região de contato entre extremos, entre pólos opostos, proporciona
a aparição de elementos híbridos, heterogêneos. Também podem ser pensadas como áreas peri-urbanas
pouco estruturadas onde é clara a tensão entre as populações instaladas sobre ecossistemas
ambientalmente valorizados situados na linha de expansão da cidade (GUERRA 2005: 53 e 59) ou como
zonas de conflito, na medida em que a pressão exercida pela atividade imobiliária contrapõe-se à proteção
ambiental (RODRIGUES, In: FERNANDES e RUGANI, 2002: 182). Pela sua própria natureza, suscitam
tensões e conflitos. As barreiras, por sua vez, são bordas que demarcam limites, separando dois tipos de
fragmentos de forma abrupta, encapsulando-os. Não apresentam transição, são linhas demarcadas com
precisão e rigor. A noção de barreira evoca a idéia de obstáculo de natureza biosífica ou artificial.
Panerai (1999: 65-66) refere-se à noção de fronteira para especificar a porção do território urbano
que limita sua expansão por determinado período, mas que pode vir a constituir outro pólo futuramente. Este
autor reconhece o atributo transitório, efêmero que caracteriza uma região de fronteira, materializada
espacialmente como uma área de inflexão entre diferentes tecidos urbanos em transformação. Ou, conforme
observou Solà-Morales (2002), paisagens de fronteira são constituídas por formas fluidas, “cambiantes”.
Neste sentido, a região de contato entre extremos proporciona a aparição de elementos híbridos,
heterogêneos, contrapondo-se à limitação física imposta por barreiras estanques que impedem ou dificultam
o contato e a troca entre diversidades.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


14 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Silva (2006: 36), por sua vez, indica uma possível alternativa, ao utilizar o conceito de “fronteiras
vivas”, definidas pela autora como “espaços que fomentam a interação social e o surgimento de uma nova
cultura a partir das subculturas divididas pelas barreiras e trincheiras”. A relação entre dois conjuntos é
contínua quando é possível associar pontos próximos do primeiro conjunto, domínio da relação, a pontos
próximos do segundo conjunto, contradomínio da relação. Uma transformação contínua é aquela que tem a
propriedade de preservar a relação de continuidade e conectividade entre dois ou mais conjuntos.
O conceito de fronteira utilizado no âmbito deste trabalho pretende explicitar seus atributos de
continuidade e de possibilidade de incentivar contatos humanos, de reorientar a apropriação das encostas
como territórios contínuos, como incentivo à aceitação do outro e à tolerância às diferenças. Nessa pesquisa,
no contexto da cidade do Rio de Janeiro, as bordas das encostas são fronteiras de contato entre extremos,
entre pólos opostos, entre a matriz floresta e a matriz cidade, e entre camadas sociais distintas. São regiões
onde predominam espaços livres híbridos, heterogêneos, com potencial para se contrapor à limitação física
imposta por barreiras abruptas, que impedem o contato e a troca entre diversidades, constituídas por
elementos de natureza material (costões, muros, cercas, portões) ou imaterial (insegurança, preconceito,
segregação social). Neste sentido, como explicitado anteriormente, defende-se que a reorganização dos
espaços livres nas bordas das encostas pode gerar um novo modelo urbanístico, onde os impactos diretos
sobre o ecossistema florestal e sobre o sistema urbano sejam amortecidos gradativamente e onde o
encontro, o convívio social, a fruição, de um lado, e a preservação de recursos florestais e o manejo
sustentável, de outro, possam se tornar viáveis.

1.1.4. Sistema

A teoria dos sistemas, formulada na década de 1950 pelo biólogo Ludwig Von Bertalanffy (1973: 83),
possibilitou um modo de enxergar, pensar e agir sobre conjuntos complexos, formados por elementos
interativos em permanente transformação, resultante de relações que se estabelecem entre si ou entre estes
elementos e seu contexto mais amplo. Esta teoria teve rebatimento nos mais diversos campos do
conhecimento e estabeleceu um instrumental metodológico para interpretar e lidar com a crescente
complexidade decorrente da potencialização da diversidade e da hiper-fragmentação da atualidade, a partir
da incorporação da noção de relatividade, fundada na compreensão de que o comportamento de cada
elemento de uma totalidade varia em função de sua relação com os demais, formando um tecido cujo estado
é de permanente transformação.
Milton Santos (1988) apontou a potencialidade do emprego da teoria dos sistemas para a
compreensão da dinâmica urbana. Ao articular a idéia de sistema à noção de estrutura espacial, Santos
apontou três dimensões fundamentais: (1) a relação com o contexto mais amplo; (2) o intercâmbio entre
subsistemas (ou subestruturas); e (3) a evolução inerente a cada parte ou elemento do sistema tomado
isoladamente. Segundo Capra (1997), o pensamento sistêmico opera com três elementos interdependentes:
(1) padrão de organização – configuração dos componentes que condicionam as características essenciais
CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO
A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 15
de um sistema; (2) estrutura – inter-relação e incorporação do padrão de organização e das relações entre os
componentes do sistema (sua forma, composição, ordenação) no espaço; (3) processo – atividade envolvida
na organização do sistema que envolve a idéia de tempo, duração, ação continuada, que liga o padrão à
estrutura.
Para D’Agostini e Cunha (2007), um sistema é constituído por um conjunto de relações funcionais,
estruturais e morfológicas que acontece em um espaço ou entre diferentes espaços, cuja organização tem
um significado. Os sistemas podem ser formados não só por componentes concretos que se inter-
relacionam, como podem configurar-se em sistemas de relações, de valores, de leis, de interesses.
Conforme explicou Morin (2008: 157) as articulações entre elementos inter-relacionáveis definem e estrutura
do sistema. Todo sistema é parte de um sistema mais amplo e cada parte influencia e é influenciada pelo
todo.
Do ponto de vista da psicologia social, Fischer (1994) reconhece que os ambientes humanos podem
ser apreendidos sob a forma de um sistema sócio-espacial que guarda relações em dois níveis: o
macrossocial, o espaço ao nível da sociedade global (região, cidade, bairro) e o microssocial, em escala de
vizinhança, ou em ambientes circunscritos onde se desenrola a vivência cotidiana. Estas duas matrizes, a
macro e a microssocial são interdependentes, encaixam-se e se interconectam.

Com base nestes conceitos, entendo que a zona de interface entre a matriz floresta e a matriz
cidade localizada nos domínios montanhosos urbanos deve ser tratada como um sistema derivado da
interação entre o suporte geo-biofísico e o suporte construído, no qual a interdependência entre conjunturas,
acontecimentos, transformações e configurações nas diferentes escalas espaciais definem sua estrutura e
modelam sua dinâmica. O conceito de sistema foi aplicado na análise dos espaços livres de edificação
observados em campo, nos estudos de caso abordados no Capítulo 4.

1.1.5. Espaços livres

O termo “espaços livres” também é impregnado de múltiplos significados. Miranda Magnoli (1982) os
definiu como espaços sem edificação, isto é, espaços não edificados, que incluem os quintais, jardins
públicos ou privados, as ruas e avenidas, as praças e os parques, os rios, as florestas, os manguezais e as
praias, ou ainda quaisquer áreas sem ocupação. Kevin Lynch (1984) referia-se a espaços abertos em
contraposição aos espaços fechados das edificações. Segundo Silvio Macedo et al (2007), os espaços livres
compõem um sistema, apresentando relações de conectividade e complementaridade, mesmo que estes não
tenham sido planejados ou implantados como tal. Estes espaços formam, conforme sugere Catharina Lima,
um “tecido pervasivo”, que permeia todo o espaço urbano, justapondo-se ao sistema de objetos edificados e
seu correspondente sistema de ações ou, de acordo com Gilles Clément (2004), um mosaico rico de
manifestações onde se mesclam a diversidade biofísica e cultural. São eles que, quase sempre, constituem o
maior percentual do solo das cidades brasileiras, mesmo entre as mais populosas (LIMA, 1996).

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


16 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Conforme demonstraram Merlin e Choay (1988) e Roncayolo (2002), quando vinculados ao meio
urbano, os espaços livres se definem pelo perfil de propriedade, acessibilidade ou uso, como públicos ou
privados, minerais ou vegetados, associados às funções múltiplas de preservação, recreação, convívio e
circulação. Entre seus múltiplos papéis, por vezes sobrepostos, estão a circulação e a drenagem urbanas,
atividades de lazer, conforto, preservação, conservação, requalificação ambiental e convívio social. Ao
estudarmos os espaços edificados e os espaços livres de edificação e urbanização, os espaços públicos e
espaços privados, os espaços individuais e os espaços coletivos, os espaços de recreação e de circulação,
os espaços abertos e os espaços fechados, associamos seus significados quanto à estrutura, usos e função
a uma base física, visando qualificar e definir atributos de valoração social, ambiental e cultural a eles
associados.
A caracterização dos espaços livres aplicada a esta pesquisa fundamenta-se nas definições
propostas por Magnoli (1982) e nos conceitos levantados e discutidos pelo Grupo Sistemas de Espaços
Livres – SEL-RJ. A partir destes conceitos e definições, registrados em Tângari et al, no prelo, os espaços
livres foram classificados para fins de análise em três categorias principais: espaços livres com caráter
ambiental, espaços livres com caráter de urbanização e espaços livres relacionados à produção de matéria
prima. Estas categorias foram desmembradas em tipos e subtipos e relacionadas à legislação de criação,
situação fundiária, nível hierárquico, função e gestão. A conceituação inicialmente formulada foi adaptada
aos domínios montanhosos na presente pesquisa. Convém salientar, no entanto, que esta categorização é
meramente analítica, uma vez que, conforme será demonstrado nos capítulos que se seguem, os espaços
livres localizados nas encostas exercem funções múltiplas e, de modo geral, concomitantes.

Conforme demonstrado em Tângari et al (no prelo), são considerados espaços livres com caráter
ambiental, os espaços livres de edificação destituídos de ocupação ou urbanização, cuja função primordial é
a proteção ambiental, e espaços livres de edificação com caráter de urbanização, os espaços livres de
edificação que exerçam funções urbanas vinculadas à permanência, à circulação e ao lazer e à recreação,
por exemplo. Os espaços livres com caráter ambiental podem envolver ou permear os núcleos de
ocupação e incluem os espaços livres protegidos pelas Unidades de Conservação de Proteção Integral e os
integrantes das Unidades de Conservação de Uso Sustentável, pelas áreas de preservação permanente,
pelas reservas florestais, os espaços livres localizados nas zonas de amortecimento, e ainda as áreas com
cobertura vegetal arbórea, gramíneas e os afloramentos rochosos protegidos ou não e os espaços livres
residuais, que correspondem às áreas cedidas ou doadas ao poder público.
Os espaços livres com caráter de urbanização, por outro lado, são espaços livres de edificação
inseridos dentro dos limites de áreas ou núcleos efetivamente ocupados ou ao menos urbanizados, que
exercem funções urbanas. Nesta categoria incluem-se os espaços livres relacionados à permanência
(parques recreativos, praças, áreas de lazer, jardins, quadras coletivas e particulares, pátios e lajes, entre
outros); os espaços livres relacionados à circulação (vias e caminhos, becos e vielas, calçadas, largos e
alargamentos, escadas e áreas remanescentes de projetos viários, por exemplo), à infraestrutura

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 17
(reservatórios de água e linhas de transmissão de energia), à estabilização das encostas (taludes
estabilizados com cobertura vegetal e com estruturas de concreto) e espaços livres transitórios (lotes vazios
em áreas formais e terrenos não ocupados, miolos de ocupação e lajes em favelas). Deste modo, o conceito
de “espaços livres “ no âmbito desta pesquisa difere-se da definição estabelecida por Silva (1995: 246) ao
incorporar como espaços livres tanto os espaços não edificados de domínio público quanto os de domínio
privado e também da definição de “espaços livres de urbanização” proposta por Magnoli (1982), que assim
considerava os espaços livres inseridos em territórios não ocupados localizados dentro dos limites do
perímetro urbano.
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, tornou-se necessário também estabelecer a
diferenciação conceitual entre espaços públicos, espaços privados e, dentre os espaços privados, os
espaços de uso coletivo. Os últimos entendidos, no âmbito do presente estudo, como uma transição, uma
zona de sombreamento entre a esfera pública e a esfera privada. Esta distinção importa ainda mais tendo em
vista que os espaços livres nas cidades brasileiras foram determinados, de modo geral, a partir dos
processos de uso e ocupação do solo conduzidos majoritariamente por agentes privados, principalmente no
período anterior à implementação da Lei Federal 6766/19796.
De acordo com as definições estabelecidas o Código Civil Brasileiro, os espaços livres públicos no
Brasil podem ser classificados como bens dominiais7, próprios dos entes públicos, passíveis de desafetação;
bens de uso especial, voltados a atividades institucionais e bens de uso comum do povo, espaços de
apropriação e uso públicos (SILVA, 1995: 241-250). Os espaços livres privados, por sua vez, podem
compreender espaços livres de uso coletivo (pátios de instituições educacionais e de saúde privadas, por
exemplo) e espaços livres intra-lotes8. Os espaços livres intra-lotes são totalmente privativos, controlados, de
acesso restrito aos seus proprietários ou aos que estes admitem em seus domínios.
Conforme definiu Hannah Arendt (2000), o espaço público é “o espaço da ação política ou, ao
menos, da possibilidade de ação política”. Para Angelo Serpa (2007:11), é também o espaço de
representação, experiência e reprodução de diferentes manifestações de cultura e de sociabilidade. É o
espaço franqueado à apropriação pública em sentido amplo (ALBERNAZ, 2007), onde é possível o exercício
da cidadania e das práticas sociais (GOMES, 2002), da afirmação política, da multiplicidade de significados,
das negociações de convivência entre as diferenças, da comunicação e da informação (HABERMAS, 1984).

6 No Rio de Janeiro, em particular, esta condução é ainda mais nítida, devido não aplicação da lei 6766/1979, no que tange
especificamente ao percentual destinado a espaços livres públicos, conforme será visto no decorrer deste estudo.
7 Este conceito se fundamenta na forma de estruturação territorial portuguesa que abrangia, enquanto espaços públicos, terras

pertencentes à res publica, isto é, dos conselhos ou câmaras municipais, administradas pelos governos locais e passíveis de
distribuição, e baldios, terras de usufruto comum, não passíveis de individualização e distribuição, destinadas à pastagens e à
extração de lenha, isto é, “mato destinado ao bem comum”, que no Brasil foram chamadas de logradouros públicos. A falta de
demarcação oficial do patrimônio público, também herdada de Portugal, facilitou em muito a sua apropriação por particulares. Tanto
em Portugal, quanto no Brasil, os baldios se extinguiram na segunda metade do século XIX, deixando apenas vestígios na paisagem
atual (ABREU, 2001:200, 217 e 238 e CAMPOS, 1992: 49-52 e 127-128).
8 Lotes, conforme explicou Silva (1995:227), são unidades de terreno edificáveis, isto é, porções de terreno com frente para
logradouro público, em condições de abrigar edificações residenciais, comerciais, institucionais ou industriais.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


18 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Para Corrêa (2011), os espaços públicos se definem por sua capacidade de amalgamar significados e pela
sua inerente densidade política e simbólica, ao que acrescentamos o atributo da ampla acessibilidade. São
espaços que estabelecem uma conexão forte entre as dimensões da política e da cultura, segundo o autor.
Já os espaços privados de uso coletivo, segundo Corrêa, carecem ainda de definição consistente na
literatura.
No âmbito dessa pesquisa, interessa qualificar melhor a categoria referente aos espaços privados
de uso coletivo porque nela se inserem os espaços livres no interior das favelas e dos condomínios fechados,
formas de ocupação urbana encontradas em grande parte das encostas do Rio de Janeiro. Poderíamos
pensá-los como pseudo-espaços públicos, expressão utilizada pelo próprio Corrêa para designar
especificamente os shoppings centers9, ou como espaços semi-públicos ou semi-privados.
Trata-se de espaços com acessibilidade controlada, que restringem, por um lado, mas que afirmam
identidades, por outro. São espaços de transição, espaços intermediários entre o domínio do doméstico, do
mundo privado, e o domínio público, no sentido mais amplo, que carrega a dimensão política. Nestes
espaços coletivos parece haver uma barreira que os distingue, simbolicamente ou na prática, dos espaços
abertos à sociedade como um todo. Ao longo da pesquisa, esta transição foi vivenciada tanto nas visitas aos
loteamentos transformados em condomínios fechados, como nas favelas, onde foram observados vários
pátios dentro de pátios, como a marcar a necessidade dessa barreira em diversos níveis.
Com base nos conceitos apresentados, o termo “espaços livres” é entendido como todo e qualquer
espaço sem edificação, de domínio público ou privado, arborizado ou não, urbanizado ou “virgem” de
urbanização. A análise dos espaços livres como um sistema, de acordo com o exposto anteriormente, é
indispensável para examinar os processos de ocupação e buscar compreender as relações que se
estabelecem nas encostas da cidade do Rio de Janeiro. Os espaços livres nos domínios montanhosos
ocorrem sob a forma de manchas, poligonais ou formas linearizadas de conexão entre estas, que permitem
viabilizar fluxos entre as partes do sistema. Registram marcas de apropriações e de domínios (públicos,
privados e privados de uso coletivo), expressam manifestações culturais, suportam biomas e domínios
geomorfológicos e desempenham funções múltiplas que, por vezes, se sobrepõem. Com base nestas
considerações, é pertinente contextualizar também seu contraponto, o universo dos espaços edificados, a
seguir descrito.

9Os espaços livres no interior de shoppings centers se caracterizam, conforme já foi dito por vários autores, entre os quais destaca-
se Caldeira (2000) como simulacros de espaços públicos.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 19
1.1.6. Espaços edificados

Seguindo a lógica relacional e sistêmica proposta nessa pesquisa, a paisagem urbana é constituída
por múltiplos aspectos que articulam os fatos urbanos, em suas diversas escalas, e os fatos culturais, em
todas as suas manifestações10. No âmbito desta pesquisa, importa relacionar os elementos do suporte geo-
biofísico, aos do suporte legal (normas de regulação do uso e ocupação do solo), e aos do suporte
construído. O conjunto de espaços edificados na cidade é formado por uma constelação de objetos
tridimensionais com usos, funções e formas variadas, isolados ou agrupados, por vezes justapostos ou
sobrepostos, dispostos em lotes e quadras, cuja volumetria é basicamente definida pela legislação
urbanística. Nos domínios montanhosos é comum não haver quadras fechadas, uma vez que os limites dos
lotes se confundem com a floresta.
Em relação à legislação urbanística, faz-se necessário analisar também a influência dos agentes de
construção da paisagem e a forma pela qual essa construção contrapõe e privilegia o construído ao não
construído. A formação dos espaços edificados e não edificados, na cidade do Rio de Janeiro foi, e ainda é,
fortemente condicionada pela legislação urbanística, que, ao concentrar sua atenção sobre os espaços
edificados, influi diretamente na conformação dos não edificados, no que se refere a sua configuração,
distribuição, aproveitamento e sua qualidade ambiental.
Fator que precede à normatização de uso e ocupação do solo urbano, a regulação fundiária
direciona o acesso privado à terra que, no Brasil, adquiriu perfis que contribuem para a conformação dos
domínios territoriais difusos, das fronteiras híbridas e das formas combinadas de apropriação formal e
informal dos espaços das encostas e de outros suportes ambientalmente frágeis por estratos de população
socialmente desprovidos de condições materiais de acesso a terra urbana legalizada e fisicamente adequada
e segura. Esse processo e suas nuances são detalhados a seguir.
De acordo com Pedro Abramo (2003a), as formas de acesso à terra urbana no Brasil regem-se por
lógicas complementares, envolvendo três agentes que podem ou não estar associados, a depender do
contexto urbano. A lógica do Estado, na qual o poder público se encarrega da aquisição e da distribuição da
terra11; a lógica do mercado, regida por convenções e transações entre particulares, independentemente de
incidir sobre áreas formais ou informais, e a lógica da necessidade, direcionada à invasão de terrenos
públicos ou privados. No entanto, conforme o próprio autor afirmou, nos modelos ortodoxos de economia
urbana prevalecem os interesses do mercado, sobretudo do fundiário e do imobiliário. Abramo (2001), ao
ressaltar o caráter de instabilidade e imprevisibilidade do mercado do solo urbano no Brasil, com ênfase no

10 Para Nelson Brissac Peixoto (1996: 13), o que constitui a paisagem das cidades é o cruzamento entre diferentes espaços e

tempos e entre suportes e tipos diversos. As cidades estão saturadas de inscrições, vestígios, monumentos, traços da memória e do
imaginário, coisas acumuladas, e se constituem em um amálgama composto por um entrelaçamento de paisagens.
11Para uma análise das soluções habitacionais promovidas pelo Estado nas décadas de 1940 e 1950 e, especificamente, dos
conjuntos residenciais do Pedregulho e da Gávea, ver Bonduki (1998).

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


20 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
mercado residencial, destacou que sua dinâmica está fortemente associada a um movimento contínuo de
diferenciação e produção de inovações nos estoques residenciais (tanto em termos de localização, quanto
em termos de tipologia), inicialmente destinadas às classes mais abastadas, e difundidas para os outros
estratos sociais à medida que se tornam “ultrapassadas” (2001: 177, 180). Em um dado momento o que era
valorizado, passa a ser considerado “fora da moda”. Seguindo a lógica do autor (2001: 184-185), uma ordem
urbana fundamentada em um contínuo processo de mudança, passível de subversão “por inovações
espaciais, decisões oportunistas, bolhas especulativas e suspeitas de toda sorte” gera um movimento cíclico
de ordem-desordem que necessita, para sua perpetuação, tanto da novidade, quanto da degradação, para se
superar e se perpetuar.
Conforme demonstrado por Villaça (1998), a ordem urbana ditada pelo mercado foi forjada a par e
passo com a estrutura de dominação social e de segregação espacial recorrente nas cidades brasileiras.
Neste sentido, pode-se dizer, como afirmam outros autores, entre os quais Maricato (2001) e Abramo
(2003a), que a estrutura montada no contexto brasileiro conta com as invasões (espontâneas ou
organizadas) como alternativa de provisão de acesso à terra urbana. Segundo Maricato (2003: 160), a
tolerância para com a ocupação não legalizada do solo é perfeitamente coerente com a lógica do mercado
fundiário capitalista, restrito, especulativo e discriminatório e com a concentração de investimentos públicos
nas áreas valorizadas. Por outro lado, segundo Villaça, as invasões são uma forma dos estratos sociais mais
baixos da população participarem das vantagens usufruídas pelas classes abastadas nas áreas segregadas
(Villaça 1998: 225). Para Maricato (2000:155-7) as classes trabalhadoras resolveram a questão da moradia
por meio de “expedientes de subsistência”, baseados em estratégias do mundo privado e não por vias legais.
Para Abramo (2003b), o que diferencia os mercados imobiliários formal e informal são as formas e
tipos de agenciamento, o produto oferecido e quem os oferece, e o peso dos fatores de atração para o
públio-alvo, os quais, para os estratos sociais mais baixos da população, vinculam-se ao acesso aos
transportes públicos, à proximidade do mercado de trabalho e às relações de vizinhança. O mercado voltado
para as classes populares foi historicamente negligenciado pelo modelo econômico adotado no Brasil, sendo
absorvido, de forma periférica e desarticulada, por pequenos proprietários fundiários e agenciadores que
enxergaram nas favelas o potencial lucrativo das transações imobiliárias livres de impostos e dos entraves do
mercado formal.
Ao longo do último século, o porte e o papel das áreas informais nas cidades latino-americanas vêm
passando por uma grande transformação. Citando Soto (1986), Hardoy e Satterthricarte (1989), Leitão (2009)
argumenta que a expansão espacial e o ritmo de crescimento da população nas áreas de ocupação informal,
fortemente vinculados aos fluxos de migração campo-cidade, cresceram muito mais do que o ritmo de
crescimento da população urbana em geral, chegando a 40 a 50% da população urbana total em algumas
cidades latino-americanas.
Com base na teoria de Bourdieu, para quem a “forma de oposições espaciais” expressa a estrutura
hierarquizada do espaço social, em virtude da ordem hierárquica da própria sociedade, as argumentações de

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 21
Rolnik (1979), Bonduki (1989) e Leitão (2009) demonstram que o quadro de polarização social e segregação
espacial existente nas cidades brasileiras reflete um fenômeno estrutural e estruturante, característico, tanto
do processo de urbanização quanto do processo de consolidação do modelo capitalista explorador adotado
no Brasil e na América Latina12. Como argumentou Maricato (2003:153), a segregação urbana e a
desigualdade social retroalimentam-se mutuamente. Segundo a autora, a produção do ambiente construído
nas cidades brasileiras “escancara a simbiose entre modernização e desenvolvimento do atraso”.
Sassen (1991) estabelece relações entre as transformações no mundo do trabalho, a polarização
socioeconômica e a predominância de uma ordem espacial assimétrica. A forma de organização do espaço,
segundo a autora, expressa a distância que separa as camadas com renda elevada das empobrecidas. Nas
últimas décadas, tem se intensificado o isolamento das diferentes camadas sociais, que se concentram em
espaços segregados, desestimulando a interação de grupos heterogêneos. A autora explica que o
distanciamento das diferentes camadas sociais não é inédito e que a novidade é a apropriação privada dos
recursos públicos e do espaço urbano, uma vez que os setores da nova economia urbana influenciam as
decisões estatais a favor de uma ordem sócio-espacial segregada. Ribeiro (1996:148) por sua vez assinala
que o processo de polarização social que caracteriza a cidade do Rio de Janeiro, onde convivem favelas e
condomínios residenciais e comerciais de alto luxo, ancora-se, segundo o autor, na “cultura do medo”, que é
uma das mais fortes justificativas para a segregação.
Caldeira (2000) aponta que nessa organização sócio-espacial polarizada, as camadas sociais
apesar de habitarem o mesmo território, não convivem umas com as outras. Isso porque os espaços
privatizados freqüentados pelas camadas de alta renda obstaculizam o ingresso das populações
empobrecidas, assegurando a homogeneidade social do público no local. Para a autora, esses espaços
privatizados são “enclaves fortificados”, cujo acesso é controlado por meio de sistemas de segurança.
Caldeira (op.cit: 325) atribui esta estratégia de isolamento à necessidade das camadas altas e médias em
organizar e promover o processo de distinção, estremecido com a recente democratização da sociedade, por
meio da qual as classes trabalhadoras conquistaram direitos e ocuparam espaços físicos e políticos.
No Rio de Janeiro, como demonstrou Silva (2005 a e 2005b), as favelas, foram elementos
determinantes no processo de expansão urbana, integradas aos vetores de desenvolvimento. O estudo
sócio-econômico pioneiro denominado Aspectos Humanos da Favela Carioca realizado no Brasil pela
Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (SAGMACS)13 entre
1957 e 1959 e publicado em 1960 já apontava uma grande heterogeneidade entre as favelas da cidade e a
rica diversidade interna das mesmas, alertando para o risco da visão generalizante e reducionista do poder

12 Extrapolando o raciocínio de Abreu (2001: 207 e 208) em relação às condições iniciais de apropriação territorial no período
colonial, a liberalidade que permeia a lógica da ocupação urbana no Brasil é decorrente do modelo econômico adotado ao longo do
tempo, o qual foi sempre tributário da forma de inserção do país no mercado mundial e incentivador da concentração de terras.
13O escritório da SAGMACS no Brasil foi fundado pelo frei e economista francês Louis Joseph Lebret e este trabalho foi coordenado
pelo sociólogo José Artthur Rios, publicado pelo jornal o estado de São Paulo em 1960.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


22 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
público para com as favelas. As diferenças apontadas iam desde a composição da população moradora,
quanto aos processos de origem e configurações espaciais, incluindo características físicas, localização na
malha urbana, grau de adensamento e situação fundiária.
Apesar da sua associação com um “espaço externo à pólis” ainda prevalecer, como apontou Jailson
Silva (2002 e 2003), os diversos vínculos institucionais, a diferenciação em termos de poder aquisitivo, as
múltiplas referências culturais, as iniciativas econômicas e educacionais presentes nas favelas, bem como as
variações na distribuição do mercado de trabalho, vêm ampliando a diferenciação entre os diversos grupos
sociais que compõem as favelas. Diante do quadro de estabilidade econômica e da elevação da capacidade
de consumo vários empreendedores se voltam para estas áreas para expandir o mercado consumidor. Essas
mudanças estão provocando uma alteração na estruturação social e urbana das cidades brasileiras,
sobretudo no Rio de Janeiro, com rebatimento na forma de apropriação de suas encostas.
Como explicaram Lícia do Prado Valladares (1978 e 2005), Jailson Silva (2002 e 2003) e Maria Lais
Pereira da Silva (2005a e 2005b) e as favelas se firmaram na paisagem das cidades a partir de processos
complexos e multifacetados, mas foram associadas historicamente a uma imagem mitificada e generalizante,
marcada pela ausência, carência e diferenciação na paisagem. Esta representação reforça a hierarquização
territorial polarizada entre áreas formais e informais, orientada por dicotomias comparativas:
normal/subnormal; legalizado/não legalizado; ordem/caos; asfalto/morro; cidadania/não-cidadania,
perene/transitório e norteia os modelos até então vigentes de políticas públicas tanto nas favelas, como o
assistencialismo, a remoção e o clientelismo, quanto nos bairros situados nas encostas. O embate entre
estas lógicas diferenciadas explica os constantes redirecionamentos das políticas e ações do poder público,
marcadas pela incompletude e pela pouca efetividade (Observatório das Favelas In: SILVA, 2009).
A ocupação das encostas cariocas foi condicionada por alguns aspectos principais: as
características do mercado, em sentido amplo (fundiário, imobiliário, da construção civil, de trabalho); as
políticas públicas; as relações entre o suporte físico-ambiental e o suporte construído e domínio público e o
domínio privado (e suas lógicas distintas) e a busca por um espaço na cidade (aí incluídas a busca pela casa
própria e as soluções alternativas dos que não têm acesso a esse bem). Os conflitos sócio-ambientais que aí
têm lugar fundam-se no embate entre a lógica dos mercados, do acesso à propriedade privada e dos
significados do espaço público como bem coletivo de caráter difuso.
Conforme será visto nos capítulos seguintes, os processos que originaram as favelas guardam
estreita relação com os processos que geraram a ocupação formal nas encostas14. No entanto, a visão de
urbanismo que prevaleceu no Rio de Janeiro, extremamente segmentada, com foco no parcelamento da terra

14 O surgimento da ocupação não legalizada, conforme será comprovado nos capítulos 3 e 4, guarda estreita relação com os
processos que geraram a ocupação legalizada nas encostas, vinculando-se a situações em que proprietários autorizaram a
permanência no local mediante cobrança de taxas ou aluguéis, à autorização de permanência por instituições privadas, religiosas ou
públicas, como as forças armadas, ou ainda a doação de áreas à igreja por proprietários fundiários interessados em manter estoques
de mão-de-obra sob a tutela da igreja e à implantação de loteamentos que não tiveram o processo de legalização concluídos,
conforme apontado por Silva (2005a e 2005b) e Abreu (1994 e 2001).

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 23
urbana privada e na segregação de recortes territoriais com tratamentos diferenciados, e impregnada, tanto
dos interesses dos mercados, quanto da visão das favelas como “lugares transitórios”, nunca reconheceu ou
considerou esta relação. A legislação urbana carioca está longe de contemplar a complexidade das atuais
formas de organização da ocupação urbana nas encostas, onde camadas sociais heterogêneas coexistem
de maneiras diversas e complementares em uma ordem sócio-espacial bastante polarizada.
É certo que a população nos assentamentos informais aumentou mais do que a população urbana
em geral nas últimas décadas no Rio de Janeiro mas, conforme veremos nos capítulos a seguir, as áreas
urbanizadas oficialmente detém uma proporção maior, em termos de área ocupada e em termos do alcance
e sistematização da pressão urbana exercida, do que as áreas informais situadas nas encostas da cidade.
O arcabouço conceitual reunido nesta pesquisa embasa a distinção, aplicada aqui para efeito de
análise, entre áreas com ocupação efetiva e áreas urbanizadas. As áreas com ocupação efetiva
correspondem aos territórios de domínio conhecido, parcelados e ocupados, onde há prevalência dos
espaços edificados e maior densidade. As áreas urbanizadas correspondem aos territórios ainda não
ocupados ou com ocupação esparsa onde existem Projetos Aprovados de Loteamento registrados na
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, ainda não implementados, ou glebas registradas em cartórios.
Nestas áreas, de domínio privado conhecido, prevalecem espaços livres de edificação, estejam eles
urbanizados ou virgens de urbanização.

1.2. Metodologia de análise

A abordagem metodológica aplicada nesta pesquisa correlaciona a morfologia da paisagem das


encostas no contexto urbano aos processos de formação, transformação e disseminação da ocupação e à
legislação que a moldaram, em escalas de análise complementares, a partir de uma leitura sistêmica,
matricial, transescalar e tridimensional.
Desta forma, as estratégias metodológicas se estruturam sob três eixos de análise:
 Morfologia da paisagem
 Processos e agentes de formação e transformação
 Legislação
Parte, a título de contextualização, de um estudo comparativo da ocupação das encostas em cinco
cidades brasileiras, subsidiado pelos encontros promovidos pela Rede Nacional QUAPA-SEL, e aprofunda a
análise dos processos de ocupação ocorridos na cidade do Rio de Janeiro e no Maciço da Tijuca, em
particular, com detalhamento em três recortes espaciais localizados em diferentes bacias hidrográficas deste
maciço. Foram utilizados métodos indutivos, de cunho experimental, baseados em fontes primárias e
secundárias, fundamentados no quadro teórico-conceitual apresentado anteriormente. Nas leituras da
paisagem elaboradas, busca-se enfatizar as relações de interdependência, as singularidades, as

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


24 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
correspondências, os conflitos e contradições entre a morfologia e a legislação e destacar as características
e processos evidenciados em cada nível de análise.
Em todos os capítulos, busca-se abordar a influência da legislação na morfologia da paisagem das
encostas de forma problematizada, ao correlacionar as normas e os parâmetros de regulação e de proteção
estabelecidas em âmbito municipal, estadual e federal, que têm sido aplicadas às encostas, ao contexto atual
dos recortes em cada nível hierárquico de análise, ressaltando as articulações e relações de
interdependência em mais de um nível hierárquico. Através da investigação da dimensão ambiental urbana, a
pesquisa pretende contribuir para o entendimento da estrutura, das funções, dos padrões e dos usos que têm
lugar nas encostas urbanas e apontar processos, relações, contradições e posturas conflitantes. Convém
ressaltar que o foco das análises realizadas, a partir dos instrumentos normativos, foi direcionado ao
planejamento e à regulação, em detrimento da questão da gestão em sentido amplo.
Fundamentadas na base conceitual composta pelos conceitos sobre paisagem, território, fronteira,
sistema, espaços livres e espaços edificados, as estratégicas metodológicas descritas a seguir foram
aplicadas nesta pesquisa com o objetivo de esclarecer as relações de interdependência que se estabelecem
na paisagem das encostas. Neste sentido, explicitamos a seguir, através das principais contribuições teórico-
metodológicas pesquisadas e utilizadas, como estes conceitos têm sido aplicados em análises da paisagem,
e, em especial, da paisagem urbana.

1.2.1. Contribuições teórico-metodológicas

A partir de uma visão sistêmica, a presente pesquisa integra abordagens de campos disciplinares
diversos  com ênfase nas contribuições da ecologia da paisagem15, da morfologia urbana16 e da
arquitetura da paisagem17  na construção de uma leitura integrada da paisagem.

O campo disciplinar da ecologia da paisagem se propõe estudar as relações entre os padrões


espaciais e os processos ecológicos, naturais e urbanos, em múltiplas escalas e níveis de organização. O

15 Este campo de conhecimento é eminentemente transdisciplinar, congregando abordagens da geografia, geomorfologia, da


arquitetura e do planejamento da paisagem (análise da estrutura e dos processos de transformação da paisagem) e da ecologia
(desenvolvimento do conceito de ecossistema). Sua consolidação como campo teórico e sua aplicabilidade prática nas tomadas de
decisão que concernem ao planejamento territorial têm se consolidado desde a década de 1980, com o desenvolvimento da
tecnologia de sensoriamento remoto (TURNER e GARDNER, 1991: 4).
16A morfologia urbana tem como foco de estudo a forma, a estrutura espacial e o caráter de uma aglomeração urbana, qualquer que
seja sua escala, através da análise dos padrões que a compõem (incluindo padrões de movimento, usos do solo, propriedade e
controle da ocupação) e dos fenômenos e dos processos de desenvolvimento que a geraram (LAMAS, 1992).
17A expressão “arquitetura da paisagem”, cunhada por Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux, criadores do Central Park, em Nova
York e de diversos outros parques urbanos na Costa Leste norte-americana em fins do século XIX, passou a designar uma disciplina,
que, a partir de 1899, foi institucionalizada como campo profissional nos Estados Unidos com a criação da American Society of
Landscape Architects (ASLA), fundada por profissionais oriundos de diversas formações. Para um panorama da produção
paisagística norte-americana e a contribuição da American Society of Landscape Architects no período de 1899, data da sua criação,
a 1999, ver Melanie Simo, 100 Years of Landscape Architecture: Some Patterns of a Century (Washington: ASLA, 1999). Para um
panorama da produção paisagística no Brasil, ver FARAH, Ivete, SCHLEE, Mônica Bahia e TARDIN, Raquel (orgs.). Abap: 30 Anos
de Arquitetura Paisagística no Brasil. Rio de Janeiro: PROURB/ABAP, 2010, e DOURADO, Guilherme Mazza (org.) Visões de
Paisagem: Um panorama do Paisagismo Contemporâneo no Brasil. São Paulo: Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas –
ABAP, 1997.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 25
termo “ecologia da paisagem” foi inicialmente empregado por Carl Troll (1939, 1950 e 1968), no
desdobramento da tradição européia de estudos regionais, para definir o estudo das relações físicas e
biológicas que têm lugar em unidades espaciais de uma região. Ao longo dos anos, sua definição evoluiu dos
estudos das variações espaciais nas paisagens em direção a pesquisas sobre as redes complexas de causa
e efeito entre as comunidades e o seu ambiente ou entre padrões espaciais (estrutura) e processos de
transformação da paisagem (FORMAN e GODRON, 1986: 7 e 29; TURNER, 1989).
Forman e Godron (1986: 11), entre outros pesquisadores, indicaram que as paisagens apresentam
três propriedades principais que lhe são inerentes: 1. estrutura – configuração, distribuição e relações
espaciais entre os diferentes elementos que a compõem; 2. função – interações, fluxos e trocas entre esses
elementos e 3. dinâmica – transformações na estrutura e nas funções das paisagens ao longo do tempo.
Esses autores desenvolveram um modelo de estruturação da paisagem formado por três tipos de elementos
ou atributos espaciais: matrizes18, corredores19 e manchas ou fragmentos20. Esses elementos podem
originar-se a partir de configurações naturais ou estabelecidas pelas atividades humanas e aplicam-se tanto
a ecossistemas naturais como a “ecossistemas” urbanos. A este modelo foi incorporado outro atributo
espacial, identificado anteriormente por Lynch (1960)21 e posteriormente detalhado por Forman (1995): os
limites ou bordas22.
Estudos da paisagem sob esta ótica demonstram uma relação direta entre os padrões espaciais e
os processos de configuração e transformação da paisagem e apontam para a importância de realizar
análises em escalas diversas, indicando que algumas informações obtidas podem ser aprofundadas com
este procedimento e extrapoladas para outras escalas (TURNER 1989, TURNER e GARDNER 1991 e
WEINS, In: WEINS e MOSS, 2005). Os elementos de um sistema de paisagem em um dado nível hierárquico
operam em conseqüência das interações entre os elementos do sistema no nível imediatamente inferior.
Estas relações entre os elementos componentes do sistema neste nível hierárquico determinam, ou mesmo
definem, o funcionamento dos sistemas no nível imediatamente superior. Cada um dos elementos
componentes do sistema constitui um sistema organizado em si (O’NEILL 2005: 23 e KING 2005: 29 e 33, In:
WEINS e MOSS, 2005). Entretanto, conforme observou King (2005: 31, In: WEINS e MOSS, 2005), sistemas

18 Matriz: padrão paisagístico que desempenha o papel dominante na estrutura da paisagem, funcionando como contexto. Apresenta
alta conectividade entre os elementos que o conformam e uma maior resiliência quanto à dinâmica de transformação do que as
manchas e os corredores. (FORMAN e GODRON, 1986:159-165 e FORMAN, 1995: 277-278).
19Corredor: faixa linear contínua que serve de ligação, favorecer fluxos e trocas ou separa dois fragmentos que secciona (FORMAN,
1995:145-153).
20 Mancha ou fragmento: área não linear que apresenta padrões que se agregam de forma definida e morfologicamente diferenciada

do contexto no qual se insere (FORMAN, 1995: 45).


21 A abordagem de Kevin Lynch guarda alguma semelhança com a de Forman. Em “A imagem da cidade”, Lynch identificou cinco
elementos que se combinam para formar a paisagem urbana - vias, limites, bairros, cruzamentos e elementos marcantes.
22 Limite: borda linear, franja, zona de fronteira ou região de contato que demarca a separação entre dois ou mais fragmentos ou

manchas (FORMAN, 1995:83). Em termos de dinâmica ecológica, a borda apresenta características diferenciadas em relação ao
interior da matriz dos fragmentos florestais, dependendo de seu arranjo espacial.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


26 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
superiores sofrem transformações mais gradativas que os sistemas hierarquicamente inferiores, justificando
o interesse na elaboração de análises em diferentes escalas.
Apesar dos avanços alcançados no campo disciplinar da ecologia da paisagem, seu arcabouço
teórico-metodológico ainda é majoritariamente voltado para a criação de modelagens e métricas quantitativas
elaboradas para ecossistemas naturais, destinadas a quantificar a heterogeneidade da paisagem e prever o
seu comportamento futuro perante os efeitos das transformações (TURNER e GARDNER 1991: 4 e 524-525;
SHUGART 2005: 36, In: WEINS e MOSS, 2005). As lacunas ainda existentes apontam para a necessidade
de uma síntese teórica e metodológica que unifique o campo de conhecimento em torno de uma
fundamentação sistêmica integrada, que possa vir a ser aplicada com maior eficiência na análise de
ambiente urbanos (SOLON 2005: 12; NAVEH 2005: 350; WEINS 2005: 367, In: WEINS e MOSS, 2005;
COELHO NETTO, notas de aula 2007). Daí a importância de mesclar as contribuições da ecologia da
paisagem ao escopo metodológico da morfologia urbana.
A morfologia urbana analisa a forma das cidades como resultado de fatores relacionados ao
processo de ocupação do território urbano, sua configuração espacial e estrutura, padrões e tipos em uma
perspectiva histórica23. As contribuições teórico-metodológicas de Philippe Panerai (1999), José Lamas
(1992) e Spiro Kostof (1991) apontaram caminhos e categorias de análise úteis para compreender a
formação da estrutura da paisagem.
Panerai (1999:54 e 75-78) argumenta que iniciar o estudo de uma cidade ou de uma aglomeração
pela análise do seu processo de crescimento possibilita uma perspectiva dinâmica e considera a rede de
vias, o parcelamento da terra e a massa de edificações como elementos definidores do tecido urbano. O
autor enfatizou a importância em distinguir e investigar os espaços de domínio e uso coletivo (acessíveis e
pertencentes a todos) e os de uso público (edifícios públicos ou propriedades privadas, abertos sob certas
condições ao acesso coletivo). Para Panerai, os espaços livres públicos, ao mesmo tempo em que
constituem um sistema global  a armadura, o esqueleto da configuração urbana, formam um sistema local
que organiza o tecido. O autor (op. cit.: 81, 95-97) enfatiza a importância da análise das relações entre o
traçado das vias e o sítio geográfico, de forma a identificar seu papel no contexto analisado; das relações
entre as lógicas dos traçados, do parcelamento e da sua situação fundiária; e ainda do processo de
verticalização das edificações.

23Diversas referências teórico-metodológicas vinculadas à morfologia urbana embasam o presente estudo. Os trabalhos de Maurício
de Abreu (1987, 1994 e 2001), Maria Lais Pereira da Silva (2005a e 2005b), Flávio Villaça (1998), Nestor Goulart Reis (2006), Nabil
Bonduki (1998) e Lilian Fessler Vaz (2002), apesar do foco na análise dos processos históricos, sócio-econômicos e funcionais, têm a
preocupação de vinculá-los ao contexto territorial brasileiro e carioca, em especial, e por isso são referências imprescindíveis à
análise da morfologia da paisagem. A análise das características morfológicas das favelas, por sua vez, foi embasada no conhecido
texto de Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1984), e nas análises de Gerônimo Leitão (2009), Luciana Andrade, Jacira Farias (2009)
e Jonathas Magalhães e Vera Tângari (2003). A análise diretamente relacionada com os sistemas de espaços livres e os impactos
dos processos de parcelamento e verticalização e sua relação tridimensional com a paisagem amparou-se nas pesquisas
desenvolvidas pela Rede Nacional Quapá/SEL e pelo Grupo de Pesquisa SEL/RJ e nos estudos de Vera Tângari (1999, 2009 e
2010) e Silvio Soares Macedo (1993 e 1987) e especialmente na pesquisa diretamente vinculada ao tema realizada por Sonia Afonso
(1999).

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 27
Kostof (1991), por sua vez, ao analisar a morfologia das cidades a partir dos indícios da sua
evolução, reconhece a forma como resultado de fatores relacionados ao processo de ocupação do território e
recomenda investigar a adaptação da ocupação à topografia do sítio, as características do parcelamento da
terra, o arcabouço legal que regula a ocupação, a ocorrência de fusão de territórios e as diversas
combinações de padrões morfológicos. Lamas (1992) e Kostof (1991) ressaltam que a configuração urbana
espelha os fenômenos sócio-econômicos e políticos e as formas de poder que se perpetuam ao longo do
tempo. Christopher Alexander (1964, 1977 e 1979), ao propor que os padrões urbanos veiculam uma espécie
de linguagem, demonstrou que estes adquirem diferentes significados, dependendo do contexto em que são
formados.
O campo disciplinar da arquitetura da paisagem tem, entre seus focos de atuação, o estudo da
paisagem com vistas a subsidiar futuras intervenções. No âmbito desta pesquisa interessa enfatizar as
contribuições teóricas de Hough (1995) e Nassauer (1998) na articulação entre processos da natureza e da
cultura, através de uma perspectiva transtemporal, em busca de restaurar a conectividade do mosaico de
fragmentos que formam as paisagens e de promover relações mutuamente benéficas entre a cidade e a
natureza.24
Tângari (1999: 30-33) também considera que a paisagem urbana é condicionada e estruturada pelo
suporte físico, pelo traçado urbano, pelo perfil fundiário e pelo arcabouço legal e reforça a importância da
análise do sistema de espaços livres de edificação, incluindo a sua incidência na trama urbana, o arranjo
espacial, a vinculação com a arquitetura, a localização, a distribuição, a permeabilidade — física e visual e as
formas de apropriação. Resultado dos processos de parcelamento e loteamento, e também decorrentes das
determinações da legislação urbanística, esses espaços, segundo Tângari contribuem para qualificar a
paisagem urbana. Sonia Afonso (1999: 335, 353, 360 e 383), em seu estudo pioneiro no Brasil, pelo viés da
arquitetura da paisagem, sobre a paisagem das encostas de Florianópolis, apontou a importância da análise
dos padrões de traçado viário e parcelamento e sua correlação com elementos físicos como o perfil do
relevo, a declividade, a orientação e o traçado das linhas de drenagem natural e a cobertura vegetal das
encostas.
O presente estudo mescla, ajusta e desenvolve os seguintes métodos, propostos e aplicados em
estudos com foco na cidade do Rio de Janeiro:
 análise tipo-morfológica da paisagem e do ambiente urbano, proposta por Vera Tângari (1999) e
desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Sistema de Espaços Livres SEL-RJ.

 qualificação sócio-ambiental, proposta por Ana Luiza Coelho Netto (GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ


2000) e desenvolvida no Laboratório de Geo-Hidroecologia (GEOHECO) do Instituto de Geociências
do Departamento de Geografia da UFRJ.

24 Hough (1995) e Nassauer (1998) argumentaram que a tendência em ignorar feições e processos naturais  ecossistemas nativos,
sistemas hidrológicos e a geomorfologia original  levou a padrões e formas de ocupação urbana ineficientes e disfuncionais.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


28 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
1.2.2. Recortes territoriais e escalas de análise

Os estudos de caso realizados em escalas de análise diversas empiricizam o quadro teórico-


metodológico aplicado nesta pesquisa. No primeiro nível de análise, elaborada no Capítulo 2, discuto os
processos de ocupação e a inserção das encostas na estruturação da paisagem de cinco cidades brasileiras
− Rio de Janeiro, Vitória, Belo Horizonte e São Paulo, metrópoles localizadas na região sudeste, e
Florianópolis, cidade que apresenta características paisagísticas e ambientais mais semelhantes ao Rio de
Janeiro, localizada na região sul. Esta análise foi feita a partir de uma leitura comparativa de aspectos
geobiofísicos, urbanísticos e paisagísticos e da legislação urbanística e ambiental, estabelecida em âmbito
nacional e municipal, que orientou a ocupação das encostas e sua proteção nas cinco cidades analisadas.
Teve por objetivo explicitar as relações e as interdependências entre a morfologia da paisagem urbana,
pautando-se nas configurações físicas encontradas nas cidades, as normas destinadas a regular sua
ocupação e protegê-las e os processos sócio-culturais que geraram suas configurações.
No segundo nível de análise, registrada no Capítulo 3, a pesquisa direciona-se especificamente
para a cidade do Rio de Janeiro, de modo a refletir e discutir sobre as especificidades do processo de
ocupação e proteção das encostas no Rio de Janeiro, destacando as relações e os conflitos sócio-ambientais
decorrentes.
No terceiro nível de análise, correspondente ao Capítulo 4, são três os recortes espaciais
analisados em maior detalhamento. As áreas escolhidas para as análises em nível local são áreas de
interface entre a floresta e a malha urbana localizadas nas vertentes Leste (bacia do Rio Carioca), Oeste
(bacia do Rio Cachoeira) e Sul (confluência entre as bacias do Rio Rainha e de São Conrado) do Maciço da
Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.
Em cada recorte espacial, a análise da estrutura e da dinâmica de transformação da paisagem nas
encostas compreendeu a avaliação da relação entre o suporte físico ambiental e o suporte construído, a
partir de um conjunto de categorias de análise. Foram identificados padrões espaciais de ocupação relativos
às áreas formais, às áreas informais e às características gerais no recorte espacial estudado. Buscou-se
relacionar as inter-relações entre estes padrões, o suporte físico-ambiental, a legislação e os processos que
lhe deram origem.
Os três recortes espaciais apresentam uma topografia marcada por altas declividades; tipos
diversificados de tecido e cobertura vegetal; presença de núcleos com baixa e alta densidade de urbanização
(ocupações formais e informais) em contato com fragmentos florestais em variados estágios sucessionais e
localizam-se em áreas valorizadas da cidade. As áreas urbanizadas localizadas nas três áreas de estudo
apresentam características diferenciadas, tanto em termos de dinâmica da ocupação, quanto à morfologia
(traçado, parcelamento, volumetria das edificações) e geomorfologia (características quanto à forma e
declividade das encostas), além da expressiva polarização social. Do ponto de vista operacional, são áreas
de fácil acesso, para as quais há disponibilidade de dados (IPP/PCRJ, CMP/SMU/PCRJ, GEOHECO/UFRJ,

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 29
e SCHLEE 2002), e ofereceram um nível aceitável de segurança para a realização dos levantamentos de
campo (Mapa 2. Localização dos recortes espaciais no Maciço da Tijuca).

 Estudo de caso 1 (quadrante leste): Encostas dos bairros Cosme Velho, na interface entre as
favelas Guararapes e Vila Cândido e Cerro-Corá e a malha formal, na bacia do Rio Carioca.

 Estudo de caso 2 (quadrante oeste): Encostas do bairro Itanhangá, na interface entre a favela
da Floresta da Barra e a malha formal, na bacia do Rio Cachoeira

 Estudo de caso 3 (quadrante sul): Encostas localizadas entre os bairros da Gávea e São
Conrado, na interface entre a favela da Rocinha e a malha formal, na confluência entre a bacia
que drena para a orla oceânica e a bacia do Rio Rainha.

1.2.3. Categorias de análise

Com base no arcabouço teórico-metodológico descrito anteriormente, foram estabelecidas as


seguintes categorias e elementos de análise que embasaram a investigação dos recortes territoriais nas
escalas de análise apresentadas no item 1.2.2.
I. Contexto das cidades estudadas
a. Características do suporte físico-ambiental
Domínios paisagísticos (morfoclimáticos) e geomorfologia regional
Biomas
Geomorfologia local
Altimetria território municipal (máxima e mínima)
Relação domínio montanhosos x mancha urbana
Percentual de domínios montanhosos no território municipal
Característica da vegetação (extrato predominante)

b. Características do suporte sócio-econômico


Dinâmica populacional (nº de habitantes, segundo IBGE Censos 2000, 2010)
População nas encostas (estratos sociais segundo Observatório das Metrópoles)
Densidade bruta (hab/km2)
PIB per capita 2008
Incidência de pobreza

c. Características do suporte construído


Área territorial

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


30 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Característica da urbanização
Início da ocupação formal
Início da ocupação informal
Localização da ocupação formal (em encostas)
Localização da ocupação informal (em encostas)
Vetores de ocupação: vias de ligação/penetração
Estrutura da ocupação
Usos pretéritos
Usos atuais predominantes

d. Legislação
Instrumentos de regulação do uso e ocupação do solo e de proteção ambiental
Dispositivos de proteção e regulação na legislação ambiental municipal e no
zoneamento urbanístico
Usos permitidos pela legislação municipal
Parâmetros urbanísticos área informal

II. Contexto do Rio de Janeiro


a. Características do suporte físico-ambiental
Hipsometria
Declividade
Bacias hidrográficas
Cobertura do solo

b. Características do suporte construído


Dinâmica e intensidade da ocupação
Gênese e processos de formação e transformação da ocupação
Vetores de ocupação
Traçados
Usos
Sistema de espaços livres

c. Legislação

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 31
III. Contexto dos estudos de caso no Maciço da Tijuca
a. Características do suporte físico-ambiental
Características da sub-bacia hidrográfica
Localização da ocupação em relação à altimetria
Declividade
Forma: curvatura vertical e curvatura horizontal
Plano de base da encosta25
Área de contribuição e dispersão imediata
Comprimento da encosta
Orientação
Ocorrência e características da cobertura vegetal

b. Características do suporte construído


Gênese e processos de formação e transformação da ocupação
Densidade construtiva, densidade populacional e taxa de ocupação
Situação fundiária: domínios
Situação fundiária: legalidade
Parcelamento
Implantação das edificações
Usos
Gabaritos
Tipos arquitetônicos
Espaços livres

c. Legislação
Zoneamento urbanístico
Legislação de proteção ambiental

25 Ponto a partir do qual a declividade começa a influenciar diretamente na estabilidade da encosta.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


32 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
1.2.4. Procedimentos e ferramentas metodológicas

Para viabilizar os procedimentos de diagnóstico da estrutura morfológica e aplicação das categorias


e elementos de análise nas diferentes escalas descritas anteriormente, foram montados quadros-síntese,
tabelas, matrizes temáticas, mapas, esquemas interpretativos e perfis longitudinais. Esse instrumental
permitiu quantificar e apresentar visualizações dinâmicas que demonstram como os diferentes componentes
de uma paisagem interagem. As sínteses foram geradas pelas conexões entre os quadros e matrizes de
análise e o mapeamento realizado (Quadro 1: Modelo do Quadro Síntese e Quadro 2: Modelo da Matriz
Temática).

O sistema de espaços livres nas encostas foi analisado com base na conceituação e caracterização
propostas pelo Grupo de Pesquisa SEL-RJ, revisadas e adequadas ao ambiente das encostas cariocas no
presente estudo. A caracterização proposta pelo Grupo de Pesquisa SEL-RJ estabelece uma hierarquia de
categorias, tipos e subtipos de espaços livres e sua correlação com a legislação que os originou ou que os
tutela, e também com a sua situação fundiária, nível hierárquico, função e agente gestor. Os espaços livres
foram classificados para fins de análise em espaços livres com caráter ambiental, de urbanização e de
produção de matéria prima. Os espaços livres com caráter ambiental foram subdivididos em protegidos e
não protegidos. Entre os espaços livres com caráter de urbanização foram identificados os relacionados à
permanência, à estabilização das encostas, à circulação, à infraestrutura, os espaços transitórios e os
espaços residuais. Os espaços livres transitórios são aqueles que se encontravam livres no momento da
realização desta pesquisa, mas que podem, a qualquer tempo, se transformar em espaços edificados. Os
espaços livres residuais são aqueles espaços livres com caráter ambiental que ainda não têm sua função de
proteção oficialmente definida, deixados livres por ocasião da implantação de um loteamento. Já os espaços
livres com caráter de produção de matéria prima identificados estão associados à extração de recursos ou
relacionados ao abastecimento, conforme a tabela de categorias de espaços livres a seguir (Quadro 3:
Conceituação do sistema de espaços livres) .

Os levantamentos de campo e o processamento gráfico elaborados no presente estudo foram


realizados com o apoio do Grupo de Pesquisa SEL-RJ/ PROARQ/FAU/UFRJ e do laboratório
GEOHECO/UFRJ26. As atividades de levantamento de campo e registro fotográfico nos três recortes
espaciais analisados em detalhe foram realizadas no período entre abril de 2008 a novembro de 2010. Foram
realizados três sobrevôos sobre as áreas estudadas em novembro de 2008, junho e dezembro de 2010. Os
resultados dos levantamentos de campo e os dados secundários foram analisados, tabulados e mapeados
usando o programa ARCGIS da ESRI (Environmental Systems Research Institute 1999) a partir da base
cadastral elaborada pelo Instituto de Urbanismo Pereira Passos, nas escalas 1:10000 e 1:2000 (Armazém de
Dados - PCRJ/IPP 1997 e 1999).

26Participaram dos esforços de levantamento de campo os bolsistas Isabelle Fachetti, Nathalia Parayba, e Raquel Meneses Cordeiro.
Participaram do processamento gráfico os bolsistas Brunna Wolperis, Cauê Capillé, Isabelle Fachetti, Raquel Meneses Cordeiro
(SEL-RJ/PROARQ/FAU/UFRJ) e Ingrid Araújo (GEOHECO/UFRJ).

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 35
As dificuldades iniciais do processo de mapeamento foram muitas, devido, primeiramente, à
inexistência de uma base cadastral atualizada que integre a configuração das favelas à malha urbana formal.
A base cadastral em escala 1:2000, onde aparecem todas as edificações da cidade, não incorpora a
configuração interna das favelas, delimitadas apenas por uma linha que define seus limites, demonstrando
que as favelas continuam ausentes do foco do planejamento urbano no Rio de Janeiro, tratadas como um
“mundo” à parte, ou, como disse Silva (2002), um espaço externo à polis27. As restituições de favelas,
quando existentes, estão desatualizadas – a maioria, como é o caso das favelas localizadas nas áreas em
estudo, com exceção da Rocinha, foi elaborada para os projetos do Programa Favela-Bairro na segunda
metade da década de 1990, em uma escala mais detalhada. Além disso, os lotes em encostas, em sua
maioria, não figuram na base cadastral com a delimitação de suas divisas laterais e de fundos, o que levou
ao extenso e trabalhoso processo de análise e mapeamento georeferenciado dos Projetos Aprovados de
Loteamento – PALs e sua transposição para a base cadastral.

O mapeamento do uso do solo e cobertura vegetal realizado pelo IPP para toda a cidade com base
nas ortofotos de 2004 foi utilizado como base das análises realizadas no âmbito da cidade do Rio de Janeiro,
registradas no Capítulo 3. Este mapeamento foi atualizado na presente pesquisa nos recortes territoriais
estudados em detalhe, com base em ortofotos de 2009. O mapeamento do uso do solo e cobertura vegetal
realizado pelo IPP para toda a cidade com base nas ortofotos de 2009 foi divulgado após a defesa desta tese
e, portanto, foi apenas parcialmente utilizado nesta pesquisa, em especial, para comparação com as análises
quanto aos espaços livres com caráter ambiental, realizadas com base no mapeamento de 2004. Serviram
de subsídio também as bases da pesquisa “Landscape change along the Carioca River, Rio de Janeiro,
Brazil” (SCHLEE 2002) que, por sua vez, haviam sido elaboradas com base no “Estudos de Qualidade
Ambiental do Geoecossistema do Maciço da Tijuca” (GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ 2000).

Também foram utilizados como insumos o mapeamento da legislação urbanística, ambiental e de


patrimônio cultural, elaborado no âmbito da Coordenadoria de Macroplanejamento da Secretaria Municipal de
Urbanismo – CMP/SMU, por André Pelech, e o mapeamento dos Projetos Aprovados de Loteamento,
iniciado no presente estudo para os bairros do Cosme Velho e do Itanhangá e complementado por Daniel
Mancebo (parte do Cosme Velho) e André Pelech (parte da Gávea), no âmbito da CMP/SMU.

Os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa sobre a legislação que permeia todos os


capítulos abrangeram o levantamento e exame de fontes primárias – leis e decretos federais, estaduais e
municipais concernentes à regulação urbanística e à proteção ambiental. Em relação às cinco cidades
analisadas, foram consultados os Planos Diretores e Leis de Uso e Ocupação do Solo em vigor, disponíveis
na internet. Quanto ao Rio de Janeiro, foram levantadas e examinadas as principais leis e decretos

27 De acordo com Silva (2005a), os primeiros recenseamentos das favelas no Rio de Janeiro foram realizados apenas em 1948

(censo municipal) e 1950 (censo federal), e apresentaram resultados bastante divergentes. No entanto, a integração das favelas às
plantas cadastrais da cidade não foi efetivamente concluída até hoje, ainda que o Plano Diretor Decenal de 1992 tenha recomendado
“a inclusão das favelas nos mapas e cadastros da cidade,” conforme também observou Leitão (2009: 26 e 55). As plantas cadastrais
até hoje não incluem as edificações das favelas, apenas registram o contorno de seus limites.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


36 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
concernentes ao tema da regulação da ocupação e da proteção às encostas produzidos a partir de 1900 até
o presente28, à luz de estudos anteriores elaborados por Rezende (1996), Feldman (2001), Souza (2002),
Cardeman e Cardeman (2004), Araújo (2005) e Sampaio (2006). Ao situar as normas aplicadas às encostas,
estabelecidas em âmbito municipal, no contexto do planejamento urbano adotado nas cidades analisadas e
no Rio de Janeiro, em particular, buscou-se compreender interfaces e distanciamentos entre os dois blocos
normativos (urbanístico e ambiental) que incidem sobre a regulação da ocupação e a proteção das
encostas29.

A metodologia aplicada no Capítulo 4, referente aos estudos de caso, integrou levantamentos de


campo, mapeamentos em ARCGIS na escala de vizinhança (1:2000) e análises matriciais através da matriz
temática. Essa abordagem possibilitou identificar singularidades e aspectos comuns, causas e efeitos,
contrastes e relações de interdependência que orientaram a transformação da paisagem nestas encostas e
se constituem como base dos conflitos na interface entre a cidade e a floresta. Foram também consultados e
subsidiaram a elaboração deste capítulo o Diagnóstico do Programa Favela-Bairro, desenvolvido por Dantas
e Senra para a empresa Teixeira de Freitas, Rio de Janeiro: PCRJ/SMH, 1994; Diagnóstico do Programa
Favela-Bairro, desenvolvido pelo escritório ARQ-5 para a empresa Engenharia Padrão, Rio de Janeiro:
PCRJ/SMH, 1996 e Plano Sócio-Espacial da Rocinha, desenvolvido entre 2006 e 2009, pelo escritório
Mayerhofer e Toledo Arquitetura, Planejamento e Consultoria Ltda.

A metodologia utilizada partiu da recuperação e análise dos diagnósticos elaborados para os


Projetos Favela-Bairro nas favelas Guararapes, Vila Cândido e Cerro-Corá e Floresta da Barra, elaborados
entre 1994 e 1996 para o Programa Favela-Bairro PCRJ/SMH e dos projetos aprovados de loteamento -
PALs registrados na Secretaria Municipal de Urbanismo - SMU/PCRJ, relativos às áreas em estudo30. Na
Rocinha, utilizou-se como referência os diagnósticos elaborados pelo Consórcio Mayerhofer & Toledo, MPS e
Locus para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), promovido pelo governo federal entre 2007 e
2008 e o diagnóstico realizado entre 2007 e 2008 pela Fundação Bento Rubião para embasar o processo de
regularização fundiária em curso na comunidade.

28 Foram consultados os decretos de 762/1900 e 391/1903, referentes à regulação de construção, acréscimos, consertos e
reconstrução de edificações, alinhamento e arborização; os decretos 2021/1924, 2087/1925, 5595/1935 e 6000/1937, que, além de
códigos de obras, incluíram zoneamentos, e os decretos 3800/1970 e 322/1976, que regularam a Lei de Uso e Ocupação do Solo, nº
1574/1967, elaborada para estabelecer novas normas para o Desenvolvimento Urbano e Regional do Estado da Guanabara em
substituição ao Decreto 6000/1937. Tanto esta lei quanto os decretos 3800/1970 e 322/1976, que reúnem os regulamentos de
parcelamento, edificações, e o zoneamento urbano, continuam em vigor. Além destas normativas, foram consultados decretos
específicos concernentes à regulação da ocupação em encostas e à proteção ambiental.
29 O diagnóstico da legislação que incide sobre as encostas do Rio de Janeiro, aqui revisado e complementado, foi registrado, ao

longo dos anos de desenvolvimento da pesquisa, nos artigos SCHLEE, Mônica Bahia e ALBERNAZ, Maria Paula. Proteção das
Encostas pela Legislação Municipal: uma avaliação da situação atual na cidade do Rio de Janeiro. Florianópolis: Anais do XIII
ENANPUR, 2009 e SCHLEE, Mônica Bahia e TÂNGARI, Vera. As Montanhas e suas Águas: a paisagem carioca na legislação
municipal (1937-2007). BOGUS, Lucia M. e RIBEIRO, Luiz César de Q. orgs. Cadernos Metrópole nº 19 – Meio Ambiente. Periódico
do Observatório das Metrópoles, ISSN 15172422. São Paulo: EDUC (PUC-SP), 2008. p. 271-291. Estes artigos refletiam o
entendimento das questões discutidas à época em que foram redigidos, podendo conter informações e posicionamentos que foram
revistos ou complementados com o avançar da pesquisa.
30A junção dos diversos Projetos Aprovados de Loteamento possibilitou identificar com maior clareza a estrutura da ocupação nas
encostas, uma vez que as divisas laterais e de fundos da maioria dos lotes situados nas encostas não estão delimitadas nas plantas
cadastrais da cidade (1:10.000 e 1:2000).

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 37
Estas três fontes de dados secundários e os mapeamentos de uso do solo e da legislação
elaborados pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP/PCRJ) e pela Secretaria Municipal de
Urbanismo (SMU/PCRJ), respectivamente, foram cotejados com a situação atual por meio de levantamentos
de campo realizados entre abril de 2008 a novembro de 2010, mapeamento dos Projetos Aprovados de
Loteamento em ArcGis, análise das ortofotos de 2004 e 2009 (IPP/PCRJ), imagens do Google Earth e de
levantamento fotográfico realizado em três sobrevôos realizados sobre as áreas estudadas em novembro de
2008, junho e dezembro de 2010. As informações reunidas em mapas temáticos georeferenciados, relativos
ao suporte geo-biofísico e ao suporte construído, e sistematizadas na matriz temática deram origem a um
banco de dados específico das encostas do Rio de Janeiro, a ser complementado e atualizado em futuros
estudos.

CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO


38 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Quadro síntese 1. Contextualização da ocupação nas encostas em cidades brasileiras

Fonte: presente estudo, a partir de AB' Saber (2003) e Afonso (1999); leis e decretos federais e municipais; Farah (2003); IBGE, dados disponíveis em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 e Rio de Janeiro (Cidade)/PCRJ/IPP: dados disponíveis em http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/

Categorias e elementos de análise


Rio de Janeiro Florianópolis Vitória São Paulo Belo Horizonte
Domínios paisagísticos e geomorfologia regional Serra dos Órgãos (que integra a Serra do Mar); Serras do Leste Catarinense, mares de morros Serra do Caparaó, tabuleiros areníticos, mares de Planalto Atlântico, Serra do Mar e Serra da Planalto Atlântico, depressão interplanáltica
mares de morros arredondados, maciços, morros arredondados, maciços e morros costeiros morros arredondados, maciços e morros costeiros Cantareira, chapadões, vales largos e mares de colinosa; região de transição entre o domínio dos
costeiros isolados e pontões rochosos na linha da isolados e planícies costeiras. Expressiva isolados e planícies costeiras. Expressiva morros arredondados. Expressiva densidade mares de morros e o cerrado; chapadões, mares
costa; planícies costeiras e interiores. Expressiva densidade hidrográfica originalmente perene, densidade hidrográfica originalmente perene, hidrográfica originalmente perene, extensiva e de morros arredondados e espinhaços
densidade hidrográfica originalmente perene, extensiva e muito ramificada, rios com leitos e extensiva e muito ramificada, rios com leitos e muito ramificada, rios caudalosos, com leitos e quartzísticos e ferríferos (Serra do Curral).
extensiva e muito ramificada, rios com leitos e vales estreitos, lençol d'água subterrâneo vales estreitos, lençol d'água subterrâneo vales largos, lençol d'água subterrâneo Drenagem perene, rios caudalosos, com leitos e
vales estreitos, lençol d'água subterrâneo permanente e superficial, clima úmido, permanente e superficial, clima úmido, permanente e superficial, clima úmido, vales largos, densidade hidrográfica menos
permanente e superficial, clima úmido, arredondamento das vertentes médias e baixas, arredondamento das vertentes médias e baixas, arredondamento das vertentes médias e baixas, ramificada e formada por córregos intermitentes,
arredondamento das vertentes médias e baixas, decomposição de rochas cristalinas, decomposição de rochas cristalinas, decomposição de rochas cristalinas, lençol d'água subterrâneo permanente, clima
decomposição de rochas cristalinas, superposição de solos com predomínio de solos superposição de solos com predomínio de solos superposição de solos com predomínio de solos seco, predomínio de solos pobres, enclaves de
superposição de solos com predomínio de solos pobres. pobres. pobres. florestas em áreas localizadas em nascentes ou
pobres. olhos d'água.
Características do suporte físico-ambiental

Biomas Mata Atlântica, formada por um mosaico de Mata Atlântica, formada por um mosaico de Mata Atlântica, formada por um mosaico de Mata Atlântica, formada por um mosaico de Região de transição entre a Mata Atlântica e o
ecossistemas florestais e ecossistemas ecossistemas florestais e ecossistemas ecossistemas florestais e ecossistemas ecossistemas florestais e ecossistemas Cerrado, presença de ecossitemas diferenciados:
associados (restingas, manguezais, campo de associados (restingas, manguezais, campo de associados (restingas, manguezais, campo de associados (restingas, manguezais, campo de florestas de galerias originalmente largas, matas
altitude e brejos interiores), com formações altitude e brejos interiores), com formações altitude e brejos interiores), com formações altitude e brejos interiores), com formações secas com árvores caducifólias, cerrados,
florestais de estratos vegetais variados e florestais de estratos vegetais variados e florestais de estratos vegetais variados e florestais de estratos vegetais variados e campos rupestres e gramíneas
folhagens perenes folhagens perenes folhagens perenes folhagens perenes

Geomorfologia local três maciços principais (Maciço da Tijuca, Pedra dois maciços longitudinais alongados (sentido um maciço longitudinal a oeste (Morro da Fonte colinas baixas e suaves, vales amplos e as serras morros baixos, vales amplos e as cristas
Branca e Gericinó), morros isolados e planícies norte-sul), morros isolados (Morro da Cruz) e Grande), morros isolados e planícies costeiras. da Cantareira, ao norte e de Cubatão, ao sul. quartzísticas e ferríferas da Serra do Curral (a
costeiras e interiores. Sujeita a movimentos de planícies costeiras. Sujeita a movimentos de Sujeita a movimentos de massa. Sujeita a movimentos de massa e erosão. sudoeste). Sujeita a erosão e ravinamentos.
massa. massa.

Altimetria território municipal (máxima e mínima 0-1024 0-532 0-309 700-1135 650-1390
em metros)
Relação domínio montanhoso x mancha urbana domínio montanhoso entremeado à mancha domínio montanhoso secciona longitudinalmente domínio montanhoso entremeado à mancha domínio montanhoso localizado a norte e a sul da domínio montanhoso localizado a sudeste da
urbana a mancha urbana urbana mancha urbana mancha urbana
Percentual de domínios montanhosos no território 35% 60% 40% 20% (Serra da Cantereira) 15% (Serra do Curral)
municipal
Vegetação (extrato predominante) vegetação arbórea e arbustiva vegetação arbórea e arbustiva vegetação arbórea e arbustiva vegetação arbórea e arbustiva gramíneas e enclaves de vegetação arbórea e
arbustiva

População (nº de habitantes, segundo IBGE 6.323.037 421.203 325.453 11.244.369 2.375.444
Censo 2010)
Características do suporte sócio-econômico

População (nº de habitantes, segundo IBGE 5.857.904 342.315 292.304 10.435.546 2.238.526
Censo 2000)

População nas encostas (estratos sociais Macico da Tijuca (médio-alto e popular); Maciço alto, médio e baixo médio e baixo Serra da Cantereira (operário inferior, operário Serra do Curral (operário, popular e médio-alto)
segundo Observatório das Metrópoles) da Pedra Branca (médio-alto e popular); Maciço superior e médio-alto)
de Gericinó (popular)

Densidade bruta (hab/km2)


5.162 627 3.287 7.383 7.177

PIB per capita 2008 (R$) 25.121,92 20.184,92 71.407,32 29.394,00 15.835,00

Incidência de pobreza 23,85% 23,49% 11,26% 28,09% 5,43%


Área territorial (km2) 1.225 672 99 1.523 331

Característica da urbanização urbanização rarefeita de alto padrão, enclaves urbanização rarefeita de alto, médio e baixo urbanização rarefeita de padrão médio e baixo urbanização rarefeita de padrão médio-alto e urbanização rarefeita de alto padrão e favelas;
adensados (Santa Teresa, Fonte da Saudade e padrão e enclaves adensados no Morro da Cruz favelas; verticalização no sopé das encostas verticalização no sopé das encostas
favelas) e soluções pontuais diferenciadas
(Pedregulho, Morada do Sol, etc)

Início da ocupação formal final século XIX (chácaras, sítios e fazendas década de 1960 final século XIX; Serra da Cantareira: entre as década de 1950
destinadas a moradia) décadas de 1940 e 1960
Início da ocupação informal final século XIX (morros isolados próximos à década de 1970 (Morro da Cruz) década de 1940 (várzeas dos rios Tietê e
área central; década de 1930 (maciços, em Tamanduateí; década de 1980 (Serra da
especial o da Tijuca) Cantareira)
Características do suporte construído

Localização da ocupação formal (em encostas) bordas dos maciços e vias de ligação que os bordas dos maciços e vias de ligação que os bordas do Morro da Fonte Grande, principalmente bordas da Serra da Cantareira bordas da Serra do Curral, principalmente a
atravessam, morros isolados localizados junto à atravessam a leste noroeste
área central e na zona norte
Localização da ocupação informal (em encostas) bordas dos maciços e vias de ligação que os bordas dos maciços e morros isolados bordas do maciço, especialmente a sul e em sopé e fundos de vale da Serra da Cantareira Aglomerado da Serra localizado no sopé do bairro
atravessam e morros isolados localizados junto à morros isolados Mangabeiras, a nordeste da Serra da Cantereira,
área central e na zona norte e no Morro do Papagaio

Vetores da ocupação: vias de penetração e vias de ligação/penetração nos fundos de vale anel viário no entorno; traçados sinuosos; vias de anel viário no entorno; via de penetração oblíqua tecido decorrente da adaptação ao relevo da tecido decorrente da adaptação ao relevo da
ligação com traçados sinuosos ligação/penetração nos fundos de vale com às curvas de nível estrutura radial e ortogonal da mancha urbana; estrutura radial e ortogonal da mancha urbana;
traçados sinuosos; vias locais perpendiculares às vias de ligação/penetração sobre divisores vias de ligação/penetração sobre divisores
curvas de nível

Estrutura da ocupação polinuclear; lotes com dimensões variadas polinuclear; lotes pequenos e médios; polinuclear; lotes de pequenas dimensões polinuclear; lotes pequenos e médios; vales com polinuclear; lotes pequenos e médios;
verticalização no sopé e ao longo dos eixos de predominância de uso público, verticalização no verticalização no sopé
ligação sopé
Usos pretéritos religioso; defesa; cívico; cultivo de café; extração religioso, cívico, residencial (camadas populares), residencial (camadas populares) religioso, cívico, residencial (chácaras, sítios e residencial e extração mineral
de lenha; abrigo de escravos e recém libertos, extração mineral fazendas para veraneio e uso nos fins de
residencial (chácaras, sítios e fazendas para semana)
moradia)
Usos atuais predominantes conservação ambiental, residencial, lazer, conservação ambiental, residencial, extração conservação ambiental, residencial, torres de TV conservação ambiental, residencial, aterro residencial e extração mineral, conservação
extração mineral, agrícola e torres de transmissão mineral, torres de transmissão de energia e TV sanitário (Perus) ambiental, torres de transmissão de energia e TV
de energia e TV
Legislação municipal (instrumentos de regulação Decreto E nº 3800/1970 (cota 100), Decreto Lei nº 001/1997 (Lei de Uso e Ocupação do Solo) Lei nº 6705/2006 (Plano Diretor Urbano de Vitória) Lei 13885/2004; Decreto 13430/2002; Lei nº Lei nº 7165/1996 (Plano Diretor de Belo
do uso e ocupação do solo e proteção ambiental) municipal nº 322/1976 (cota 100 e vinculação 9413/1981; Decreto nº 31601/1992 Horizonte) e Lei 7166/1996 (Parcelamento,
gabarito/cota de soleira), Decreto E nº 6168/1973 ocupação e usos do solo urbano), alterada pela
(cota 60), Decreto municipal nº 2677/1980 (defesa Lei nº 8137, de 21/12/2000 e pela Lei nº
paisagística das encostas) 9959/2010 (instrumentos da política urbana).
Legislação municipal (dispositivos de proteção e UCs, cota 60m e cota 100m, vinculação Áreas de Preservação Permanente (APPs); Áreas UC: Parque da Fonte Grande; Zonas de proteção Ucs (APA Capivari-Monos, Reserva da UCs (parques); tombamento municipal (Serra do
regulação na legislação ambiental municipal e no gabarito/cota de soleira (até a cota 50m) e de Preservação de Uso Limitado (APLs); Áreas ambiental - ZPA 1, 2 e 3; cota 50m (Áreas de Cantareira, parques); Macrozona de proteção Curral); zona de preservação ambiental (ZPAM);
zoneamento urbanístico) gabarito/largura das vias de Preservação de Mananciais (APMs); Áreas Preservação Permanente: florestas e demais ambiental; Zonas especiais de proteção ambiental zonas de proteção (ZP-1 e ZP -2); zona de
dos Parques e Reservas Naturais (APRs); Áreas formas de vegetação natural) (ZEPAM) e zona especial de produção agrícola e adensamento restrito (ZAR-2, em função das
de Proteção dos Parques e Reservas (APPRs) extração mineral (ZEPAG) condições topográficas) e áreas com declividade
superior a 47% (25º). ZPs-1 são ZPAMs de
propriedade particular.

Parâmetros urbanísticos área formal ZE 1 (zona especial 1) - LM 10.000m2; TM 50m; Áreas de Preservação Permanente (encostas ZOL (zona de ocupação limitada) - LM 300 m2, Desnível max um hab/via veiculos = 14m; ZPAM: CA 0,05, TO 0,02, TP 95%; ZP-1: LM
G 2 pav; TO 20% (lotes com área até 1.000m2) com declividade igual ou superior a 25 º ou 46,6% TM 10,00m, G isento (exceto ZOL 1= 4pav), TO percurso horizontal max 50m; declividade 18% 10.000 m2, 2500 m2/un, CA 0,3, TO 0,2, TP 70%
10% (demais); TP isento; ZR-1 (zona residencial - parcelamento proibido); Áreas de Proteção dos 70% a 100%, TP 0 a 10%, CA 1,2 a 1,8; ZOR em até 50m; larg.minima vias locais 8m; larg e ZP -2: LM 1.000 m2, CA 1,0, TO 0,5, TP 30%;
1) - LM 600 m2, TM 15,00 m, TO 50%, TP Parques e Reservas (uso residencial unifamiliar, (zona de ocupação restrita) - LM 450 a 800 m2, passeios 0,6 m; espaço manobra de veiculos r = EQ 200m; FNA rios 15,00 m a 30,00m;
isento; PEUS (Projetos de Estruturação Urbana): lazer e rural); Áreas de Preservação de Uso TM 15,00 m, G 2pav a 4 pav/12,00 m, TO 60%, 11m (vias locais), r = 6m (vias declividades: superior a 47% - parcelamento
parâmetros diversos Limitado (declividades entre 30% e 46,6% e TP 10%, CA 1,2 a 1,95) predominantemente p/ pedestres) proibido; declividades entre 30% a 47% -
áreas acima da cota 100 não abrangidas pelas parcelamento sujeito a laudo técnico
APPs): uso residencial unifamiliar, 2pav; largura
mínima vias locais = 12 m; i máxima 15%; largura
máxima vias em APL = 6,00 m e i máxima de
20%

Declividade não se aplica na legislação municipal duas gradações: 16º a 25º (restrição parcial) e duas gradações: 16º a 25º (restrição parcial) e duas gradações: 16º a 25º (restrição parcial) e a partir de 16º (restrição parcial, desde que
acima de 25º (restrição total à ocupação) acima de 25º (restrição ao desmatamento) acima de 25º (restrição ao parcelamento) atendidas exigências técnicas quanto à
estabilização das encostas), acima de 45º
(restrição total à ocupação); restirções parciais a
Legislação

execução de corte e aterro maiores do que 4,00


m

Forma não se aplica na legislação municipal não se aplica na legislação municipal não se aplica na legislação municipal não se aplica na legislação municipal não se aplica na legislação municipal
Usos permitidos pela legislação municipal uso residencial unifamiliar e uso agrícola uso residencial unifamiliar, uso agrícola, uso residencial unifamiliar, uso agrícola,
exploração mineral (pedreiras, barreiras e exploração mineral (pedreiras, barreiras e
saibreiras) saibreiras)
Parâmetros urbanísticos área informal AEIS - G 2 e 3 pav; usos proibidos: ferro velho, ZEIS; AEIS; ARP-0 - LM 125 a 250 m2; TM ZEIS 1 (índices a serem definidos nos PDLs - ZEIS-1 (favelas passíveis de urbanização e
produtos inflamáveis (exceto tintas e vernizes) e 8,00m ; G 2 pav; TO 50%, TP isento; CA 1,0 Planos de Desenvolvimento Locais) e ZEIS 2 - regularização fundiária), ZEIS-2 (áreas não
explosivos, gás liqüefeito de petróleo, armas e LM 125 m2, TM 5,00 m, G isento, TO 70%, TP edificadas ou abandonadas destinadas a
munições 10%, CA 1,4 programas habitacionais) e ZEIS-3 (conjuntos
residenciais de interesse social implantados pelo
poder público): L vias veiculares mão dupla: 6,00
m; L vias veiculares mão única 3,00 m;
declividade max. 30%; L vias de acesso restrito
5,00m; comprimento max 100m; L passeio em um
dos lados 1, 00m; L vias de pedestres 1,20 m;
declividade max. pedestre 15% ou intercaladas a
escadas; LM 40m2 a 250 m2; relação entre
largura das vias e gabarito das edificações. AEIS:
TP 10% para lotes menor ou igual a 125 m², G
max. 5 pavimentos (11 m entre a laje de piso do
primeiro pavimento e a laje de piso do último
pavimento).
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http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-legislacao/GERAL/LOCAL/lei%20%20n%C2%BA%206586-2004%20pddu.pdf
Parâmetros urbanísticos
LM - lote mínimo
TM - testada mínima
AF - afastamentos frontais e laterais
G - gabarito
TO - taxa de ocupação
TP - taxa de permeabilidade
CA - coeficiente de aproveitamento
EQ-extensão de quadra
Quadro síntese 2. Modelo de matriz temática para análise de recortes territoriais
Fonte: presente estudo
Categorias e elementos de análise Recorte territorial 1 Recorte territorial 2 Recorte territorial 3 Definições e Síntese
ocupação formal ocupação informal características ocupação formal ocupação informal características ocupação formal ocupação informal características parâmetros
gerais gerais gerais utilizados

1. Sub-bacia hidrográfica

2. Altimetria/ localização da ocupação


SUPORTE FÍSICO-AMBIENTAL

3. Declividade
4. Forma: curvatura vertical (forma côncava
ou convexa) e curvatura horizontal (forma
5. Ponto de base
6. Área de contribuição e de dispersão
imediata
7. Comprimento da encosta

8. Orientação (aspecto)

9. Cobertura do solo

10. Gênese e transformação da ocupação


11. Densidade construtiva e taxa de
ocupação
12. Situação fundiária: domínios
SUPORTE CONSTRUÍDO

13. Situação fundiária: legalidade

14. Parcelamento

15. Implantação

16. Usos do solo

17. Gabaritos

18. Tipos arquitetônicos

19. Espaços livres de edficação

20.Legislação urbanística e de proteção


ambiental

Obs: A matriz temática gerada nesta pesquisa embasou as análises realizadas no Capítulo 4. Devido a sua extensão, não foi incorporada no volume final.
QUADRO 3. CONCEITUAÇÃO DO SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES
CARACTERIZAÇÃO
CATEGORIA TIPO SUB-TIPO
legislação situação fundiária nível hierárquico função gestão
refúgio de vida silvestre domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, pesquisa pública
domínio público ou domínio
área de relevante interesse ecológico cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, pesquisa pública
Lei Federal 9985 de 2000 privado
unidades de conservação de proteção integral
reserva biológica (SNUC) domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, pesquisa pública
parque natural domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, pesquisa pública
monumento natural domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, pesquisa pública
leito (rio, córrego e canal) domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, lazer pública ou privada
domínio público ou domínio
faixa marginal Lei Federal 4771 de 1965 cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção pública ou privada
privado
(Código Florestal) e Resolução
áreas de preservação permanente nascente domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção pública ou privada
CONAMA 302 e 303 de 2002 e
linha de cumeada 369 de 2006 domínio público bairro e vizinhança suporte, proteção pública ou privada
topo de morro domínio público bairro e vizinhança suporte, proteção pública ou privada
escarpa rochosa domínio público bairro e vizinhança suporte, lazer pública ou privada
Decreto E 3800/1970 e Decreto domínio público ou domínio
reserva florestal áreas não parceladas acima da cota 100 cidade, bairro e vizinhança suporte pública ou privada
322/1970 privado
domínio público ou domínio
área de proteção ambiental cidade, bairro e vizinhança suporte pública ou privada
privado
estação ecológica domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte pública
flona domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte pública
domínio público ou domínio
reserva extrativista cidade, bairro e vizinhança suporte
Lei Federal 9985 de 2000 privado
unidades de conservação de uso sustentável
reserva de fauna (SNUC) domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte
ambiental

domínio público ou domínio


reserva de desenvolvimento sustentável cidade, bairro e vizinhança suporte
privado
domínio público ou domínio
área de especial interesse ecológico cidade, bairro e vizinhança suporte pública ou privada
privado
RPPN domínio privado cidade, bairro e vizinhança suporte privada

IPHAN, Livro do Tombo


domínio público ou domínio
florestas de proteção Florestas Nacionais de Proteção do Parque Nacional da Tijuca Patrimônio Histórico e Artístico cidade, bairro e vizinhança suporte, amortecimento pública ou privada
privado
Nacional 1966, Proc. 762-T-65

Lei Federal 9985 de 2000


zona de amortecimento Parque Nacional da Tijuca domínio público cidade, bairro e vizinhança amortecimento pública
(SNUC) e Reserva da Biosfera

Reserva da Biosfera e Plano domínio público e/ou domínio


ainda não delimitada cidade, bairro e vizinhança amortecimento pública ou privada
Diretor LC 111/2011 privado
área de transição
domínio público ou domínio
área acima da cota 60 Decreto E 6168 de 1973 cidade, bairro e vizinhança amortecimento pública ou privada
privado

Indicadas nos Projetos


áreas cedidas ou doadas ao poder público domínio público bairro e vizinhança suporte pública
Aprovados de Loteamento

domínio público ou domínio


residual floresta cidade, bairro e vizinhança suporte pública ou privada
privado
domínio público ou domínio
campo e gramínea cidade, bairro e vizinhança suporte pública ou privada
privado
domínio público ou domínio
afloramento rochoso cidade, bairro e vizinhança suporte pública ou privada
privado
CARACTERIZAÇÃO
CATEGORIA TIPO SUB-TIPO
legislação situação fundiária nível hierárquico função gestão

suporte, proteção, encontro,


parque recreativo domínio público cidade, bairro e vizinhança pública
permanência, convívio, lazer

suporte, proteção, encontro,


bosque domínio público ou coletivo bairro e vizinhança pública ou privada
permanência, convívio, lazer
encontro, permanência, convívio,
praça domínio público ou coletivo bairro e vizinhança pública ou privada
lazer
domínio público, coletivo ou encontro, permanência, convívio,
jardim bairro e vizinhança pública ou privada
domínio privado lazer
área de lazer, recanto, área destinada à espaço livre de permanência
domínio público ou coletivo vizinhança amenização
não implantado
encontro, contemplação,
mirante domínio público ou coletivo vizinhança pública ou privada
convívio, lazer
permanência, convívio,
domínio público, coletivo ou
bica/tanque vizinhança abastecimento de água, lavagem pública ou privada
domínio privado
de roupas
relacionado à permanência domínio público, coletivo ou encontro, permanência, convívio,
quadra esportiva bairro e vizinhança pública ou privada
domínio privado prática de esportes

domínio público, coletivo ou encontro, permanência, convívio,


campo de futebol bairro e vizinhança pública ou privada
domínio privado lazer, prática de esportes

domínio público ou domínio encontro, permanência, convívio,


clube, complexo esportivo, vila olímpica bairro e vizinhança pública ou privada
privado lazer, prática de esportes

vinculado a usos institucionais (campus universitário, pátio escolar, domínio público ou domínio encontro, contemplação,
cidade, bairro e vizinhança pública ou privada
atrio) privado convívio

domínio público, coletivo ou encontro, permanência, convívio,


pátio vizinhança pública ou privada
domínio privado lazer, amenização
encontro, permanência, convívio,
espaço livre intralote, quintal domínio privado vizinhança privada
lazer, amenização
encontro, permanência, convívio,
laje, laje semi-coberta domínio privado privada
lazer, amenização
encontro, permanência, convívio,
largo, alargamento domínio público ou coletivo vizinhança pública ou privada
urbanização

lazer, amenização
escada, escadaria domínio público ou coletivo vizinhança circulação pública ou privada
beco, viela, caminho domínio público ou coletivo vizinhança circulação pública ou privada
domínio público, coletivo ou
servidão vizinhança circulação privada
privado
calçada domínio público ou coletivo vizinhança circulação pública
relacionado à circulação
domínio público, coletivo ou
estacionamento vizinhança circulação pública ou privada
privado

via carroçável, rodovia domínio público ou coletivo cidade, bairro e vizinhança circulação pública

via de pedestre domínio público ou coletivo vizinhança circulação pública ou privada


cul de sac domínio público ou coletivo vizinhança circulação pública ou privada
ferrovia domínio público cidade, bairro e vizinhança circulação pública
lote vazio, ainda não ocupado domínio privado ou coletivo vizinhança estoque de terras privada

transitório miolo de quadra, miolo de ocupação ou terreno em favela ainda não


domínio privado ou coletivo vizinhança estoque de terras pública ou privada
ocupado
proteção das benfeitorias, não
faixa de domínio de rodovia e ferrovia domínio público bairro e vizinhança necessariamente da cobertura pública
vegetal existente
proteção das benfeitorias e da
relacionado à infraestrutura (non-aedificandi) reservatório de água domínio público bairro e vizinhança pública
cobertura vegetal existente
proteção das benfeitorias, não
linha de transmissão de energia, oleodutos, gasodutos domínio público bairro e vizinhança necessariamente da cobertura pública ou privada
vegetal existente
domínio público ou domínio suporte, proteção, estoque de
talude estabilizado com cobertura vegetal vizinhança pública
privado terras
relacionado à estabilização das encostas
domínio público ou domínio suporte, proteção, estoque de
talude estabilizado em concreto vizinhança pública
privado terras

fundos de lotes domínio privado vizinhança suporte, estoque de terras privada

reserva florestal privada, área non-aedificandi privada (intralote) acima


residual domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, estoque de terras privada
da cota 100m

Indicadas nos Projetos


espaço remanescente de projeto viário domínio público bairro e vizinhança pública ou privada
Aprovados de Loteamento

CARACTERIZAÇÃO
CATEGORIA TIPO SUB-TIPO
legislação situação fundiária nível hierárquico função gestão
área de extração mineral domínio público ou privado cidade, bairro e vizinhança extração de recursos
relacionado à extração de recursos
área de extração vegetal domínio público ou privado cidade, bairro e vizinhança extração de recursos
produção de matéria prima

residual pedreiras ou saibreiras desativadas domínio público ou privado cidade, bairro e vizinhança estoque de terras
área de cultivo agrícola domínio privado cidade, bairro e vizinhança abastecimento
relacionado ao abastecimento área de pastagem domínio privado cidade, bairro e vizinhança abastecimento
chácara/horta/sítio/horto domínio privado cidade, bairro e vizinhança abastecimento

residual áreas agrícolas ou de pastagem desativadas domínio privado cidade, bairro e vizinhança estoque de terras
CAPÍTULO 2

Os processos de ocupação das encostas e a influência da legislação em cinco cidades brasileiras –


estudo comparativo

Este capítulo discute os processos de ocupação e a inserção das encostas na estruturação da


paisagem de cinco cidades brasileiras − Rio de Janeiro, Florianópolis, Vitória, Belo Horizonte e São Paulo,
localizadas nas regiões sudeste e sul do país. Busca-se compreender a situação atual da ocupação das
encostas nestas cidades e identificar processos, padrões e tendências que orientaram sua ocupação, a partir
de uma leitura comparativa dos aspectos geobiofísicos, urbanísticos e paisagísticos, e avaliar
comparativamente a legislação que regula a ocupação e a proteção das encostas no Brasil, em geral, e
nestas cidades, em particular. O presente capítulo tem como objetivo contextualizar a análise focada nos
estudos de caso no Rio de Janeiro, de forma a explicitar similaridades e diferenças observadas nos
processos sócio-culturais que geraram suas configurações e nos conflitos entre a morfologia da paisagem
urbana e as condições físicas (geobiofísicas e urbanísticas) encontradas nestas cidades e nas normas
destinadas a regular sua ocupação e protegê-las. Para isso, discute-se as convergências e contradições das
normas de proteção e regulação da ocupação, com destaque para aspectos como o zoneamento, as
limitações e restrições impostas à ocupação, a destinação de áreas públicas e os principais parâmetros
adotados para regulá-la e protegê-la.

São cidades muito heterogêneas entre si − tanto em termos de escala e atributos geobiofísicos,
quanto em relação aos processos históricos e culturais que orientaram sua ocupação e a transformação de
sua paisagem. No entanto, a análise elaborada nessa pesquisa provou ser possível distinguir semelhanças e
especificidades no modo como estas cidades tratam e ocupam suas encostas. Os processos de ocupação
das encostas nestas cidades guardam aspectos comuns quanto às suas origens e motivações, aos usos e
funções que as encostas desempenharam ao longo do tempo e ainda desempenham e às relações entre
estes processos de ocupação, a vegetação e os corpos d'água, ainda que expressas de formas diferenciadas
na paisagem.
Para auxiliar esta análise foram elaborados um quadro-síntese e mapas esquemáticos que
correlacionam as categorias de análise, com o objetivo de explicitar as convergências e as diferenças
encontradas entre as cidades, compondo desta forma uma base referencial para contextualizar o objeto
desta pesquisa. Os aspectos analisados se dividem em dois grupos temáticos: gênese, processos e padrões
espaciais verificados e a influência da legislação nos processos de ocupação observados.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 49
2.1. Gênese, processos e padrões espaciais
2.1.1. O suporte natural e o papel das encostas na formação da estrutura urbana
As encostas do Rio de Janeiro, Vitória, Florianópolis, São Paulo e Belo Horizonte apresentam usos,
padrões e relações espaciais e sociais diferenciados, internamente e entre si. Em relação aos grandes
domínios paisagísticos brasileiros, denominados por AB’ Saber (1965 e 2003) como domínios
morfoclimáticos31, quase todas as cidades estudadas se localizam no domínio dos “mares de morros”,
conforme descreve este autor. Belo Horizonte é a única cidade localizada na faixa de transição entre o
domínio dos mares de morros e o domínio do cerrado. O domínio dos mares de morros se estende ao longo
do litoral do Oceano Atlântico, do Rio Grande do Sul do Brasil à Paraíba, na região onde se iniciou o
processo de ocupação e urbanização no Brasil e que reúne a maior concentração populacional em cidades
de portes variados e os maiores índices de desenvolvimento econômico em um reduzido número de núcleos
urbanos de grande extensão territorial.
Este domínio paisagístico se caracteriza pela topografia acidentada, composta de escarpas
íngremes que compõem o conjunto de serras que integram a Serra do Mar; uma área intermediária quase
contínua de morros arredondados; maciços e morros costeiros isolados; pontões rochosos na linha de costa;
planícies costeiras e planaltos interiores. Apresenta uma rede de drenagem extensiva, perene e ramificada,
rios com leitos e vales estreitos, lençol d'água subterrâneo permanente, altos índices de precipitação e
umidade e a presença de vegetação remanescente de Floresta Atlântica, atualmente bastante fragmentada.
A partir do Espírito Santo, em direção ao nordeste, estas formações assumem características
diferenciadas, com a presença de tabuleiros, depressões e grotas (ROSS, 2001). De acordo com Asmus e
Ferrari (1978), a configuração morfológica atual do relevo montanhoso da região sudeste brasileira teve
origem em falhamentos paralelos à costa, ocorridos por volta de 65 milhões de anos, quando da formação do
oceano Atlântico. Os blocos falhados formaram as serras da Mantiqueira e do Mar, assim como os maciços
costeiros, os pontões rochosos e as ilhas (Figuras 2 e 3).

31Conforme definiu AB’ Saber (1965 e 2003), domínios morfoclimáticos são grandes extensões territoriais onde predominam um
determinado arranjo integrado de feições paisagísticas e ecológicas, incluindo formas de relevo, tipos de solo e de vegetação, e
condições climáticas e hidrológicas. As áreas mais características e contínuas, em geral de configuração poligonal, constituem áreas
nucleares. As fronteiras entre estas são constituídas por espaços de transição ou faixas de contato, que combinam características
dos domínios vizinhos, apresentando mescla, interpenetração e diferenciação nos padrões de paisagens, formas de relevo, tipos de
vegetação e de solos.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


50 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 2. O perfil montanhoso da Região Sudeste do Brasil mostra a gradação de altura dos três conjuntos montanhosos que
caracterizam o relevo desta região.

Fonte: Google Earth, acessado em 25/05/2011.

Fig. 3. Esquema geomorfológico da


Região Sudeste do Brasil. Os três
conjuntos apresentam em comum
maiores declividades nas vertentes
voltadas para o sul, em contraste com
as vertentes menos íngremes voltadas
para o norte, decorrentes do processo
gradativo de deposição de sedimentos.

Fonte: Schlee 2002, com base em


Asmus e Ferrari 1978.

O domínio do cerrado, como indicou AB Saber (2003), ocorre no Planalto Atlântico no interior do
Brasil, e é caracterizado por uma mescla de feições de relevo suavemente onduladas, chapadões e
depressões, drenagem perene, com rios principais caudalosos, em leitos e vales largos e densidade
hidrográfica menos extensiva e ramificada do que no domínio dos mares de morros, formada por córregos
intermitentes e lençol d'água subterrâneo permanente. Apresenta cobertura vegetal bastante diversificada e
adaptada ao fogo e enclaves de florestas em áreas localizadas em nascentes ou olhos d'água. A faixa de
transição onde se localiza Belo Horizonte está assentada sob uma extensa depressão, com feições de relevo
arrendondadas e emoldurada por um contínuo de serras ricas em quartzo e ferros, dos quais faz parte a

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 51
Serra do Curral. Entre todas as cidades analisadas, Belo Horizonte se destaca pela natureza da pressão que
é exercida nas encostas. Enquanto das demais cidades a pressão pela ocupação urbana prevalece, em Belo
Horizonte, ela é intensamente exercida também pelas atividades de exploração mineral, destinadas à
produção de matéria prima.
Quanto aos biomas32, segundo AB’ Saber (2003), as encostas de Belo Horizonte distinguem-se
novamente, localizando-se na faixa de contato entre a Mata Altântica e o Cerrado, onde originalmente
predominavam ecossistemas e formações vegetais diferenciados, com predomínio de florestas de galerias
originalmente largas, matas secas com árvores caducifólias, cerrados, campos rupestres e gramíneas,
característicos do Cerrado. As demais cidades, inseridas no bioma da Mata Atlântica, apresentavam
originalmente um mosaico de ecossistemas florestais, que originalmente dominavam a paisagem da região, e
ecossistemas associados, como as restingas, manguezais, campo de altitude e brejos interiores, com
formações florestais com estratos vegetais variados e folhagens perenes (Figuras 4 e 5).

Fig.4. Domínios morfoclimáticos e localização das cidades analisadas.

Fonte: AB’SABER, Aziz, 1965 e 2003.

32Biomas são mosaicos de ecossistemas, habitats e comunidades biológicas em interação que formam uma unidade biológica, cujas
características são definidas primordialmente pela morfologia vegetal, pelo macroclima e pela posição geográfica.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


52 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 5. Biomas brasileiros e localização das cidades analisadas.

Fonte: IBGE. Mapa dos Biomas Brasileiros. Disponível em: <http://mapas.ibge.biomas.viewer.htm

As três cidades litorâneas analisadas - Rio de Janeiro, Florianópolis e Vitória - situam-se junto a
baías oceânicas e apresentam traços comuns em sua geomorfologia local: foram implantadas em sítios
naturais dominados por maciços costeiros e morros isolados, em meio a planícies costeiras. No Rio de
Janeiro, em especial, o gradiente de amplitude entre as áreas montanhosas e planas é bastante elevado, e a
rede de canais naturais atinge a planície costeira com muita velocidade.
O sítio onde se insere a cidade do Rio de Janeiro se caracteriza pelo relevo montanhoso, formado
por três maciços costeiros: Tijuca, Pedra Branca e Gericinó-Mendanha, que alcançam 1024 m de altitude,
envolvidos pela planície costeira e pelas planícies interiores (de Jacarepaguá, Santa Cruz e Fluminense) e os
mares de morros que se estendem pela Região Metropolitana até a Serra dos Órgãos, que integra a Serra do
Mar. Aproximadamente 35% do território do Rio de Janeiro é formado por áreas montanhosas (Figuras 6, 7 e
8).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 53
Fig. 6. Rio de Janeiro: Domínios montanhosos e mancha urbana na Região Metropolitana.

Fonte: MIRANDA, E. E. de; (Coord.). Brasil em Relevo: Rio de Janeiro. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite,
2005. Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 10/07/2010.

Fig. 7. Rio de Janeiro: Domínios montanhosos e mancha urbana na Cidade do Rio de Janeiro.

Fonte: presente pesquisa a partir de ortofoto PCRJ/IPP/Armazém de Dados, 2004.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


54 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 8 a e b. Perfil montanhoso do Maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, na vertente voltada para a zona sul.
Foto: Marcio Lopes, 2010.

Já Florianópolis localiza-se em uma ilha alongada e estreita, com litoral recortado por várias
enseadas e costões e separada do continente por um estreito canal. A geomorfologia da ilha é formada por
dois maciços descontínuos, alinhados longitudinalmente, que atingem 532 m de altitude, e morros isolados,
como o Morro da Cruz. Aproximadamente 60% de território de Florianópolis é formado por áreas
montanhosas (Figuras 9 e 10).

Fig.9. Florianópilis: Domínios montanhosos e mancha urbana.

Fonte: MIRANDA, E. E. de; (Coord.). Brasil em Relevo: Florianópolis. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite, 2005.
Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 10/07/2010.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 55
Fig. 10 a e b. Perfil montanhoso dos maciços costeiros em Florianópolis.
Fotos: Sonia Afonso e Eugenio Queiroga, 2008.

Por sua vez, o relevo da ilha onde foi fundada a cidade de Vitória é composto por um maciço central
com 309 m de altitude denominado Morro da Fonte Grande, e também alguns morros isolados, circundados
por uma planície costeira originalmente composta por restingas e extensos manguezais. Aproximadamente
40% do território municipal de Vitória situa-se em domínio montanhoso (Figuras 11 e 12).

Fig. 11. Vitória: Domínios montanhosos e mancha urbana.

Fonte: MIRANDA, E. E. de; (Coord.). Brasil em Relevo: Vitória. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite, 2005.
Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 10/07/2010.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


56 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 12. Perfil montanhoso do Morro da Fonte Grande, em Vitória.
Fonte: Acervo QUAPA-SEL/SP, 2008

As duas cidades interiores – São Paulo e Belo Horizonte – localizam-se no planalto Atlântico, em
sítios naturais onde prevalecem colinas suaves e vales amplos. A metrópole de São Paulo é emoldurada, ao
norte, pela Serra da Cantareira e no extremo sul, pela Serra de Cubatão. As duas serras compõem uma
espécie de berço bastante amplo, no interior do qual a metrópole de São Paulo se desenvolveu. O sítio onde
São Paulo se insere é caracterizado por um relevo ondulado, formado pelos vales largos das bacias dos rios
Tietê, Pinheiros e Tamanduateí e seus diversos afluentes (Figuras 13 e 14).

Fig. 13. São Paulo: Domínios montanhosos e mancha urbana.

Fonte: MIRANDA, E. E. de; (Coord.). Brasil em Relevo: São Paulo. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite,
2005. Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 10/07/2010.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 57
Fig. 14. Perfil montanhoso da Serra da
Cantareira, em São Paulo.

Fonte: Acervo QUAPA-SEL/SP, 2008

A Serra do Curral, em Belo Horizonte, alcança 1390 m de altitude e é uma referência forte na
paisagem da cidade. Cerca de 70% do território urbano de Belo Horizonte insere-se na unidade
geomorfológica classificada por Ross (2001) como depressão relativa, conhecida como depressão de Belo
Horizonte. A cidade é dividida transversalmente pelo seu principal curso d’água, o Ribeirão Arrudas, e
emoldurada pela Serra do Curral, onde a ocupação de Belo Horizonte teve início em 1897. As serras de São
Paulo e a Serra do Curral, em Belo Horizonte, apresentam gradientes de amplitude significativos em relação
ao restante dos sítios onde estas cidades foram implantadas (Figuras 15 e 16).

Fig. 15. Belo Horizonte: Domínios montanhosos e mancha urbana.

Fonte: MIRANDA, E. E. de; (Coord.). Brasil em Relevo: Belo Horizonte. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite,
2005. Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 10/07/2010.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


58 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 16. Belo Horizonte emoldurada à
sudoeste pela Serra do Curral.

Fonte: Acervo QUAPA-SEL/SP, 2008.

Florianópolis é a única cidade litorânea analisada onde a mancha urbana ainda encontra-se
seccionada pela área montanhosa. Nas demais cidades litorâneas a mancha urbana entremeou-se pelos
maciços costeiros e morros isolados. Nas cidades interiores, São Paulo e Belo Horizonte, a mancha urbana
entremeou-se por entre as colinas, mas encontrou barreiras constituídas pelas serras que as envolvem,
parcial e gradativamente ocupadas ao longo do tempo. O conjunto vegetal característico da Mata Atlântica
ainda predomina nas encostas de quatro das cidades analisadas, com exceção de Belo Horizonte, onde
predominam as formações vegetais características do Cerrado, gramíneas e matas de galeria. Nas encostas
da Serra do Curral, em Belo Horizonte, são encontradas diversas dolinas – formações características de
ambientes de cerrado semelhantes a depressões ou cavidades subterrâneas, citadas por Rodrigues como
restrições de caráter geológico à ocupação urbana na região (Rodrigues, In: FERNANDES e RUGANI 2002).
Devido às suas características físicas, toda esta região está sujeita a processos intensos de erosão,
movimentos de massa e deposição de sedimentos, especialmente junto ao litoral, pela sua natureza
inerentemente instável (AB SABER, 2003). A ocorrência de chuvas torrenciais, de deslizamentos periódicos e
da recorrente elevação do nível da água dos rios e riachos a estas associados são processos naturais
inerentes ao domínio montanhoso lindeiro ao litoral, principalmente nas regiões sudeste e sul. Entretanto, a
forte pressão exercida pela ocupação urbana nestes domínios montanhosos potencializou esta instabilidade
a partir da segunda metade do século XX. O levantamento realizado entre 1988 e 2002 por Macedo e
Santoro (2002), indicou que o Rio de Janeiro e Salvador são as capitais brasileiras com o maior índice de
ocorrência de deslizamentos com vítimas fatais (Figuras 17 e 18).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 59
Fig. 17. Região que apresenta os
maiores índices de ocorrências de
deslizamentos em áreas urbanas, em
termos de número de casos e gravidade
das situações.

Fonte: CERRI, 1993 e NOGUEIRA,


CARVALHO e GALVÃO, 2005.

Fig. 18. Rio de Janeiro: Cicatriz


na paisagem decorrente de um
dos deslizamentos ocorridos com
as chuvas de 1966 e 1967, em
Laranjeiras.

Foto: Dennis Cossia, 2008.

2.1.2. Pré-existências e dinâmica da ocupação urbana nas encostas

O processo de apropriação e ocupação das encostas no Brasil, inicialmente atrelado à função


utilitarista, a serviço da exploração ou do uso produtivo dos recursos naturais, ancora-se no desenvolvimento
da política, da gestão e do estabelecimento da estrutura fundiária urbanas levadas a cabo desde o período
colonial. As montanhas, serras e morros desempenharam funções diversas nos processos de urbanização
das cidades brasileiras ao longo do tempo: defesa e controle do território, abastecimento de água, lenha e

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


60 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
carvão, atividades agrícolas e pecuárias, exploração mineral e alternativa de moradia como forma de evitar
as áreas alagáveis foram algumas delas.
Como demonstrou Roberta Marx Delson (1997: VIII), as cidades coloniais de origem portuguesa
demonstram que a racionalidade do urbanismo português entre o século XVI e XVIII baseava-se em uma
lógica diferente da que regia o urbanismo espanhol. Entre as principais diferenças, a autora enfatiza a
tendência dos portugueses em flexibilizar seus padrões de urbanização, adaptando-os às condições físico-
ambientais e até mesmo sua disposição em aceitar uma certa hibridização com as formas culturais locais,
desde que isso favorecesse a aplicação global das normas portuguesas. Citando Luis Silveira (sem data), a
autora destaca que a opção por um conceito de cidade como um organismo vivo e funcional, com forte
inspiração nas cidades medievais, em detrimento da adoção padronizada do sistema geométrico regular em
grelha, resultou da longa experiência portuguesa na criação sistemática de cidades (DELSON, 1997: 2).
Manuel Teixeira (2009: 12) reitera que as primeiras cidades de origem portuguesa implantadas no início do
período colonial eram plenamente adaptadas “às condições físicas dos seus locais de implantação, à
topografia, à hidrografia e às condições ambientais”. Para Maria Rosália Guerreiro (2002:25), o que
caracteriza estes assentamentos iniciais é a relação direta entre a forma urbana produzida e elementos
naturais do território.
Na etapa inicial de colonização, de acordo com Roberta Marx Delson (1997: 10-12, 41,72) e Murillo
Marx (1991: 32-35, 70-71, 81), enquanto vigorou a forma de povoamento baseada em capitanias hereditárias
as diretrizes da Metrópole se restringiam a recomendar a implantação de aldeias ao longo da costa, às
margens dos rios navegáveis e, quando no interior, que estas guardassem distância mínima de seis léguas
uma da outra, garantindo a manutenção de um rossio, parte do patrimônio da cidade, reservado para o uso
comum da população e para a expansão do assentamento, área de pastagem e de terra cultivável e de
transição com a floresta hostil. A prática da concessão de sesmarias, conjugada ao sistema de donatarias,
institucionalizou o latifúndio como padrão dominante de fracionamento da terra. A descoberta das minas de
ouro e demais minerais preciosos na região de Minas Gerais levou a Metrópole a sucessivas tentativas,
através de atos legais promulgados a partir de 1695, de conter e limitar a extensão das sesmarias.
De acordo com Roberta Marx Delson e Murillo Marx, os códigos de urbanização aplicados no Brasil
recomendavam aproveitar ao máximo as potencialidades dos territórios, com a implantação de povoações
em sítios saudáveis, adaptadas à topografia, próximas a rios e fontes de água potável, e passíveis de evoluir
para aglomerações permanentes. A função disciplinadora e estabilizadora do sistema português de
povoamento e planificação urbana nas colônias pressupunha a instalação de assentamentos a partir da
definição do lugar da igreja e de um espaço livre central, onde seriam posteriormente instaladas a câmara, a
cadeia e o pelourinho. As recomendações incluíam tirar partido das elevações na topografia para o
estabelecimento de igrejas e atalaias e estabelecer uma disposição ordenada e alinhada dos lotes, com
vistas a garantir a uniformidade e a harmonia do conjunto edificado, manter a o tráfego nos caminhos que

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 61
interligavam as regiões de interesse da Metrópole sob vigilância, resguardar os direitos de vizinhança e o
fluxo livre das águas pluviais e servidas (DELSON, 1997: 18-19, 23, 28, 49-51 e MARX, 18-19, 36, 56 e 68).
Delson (1997: 13-14) destaca ainda que as necessidades de controlar a distribuição de terras,
conter a força dos latifundiários e impor a lei e a ordem no sertão, e ampliar os domínios territoriais frente aos
interesses espanhóis determinaram a criação de uma rede de povoações, vilas e cidades no Brasil, a partir
do século XVIII. Desde o final do século XVII as instruções oficiais faziam seguidas referências a “reduzir” a
população errante de boiadeiros, bandeirantes e garimpeiros, “reunindo os espalhados” no interior do Brasil
em aldeias e vilas, da mesma forma que os missionários jesuítas reuniram a população indígena em suas
“reduções” (aldeamentos).
Para Sonia Afonso (1999:15), a implantação dos núcleos iniciais dos primeiros assentamentos de
origem portuguesa nas encostas brasileiras seguiu a tradição das ordenações urbanísticas adotadas em
Portugal. A autora identificou três processos iniciais de assentamentos nas encostas brasileiras, sugerindo
semelhanças entre estes e os processos ocorridos nas cidades portuguesas: a implantação de cidades
litorâneas em forma de cidade alta e cidade baixa, como no caso de Salvador, Maceió e Lisboa; as cidades
interiores localizadas no planalto, sobre os morros e serras, como São Paulo e Belo Horizonte, Petrópolis e
Sintra (guardadas as proporções quanto ao porte das cidades) e os núcleos iniciais junto a elevações
costeiras, como no Rio de Janeiro, Florianópolis, Vitória e na Cidade do Porto, onde as pequenas elevações
ao longo da costa desempenhavam as funções fundamentais da época: defesa, controle, vigilância e
abastecimento do território. De acordo com Manuel Teixeira (2009:3), nos assentamentos inicialmente
estruturados em dois níveis, as principais funções defensivas, regionais e administrativas da cidade e os
estratos sociais mais abastados se localizavam na cidade alta, enquanto as funções comerciais e portuárias
e o restante da população se situavam na cidade baixa. Feições características das cidades portuguesas
implantadas em domínios montanhosos, como demonstrou Guerreiro (2002:16), “eram, por exemplo, a
localização sistemática do povoamento à meia encosta, virado a sul, ou no final de um promontório, situado
na confluência de duas linhas de água, o estabelecimento de ruas segundo as curvas de nível, evitando as
zonas de forte pendente, a localização de igrejas em pontos proeminentes do território e um padrão
específico de espaço público não linear, como é o caso dos largos triangulares em zonas de encosta”.
Tanto o traçado dos caminhos como a localização dos primeiros núcleos de ocupação decorreram
de motivações econômicas, com vistas à exploração dos recursos naturais, e religiosas. “Escolhiam-se os
sítios mais facilmente defensáveis, com situações quase sempre portuárias ou com ligações marítimas
fáceis”(GUERREIO, 2002:68). As cidades de origem portuguesa localizadas na costa brasileira situavam-se
habitualmente “junto a uma baía abrigada, de águas profundas, protegida por acidentes geográficos situados
em ambos os lados da baía: promontórios, cabos, por vezes ilhas perto da costa”, “onde se construíam os
fortes e outros dispositivos para defesa do porto e da cidade”, como no Rio de Janeiro (TEIXEIRA, 2009: 2).
Com efeito, no Rio de Janeiro, os topos dos morros isolados de menor porte ou aqueles próximos às suas
áreas centrais ou junto à baía foram inicialmente ocupados por igrejas e fortificações. Estes primeiros

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


62 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
núcleos ligavam-se entre si e aos outros pólos da cidade por caminhos abertos nos terrenos secos situados
nas franjas dos morros ou à meia encosta, desviando-se das áreas alagáveis (ABREU, 1987; SCHLEE,
1999).
Murillo Marx (1991: 11-13) destacou a importância da união Estado-Igreja para viabilizar a política
de urbanização e a gestão urbana coloniais, ressaltando que a imbricada relação entre estas recomendações
civis e as recomendações eclesiásticas interferiu significativamente no desenho urbano dos primeiros
assentamentos. O legado desta união na paisagem das cidades brasileiras abrange, segundo o autor, desde
a posição geográfica privilegiada das igrejas no tecido urbano, sua influência nos processos de surgimento
dos primeiros assentamentos, na estruturação fundiária, no parcelamento e transmissão das parcelas, na
consolidação e adensamento urbanos, bem como o papel significativo de seus adros na estrutura urbana.
De acordo com Marx (1991: 22-23, 25 e 27-28) as normas eclesiásticas determinavam a edificação
das igrejas associadas a um espaço livre de uso comum, o adro, formando um conjunto articulado,
implantados preferencialmente em sítios altos, destacados na paisagem, livres de humidade e afastadas das
demais construções particulares, em distância que possibilitasse a realização de procissões ao seu redor. Às
igrejas das várias ordens religiosas correspondiam paróquias ou freguesias, unidades territoriais sob sua
jurisdição. O adro da Igreja funcionava com freqüência como largo principal e este conjunto articulado como
foco da vida e da paisagem da freguesia (MARX, 1991: 51).

Fig. 19 a e b. Rio de Janeiro: Igrejas e fortificações em promontórios e topos de morros junto à Baia da Guanabara.
Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2002, e Sílvio Macedo, 2008.

Os períodos compreendidos entre meados do século XIX e a virada do século XX e entre o final da
década de 1920 e o final da década de 1930 foram épocas de transições significativas, em relação à
organização da sociedade e em relação à produção, organização e à estratificação social do espaço urbano
nas maiores cidades brasileiras (VILLAÇA, 1998:160). Com a aceleração do crescimento urbano, as áreas
montanhosas das principais cidades brasileiras passaram gradativamente a ser destinadas ao uso
residencial de estratos sociais diferenciados. No Rio de Janeiro, a ocupação urbana nas bordas dos maciços

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 63
costeiros, iniciada no final do século XIX, se cristalizou a partir das décadas de 1930 e 1940, com a
implantação dos primeiros loteamentos registrados oficialmente. A ocupação urbana nas Serras da
Cantareira, em São Paulo, e do Curral, em Belo Horizonte, iniciou-se entre as décadas de 1940 e 1960 e, no
Morro da Fonte Grande, em Vitória, na década de 1960.33
Em todas as cidades estudadas na presente pesquisa, os primeiros núcleos de baixa renda se
assentaram inicialmente nas elevações próximas às áreas centrais junto aos caminhos que o circundavam.
De modo geral, as camadas populares acompanharam a expansão da ocupação formal nestas cidades em
direção às serras e maciços, instalando-se em suas franjas, inicialmente abaixo dos bairros residenciais
destinados aos extratos sociais mais altos. No caso de Belo Horizonte, os assentamentos populares, para
onde se dirigiu uma parte da massa de trabalhadores que construiu o núcleo planejado de Belo Horizonte,
fixou-se na Serra do Curral anteriormente à chegada dos loteamentos destinados à população abastada,
sendo por eles, posteriormente envolvidos. Vale lembrar que, na época, predominavam as atividades
associadas à exploração mineral nas encostas.

2.1.3. Vetores e padrões de ocupação


Citando as análises de Giancarlo Cataldi (1977:65-90) e Gianfranco Caniggia e Luigi Maffei (1995:
144-161) em povoações européias, Maria Rosália Guerreiro (2002: 74) indicou “três tipos básicos de
caminhos que se estabelecem de acordo com a estrutura natural do território e seguem o principio da
utilização da menor pendente. São eles os percursos cumeada, meia encosta e fundo de vale”. As linhas de
cumeadas (divisores) e de talvegues (fundos de vale), segundo estes autores, constituem eixos de
deslocamento e circulação privilegiados devido à maior facilidade de deslocamento que proporcionam.
Amparada nas análises da localização dos vetores de ocupação de Cataldi (1977) e Caniggia e Maffei
(1995), Guerreiro identificou em Portugal povoações de cumeada, de promontório, de meia encosta, de fundo
de vale e de cruzamento entre dois ou mais destes tipos (GUERREIRO, 2002: 128-153). Nas cidades
analisadas na presente pesquisa, tanto pelo seu porte, quanto pelo fato das ocupações situadas nos
domínios montanhosos encontrarem-se amalgamadas à malha urbana que se estende desde o litoral,
entende-se que a diferenciação aplicada por Guerreiro não se aplica.
Entretanto, os tipos de vetores identificados por estes autores são úteis para explicar a estrutura da
ocupação das encostas nas cidades analisadas. Na região sudeste do Brasil, os percursos de cumeada
foram os precursores nas cidades situadas no interior (Belo Horizonte e São Paulo), onde o relevo
montanhoso dominante apresenta declividades mais baixas; enquanto nas cidades litorâneas (Rio de
Janeiro, Florianópolis e Vitória), onde as vertentes são mais íngremes e as declividades são mais
expressivas, os percursos ao longo dos talvegues e fundos de vale foram os pioneiros. Esta predominância

33Enquanto as primeiras favelas do Rio de Janeiro instalaram-se nos morros isolados próximos da área central também no final do
século XIX, as de São Paulo surgiram na primeira metade da década de 1940, localizadas em próprios municipais junto às várzeas
dos rios Tietê e Tamanduateí (Bonduki 1998: 262).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


64 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
decorre do fato de que a ocupação nas cidades litorâneas analisadas, ainda que possa ter se iniciado em
elevações e promontórios, se espraiou inicialmente ao longo da costa, onde se situavam as funções
comerciais e portuárias, seguindo posteriormente em direção à montante dos maciços pelos fundos de vale e
talvegues, guiados pela presença da água e pela maior facilidade de acesso e locomoção. Sendo assim, nas
cidades litorâneas a ocupação urbana nas encostas tendeu a iniciar-se a partir dos fundos de vale, ao passo
que nas cidades localizadas no interior houve uma tendência de ocupação a partir dos divisores. O padrão
descrito não se configura como regra geral, aplicável indistintamente a todas as cidades brasileiras, apesar
de ser útil na análise do processo de ocupação das cinco cidades mencionadas acima. Em Salvador e
Maceió, por exemplo, cidades localizadas na região nordeste do Brasil, a ocupação espraiou-se em suas
partes altas inicialmente ao longo dos percursos de cumeada, em detrimento dos vales e grotões.
Outro fator importante, inferido a partir da análise de Flávio Villaça (1998), é o papel de atração
exercido pelas classes dominantes no direcionamento da ocupação nas encostas. Ao explicar a lógica da
estruturação interna de algumas das mais importantes metrópoles brasileiras, Flávio Villaça (1998) apontou o
papel preponderante da espacialização das elites no direcionamento da ocupação do território intra-urbano,
na estruturação do mercado imobiliário, na formação de novas centralidades e na segregação espacial
nestas cidades, destacando também outros dois importantes fatores neste processo de estruturação: a
acessibilidade ao centro principal e a existência de barreiras físicas. Como observou Villaça (1998), a
expansão das cidades litorâneas brasileiras foi seguidamente refreada pelos obstáculos naturais (rios,
lagoas, áreas pantanosas, morros isolados e costões rochosos) ou artificiais (muros, gradis, fossos, vias
férreas, rodovias).
Villaça (1998: 141-142) ressaltou a tendência à diferenciação e à organização hierárquica do espaço
urbano brasileiro, chamando a atenção para as formas peculiares de configuração da segregação espacial
intra-urbana como “um processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se
concentrar” espacialmente, sem que esta configuração impeça “a presença nem o crescimento de outras
classes no mesmo espaço”. Isto é especialmente válido no caso do Rio de Janeiro. Em relação às
metrópoles litorâneas, o autor demonstrou que os eixos de desenvolvimento e expansão foram orientados
por dois vetores iniciais: “porto-bonde-bairros de elite”, e “porto-trem-indústrias-bairros populares”,
observando a validade, em âmbito nacional, do que já havia sido identificado por Maurício Abreu (1987) para
o caso do Rio de Janeiro. Entretanto, é necessário ressaltar a complexidade da estruturação urbana das
cidades brasileiras, em geral, e do Rio, em particular, que percorrem caminhos contraditórios, frutos da ação
de várias forças que atuam em diferentes direções e de processos cíclicos de urbanização, estagnação,
degradação e regeneração.
Conforme demonstrou Villaça (1998), em São Paulo e Belo Horizonte, a ocupação pela burguesia
desenvolveu-se nas regiões de topografia ondulada, mais próximas aos centros, enquanto a ocupação
destinada a camadas mais populares estabeleceu-se nas regiões planas e sem maiores atrativos
paisagísticos. Gradativamente a expansão se direcionou às serras, inicialmente sob a forma de grandes

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 65
áreas destinadas a atividades agrícolas e sítios de recreio e, posteriormente, aos extratos sociais mais
elevados (VILLAÇA, 1998:116-117e 119-123, e RODRIGUES In: FERNANDES e RUGANI, 2002:182).
No Rio de Janeiro, os obstáculos iniciais à expansão urbana foram os morros e maciços costeiros,
conforme será visto em mais detalhes no capítulo seguinte. Do núcleo central, não estratificado socialmente,
localizado a leste, às margens da Baía da Guanabara, partiram dois vetores. O primeiro, inicialmente também
não estratificado, seguiu em direção ao norte e oeste, rumo aos sítios com topografia ondulada do Maciço da
Tijuca voltados para o norte e a São Cristóvão, então bairro da elite aristocrática, em direção aos engenhos
de Santa Cruz. Na segunda metade do século XIX, estes vetores se dividiram definitivamente em dois: o
primeiro, valorizado, contornou o Maciço da Tijuca em direção sul e sudoeste, e, mais recentemente, o
Maciço da Pedra Branca na direção sudoeste, concentrando a ocupação por estratos sociais mais altos da
população. O outro vetor de expansão, desqualificado e preterido, contornou os maciços em direção a
noroeste, direcionando as camadas populares rumo à planície interior, segmentada pelas três linhas férreas
que partiam do Centro em direção a São Paulo, Belo Horizonte e aos subúrbios cariocas (Abreu 1987, Villaça
1998:132-133 e presente estudo). Mais tarde, o movimento de ocupação da orla marítima se consolidou e
obteve a primazia como destinação das elites, em detrimento das áreas montanhosas que, no entanto, ainda
abrigam estratos sociais elevados.

Fig. 20 a e b. Rio de Janeiro: Vetores de ocupação iniciais a partir da área central, localizada à leste da cidade, em direção ao sul e
ao norte. Ao longo da expansão da cidade, vários morros isolados foram camuflados ou mesmo suprimidos da paisagem urbana pela
progressiva verticalização. À esquerda, o Morro da Viúva, no Flamengo, e à direita, o Morro da Babilônia, na Tijuca, encobertos ao
nível do observador, pela verticalização ao redor.

Fotos: Silvio Macedo, 2008, e Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


66 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
A influência inicial das classes abastadas na valorização das montanhas como local de moradia é
um traço comum a todas as cidades analisadas, ainda que, ao longo do processo de desenvolvimento das
cidades litorâneas, por exemplo, estas tenham sido preteridas como destinação de moradia pela beleza
cênica da orla marítima. As companhias de transporte urbano e as companhias imobiliárias exerceram papel
preponderante neste processo, facilitando o acesso a estas áreas e possibilitando novas formas de
organização social e a progressiva reconfiguração da área urbana, como aconteceu no caso do Rio de
Janeiro (ABREU, 1987; PEREIRA, 1996 e DEAN 2000). Por outro lado, especialmente nas cidades não
litorâneas, a existência de infraestrutura (de transporte, de energia e de saneamento) e a distribuição de
equipamentos públicos se configuram como um dos principais fatores de atração locacional e, portanto, de
valorização da terra urbana. A gradativa valorização dos espaços livres a partir da década de 1980 se tornou
outro fator a influenciar a valorização imobiliária residencial nas encostas: valoriza-se a vista para a floresta e
a presença de espaços livres privados destinados à permanência e ao lazer.

2.1.4. Processos relativos à configuração, composição e disseminação da ocupação na paisagem

A noção de aglomeração, dispersão e esgarçamento do tecido das áreas periféricas às áreas de


urbanização contínua, proposta por Reis Filho (2006), contribui para explicar os processos e características
de configuração e disseminação da ocupação nas encostas das cidades estudadas. As áreas montanhosas
nestas cidades se caracterizam pela urbanização dispersa, polinuclear e pelo predomínio da urbanização
rarefeita. Em todas as cidades estudadas a ocupação urbana das encostas, tanto formal quanto informal,
assume padrão ao mesmo tempo, tentacular e polinuclear, ao longo das vias de penetração e de ligação que
atravessam os maciços e serras. Estes eixos de circulação se estabelecem, dependendo das características
do suporte físico-ambiental, ao longo dos fundos de vale e dos divisores e linhas de cumeada.
Os núcleos ou pólos, entremeados pela vegetação arbórea remanescente ou por gramíneas
introduzidas, localizam-se, em geral, no prolongamento da malha urbana onde se verifica uma redução
gradativa de densidade em relação à ocupação das áreas planas, à medida que a topografia se torna mais
acentuada. Estes focos de ocupação urbana se estabelecem, via de regra, a partir das ruas e caminhos que
penetram a área montanhosa no sentido inverso ao caminho das águas, em prosseguimento ao tecido
urbano que circundam as elevações. A matriz é formada por uma mescla de vegetação, usos urbanos
rarefeitos, com predomínio do uso residencial, e atividades destinadas ao provimento dos recursos
necessários ao funcionamento do tecido urbano contínuo. Quanto à ocupação agrícola e à extração
mineral34, o padrão também se configura como polinuclear e disperso (Figuras 21 e 22).

34 Cabe ressaltar que as diversas pedreiras exploradas e abandonadas dentro da malha urbana, principalmente em cidades cujo

clima induz a grandes variações de temperatura, constituem um preocupante passivo ambiental. Tratam-se de áreas sujeitas a
descolamento de lascas e blocos, ou, dependendo da forma como a pedreira foi explorada, de áreas com risco de colapso, como
aconteceu em 2009, em Vila Isabel, na zona norte do Rio de Janeiro, onde toda a frente da pedreira descolou-se e atingiu a área de
lazer de um condomínio de casas implantado em sua na base.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 67
Fig. 21. Rio de Janeiro: Relação de
contigüidade entre a ocupação formal e
informal, entremeada a fragmentos de
cobertura vegetal arbórea, gramíneas e
afloramentos rochosos na zona norte.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 22. Rio de Janeiro:


Configuração da ocupação formal e
informal entre os bairros do
Flamengo e Laranjeiras, na Bacia
do Rio Carioca. Lotes demarcados
por muros, com a presença de
vegetação arbórea aos fundos, na
divisa com a favela Morro Azul.
Notar o traçado em zigue-zague da
via principal de acesso e penetração
na favela e a implantação dos
caminhos de pedestres ao longo
das curvas de nível.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2002.

No Rio de Janeiro, em Florianópolis e em Vitória, tanto a ocupação formal quanto a ocupação


informal se localizaram de forma imbricada nas bordas dos maciços e vias de ligação que os atravessam e
nos morros isolados. Em São Paulo e Belo Horizonte, enquanto a ocupação formal instalou-se nos
contrafortes das Serras da Cantareira e do Curral, predominantemente a partir das vias sobre os divisores, a
ocupação informal se estabeleceu no sopé das respectivas serras, à jusante das áreas ocupadas pelas
classes abastadas.
No Rio de Janeiro, a urbanização de padrão elevado, de modo geral bastante rarefeita, prevalece
em termos de área territorial, entremeada por favelas, com a ocorrência de algumas poucas localidades mais
adensadas como Santa Teresa, ou enclaves pontuais verticalizados, como ocorre nos morros isolados junto
à orla da zona sul. Em Florianópolis, a urbanização rarefeita de alto, médio e baixo padrão predomina, com

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


68 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
exceção do Morro da Cruz, onde a ocupação é mais antiga e adensada, com a ocorrência de verticalização
esparsa em alguns trechos de suas bordas. O padrão linear da ocupação urbana de Florianópolis,
perpendicular às curvas de nível, se destaca em relação às demais cidades analisadas (Figura 23).

Fig. 23. Florianópolis: Padrão linear da


ocupação formal nas bordas dos
maciços costeiros em associação à
supressão da vegetal arbórea.

Fonte: Acervo QUAPA-SEL/SP, 2008.

Em Vitória, a urbanização é ainda bastante rarefeita e as encostas são ocupadas principalmente por
estratos sociais médios e baixos da população. Com o passar do tempo, a estratificação espacial nas
encostas em Vitória localizou as camadas de melhor poder aquisitivo nas áreas mais baixas, atendidas por
infraestrutura, e as camadas menos favorecidas nas áreas mais altas, de difícil acesso e menos
infraestruturadas. Segundo Eneida Mendonça (comunicação pessoal, 2010), os estratos de mais alta renda
buscaram as praias e as camadas sociais mais baixas da população, que inicialmente ocuparam os
manguezais entre o continente e a ilha de Vitória a oeste do Morro da Fonte Grande, foram gradativamente
expulsos para fora da ilha. Assiste-se mais recentemente a uma transformação dos padrões construtivos das
áreas residenciais destinadas a baixa renda no sopé das encostas de Vitória. O padrão tipológico associado
às favelas (unidades unifamiliares sobrepostas) vem sendo substituídos por conjuntos de edifícios de quatro
pavimentos, implantados pelo Projeto PAR da Caixa Econômica Federal, que atende a uma faixa salarial de
6 a 10 salários mínimos (Figura 24).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 69
Fig. 24. Vitória: exemplo de padrão de
ocupação do Morro da Fonte Grande,
na vertente voltada para a área
central da cidade: ocupação urbana
de padrão médio, disposta em
patamares ao longo das curvas de
nível sobre estrutura de contenção;
ocorrência dispersa de verticalização.

Foto: Silvio Macedo, 2008

Em relação ao padrão atual de estratificação social nas encostas, três cidades se distinguem pela
forte polarização social entre ricos e pobres: Rio (onde o fenômeno é mais expressivo), Belo Horizonte e São
Paulo. São Paulo e Belo Horizonte apresentam padrão de urbanização médio-alto a alto e ocorrência de
favelas e loteamentos irregulares. Em Belo Horizonte, convivem nas encostas um bairro de alto padrão e
favelas conurbadas, formando um contínuo extenso. Em Florianópolis, os estratos sociais alto, médio e baixo
encontram-se representados. Nesta última cidade, o padrão difere-se das demais pela disposição linear da
ocupação, perpendicularmente às curvas de nível, pela presença de edifícios verticalizados nos morros
isolados ao longo da costa e pela localização predominante das favelas na base das encostas.
Internamente, as favelas emulam o processo de periferização verificado nas cidades brasileiras,
caracterizado, como demonstrado por Villaça (1998) e Maricato (2000), pelo gradativo afastamento das
camadas sociais empobrecidas das áreas centrais mais valorizadas e melhor infraestruturadas e pela
fragmentação e esgarçamento do tecido nas áreas periféricas. Entretanto, em São Paulo, conforme
indicaram Reis Filho (2006) e, sobretudo, Carvalho (2011:69 e 85), este processo vem convivendo com o de
periferização da riqueza, nos moldes do processo de suburbanização, típico dos Estados Unidos. Esta
segunda vertente, explica, segundo Carvalho (2011), a polarização social que se verifica na região da Serra
da Cantareira, onde núcleos destinados a estratos sociais mais abastados dispersam-se através da
implantação de loteamentos propositalmente não contíguos, em meio à concentração de núcleos de
ocupação de baixa renda, gerando um padrão peculiar de segregação espacial. Neste sentido, a ocupação
desta região, embora se assemelhe à encontrada nas encostas do Rio de Janeiro, onde a polarização social
também deu origem a um padrão de segregação espacial, apresenta, segundo o autor, padrão inverso,
caracterizado pela predominância da ocupação urbana de baixa renda.
Amparando-se em Caldeira (2000), Villaça (op. cit, p. 152) esclareceu as estratégias de apropriação
do espaço intra-urbano pelas diferentes camadas sociais cristalizadas nos anos 1990, com ênfase nas
CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO
70 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
estratégias criadas pelas elites. Estas estratégias de convivência e segregação, “forjadas no contexto de
maior proximidade dos diferentes grupos sociais”, das sucessivas crises econômicas e da escalada da
violência urbana, induziram ao (re)aparecimento de novas “muralhas urbanas” (muros altos, condomínios
fechados e, no caso do Rio de Janeiro, a ameaça da construção dos muros em torno das favelas em 2009).
A partir da década de 1990, observa-se o avanço dos loteamentos fechados por sobre as encostas da
maioria das cidades analisadas - no Rio de Janeiro, sobre o Maciço da Tijuca; em São Paulo, na Serra da
Cantareira e em Belo Horizonte, na Serra do Curral em direção ao município vizinho de Nova Lima35 (Figura
25).

Fig. 25. Belo Horizonte:


exemplo de padrão de
ocupação ao longo das curvas
de nível, com lotes de
pequenas dimensões,
delimitados por muros, com alto
percentual de ocupação;
presença esparsa de
fragmentos de vegetação
arbórea nos escassos espaços
livres remanescentes.

Fonte: Acervo QUAPA-SEL/SP,


2008

2.1.5. Usos e espaços livres

Os grandes empreendimentos imobiliários da iniciativa privada implantados em São Paulo e Rio de


Janeiro, como os que a Companhia City executou nas primeiras décadas do século XX, influenciaram a
disseminação de padrões formais inspirados nas cidades-jardim inglesas na implantação dos loteamentos
destinados às elites nas encostas de várias cidades brasileiras. A preferência por edificações isoladas, com
recuos laterais e frontais reflete ainda a influência higienista, preconizada no Brasil a partir da segunda
metade do século XIX. Traçados viários sinuosos, parcelamentos com lotes de dimensões maiores do que os
encontrados na cidade plana, afastamentos frontais mais largos, alto percentual de arborização intra-lote,
pequenas praças e mirantes, geralmente resultados da interconexão de traçados viários e da implantação de

35 A face sul da Serra do Curral volta-se para o município de Nova Lima, um dos maiores latifúndios mundiais, onde mais de 90% do
território pertencia, na década de 1990, a companhias mineradoras que desde 1834 operavam na região, explorando o minério de
ferro desde 1958. Desde então, todo esse estoque de terras tem dado lugar, gradativamente, a inúmeros loteamentos destinados às
elites de Belo Horizonte (RODRIGUES, In: FERNANDES e RUGANI 2002:187-188).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 71
culs de sacs, de modo geral, ramificados, em árvore ou espinha de peixe. Em contraponto, é também comum
na urbanização das encostas nas cidades brasileiras a ocupação urbana, tanto formal, quanto informal, às
margens dos rios e córregos que, em sua maioria, vão sendo retificados à medida que a ocupação se
consolida (Figura 26).

Fig. 26. São Paulo: exemplo de ocupação de


alto padrão na Serra da Cantareira.

Fonte: Acervo QUAPA-SEL/SP, 2008.

Entre os usos e funções exercidos atualmente pelas áreas montanhosas das cidades analisadas, a
conservação ambiental vem assumindo papel cada vez mais relevante. Contudo, o uso residencial exerce a
mais forte pressão sobre as áreas preservadas, principalmente nas cidades litorâneas. As atividades
relacionadas à extração mineral ainda persistem dentro do perímetro urbano em diversas cidades brasileiras.
Destaca-se, entre as cidades estudadas, o caso de Belo Horizonte e do município vizinho Nova Lima, onde a
pressão exercida pelas atividades de extração mineral é tão forte quanto à pressão exercida pelo uso
residencial, ocasionando uma curiosa relação de contigüidade espacial entre usos que deveriam se repelir.
Na cidade do Rio de Janeiro, o uso agrícola supera, em área ocupada, a extração mineral (Figuras 27 e 28).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


72 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 27 a e b. Belo Horizonte/Nova Lima: Relação de contigüidade espacial entre o uso residencial destinado a camadas médias e
altas e as atividades de mineração e as cicatrizes deixadas pela exploração mineral nas encostas.
Fonte: Acervo QUAPA-SEL/SP, 2008.

Fig. 28 a e b. Florianópolis: As cicatrizes deixadas pela exploração mineral nas montanhas.


Fotos: Eugenio Queiroga e Sonia Afonso, 2008.

Em Florianópolis (no Morro da Cruz), São Paulo (na Serra da Cantereira) e Belo Horizonte (na Serra
do Curral) e, em menor grau no Rio de Janeiro e em Vitória, existem enclaves de verticalização no sopé e em
torno dos morros e serras. No Maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, e na Serra da Cantareira, em São Paulo,
prevalece o uso residencial com a predominância de loteamentos de alto padrão, transformados em
condomínios fechados, e favelas. Na Serra da Cantareira, segundo Carvalho (2001:113-115), além das
favelas e condomínios fechados, encontram-se loteamentos clandestinos e irregulares e enclaves de
verticalização no sopé da serra, formados pelos conjuntos residenciais multifamiliares, destinados às
camadas populares, construídos pelo poder público e por torres isoladas, destinadas os estratos médio e alto
da população, que caracterizam os empreendimentos imobiliários construídos pela iniciativa privada. Estes

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 73
tipos arquitetônicos e afins (conjuntos residenciais multifamiliares construídos pelo poder público, edifícios
verticalizados dispersos e torres isoladas construídos pela iniciativa privada) também ocorrem de forma mais
ou menos dispersa no sopé das encostas nas outras cidades estudadas, mesmo no Rio de Janeiro, como
veremos no Capítulo 3 (Figuras 29 e 30).

Fig. 29. Belo Horizonte: Contigüidade


espacial entre a ocupação formal e a
informal. Ocorrência de verticalização
no sopé da encosta.

Foto: Alexandre Villalon, 2008.

Fig. 30. São Paulo: Situação


semelhante na Serra da Cantareira.

Fonte: Acervo QUAPA-SEL/SP, 2008.

Quanto aos espaços livres destinados à circulação, são comuns nas encostas do Rio de Janeiro
os trajetos das vias de penetração seguirem pelos fundos de vale em traçados sinuosos, com calçadas
estreitas e lotes com dimensões muito variáveis. Existem diversas vias panorâmicas que funcionam como
vias de ligação entre diversos pontos da cidade, especialmente no Maciço da Tijuca. Estas não são
freqüentes no Maciço da Pedra Branca e não existem ainda no Maciço de Gericinó/Mendanha. Não há um
anel viário contínuo que contorne os maciços cariocas, como em Florianópolis e em Vitória. Nestas cidades,

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


74 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
os eixos viários que atravessam os maciços não favorecem a ligação entre os bairros ou não estimulam sua
utilização para recreação36. Por outro lado, a ausência de vias de ligação sobre os maciços, do ponto de vista
ecológico, favorece a preservação da matriz florestal de forma mais contínua (Figuras 31 e 32).

Fig. 31 a e b. Rio de Janeiro: Relação volumétrica e de contigüidade espacial entre a ocupação formal e informal em Laranjeiras.
Verticalização no eixo do fundo de vale do Rio Carioca. Notar a interpenetração dos espaços livres com caráter ambiental com os
núcleos de ocupação.

Fotos: Rogerio Cardeman e Denis Cossia, 2008.

Fig. 32 a e b. Florianópolis: Anel viário em torno dos maciços e núcleos de ocupação dispersa que penetram as encostas
perpendicularmente às curvas de nível.

Fotos: Eugenio Queiroga, 2008

Em Florianópolis as vias de ligação circundam os maciços em traçados sinuosos e a maioria das


vias locais (de penetração), perpendiculares às curvas de nível, com calçadas estreitas ou sem calçadas e

36Em Vitória, conforme relato pessoal de Eneida Mendonça em 2010, este anel foi destinado, quando da sua concepção, ao
escoamento da produção agrícola, mas não foi conectado por vias de ligação por sobre o maciço central através de um traçado
continuo e estruturado, situação que, ao longo do tempo, acabou por favorecer a preservação da cobertura vegetal nativa. As vias de
penetração no maciço central privilegiam, via de regra, a circulação de veículos, com um traçado oblíquo às curvas de nível.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 75
com lotes de pequenas dimensões, partem destas em direção às encostas. Segundo Sonia Afonso (1999),
estas formas de ocupação são características da tradição açoriana, em Florianópolis, e da portuguesa, no
Rio de Janeiro. Em São Paulo e Belo Horizonte as primeiras vias de ligação e penetração se desenvolveram
sobre os divisores, seguindo as linhas de cumeada, ou à meia encosta e, com o desenvolvimento da
urbanização, passaram a ocupar os fundos de vale.
De modo geral, salvo algumas exceções, é bem marcada a distinção entre os espaços livres com
caráter ambiental, destinados à proteção, e os de urbanização, destinados à permanência, ao lazer e à
recreação, em termos de alcance, acessibilidade, área ocupada e distribuição. Os espaços livres com
caráter ambiental envolvem e permeiam os núcleos de ocupação em maior ou menor grau e concentram-se
nas áreas mais altas dos domínios montanhosos. As cidades estudadas apresentam como padrão em
comum a pulverização dos espaços livres com caráter de urbanização situados nas encostas, com poucas
áreas destinadas aos espaços livres de permanência (praças e áreas de lazer). Estes últimos apresentam
distribuição dispersa, pontual e irregular, associados aos espaços livres de circulação, e tendem a
localizar-se no sopé das encostas ou entremeadas à malha quando relacionados a usos institucionais, como
escolas, reservatórios de água, átrios de igrejas, etc. Todas possuem parques urbanos voltados à recreação
ou diretamente relacionados à proteção ambiental e pequenos mirantes, dos quais se descortinam vistas
panorâmicas. Os espaços livres de circulação funcionam como a estrutura de ligação dos espaços livres com
caráter de urbanização, tendendo, em muitos casos, a justapor-se ao trajeto dos rios. Em São Paulo, alguns
destes parques, como o Parque Municipal Anhanguera, foram implantados com a aquisição de glebas
particulares. Tanto na Serra da Cantareira como na região dos mananciais existe uma nítida contraposição
entre os usos existentes e a proteção ambiental, que refle as contradições existentes entre o interesse
público e coletivo e os interesses privados. Estas contradições são de natureza semelhante na maioria das
cidades analisadas, embora cada uma delas apresente suas especificidades.

2.2. A influência da legislação

A relação entre a morfologia do espaço urbano e a legislação tem sido estudada por campos
disciplinares diversos e gerado discussões relacionadas ao direito urbanístico e ambiental em âmbito
nacional, regional e municipal. Também têm merecido atenção suas implicações na flutuação do valor
imobiliário nas cidades e seus efeitos no desenho e urbano e na tipologia das edificações (SAMPAIO, 2006 e
CHACON, 2004). Contudo, ainda persiste uma lacuna quanto à correlação entre a morfologia da paisagem e
a legislação que incide sobre as áreas montanhosas em ambientes urbanos. Esta pesquisa visa contribuir
para a redução desta lacuna, ao contextualizar condicionantes e apontar contradições, entre os instrumentos
legais, as lógicas que os orientam e seus efeitos na paisagem. Estes instrumentos, produtos decorrentes dos
contextos culturais e políticos que os geraram, deixam transparecer conflitos de interesse e choques de
visões dos diversos agentes da sociedade responsáveis pela construção da paisagem urbana. É sabido,
conforme apontou Tângari (1999), que o arcabouço normativo interfere fortemente na forma de utilização dos

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


76 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
espaços públicos e privados, na densidade populacional, na valorização e na degradação dos elementos
naturais da cidade. Conforme mencionado no Capítulo 1, algumas etapas do processo de análise sobre a
influência da legislação na transformação da paisagem carioca foram registradas anteriormente em Schlee e
Albernaz (2009) e Schlee e Tângari (2008). Estes artigos refletiam o entendimento das questões discutidas à
época em que foram redigidos, podendo conter informações e posicionamentos que foram revistos ou
complementados com o avançar da pesquisa.

2.2.1. O processo de constituição do arcabouço legal ambiental e urbanístico no Brasil


Segundo Pádua (2002), a formação da critica ambiental no Brasil, foi fortemente marcada em sua
gênese pelo enfoque progressista e cientificista37 e teve na corrente abolicionista um poderoso veículo de
expressão e difusão de idéias. Ao analisar as obras de diversos autores brasileiros entre o final do século
XVIII e o final do século XIX, este autor indicou como marco inicial da teoria ambiental no Brasil, o “Discurso
histórico político e econômico dos progressos e estado atual da filosofia natural portuguesa, acompanhado
de algumas reflexões sobre o estado do Brasil”, de Baltasar da Silva Lisboa, de 1786, primeiro texto crítico
sobre os problemas ambientais brasileiros, e, como ponto de inflexão, a abolição da escravatura no Brasil,
em 1889 (PÁDUA, 2002: 21). Em sua análise, destacou especialmente a importância do arcabouço teórico
abolicionista na busca de entender o padrão lógico da relação de predação da sociedade brasileira, “tanto do
ponto de vista social quanto ambiental”38 (PÁDUA 2002: 284).
Este arcabouço teórico, segundo o autor, acrescentou outra perspectiva às práticas dominantes de
desvalorização, desqualificação e conseqüentemente de destruição do meio natural do Brasil, baseadas na
crença na inferioridade da natureza tropical em relação à natureza temperada, ou na exuberância da
natureza tropical como obstáculo ao pleno desenvolvimento da sociedade ou ainda na destruição ambiental
como um preço a pagar pelo progresso (op. cit: 18 e 28). Apoiada em paradigmas de progresso e
modernidade, em que pese a perpetuação do viés desenvolvimentista, esta corrente inicial do pensamento
ambiental no Brasil considerava a natureza como parte essencial de um projeto político para o
desenvolvimento econômico e social do país (CARVALHO, 1994 e HEYNEMANN, 1995).
A postura crítica dos teóricos abolicionistas, já em seu surgimento, identificava uma vinculação entre
a destruição do suporte físico ambiental com as práticas coloniais que ainda vigoram – a concentração
fundiária e a marcante desigualdade social – e os interesses imediatistas da elite socioeconômica brasileira39.

37 Com inspiração no ideário iluminista do século XVIII, a conservação das florestas era considerada essencial como estoque de
recursos econômicos e científicos (Pádua, 2002:13).
38Apesar de não haver obras especificamente dedicadas ao tema ambiental, como Man and Nature, de George Marsh, publicada em
1864 e considerada um marco na crítica ambiental no século XIX, Pádua (2002:283) constatou que vários autores no Brasil se
anteciparam a Marsh ao denunciar a destruição do meio ambiente no contexto de obras dedicadas a problemas econômicos e
sociais, o que, segundo o autor, demonstra sua sensibilidade em perceber que “os problemas ambientais estavam inseridos no
conjunto de problemas estruturais que afetavam o país”.
39 A crítica ambiental formulada desde o final do século XVIII, e mais fortemente a partir de meados do século XIX, relacionava os
problemas ambientais com a primazia do setor primário na economia brasileira, pontuando especialmente o atraso que dominava a
atividade agrícola (Pádua 2002: 20).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 77
A destruição ambiental era considerada, pelos autores abolicionistas, como obstáculo ao projeto político
civilizatório do Império e a busca de uma “relação benéfica com o meio natural” como um componente básico
para transformar a estrutura, as práticas e as mentalidades da sociedade brasileira (op.. cit: 22, 282 e 284).
Como veremos nos capítulos seguintes, as práticas dominantes de desqualificação e desconsideração ao
suporte físico natural, a concentração fundiária e a marcante desigualdade social sobreviveram após a
abolição, deixando marcas e seqüelas na paisagem das encostas cariocas e impregnando as formas de
planejamento e gestão do território nas encostas da cidade.
Cerca de um século mais tarde, a inserção da temática ambiental no âmbito das políticas públicas
governamentais brasileiras voltou à baila, cristalizando-se na primeira metade da década de 1970, amparada
por movimentos embrionários de conscientização, e se estruturou através da construção da Política
Ambiental Brasileira40 através da implementação gradativa de um extenso arcabouço normativo, inicialmente
formulado em nível federal (VIOLA, 1987, SCHLEE e ALBERNAZ, 2009). A instituição da Política Nacional do
Meio Ambiente, através da lei federal 6938/1981) 41, introduziu a ferramenta do zoneamento ambiental pela
primeira vez no arcabouço jurídico ambiental brasileiro e criou o Conselho Nacional do Meio Ambiente -
CONAMA (FERNANDES, In: FERNANDES e RUGANI 2002, p. 56).

Até então, conforme apontado por Fernandes, In: Fernandes e Rugani (2002) e Schlee e Albernaz
(2009), o arcabouço legal brasileiro resumia-se aos Códigos Florestal - decreto federal 23793/1934,
posteriormente atualizado pela lei federal 4771/1965; das Águas - decreto federal 24643/1934, de Minas -
decreto federal 1985/1940, e de Caça e Pesca - lei federal 5197/1967, e a instrumentos isolados de cunho
pontual como os decretos de criação dos primeiros parques nacionais. Estes primeiros códigos tinham como
ênfase conceitual a preservação dos recursos naturais para garantia do crescimento econômico do país
(DIEGUES, 1996). Além disso, como apontou Albernaz (2007), a proteção de amplos recortes territoriais
através da criação de parques nacionais destinava-se na época a conciliar à preservação dos recursos
naturais, a promoção das ciências biológicas no Brasil e o incremento das atividades turísticas.
Com a introdução destas primeiras normativas legais de alcance nacional, ainda que pulverizadas e
setoriais, mas que incidiam, ainda que indiretamente, também sobre as áreas urbanas, conjugada à
disseminação da aplicação do zoneamento urbanístico como instrumento de regulação da ocupação urbana
em âmbito municipal, houve uma gradativa alteração de enfoque em relação à visão higienista que até então
dominava o trato para com as questões ambientais. Ao longo do século XIX até as primeiras décadas do
século XX, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, o movimento higienista associava a ocorrência de

40 Destacam-se, entre os marcos legais de constituição da Política Ambiental Brasileira, a criação da Secretaria Especial do Meio
Ambiente - decreto federal 73030/1973; o primeiro instrumento específico para controle da poluição industrial - decreto federal
1413/1975; a instituição da Política Nacional do Meio Ambiente - lei federal 6938/1981; o estabelecimento da Ação Civil Pública como
instrumento de defesa do meio ambiente pela sociedade - lei federal 7347/1985, a revisão do Código das Águas - lei federal
9433/1997 e a Lei de Crimes Ambientais - lei federal 9605/1998 (BREDARIOL, 2001, FERNANDES, In: FERNANDES e RUGANI
(2002) e ALBERNAZ, 2007).
41Para uma análise mais abrangente dos instrumentos de gestão criados por esta e outras normativas instituídas nesta época ver
Bredariol (2001) e Fernandes, In: Fernandes e Rugani (2002).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


78 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
doenças e epidemias à permanência nas áreas urbanas de determinados elementos do ambiente natural,
como manguezais, lagoas, brejos e áreas alagáveis, entre outros, e dos densos enclaves de pobreza42.
Diante deste quadro, conforme explicou Edésio Fernandes (In: FERNANDES e RUGANI 2002, p.
52), até o final década de 1970, prevaleceu um tratamento jurídico fragmentado e setorializado das questões
ambientais no arcabouço normativo ambiental, composto até então de leis e códigos específicos sobre temas
como mineração, águas, caça e pesca, florestas, desapropriações, tombamentos, controle do uso e
parcelamento do solo e controle da poluição. No arcabouço normativo urbanístico, por sua vez, estas
questões eram tratadas até então como preocupações de ordem higiênica ou não urbanas.
Entre os dispositivos legais instituídos em âmbito federal no período entre as décadas de 1960 e
1980, dois merecem destaque por terem estabelecido normas e restrições específicas à ocupação das
encostas: o Código Florestal (1965) e a Lei Lehmann (1979). O Código Florestal ainda em vigor, lei federal
4771/1965, posteriormente alterado parcialmente pela lei federal 7803/1989 e regulamentado por três
resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA43, definiu como áreas de preservação
permanente as florestas, independente de seu estágio sucessional44, e demais formas de vegetação natural
situadas nos topos de morros, montes, montanhas e serras e também as encostas com declividade superior
a 45°, equivalente a 100% de inclinação na linha de maior declive e as faixas marginais de proteção ao longo
de cursos d’água, de acordo com a sua largura45 (arts. 2º e 3 º).
Como observado em Schlee e Albernaz (2009), a origem do conceito de áreas de preservação
permanente situa-se no antigo Código Florestal de 1934, que proibiu a derrubada das matas existentes às
margens dos cursos d’água e das encostas, considerando-as “florestas protetoras”. No Código Florestal de
1965, a expressão “florestas protetoras” foi substituída por “florestas e demais formas de vegetação natural”,
consideradas “de preservação permanente”. O Código Florestal de 1965 proibiu ainda o desmatamento de
florestas situadas em áreas com inclinação entre 25º a 45º, permitindo apenas “a extração racional de toros
para fins de obtenção de rendimentos permanentes” (art.10º), isto é, a exploração dos recursos florestais em
regime de manejo sustentável.

42 Segundo Abreu (1994: 35 e 2001:38-40) o movimento higienista correlacionava a deterioração do meio ambiente, tanto natural
quanto construído, ao surgimento das epidemias, e preconizava o arrasamento dos morros que impediam a livre circulação de
ventos, o aterro e a drenagem de pântanos mangues e brejos, a elevação do solo, o alargamento das vias urbanas e a construção de
casas higiênicas, entre outras medidas, para a eliminação dos miasmas. No bojo dos avanços da ciência, o ideário higienista cedeu
lugar gradativamente, a partir da década de 1930, à prevalência dos postulados do movimento sanitarista, com ênfase na
universalização da conscientização, da aplicação e da disseminação de medidas, condutas e hábitos destinados a conservar e
aprimorar a saúde coletiva e individual e da prevenção de doenças através das campanhas de vacinação.
43A Resolução CONAMA nº 303/2002 dispôs sobre parâmetros, definições e limites das Áreas de Preservação Permanente com
características naturais, enquanto a Resolução CONAMA nº 302/2002, dispôs sobre os parâmetros, definições e limites de Áreas de
Preservação Permanente em reservatórios artificiais e o regime de uso em seu entorno, e a Resolução CONAMA nº 369/2006,
aponta os casos excepcionais, de utilidade pública ou interesse social baixo impacto ambiental, passíveis de possibilitar a intervenção
ou supressão de vegetação em Áreas de Preservação Permanente.
44 O Decreto Federal 750, de 10 de fevereiro de 1993, ampliou a proteção das formações vegetais pertencentes ao bioma Mata
Atlântica ao incluir as áreas cobertas por vegetação em estágios inicial, médio e avançado de regeneração.
45Sobre as faixas de proteção ao longo de cursos d’água consultar as leis federais 4771/1965, 7803/1989 e as resoluções CONAMA
302/2002 e 303/2002.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 79
Os atributos e as funções ambientais específicas das áreas de preservação permanente foram
estabelecidos pela primeira vez na medida provisória 2166-67, de 24 de agosto de 2001, como “área
protegida..., coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos,
a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e
assegurar o bem estar das populações humanas” (ALBERNAZ, 2007 e SCHLEE e ALBERNAZ, 2009).
Lamentavelmente, o Código Florestal encontra-se atualmente em processo de flexibilização46. O
novo código, aprovado pela Câmara dos Deputados em maio de 2011, mas ainda não sancionado, significa
um enorme retrocesso na política ambiental brasileira. Reduz de 30m para 15m a largura mínima da área de
preservação permanente nas margens de rios, nos casos em que a faixa marginal já esteja ocupada, e
autoriza o cultivo em topos de morros, montanhas, serras e encostas com declividade acima de 45º.
Em relação ao arcabouço normativo urbanístico, o decreto-lei nº 58/1937 e a lei federal nº
6766/1979, conhecida como lei Lehmann, estabeleceram normas, disposições e limitações relevantes para
regular, em âmbito nacional, o parcelamento, e a compra e venda de terrenos urbanos e rurais,
anteriormente a Constituição Federal de 1988 ter conferido autonomia aos municípios como entes federativos
e atribuído competências a esses, junto com os estados e a União, para legislar e exercer o controle urbano
sobre os usos, o parcelamento, a intensidade de ocupação do solo, a distribuição das atividades econômicas
e para proteger o meio ambiente.
O decreto-lei nº 58/1937 vinculou a compra e venda, bem como o parcelamento em áreas urbanas e
rurais ao registro das glebas e respectivos loteamentos em cartórios, tornando obrigatória, em áreas urbanas,
a aprovação prévia do plano de loteamento e da planta do imóvel pela Prefeitura Municipal, ouvidas, quando
pertinente, as autoridades sanitárias, militares e, em áreas total ou parcialmente florestadas, as autoridades
florestais (redação dada pela Lei 4778/1965). A lei federal nº 6766/1979 tornou-se a principal referência legal
para o parcelamento do solo em áreas urbanas em todo o território nacional, estabelecendo como requisitos
básicos para o parcelamento urbano a obrigatoriedade de articulação das vias internas com as vias públicas
oficiais existentes em torno destes, a harmonização com a topografia local e a reserva de faixas non-
aedificandi de 15 m ao longo dos corpos d’água e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias.
Determinou ainda a destinação mínima de 35% da área total da gleba a ser parcelada a áreas públicas, salvo
nos loteamentos destinados ao uso industrial cujos lotes forem maiores do que 15.000 m² e criminalizou os
loteamentos irregulares ou clandestinos. Apesar de não constar no corpo da lei, na teoria urbanística
difundiu-se a destinação nas seguintes proporções: 20% para vias de circulação, 15% para áreas verdes, 5%

46 A pressão principal foi exercida pelos ruralistas para a flexibilização dos parâmetros de composição da reserva legal na Amazônia
e para o fim da obrigação de recuperação das áreas desmatadas e para a anistia de multas para quem desmatou até 2008. A reserva
legal é uma porção da área total das propriedades ou posses rurais, que deve ser mantida com a sua cobertura vegetal original para
assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais, proporcionar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos,
promover a conservação da biodiversidade, abrigar e proteger a fauna silvestre e a flora nativa. A dimensão da área varia de acordo
com o bioma onde a propriedade está localizada. Na Amazônia, é de 80% e, no Cerrado localizado dentro da Amazônia Legal é de
35%. Nas demais regiões do país, a reserva legal é de 20% (SOS Florestas/WMF, 2011). Dois séculos depois dos abolicionistas, as
duas principais instituições científicas do país, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira
de Ciências (ABC), continuam a argumentar, sem serem ouvidas, que o investimento na eficiência da agropecuária evitaria o
desmatamento.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


80 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
para equipamentos públicos e áreas institucionais (SILVA, 1995: 301). Quanto à ocupação de encostas, a lei
Lehmann estabeleceu limitações específicas, como a proibição de parcelamento de terrenos com condições
geológicas adversas à ocupação, em áreas protegidas devido às suas características ecológicas e em
terrenos com declividade igual ou superior a 30%, equivalente a 16°, salvo se atendidas exigências
específicas das autoridades competentes.
Como observou Farah (2003), com essa ressalva abriu-se a possibilidade de ampliar os limites
legais estabelecidos. As exigências estabelecidas para tornar estas áreas edificáveis e os órgãos
responsáveis por estabelecê-las não foram definidos no corpo da lei. Também não se definiu um limite
superior de declividade, após o qual seria vedado o parcelamento. Uma vez que o Código Florestal de 1965
cerceia o desmatamento de florestas em terrenos com declividade a partir de 25º (aproximadamente 47%), o
autor considera que este limite de declividade poderia ser adotado como fronteira à ocupação urbana em
encostas. No entanto, não foi feita nenhuma alusão ao Código Florestal ou a esta limitação na referida lei
(FARAH, 2003). No entanto, conforme veremos adiante, com exceção do Rio de Janeiro, todas as
legislações municipais analisadas incorporaram, com algumas variações, este parâmetro como restrição total
ou parcial à ocupação.
A revisão da Lei nº 6766/1979 pela Lei nº 9785/1999 restringiu o parcelamento do solo para fins
urbanos às zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano
diretor ou aprovadas por lei municipal e estabeleceu a vinculação entre o percentual mínimo de áreas
destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a
espaços livres de uso público, à densidade de ocupação prevista nos planos diretores ou aprovada por leis
municipais para as zonas em que se situem.
Segundo Soares (In FERNANDES e RUGANI 2002: 73), ao retirar a fixação de 35% da área da
gleba a ser loteada e transformar a reserva de áreas públicas em área proporcional à densidade de
ocupação, estabelecendo a atribuição municipal em defini-la, a lei federal nº 9785/1999 tornou mais difícil a
aplicação da norma. Diante deste quadro, os loteamentos implantados individualmente e isoladamente nas
áreas de expansão urbana, sem a garantia de continuidade da urbanização, contribuíram para a
fragmentação e para o esgarçamento do tecido das áreas periféricas, caracterizadas por uma forma dispersa
de urbanização, formada pelos loteamentos aprovados isoladamente e pelas áreas informais, em muitos
casos, contíguas a estes.
Apesar de estabelecerem parâmetros específicos para regular a ocupação de encostas, tanto o
Código Florestal, de 1965, quanto a lei Lehmann, de 1979, continuaram a atribuir um poder discricionário aos
órgãos competentes para dilatar os limites estabelecidos em âmbito federal, adequando-os aos interesses e
realidades locais, seja para definir e demarcar as áreas de preservação permanente ou o que seria
considerado “extração racional de toros para fins de obtenção de rendimentos permanentes”, no caso do
Código Florestal, ou quais seriam as exigências necessárias para garantir a estabilidade das encostas e
torná-las ocupáveis e quais os órgãos responsáveis por defini-las, no caso da lei 6766/1979.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 81
A partir da década de 1980, a criação dos instrumentos de legislação e gestão ambiental pelo poder
público em suas três esferas refletiu a gradativa conscientização da sociedade brasileira em relação às
questões ambientais. Como apontado anteriormente em Schlee e Albernaz (2009), o diferencial básico da
política ambiental brasileira estabelecida a partir da década de 1980, em relação ao enfoque legal precedente
até então voltado para a utilização dos recursos naturais para fins econômicos ou para manutenção da vida
urbana, foi considerar o meio ambiente como um patrimônio público de uso coletivo. Como ressaltado por
Fuks (2001, p. 75-78), a partir da implementação da lei 7347/1985, que disciplinou a ação civil pública
destinada a tutelar os interesses difusos, o (meio) ambiente pôde emergir como realidade jurídica, passando
a ser percebido como bem de uso comum, sobreposto aos interesses individuais. No novo quadro jurídico
brasileiro, a sociedade passou a ser percebida “não apenas como um agrupamento cuja unidade básica é o
indivíduo, mas também como uma totalidade constituída a partir de arranjos coletivos.”
Com o novo quadro político institucional, a Constituição Federal de 1988 referendou a tutela
simultânea de interesses públicos distintos: o ambiental, o urbanístico e o social; como desdobramento,
novos instrumentos de gestão foram concebidos. O Capítulo sobre Política Urbana atribuiu a obrigação aos
municípios de mais de vinte mil habitantes de formularem e aprovarem planos diretores urbanísticos,
atribuindo aos planos o papel de instrumento básico da política de desenvolvimento, proteção e expansão
urbana. Além da autonomia conferida aos municípios para legislar, exercer o controle urbano e garantir
localmente a proteção ambiental de forma mais efetiva, a Constituição de 1988 valorizou atributos culturais,
ecológicos e das paisagens significativas, incorporou demandas sociais e vinculou o exercício do direito à
propriedade privada à sua função social (RESENDE 1996, CAVALLAZZI 1996, ARAÚJO 2005 e SCHLEE e
ALBERNAZ 2009).
A Constituição Federal de 1988 (art. 225, parágrafo 4º) declarou também a Mata Atlântica como
patrimônio nacional e estabeleceu que sua utilização e o uso de seus recursos naturais seriam
regulamentados por lei, com o objetivo de assegurar a proteção do meio ambiente. Com a finalidade de
regulamentar a determinação constitucional, o decreto federal 99.547/1990, que vigorou até 1993, proibiu o
corte e a exploração da vegetação nativa da Mata Atlântica por prazo indeterminado (art. 1º). Este decreto foi
substituído pelo decreto federal 750/1993, que estabeleceu regras para o corte, exploração e supressão de
vegetação nativa primária ou nos estágios avançados e médio de regeneração da Mata Atlântica. A
supressão de vegetação, por este decreto, passou a ser autorizada quando necessária a execução de obras,
planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, mediante aprovação de estudo e
relatório de impacto ambiental pelos órgãos ambientais estaduais e federais (art. 1º, parágrafo 1º).
Em 2006, com a promulgação da Lei 11428/2006, a Lei da Mata Atlântica, protegeu os
remanescentes de vegetação nativa em estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado
de regeneração. Foram consideradas como integrantes do Bioma Mata Atlântica e, portanto, protegidas, as
seguintes formações florestais: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de
Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


82 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e
encraves florestais do Nordeste (Lei 11428/2006, art. 2º e parágrafo único).
Aos esforços de proteção ambiental pelas três instâncias governamentais, com o objetivo de
proteger os recursos florestais e hídricos, a paisagem, a biodiversidade, a estabilidade do solo, os fluxos
gênicos, somaram-se a aplicação dos princípios de proteção nos modelos de reestruturação e
desenvolvimento urbanos adotados pelas leis orgânicas e planos diretores municipais a partir da década de
1990 (SCHLEE e ALBERNAZ, 2009 e SCHLEE e TÃNGARI, 2008). O Estatuto da Cidade de 2001
referendou a Constituição de 1988, ao caminhar no sentido de fortalecer a conexão entre o exercício do
direito à propriedade privada e sua função social. Conforme lembrou Silva (2010), com a entrada em vigor do
Estatuto da Cidade, instituído pela lei federal nº10257/2001, referendou-se a vinculação da efetiva
implementação dos princípios da função social da propriedade aos Planos Diretores Municipais, quando
desenvolvidos de forma participativa, e aos instrumentos urbanísticos estabelecidos pelo Estatuto da Cidade,
quando regulamentados pelos planos diretores47.
Os parâmetros estabelecidos pelas legislações ambientais de forma centralizada em nível nacional
têm sido objeto de questionamentos, tanto nos meios acadêmicos quanto nas instâncias governamentais,
devido à enorme diversidade territorial e ambiental brasileira, que demanda visões mais particulares, tendo
em vista os diferentes domínios morfoclimáticos e biomas e suas condições de suporte em face da
antropização. Entre outros aspectos, tem sido objeto de debates a homogeneização dos critérios para a
delimitação das áreas de preservação permanente, à luz dos resultados de estudos experimentais realizados
nos últimos trinta anos (COELHO NETTO, 2007). Entretanto, as tentativas de delegar à instância municipal a
atribuição de estabelecer critérios mais adequados localmente também não têm surtido o efeito desejado.
A lei federal 7803 de 1989, que alterou a redação do Código Florestal em relação às áreas urbanas,
causou ainda mais dúvidas em relação ao alcance das atribuições federais e municipais e aos limites da
aplicação das normas em âmbito urbano, ao vincular as áreas de preservação permanente existentes em
áreas urbanas às disposições dos planos diretores municipais e das leis de uso do solo dos municípios,
“respeitados os princípios e limites estabelecidos pelo Código Florestal” (art.1º, parágrafo único). Por sua
vez, a lei federal nº 9785/1999, que substituiu a lei nº 6766/1979, atribuiu aos municípios a responsabilidade
sobre a destinação de áreas públicas nos loteamentos, favorecendo também uma grande variabilidade
quanto aos padrões mínimos, nem sempre condizentes com as diretrizes federais. De modo geral, as
interpretações das diretrizes federais nas legislações municipais, tanto em relação às normativas ambientais
quanto às normativas urbanísticas, tenderam a ser mais permissivas. A falta de integração entre estes dois
blocos normativos (urbanístico e ambiental) transparece da análise dos planos diretores e leis de uso e
ocupação do solo.

47 A Constituição de 1988, ao atrelar a implementação dos princípios da função social da propriedade aos Planos Diretores
Municipais, atribuiu à instância municipal a principal responsabilidade em assegurá-la. Com a promulgação do Estatuto da Cidade em
2001, definiu-se que a efetivação de sua implementação se daria através da participação democrática e da aplicação dos
instrumentos urbanísticos regulamentados nesta normativa (SILVA, 2010).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 83
Um dos focos principais do modelo de política ambiental adotado no Brasil a partir dos anos 1970,
de acordo com Bredariol (2001), foi a criação de unidades de conservação destinadas à preservação de
ecossistemas naturais. Na trilha do movimento internacional, essa diretriz foi embasada pelas
recomendações da Conferência de Estocolmo, realizada em 1972 e pela conceituação que gerou o padrão
de proteção estabelecido para as Reservas da Biosfera, instituídas pela UNESCO em 197148. Três décadas
mais tarde, a legislação ambiental brasileira, ao criar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação,
através da Lei Federal nº 9985/2000, incorporou apenas parcialmente o conceito de zoneamento definido
para as Reservas da Biosfera. Este zoneamento definiu uma gradação concêntrica de proteção formada por
uma zona central, correspondente às áreas efetivamente protegidas; uma zona de amortecimento,
correspondente às áreas onde é permitido o uso limitado dos recursos ambientais e atividades educacionais;
e uma zona de transição, correspondente às áreas onde são permitidos outros tipos de atividades correlatas,
desde que respeitadas as condições naturais da região. A Lei Federal nº 9985/2000, apesar de reconhecer
as reservas da biofera em âmbito nacional não incorporou o conceito de áreas de transição.

Em relação especificamente à ocupação em domínios montanhosos urbanos, esta normativa


exerceu um papel importante ao incentivar ou referendar iniciativas de proteção pelo arcabouço normativo
ambiental em âmbito local. Entretanto, salvo as limitações específicas impostas pela legislação ambiental no
Rio de Janeiro, nas demais cidades analisadas, as normas e disposições que guiam a ocupação das
encostas fazem parte do arcabouço normativo urbanístico. De modo geral, a regulamentação das restrições
à ocupação ainda é incipiente e a aplicação das limitações estabelecidas, tanto em âmbito federal quanto
municipal, depende de interpretações e, como observou Farah (2003), fazem uso de ressalvas que acabam
por dilatar os limites estabelecidos. Estas ressalvas feitas nos textos das normativas facilitam a acomodação
de interesses particulares ou de grupos específicos.

2.2.2. O foco no zoneamento na regulação da ocupação das encostas

De acordo com Feldman (2001) e Souza (In: FERNANDES e RUGANI 2002, p. 73-74), o modelo de
regulação da ocupação do solo urbano adotado no Brasil foi fundado no zoneamento e no estabelecimento
de parâmetros e índices de uso e ocupação do solo vinculados às zonas. Como destacou Souza (op. cit), o
modelo de regulação urbanística com base no zoneamento teve nítida inspiração funcionalista, baseada nos
princípios conceituais da Carta de Atenas49.

48 As chamadas Reservas da Biosfera foram criadas pela UNESCO em 1971, com o objetivo de desempenhar funções
complementares: garantir a conservação da biodiversidade, dos ecossistemas e das paisagens, estimular o desenvolvimento social e
econômico e preservar valores culturais associados ao uso de recursos biológicos.
49 Em síntese, a aplicação do zoneamento implica em segmentar o território em manchas ou parcelas para as quais são
estabelecidos índices e parâmetros homogêneos e separar funções no tecido urbano. Estes parâmetros regulam o percentual a ser
ocupado por edificações e (deveriam regular) o percentual a ser mantido permeável em projeção por lote (taxa de ocupação e taxa de
permeabilidade); a quantidade de área construída, a volumetria e a altura das edificações e a implantação da edificação no lote
(recuos e afastamentos frontais e laterais).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


84 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
A Carta de Atenas, redigida em 1933, a partir das discussões realizadas no IV CIAM, definiu quatro
funções básicas da cidade: morar, trabalhar, locomover-se e cultivar o corpo e o espírito, consolidando a
conceituação das cidades e do urbanismo funcionais, que já vinha sendo proposto e colocado em prática em
cidades da Alemanha a partir do final do século XIX, chegando aos Estados Unidos, Inglaterra e União
Soviética a partir de meados da década de 1910 (Hall 2009).
O zoneamento urbanístico firmou-se como ferramenta de planejamento e gestão do solo urbano no
Rio de Janeiro gradativamente a partir do século XIX, consolidando-se nesta e nas principais cidades
brasileiras na década de 1930, segundo Sarah Feldman (2001) e Marília Borges (2007)50. A prática legalista
do urbanismo brasileiro, instituída por meio da contínua edição de leis e decretos, segundo Feldman (2001),
privilegiou o zoneamento em relação aos planos, em termos de alcance e força51. Ao se pretender
abrangente e comum a todas as áreas da cidade, e, desta forma, teoricamente mais democrático, como
observaram Souza (2002) e Araújo (2005), o zoneamento, bem como os padrões urbanísticos e edilícios
atrelados às zonas estabelecidas, teve como resultado mais evidente, na prática, conduzir a certa
uniformização da paisagem urbana.
A disseminação da aplicação do zoneamento urbanístico como instrumento de regulação da
ocupação urbana também contribuiu para estabelecer as bases do modo de tratamento das questões
ambientais em áreas urbanas. Esta ferramenta do zoneamento não se restringiu às normativas urbanísticas,
sendo adotada na legislação de caráter ambiental desde a década de 1980, a partir do reconhecimento do
zoneamento ambiental como um dos instrumentos da Política Ambiental brasileira pela lei federal 6938/1981
(art. 9, inciso II, posteriormente regulamentado pelo decreto federal 4297/2002, que estabeleceu critérios
para a elaboração de zoneamento ecológico-econômico) 52.
A partir de então, conforme já havia sido observado em Schlee e Albernaz (2009), estabeleceram-se
competências concorrentes entre os órgãos responsáveis pela proteção ambiental e pelo desenvolvimento
urbano, em relação à atribuição da aplicação do zoneamento, com objetivos opostos: permitir e balisar, por
um lado, e restringir a ocupação, por outro. A prática do zoneamento urbanístico, muita mais antiga, teve que
absorver a lógica do zoneamento ambiental. Este processo adquire nuances e tensões particularmente
singulares nas áreas localizadas nas encostas do Rio de Janeiro, conforme será discutido no Capítulo 3. A

50O Rio de Janeiro se adiantou em relação às demais cidades do país. A partir da década de 1910, o zoneamento foi sendo
aperfeiçoado na cidade como principal elemento regulador da gestão do solo urbano através de sucessivos atos legais instituídos em
1914, 1918, 1924, 1925, 1935, 1937, 1970 e 1976..
51 O Rio de Janeiro se constitui em caso exemplar. Conforme ressaltaram Resende (1996) e Araújo (2005) não houve,

historicamente, uma correspondência direta entre as normas estabelecidas ao longo do tempo e os planos urbanísticos que foram
elaborados para a cidade em momentos distintos: Agache (1930), Doxiadis (1965) e PUB-RIO (1977), Plano Diretor Decenal (1992),
Plano Estratégico (1996) e o recentemente aprovado Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de
Janeiro, instituído pela Lei Complementar n.º 111/2011. Ambas as autoras atribuíram essa falta de conexão ao descompasso entre os
objetivos dos planos e os interesses imobiliários que sempre incidiram fortemente sobre a atuação pública.
52Na verdade, a primeira normativa a determinar a necessidade de definição de zoneamento ecológico–econômico foi a Resolução
CONAMA nº10, de 14/12/1988, dividiu as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), em Zonas de Vida Silvestre – ZVS, subdivididas em
Zonas de Preservação da Vida Silvestre – ZPVS e Zonas de Conservação da Vida Silvestre – ZCVS. Posteriormente, estabeleceu-se
na legislação ambiental uma outra categoria para as áreas passíveis de ocupação: as Zonas de Ocupação Controlada - ZOC.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 85
seguir, veremos em linhas gerais como se constitui o zoneamento nas demais cidades brasileiras, para efeito
de comparação:
No caso de Belo Horizonte, a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), Lei nº 7166/1996, a gradação
compreende zonas de adensamento restrito, de proteção e de preservação ambiental (a mais restritiva), na
qual é vedada a ocupação do solo, admitindo edificações destinadas exclusivamente aos serviços de apoio e
manutenção de unidades de conservação. Em São Paulo, o zoneamento urbanístico da cidade, estabelecido
no Plano Diretor Estratégico, Lei nº 13430/2002, criou a macrozona de proteção ambiental, que engloba as
unidades de conservação instituídas nas esferas federal, estadual e municipal, e as zonas especiais de
proteção ambiental, de produção agrícola e de extração mineral.
A legislação urbanística de Florianópolis (LUOS, Lei nº 001/1997) estabeleceu uma variação maior
de parcelas destinadas ao manejo da ocupação nas encostas da cidade, englobando Áreas de Preservação
de Mananciais; Áreas dos Parques e Reservas Naturais; Áreas de Proteção dos Parques e Reservas; Áreas
de Alteração do Solo (sujeitas a modificações topográficas em função da prospecção e extração de recursos
minerais); Áreas de Urbanização Específica (reguladas por normas resultantes de plano setorial de
urbanização aprovado pelo legislativo, visando solucionar problemas sociais, renovar espaços urbanos
degradados e direcionar ou restringir a urbanização) e as Áreas de Restrição Geotécnica.
Estratégia semelhante foi usada no zoneamento urbanístico de Vitória (Plano Diretor de Vitória, Lei
nº 6705/2006), que estabeleceu uma zona de ocupação restrita, abrangendo as áreas com predomínio do
uso residencial, com vias sem saída ou com grande declividade; uma zona de ocupação limitada, que
incluem as áreas com predomínio do uso residencial e infra-estrutura insuficiente; zonas de proteção
ambiental, subdivididas em áreas que apresentam atributos e fragilidades ambientais e sofrem pressão para
ocupação, passíveis de serem utilizadas para realização de eventos culturais e esportivos e atividades de
apoio ao turismo; áreas de preservação permanente, parques urbanos e espaços livres com vegetação
remanescente e as áreas com maior grau de proteção, correspondentes às unidades de conservação de
proteção integral. As legislações de Floranópolis e São Paulo definiram zonas específicas para exploração de
pedreiras, barreiras e saibreiras, mediante licenamento pelos órgãos municipais de planejamento e proteção
ambiental e apresentação dos planos de exploração e do projeto de recomposição paisagística.
Entre todas as cidades analisadas, o Rio de Janeiro é a que apresenta a situação mais complicada
do ponto de vista da aplicabilidade efetiva do zoneamento à gestão urbana e ambiental. Em primeiro lugar,
conforme já foi mencionado e como veremos em detalhe no Capítulo 3, por causa da defasagem entre a
legislação urbanística, cujo corpo principal data da década de 1970, não obstante seus avanços em relação à
proteção das florestas com a criação das reservas florestais, e a legislação ambiental, bastante atualizada
mas focada em temáticas setorizadas. Em segundo lugar, porque, devido ao corpo principal da legislação
não ter sido revisto nos últimos quarenta anos, outros instrumentos legais de carater urbanístico foram sendo
implemantados segmentadamente, seja por região, como nos Planos de Estruturação Urbana (PEUs), seja
por normas específicas.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


86 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
A separação entre as áreas de usos urbanos e as áreas de usos não urbanos transparece em todas
as normativas analisadas. Esta lógica aparenta ter orientado o planejamento do zoneamento em várias das
cidades estudadas. Em Florianópolis, por exemplo, a LUOS (Lei nº 001/1997) incluiu os espaços livres
públicos, denominados de áreas verdes, entre as áreas de usos urbanos e definidos como espaços urbanos
ao ar livre, de uso público ou privado, destinados à preservação da cobertura vegetal, à prática de atividades
de lazer e recreação ou à proteção ou ornamentação do sistema viário. As Áreas de Preservação
Permanente e as Áreas de Preservação de Uso Limitado foram incluídas entre as áreas de usos não
urbanos.
Podemos concluir que, apesar dos esforços realizados, a aplicação do zoneamento como
ferramenta, tanto urbanística quanto ambiental, com parâmetros e lógicas diferenciados, dificulta a
articulação entre a gestão urbanística e a gestão ambiental, baseada na segmentação conceitual e funcional
entre áreas urbanas e áreas consideradas não urbanas.

2.2.3. Parâmetros adotados nas legislações municipais analisadas

a. Quanto à restrição e ao controle da ocupação

De um modo geral, as legislações estabelecidas para regular a ocupação das encostas nas cidades
estudadas seguiram a lógica da limitação gradativa à ocupação em relação à altitude ou à inclinação das
encostas. No Rio de Janeiro e em Vitória, o parâmetro utilizado no zoneamento urbanístico para restrição da
ocupação das encostas e proteção das florestas foram as cotas altimétricas (cota 100m e 60m, no Rio, e
50m acima do nível do mar, em Vitória). No Rio de Janeiro, as áreas localizadas acima da cota 100m foram
declaradas Zonas de Reserva Florestal ainda na década de 1970, juntamente com outros dispositivos
incluídos na legislação para proporcionar uma gradação em termos de restrição à ocupação, conforme
veremos adiante. Em Vitória, as florestas e demais formas de vegetação nativa, situadas acima da cota 50m
foram declaradas Áreas de Preservação Permanente. Em Florianópolis, o parâmetro de cotas altimétricas,
aplicado até a década de 1990, foi substituído pela declividade na LUOS (Lei nº 001/1997), que estabeleceu
duas gradações de restrição vinculadas ao percentual de inclinação, declarando as áreas com declividade
acima de 25º como Áreas de Preservação Permanente. Também em São Paulo e Belo Horizonte, o critério
adotado foi a declividade. A legislação urbanística estabelecida nestas cidades, embora embasadas no
Código Ambiental e nas Resoluções CONAMA, definiram faixas intermediárias de gradação, além da
estabelecida na legislação federal, na tentativa de estabelecer uma restrição gradual à ocupação nas
encostas.
Com inspiração no índice estabelecido pelo Código Florestal (art.10º), a Lei de Usos e Ocupação do
Solo de Belo Horizonte proibiu o parcelamento do solo em terrenos naturais com declividade superior a 47%
(aproximadamente 25º) e vedou também o parcelamento em terrenos situados na zona de proteção
ambiental, em terrenos em que as condições geológicas não aconselham a edificação e em terrenos
contíguos a mananciais, cursos d'água, represas e demais recursos hídricos, sem a prévia manifestação dos

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 87
órgãos competentes. Houve inovação, também, ao se estabelecer outra faixa de gradação, para glebas com
declividade de 30% a 47% (aproximadamente 16º e 25º), onde a lei exigiu laudo geológico para comprovar a
viabilidade da construção. Além destes casos, foi exigido laudo geológico para licenciamento de
parcelamentos em áreas iguais ou superiores a 10.000 m2 ou com presença de cursos d'água, nascentes ou
vegetação arbórea. Em zonas de proteção de domínio particular ou nas glebas em que pelo menos 1/4 da
área apresente declividade de 30% a 47%, estabeleceu-se a obrigatoriedade do parcelamento vinculado, isto
é, aquele em que ocorre aprovação simultânea do parcelamento e da edificação.
Em Florianópolis, a LUOS (Lei nº 001/1997) criou as áreas de preservação de uso limitado,
correspondentes às áreas com declividades entre 30% e 46,6% (aproximadamente 16º e 25º), e as áreas
com declividade igual ou superior a 46,6% (25º) passaram a ser consideradas Áreas de Preservação
Permanente. O Plano Diretor de Vitória, Lei nº 6705/2006, também definiu uma gradação entre as zonas de
proteção, ao estabelecer zonas de proteção ambiental, zonas de ocupação limitada, zonas de ocupação
restrita e zonas de especial interesse social, fixando a cota 50 como limite à ocupação. As florestas e demais
formas de vegetação natural acima da cota 50 foram consideradas áreas de preservação permanente e foi
proibido o desmatamento em áreas com declividade entre 25º e 45º, conforme prescrito no Código Florestal.
Além destas limitações, o plano diretor proibiu o parcelamento do solo nas unidades de conservação,
definidas em legislação federal, estadual ou municipal; em áreas com condições geológicas e geotécnicas
adversas à ocupação e condicionou a ocupação em áreas com declividade superior a 30%
(aproximadamente 16º) à apresentação de estudo técnico com a comprovação da viabilidade de utilização da
área e o atendimento às exigências do órgão municipal competente.
Apesar da legislação urbanística de São Paulo adotar a declividade como parâmetro para regular a
ocupação das encostas, este critério, conforme destacado por Farah (2003), é utilizado apenas em relação
às declividades resultantes do parcelamento, não em relação à declividade original, permitindo-se
adaptações aos limites legais estabelecidos na legislação vigente através de cortes e aterros. A Lei n°
9413/1981 proibiu o parcelamento do solo em áreas protegidas ou naquelas onde as condições sanitárias
não permitem a ocupação (até a sua correção), em terrenos onde as condições geológicas não comportem
edificações e em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (16º). Quanto a esta última limitação,
como de praxe na legislação brasileira, ficaram ressalvados os casos em que sejam “atendidas exigências
específicas da legislação municipal”. Desde que atendidas estas exigências, a lei admite lotes com
declividade de até 45%. A única menção à restrição da ocupação em domínios montanhosos na lei municipal
nº 13885/2004, que regulamentou o parcelamento, o uso e a ocupação do solo em todo o município de São
Paulo, é pontual, limitando-se, no art. 57, a restringir obras viárias junto a Serra da Cantareira, de forma a
impedir a ocupação de suas encostas.
Outro ponto a destacar refere-se à questão dos cortes e aterros nas encostas. Apenas as
legislações urbanísticas do Rio de Janeiro e de Florianópolis exigem medidas de proteção, estabilização e
contenção de taludes em caso de cortes superiores a 3 m, vinculando sua aprovação à anuência do órgão
municipal competente. É sabido, no entanto, que uma das principais causas de deslizamentos nas encostas
CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO
88 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
vincula-se à execução imprópria de cortes e aterros. No Rio de Janeiro, conforme veremos em mais detalhe
no Capítulo 3, normativas datadas da década de 1990 prevêem consultas aos órgãos competentes para
implantação de parcelamentos e construções apenas em caso de cortes superiores a 3 m (Fundação GEO-
RIO) e movimento de material sólido superior a 5000m³ (Secretaria Municipal do Meio Ambiente).

b. Quanto à destinação de áreas a espaços livres vinculados à urbanização

No Rio de Janeiro, as únicas determinações relativas à destinação de áreas para espaços livres
foram estabelecidas no Regulamento de Parcelamento da Terra – RPT, instituído pelo Decreto E nº
3800/1970, e no Decreto nº 322/1976 (Arts. 52 e 53). O RPT tornou obrigatória a cessão ao Estado, em
glebas pertencentes ao mesmo proprietário com área total superior a 30.000,00 m², de 6% de sua área total
para praças, jardins ou outros espaços livres ou para serviços públicos, vedada a inclusão de áreas non
aedificandi neste percentual. Percentuais quanto à área livre mínima no lote foram estabelecidos no Decreto
322/1976, art. 91 e quadro VI, e variam de 30% a 50%, de acordo com a zona urbana e a região
administrativa em que o lote estiver inserido. Nos casos de grupamentos de edificações os percentuais
variam de acordo com o número de edificações por lote, entre 35% (2 edificações) a 65% (mais de 10
edificações).
A LUOS de Belo Horizonte (Lei nº 7166/1996), referendou o disposto na Lei nº 6766/1979, ao tornar
obrigatória a transferência ao município de, no mínimo, 35% da gleba, para instalação de equipamentos
urbanos e comunitários, sistema de circulação e espaços livres de uso público, reservando no mínimo 15%
da gleba a ser loteada a equipamentos urbanos e comunitários e a espaços livres de uso público. Pelo Plano
Diretor, estabelecido pela Lei nº 7.165/1996, estipulou-se a proporção mínima de 12m² de área verde por
habitante, distribuídos por administração regional, mas, na prática, esta diretriz nunca foi efetivamente
aplicada (STAEL COSTA e MARIETA MACIEL, comunicação pessoal 2010).
O Plano Diretor de Vitória, Lei nº 6705/2006, art. 189, também reservou 35% das glebas a áreas
públicas destinadas ao sistema de circulação, equipamentos urbanos e comunitários e aos espaços livres de
uso público. Deste percentual, 10% foram reservados para espaços livres de uso público e equipamentos
comunitários, devendo ser mantidos com a vegetação natural e apresentar declividade máxima de 15%.
Em São Paulo, a Lei municipal nº 9413/ 1981, através do art. 2º, destinou 20% da área total dos
loteamentos para vias de circulação de veículos, 15% para áreas verdes e 5% para áreas institucionais,
devendo 50% do percentual destinado a áreas verdes estar localizado estar localizado em um só perímetro
ou em parcelas com declividade inferior a 30% (16º). As áreas verdes públicas situadas em terrenos com
declividade superior a 60% ou sujeitos à erosão ficaram reservadas à preservação e ao reflorestamento. Na
zona rural leste e oeste de São Paulo, de acordo com a lei municipal nº 9300/1981, este percentual suplantou
o estabelecido pela legislação federal, perfazendo 50% da área total da gleba: 20% para sistema viário; 25%
para áreas verdes e 5% para áreas institucionais. Esta normativa exige ainda que 2/3 do porcentual exigido
para áreas verdes estejam localizados em um só perímetro. A lei municipal nº 13885/2004, que disciplinou o

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 89
parcelamento, o uso e a ocupação do solo no município de São Paulo, estendeu, no art. 205, a
obrigatoriedade de destinação de 25% da área total das glebas com área superior a 5.000 m2 para áreas
verdes e 5% para áreas institucionais, quando do desmembramento nas macro-áreas de uso sustentável e
de proteção integral.
Em Florianópolis, a LOUS (Lei nº 001/1997), garantiu em projetos de parcelamento do solo uma
superfície contínua mínima de domínio público municipal, destinada a espaços livres de lazer, equivalente a
2
2.000 m , permitidas apenas edificações necessárias aos serviços de conservação com taxa máxima de
ocupação de 5%. Apenas em Florianópolis, verificou-se a existência de algum dispositivo, ainda que
insuficiente, destinado a garantir a permanência de cobertura vegetal intra-lote nas áreas ocupadas. Segundo
a LOUS, Lei nº 001/1997, os espaços livres intra-lotes, definidos como afastamentos (frontais, laterais e de
fundos), devem ter cobertura vegetal em pelo menos 50% de sua área total, salvo quando necessários à
construção de muros de arrimo e de vedação dos terrenos, garagem, estacionamento, varandas ou
coberturas para abrigos de veículos com capacidade máxima para dois veículos. Em todos os outros
instrumentos legais analisados não foi encontrada menção à manutenção da cobertura vegetal intra-lote.
Grupamentos de edificações ou condomínios fechados vêm sendo adotados nas cidades analisadas como
estratégia para eximir o poder público de prover e manter os espaços livres públicos, transferindo esta
responsabilidade para a esfera privada e permitindo a implantação progressiva de loteamentos no tempo,
como veremos no capítulo seguinte.
Conforme observou Farah (2003), no caso de São Paulo, as declividades máximas e larguras
mínimas exigidas na legislação urbanística para vias carroçáveis acabam por induzir a execução extensiva
de cortes e aterros. Segundo o autor, nas vias principais, por exemplo, a legislação determina a adoção de
vias com largura excessiva e baixas declividades. As exigências de inclinação máxima de 18% em uma
extensão máxima de 50 m, larguras mínimas de 8 m e passeios de 0,6 m em vias carroçáveis e de 6m em
vias de pedestres estabelecidas na Lei nº 9413/1981 geraram a necessidade de grandes cortes e aterros
para sua implantação e criaram, às suas margens, lotes ortogonais às curvas de nível, desfavoráveis à
implantação de edificações convencionais, exigindo-se adaptações adicionais, com volumosos movimentos
de terra intra-lote.

Esta situação se agrava no Rio de Janeiro e em Florianópolis. No Rio de Janeiro, o Decreto E nº


3800/1970 determinou inclinação máxima de 15% nas vias carroçáveis, quadras com extensão máxima de
200 m, largura mínima de 12 m (6 m para caixas de rolamento) e passeios com largura mínima de 1,50m,
admitidas travessas de 6 m de largura e 3 m de caixa de rolamento, em uma extensão máxima de 50 m,
desde que não haja lotes com acesso ou testada exclusiva para tais travessas. Em áreas de topografia
acentuada (cujo parâmetro não foi definido, ficando o julgamento a critério do licenciador), admitiu-se
inclinação máxima de 25%, em trechos com extensão máxima de 50 m, intercalados a trechos com
inclinação de 15%, numa distância mínima de 40 m. Em Florianópolis, a LUOS (Lei nº 001/1997) determinou
caixa mínima de rolamento de 12 m de para vias locais, largura mínima de 2 m para os passeios e inclinação

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


90 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
máxima de 15% e recomenda a adequação do traçado das vias de acessos privativos à topografia do
terreno, com largura mínima de 6 m e inclinação máxima de 20%.
Em relação às faixas marginais de proteção de cursos d’água e fundos de vale, há uma grande
variedade nos parâmetros, que têm em comum uma maior permissividade em relação à norma estabelecida
pela legislação federal. No Rio de Janeiro, uma resolução conjunta SMAC/SMO/SMU, de 2007, estabeleceu
parâmetros gradativos para marcação das faixas non aedificandi baseado nas vazões dos rios e córregos
com recorrência de dez anos: para vazões até 6 m3/s, a FNA é igual à largura do curso d’água, acrescida de
faixa lateral de 1,50 m em ambos os lados; para vazões entre 6 m3/s e 10 m3/s, a FNA é igual à largura do
curso d’água, acrescida de faixa lateral de 5,25 m em ambos os lados e para vazões superiores 10 m3/s, a
FNA é igual à largura do curso d’água, acrescida de faixa lateral de 15 m em ambos os lados.
A LUOS de Florianópolis (Lei nº 001/1997) determinou 15 m para a faixa marginal de proteção de
rios, lagoas e reservatórios d’água contíguos aos leitos e espelhos d’água, vedados o parcelamento e a
implantação de vias de circulação de veículos, salvo as canalizadas, desde que as respectivas caixas de
rolamento fiquem afastadas do canal no mínimo 3 m. Na zona urbana demarcada em mapas anexos à lei, a
faixa reservada foi reduzida a 6 m. Em São Paulo, a Lei n° 9413/1981 reservou uma faixa non ædificandi de
15 metros ao longo de cada uma das margens dos cursos d’água e fundos de vale quando da implantação
de parques lineares.

2.3. Síntese crítica e considerações intermediárias

O Quadro Síntese 1 − Contextualização da ocupação nas encostas em cidades brasileiras − buscou


sintetizar as análises realizadas nas cidades analisadas a fim de oferecer uma base contextual para os
estudos de caso analisados no Rio de Janeiro. Procura também oferecer parâmetros de comparação das
situações de ocupação e das formas de regulação disponíveis, descritas em detalhe anteriormente.
O quadro explicita as características da ocupação das encostas nas cidades litorâneas e nas
cidades localizadas no interior do Brasil. A ocupação ao longo dos maciços e serras não é contínua nem
apresenta um padrão de segregação social por região. Núcleos de ocupação formal e informal apresentam
relação de contigüidade espacial que varia em função do nível da valorização do solo nas encostas das
respectivas cidades, e entremeiam-se à vegetação arbórea remanescente. De modo geral a densidade em
ambas as formas de ocupação rarefaz-se à medida que a topografia se torna mais acentuada.
Nas cidades litorâneas os fundos de vale e as principais linhas de drenagem natural (rios, riachos e
córregos) atuam como indutores primordiais da ocupação, ao longo dos quais se estabelecem os primeiros
eixos de penetração e ligação entre as diferentes áreas das cidades. Nas cidades localizadas no interior, em
locais onde a amplitude do relevo não é tão significativa, estes eixos tendem a instalar-se inicialmente sobre
os divisores e linhas de cumeada, espraindo-se posteriormente em direção a jusante.
Com relação à legislação, as premissas que orientaram as iniciativas de regulação da ocupação e
proteção das encostas nas cidades estudadas ainda relacionam-se fortemente a uma visão de planejamento

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 91
permeada pela ótica funcionalista, fragmentada e dualista. De modo geral, apesar avanços obtidos, critérios,
dispositivos e parâmetros para sua proteção ou são insuficientes, ou poderiam ser aplicados de forma mais
articulada. Além disso, a tolerância em relação à ilegalidade e as anistias periódicas para legalização de
situações a rigor não legalizáveis, somadas ao caráter discricionário atribuído aos órgãos de licenciamento
comprometem os esforços de regulação e controle, evidenciando o conflito de interesses entre a proteção
das encostas e a sistemática disposição do poder público em viabilizar sua ocupação.
A legislação aplicada às encostas gerou respostas espaciais diferenciadas, potencializadas pelos
investimentos municipais historicamente orientados ao sabor dos interesses do mercado, contribuindo para a
valorização imobiliária em certos casos e refletindo a preocupação com a desvalorização em outros. Ambas
as situações acabaram por levar ao aumento do grau de pressão urbana nas bordas das encostas.
A influência do componente geológico ou natural na vulnerabilidade das encostas a deslizamentos
varia muito, embora seja consenso que as intervenções antrópicas53, através da supressão da cobertura
vegetal, cortes e aterros, despejo de lixo e alteração das linhas de drenagem natural potencializam esta
instabilidade, fazendo com que, nas áreas ocupadas, a suscetibilidade a estes processos se transforme em
risco potencial com ocorrência de vítimas fatais. Apesar dos avanços e esforços, a legislação nas cidades
estudadas, ainda não oferece um arcabouço normativo adequado para modificar este quadro.

Nas legislações dos municípios estudados, o parâmetro declividade das encostas vem substituindo
o parâmetro da cota altimétrica na limitação ou restrição de parcelamentos. Entretanto, a simples substituição
de um parâmetro pelo outro implica na necessidade de avaliações caso a caso54. De modo geral, observa-se
que, em sua maioria, as normativas tendem a replicar parâmetros estabelecidos em outras cidades ou os
instituídos nas normativas federais (Lei nº 4771/1965, Lei nº 6766/1979 e Resoluções CONAMA),
restringindo-se a indicar a necessidade da avaliação dos órgãos responsáveis pela estabilização das
encostas. Por outro lado, verifica-se uma tendência preocupante ao gradativo relaxamento das normativas
urbanísticas anteriores, amparada na premissa da simples existência de unidades de conservação instituídas
pelas diversas instâncias governamentais. O mesmo aconteceu recentemente com o novo Código Florestal.
Não há menção à necessidade de manutenção das linhas de drenagem natural ou à proibição de
supressão da vegetação em nenhuma das normativas municipais estudadas nem à correlação entre a
declividade e a forma das encostas55 (quanto à concavidade, convexidade, convergência ou divergência de

53 Segundo Schäffer et AL (2011), os deslizamentos ocorridos na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro em 2011, por
exemplo, foram fortemente potencializadas pela ocupação antrópica. Tanto nas regiões urbanas, quanto nas rurais, as áreas mais
severamente atingidas pelos efeitos das chuvas foram: 1. Margens de rios, córregos e nascentes, definidas pelo Código Florestal
como Áreas de Preservação Permanente – APPs; 2. Domínios montanhosos com declividade acima de 25º; 3. Áreas na base dos
morros, montanhas ou serras; 4. Áreas localizadas nos fundos de vale, em especial junto a curvas, obstruções e desvios dos cursos
d’água.
54 A declividade de uma encosta possui estreita associação com processos de escorregamento, deslizamento e erosão. Entretanto, a

superfície das encostas apresenta grande variabilidade quanto à declividade, mesmo em curtas distâncias horizontais (Valeriano,
2008: 8) Um mesmo perfil de encosta pode apresentar áreas com diferentes declividades e podem estar dispostas de forma não
homogênea no território, exigindo uma definição metodológica para sua agregação. Do contrário, sua demarcação só poderia ser
feita na escala do lote.
55 Segundo Ruhe (1975:99), a forma das encostas é determinada pela associação de três componentes geométricos: a declividade, a
CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO
92 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
fluxos) ou à extensão da encosta, conforme demonstra a literatura científica desde a década de 1970 (RUHE,
1975:99-102) e vem sendo objeto de pesquisas experimentais no Rio de Janeiro, com foco no Maciço da
Tijuca desde a década de 1990 (AVELAR, 1996 e 2003; AVELAR e LACERDA, 1997); LACERDA 1997 e
COELHO NETTO 2005 e 2007a).
A associação da ocorrência de deslizamentos com a supressão da vegetação nativa e com a
execução de cortes, aterros, escavações e fugas d’água (vazamentos nas redes de abastecimento e
drenagem) para implantação de estradas e edificações, demonstrada por Amaral (1996) e por Coelho Netto
(2005 e 2007), também não encontra medidas e dispositivos adequados na legislação para sua mitigação ou
resolução. Como demonstram os estudos do Laboratório GEOHECO-UFRJ (GEOHECO-UFRJ/SMAC-RJ,
2000), as políticas de proteção ambiental implementadas a partir de meados da década de 1980 ainda não
foram suficientes para ajustar as difíceis relações entre a cidade e a Floresta Atlântica nas encostas dos
maciços, em especial do Maciço da Tijuca56.
Além da supressão da vegetação, os vazamentos constantes nas redes de abastecimento que
atravessam as encostas e as falhas na execução das redes de drenagem implantadas pelo poder público,
bem como a redes informais de abastecimento de água implantadas pelas associações ou pelos próprios
moradores, compostas por um emaranhado de mangueiras de plástico com vazamentos permanentes, ou
ainda o despejo direto de efluentes sanitários nas encostas, ocasionam a infiltração pontual e direcionada,
gerando a concentração de fluxos subterrâneos e a saturação do solo, contribuindo para a desestabilização
das encostas. Além disso, os cortes e aterros indiscriminados; o despejo de lixo e entulho, que armazenam
grande quantidade de água nos eventos de chuva, com o aumento de carga sobre as encostas; e a
supressão da vegetação arbórea ou sua substituição por bananeiras e gramíneas, potencializam a
instabilidade e a ocorrência de deslizamentos. Da mesma forma que as normativas relativas à execução de
cortes, aterros e redes de abastecimento, esgotamento e drenagem nas encostas são insuficientes, a
atenção para com a fiscalização é extremamente falha, e estes “pequenos detalhes” passam despercebidos
pelo poder público.
Em relação aos espaços livres com caráter de urbanização, a legislação também é bastante falha. A
constituição, localização e distribuição destes nas encostas são praticamente desconsideradas na legislação.
As diretrizes adotadas na prática urbanística, de modo geral, seguem em direção à perpetuação da ordem
constituída, com uma cisão explícita entre os espaços edificados, mais valorizados, e os espaços livres,

curvatura vertical e a curvatura horizontal e interfere diretamente nos processos de dispersão, convergência e escoamento de fluxos
e matéria orgânica. A curvatura vertical expressa a forma da encosta quando observada em perfil, que pode assumir uma silhueta
côncava, convexa ou retilínea. A curvatura vertical relaciona-se aos processos de acúmulo e migração de fluxos por gravidade
(VALERIANO, 2008: 15). A curvatura horizontal, por sua vez, expressa a forma da encosta em projeção horizontal e relaciona-se à
disseminação ou convergência de linhas de fluxo, indicando divisores e anfiteatros, respectivamente. As classes de curvaturas
verticais (côncavas, retilíneas ou convexas) e de curvaturas horizontais (convergente, planar ou divergente indicam a forma da
encosta (VALERIANO, 2008: 20).
56 Com base em fotos aéreas de 1972, 1984 e 1996, e suas atualizações, reconhecimentos de campo e mapeamentos a partir da
cota 40m em escala 1:10.000, Coelho Netto indicou que a cobertura vegetal nativa do Maciço da Tijuca vem sofrendo uma contínua
retração nas últimas décadas, não obstante a existência de instrumentos legais para a proteção das formações vegetais
remanescentes da Mata Atlântica. Fernandes e Coelho Netto (1999) indicaram como as principais causas da devastação florestal o
avanço da ocupação humana sobre as encostas, especialmente em áreas mais íngremes.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 93
considerados como resíduo remanescente. Quanto à ocupação em assentamentos informais, as normativas
estabelecidas, como é o caso do Rio de Janeiro, são poucas e, de modo geral, muito insipientes.
Com relação à restrição à ocupação, estudos experimentais (AVELAR, 1996; LACERDA, 1997;
AVELAR, 2003; COELHO NETTO, 2005 e 2007a) tem indicado que os fatores que exercem maior influência
na manutenção da dinâmica ecológica e, conseqüentemente, na garantia de estabilidade do solo em
domínios montanhosos são a manutenção da cobertura vegetal nativa, a declividade, a forma da encosta
(dada pela associação entre a curvatura vertical e a curvatura horizontal), a área de contribuição e dispersão
imediata de fluxos, o comprimento e a orientação da encosta. Conforme demonstrado pela análise realizada
nos instrumentos normativos, apenas o parâmetro declividade foi incorporado na limitação ou restrição da
ocupação urbana, ainda que de maneira insuficiente, nas legislações dos municípios estudados.
Estudos realizados no ambiente do Maciço da Tijuca indicam que neste domínio montanhoso
prevalecem movimentos de massa do tipo translacional, rastejo e fluxos de detritos. Movimentos
translacionais ocorrem preferencialmente nas encostas convexo-retilíneas com declividades superiores a 35º,
enquanto os demais tendem a ocorrer nas encostas côncavas ou em fundos de vales sob declives menores,
principalmente entre 15º e 20º (AVELAR, 1996; LACERDA, 1997; AVELAR, 2003; COELHO NETTO, 2005).
De acordo com Coelho Netto (2005: 52), os movimentos de massa rápidos, tipo translacional ou fluxos de
detritos, podem alimentar a formação de extensas avalanches, ricas em blocos, as quais podem se espraiar
nas baixadas adjacentes ao maciço, como aconteceu no Soberbo57, em 1966 e 1988, e em Jacarepaguá, em
1996. Estes movimentos tendem a concentrar-se, segundo Amaral (1996) ao longo dos canais de drenagem,
isto é, em regiões com feição côncava.
Vale ressaltar ainda que as escarpas rochosas do Rio de Janeiro funcionam como zonas de recarga
d’água em profundidade no solo (COELHO NETTO, 1985). As encostas no sopé dessas escarpas recebem
uma carga de água subsuperficial maior do que as encostas fora de sua influência. Na ausência das funções
florestais que regulem a estabilização dos solos e blocos rochosos, essas encostas tornam-se mais
vulneráveis à ocorrência de deslizamentos. Oferecem, portanto, um risco maior à população residente a
jusante, nas encostas ou nas baixadas adjacentes.
Ao estudar os mecanismos de iniciação e propagação de fluxos de detritos na encosta do Soberbo,
no Maciço da Tijuca, a partir de modelagens experimentais realizadas com ensaios triaxiais de choque,
Avelar (2003: 196, 244 e 245) demonstrou que inclinação de 15º parece ser o limite mínimo, antes do qual
não há iniciação de movimentos de massa58. Avelar indicou ainda que a inclinação de 17,5º foi a mais efetiva
na formação de fluxo de detritos, que prevaleceram nas simulações de encostas com declividade entre 15º e

57 As chuvas de 1966 afetaram severamente a região do Soberbo, à montante do recorte espacial em estudo, localizado no bairro do
Itanhangá, gerando seguidos eventos de avalanches de lama que causaram o represamento do Rio Cachoeira, elevando seu curso
d’água em cerca de 8 a 10m. Vítimas fatais, destruição parcial das estradas do Soberbo e de Furnas e a completa devastação da
Fábrica da Companhia Franco Brasileira de Papéis, na época, localizada às suas margens foram as conseqüências (AVELAR, 1996).
58 O termo movimento de massa se refere ao deslocamento dos materiais que compõem as encostas sob a influência de forças

gravitacionais e também de fluxos d’água subsuperficiais (AVELAR, 2003).

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


94 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
20º. Em inclinações entre 20 e 30º, os deslizamentos tendem a se iniciar predominantemente a partir de
movimentos do tipo rastejo (creep), além de sobressaírem também deslizamentos translacionais.
Na presente pesquisa, com base nos estudos experimentais realizados no Maciço da Tijuca, já
citados, utilizou-se como ponto de base da encosta a cota altimétrica a partir da qual ocorre a maior
incidência de áreas com declividade igual a 15º ou aproximadamente 25%. Estabelecer o plano de base é de
vital importância, por exemplo, para a demarcação das Áreas de Preservação Permanente, uma vez que as
indicações estabelecidas na legislação federal deixam margem a dúvidas. Conforme indicaram as fontes
citadas, as áreas côncavas com declividade entre 15º a 25º e as áreas côncavas e convexas com declividade
acima de 35º deveriam ser consideradas áreas críticas à ocupação. Estes parâmetros, somados aos
parâmetros estabelecidos pela legislação federal, foram adotados nas análises elaboradas nos três recortes
espaciais localizados no Maciço da Tijuca, registradas no Capítulo 4.

CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 95
CAPITULO 3

Processos de ocupação e a influência da legislação nas encostas do Rio de Janeiro

A situação atual das encostas e dos rios no Rio de Janeiro reflete o processo de produção e
reprodução da paisagem da cidade levado a cabo ao longo de sua história. Seu crescimento urbano produziu
paisagens bastante desiguais em conseqüência da orientação econômica, política e cultural que regem a
vida na cidade. Apesar das evidentes desigualdades, os padrões espaciais de ocupação tendem a
apresentar algumas semelhanças independentemente dos estratos sociais aos quais estão relacionados.
Identificar estas semelhanças e investigar especificidades são os objetivos desse capítulo.

Como argumentado por Silva e Tângari (2003), estudar como a nossa sociedade tem gerado seus
espaços é fundamental para compreendê-la e, a partir daí, tentar planejar sua organização e
desenvolvimento. Neste sentido, o presente capítulo busca entender a lógica da ocupação formal e informal
nas encostas da cidade do Rio de Janeiro e analisar relações de causalidade e os processos de
transformação, correlacionando-os com os padrões espaciais encontrados.

3.1. O suporte geo-bio-físico, a estrutura e a intensidade da ocupação

A paisagem da cidade do Rio de Janeiro é marcada por uma morfologia montanhosa envolvida por
planícies fluviais e marinhas, onde se destacam os maciços da Tijuca, da Pedra Branca e Gericinó-
Mendanha. Estes maciços são atravessados por uma rede bastante ramificada de canais fluviais, com um
padrão do tipo radial, e ainda apresentam percentual significativo de cobertura vegetal remanescente da
Mata Atlântica, em estágios sucessionais diversificados (florestas em estágio avançado de regeneração,
florestas secundárias e formações vegetais pioneiras), gramíneas e imponentes escarpas rochosas. As
bacias que drenam o Maciço da Tijuca convergem seus fluxos líquidos, sólidos e solúveis tanto para a Baía
da Guanabara como para as lagoas e praias da baixada de Jacarepaguá, ou para a Lagoa Rodrigo de
Freitas e praias da zona Sul. O Maciço da Pedra Branca, por sua vez, é drenado tanto para as lagoas e
praias da baixada de Jacarepaguá, como para a baía de Sepetiba, enquanto a parcela carioca do Maciço do
Mendanha drena seus fluxos para a baía de Sepetiba e para a baía da Guanabara (Coelho Netto 2007:3).
Evidências de depósitos provenientes de deslizamentos datados do período Quaternário demonstram que
fenômenos de deslizamentos são característicos do domínio montanhoso no qual se insere a cidade do Rio
de Janeiro, como indicado por Meis (1968) e Coelho Netto (1985) (Mapa. 3 e Figura 33).

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 97
Fig. 33 a, b e c. Perfil longitudinal leste-oeste e transversais norte-sul dos maciços costeiros do Rio de Janeiro.
Fonte: Presente pesquisa a partir de base cadastral IPP/Armazem de Dados

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 101
O Mapa 3 e os perfis mostram, como sugere o croquis esquemático da geomorfologia regional
apresentado no capítulo 2, que o relevo das vertentes ao norte dos maciços apresenta gradação mais suave
do que nas vertentes voltadas para o sul da cidade. Os três maciços unem-se na região norte através de uma
espécie de plataforma comum, representada no Mapa 3 a partir da cota 20m. Notar também a suavização
ainda mais pronunciada na vertente norte do Maciço da Pedra Branca.

A estrutura da paisagem nas encostas cariocas é formada atualmente por um denso sistema de
espaços livres com caráter ambiental formado pelas florestas e pela dispersão de núcleos urbanizados
formais, assentamentos informais e manchas de gramíneas, via de regra, em situação de contigüidade entre
si, interligados pelos eixos viários que atravessam ou circundam os maciços. O padrão polinuclear da
ocupação mescla ilhas de urbanização rarefeita nas áreas formais e enclaves de maior densidade nas
favelas e espraia-se ao longo das bordas dos maciços e serras no prolongamento da malha urbana e ao
longo das vias de ligação que os atravessam, envolvidos e entremeados pelas florestas.

Os principais vetores de crescimento da cidade desenvolveram-se longitudinalmente, partindo da


área central, situada no extremo leste da cidade, em direção a noroeste e a sudoeste, gerando uma mancha
urbana descontínua, entrecortada pelos maciços costeiros, serras e morros isolados e costões rochosos.
Dois macro vetores orientaram inicialmente a expansão segregada da cidade no sentido longitudinal, partindo
da área central, localizada a leste junto à Baia da Guanabara em direção a oeste. Ao sul, junto à orla
marítima se localizaram as camadas abastadas e ao norte, os pobres (Mapas 4 e 5). A ocupação urbana do
Rio de Janeiro se estruturou a partir destes principais vetores de crescimento na trilha dos bondes, trens e
grandes eixos rodoviários. Destacam-se nos mapas 4 e 5 as principais vias de ligação que contornam,
atravessam e unem os maciços da Tijuca, Pedra Branca e Gericinó-Mendanha. A mancha da ocupação nas
encostas, tanto de caráter urbano quanto de caráter agrícola, também seguiu o trajeto das vias de ligação
que atravessam os maciços.

Ao analisar o processo de dispersão da urbanização em curso no Brasil, Reis Filho (2006) observou
o esgarçamento do tecido nas áreas periféricas às manchas urbanas consolidadas, onde novos núcleos
isolados em meio aos espaços livres formam constelações que se assemelham a uma nebulosa sobre o
território. Este padrão de constelação sobre o território também pode ser aplicado à ocupação urbana das
encostas cariocas (Mapa 6).

A ocupação no Maciço da Tijuca difere bastante dos outros dois maciços (Pedra Branca e Gericinó-
Mendanha) em termos de composição. No Maciço da Tijuca predomina majoritariamente a ocupação urbana,
enquanto nos outros dois maciços ainda prevalece a ocupação agrícola. No Maciço da Tijuca, os esparsos
núcleos de ocupação agrícola remanescentes localizam-se em sua vertente oeste. A ocupação urbana formal
predomina sobre a ocupação informal, tanto nas encostas da cidade quanto no Maciço da Tijuca, foco deste
estudo.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


102 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
A cidade do Rio de Janeiro ocupa uma superfície de 122.456 ha, e possuía em 2000 uma população
de 5.857.904 habitantes, distribuída em 1.838.030 domicílios, com densidade média bruta de 48
habitantes/ha, atingindo em dez anos, 6.323.037 habitantes, com densidade média bruta de 53 habitantes/ha
(Censo IBGE 2010). As densidades brutas nas Áreas de Planejamento (APs) 2 e 459 onde estão inseridas as
áreas de estudo apresentam 99 habitantes/ha e 23 habitantes/ha, respectivamente, conforme Tabela 1. A
Área de Planejamento 4 ainda é a região menos adensada da cidade. Os limites administrativos das Áreas
de Planejamento (APs) não são coincidentes com os limites das bacias ou das sub-bacias hidrográficas,
contribuindo para dificultar a articulação entre a gestão urbanística e a gestão ambiental, conforme
demonstra o Mapa 7. Os recortes espaciais analisados situam-se nas APs 2 e 4, que correspondem às
regiões mais valorizadas da cidade para a ocupação residencial.

Tabela 1: Cidade: População, área territorial e densidade bruta em 2000

Fonte: Tabela 485 - População residente, área territorial e densidade bruta por Áreas de Planejamento, Instituto Municipal de
Urbanismo Pereira Passos - IPP/Armazém de Dados

Densidade bruta
Áreas de Planejamento População % Área (ha)
(hab/ ha)

Cidade 5 857 904 100 122 456,08 48


Área de Planejamento 1 268 280 5 3 439,52 80
Área de Planejamento 2 997 478 17 10 043,37 99
Área de Planejamento 3 2 353 590 40 20 349,14 116
Área de Planejamento 4 682 051 12 29 378,34 23
Área de Planejamento 5 1 556 505 27 59 245,71 26

Em relação à ocupação de encostas, atualmente 22% da área territorial total da cidade situa-se
acima da cota 100, que representa “teoricamente” o marco-limite legal da ocupação urbana nas encostas da
cidade, instituído a partir de 1970. Este percentual varia bastante em relação às Áreas de Planejamento,
atingindo cerca de 51% na AP2 e 34% na AP 4, onde se inserem os recortes espaciais estudados, conforme
Tabela 2. As demais regiões da cidade − AP 3, AP 1 e AP 5 − apresentam, respectivamente, menores
percentuais de áreas situadas acima da cota 100m, variando de 5% a 18%.

59 As Áreas de Planejamento foram estabelecidas no Plano Urbanístico do Rio de Janeiro - PUB-RIO, plano de diretrizes elaborado
em 1977, que tinha como foco a organização do processo de planejamento e de gestão do território, e dos instrumentos legais e
financeiros.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 109
Tabela 2: Cidade: Área territorial acima da cota 100m por Área de Planejamento (AP)

Fonte: presente estudo, modificada a partir da Tabela 515, área territorial acima cota 100m, Instituto Municipal de Urbanismo
Pereira Passos - IPP/Armazem de Dados e Secretaria Municipal de Urbanismo
Áreas de Planejamento Área (ha) Área cota 100m (ha)

Total %
Cidade 122 456,08 27 368,88 22,35
Área de Planejamento 1 3 439,52 463,97 13,49
Área de Planejamento 2 10 043,37 5 174,37 51,52
Área de Planejamento 3 20 349,14 1 128,03 5,54
Área de Planejamento 4 29 378,34 9 975,44 33,96
Área de Planejamento 5 59 245,71 10 627,07 17,94

Tanto a AP2 como na AP4 não se configuram como áreas especialmente populosas ou entre as
mais densas da cidade, mas nelas se situam alguns de seus bairros mais valorizados. Os preços de venda e
aluguel no setor imobiliário na cidade como um todo aumentaram cerca de 104% para venda e cerca de 62%
para aluguel de imóveis, entre janeiro de 2008 e janeiro de 2011, segundo o Índice Nacional de Preços do
Setor Imobiliário, calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE em associação com o
portal de classificados ZAP Imóveis (http://www.zap.com.br/imoveis/fipe-zap). Esta valorização também
aconteceu nos bairros localizados nas encostas da cidade.

As relações de exclusão versus inclusão e valorização versus desvalorização acontecem tanto entre
as áreas formais e as favelas como nestas últimas, internamente. Tanto umas como as outras possuem
lugares mais valorizados e outros menos. Como argumentou Valladares (2005), as favelas são, em média,
áreas mais pobres, mas não o são uniformemente, congregando uma estrutura social diversificada, fruto de
processos de mobilidade social, de aceitação da ilegalidade e de segregação espacial que fazem parte da
dinâmica de desenvolvimento da cidade.

Abramo (2002:2-4) verificou algumas convergências e singularidades entre o mercado formal e


informal de compra e venda de imóveis residenciais na cidade do Rio de Janeiro, em estudo realizado entre
2001 e 2002, apontando uma tendência, tanto em um como em outro segmento, de permanência nas
proximidades da moradia antiga. Os bairros de Ipanema, Itanhangá, Copacabana e Barra da Tijuca foram
aqueles que atraíram compradores com maior renda familiar. O Itanhangá foi o único bairro localizado no
domínio montanhoso entre as destinações procuradas pelos estratos sociais mais altos, o que explica a forte
pressão imobiliária exercida sobre suas encostas. O autor observou que os preços dos imóveis nas favelas
não guardavam proporção com os preços dos imóveis regularizados nos bairros próximos, apontando a
existência de regras específicas para formação de preços em um e outro mercado e a influência do
Programa Favela-Bairro na valorização do mercado imobiliário nas favelas.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 113
A dinâmica populacional da cidade demonstra tendência à estabilização quanto à taxa de
crescimento da população em geral, mantida em torno de 7% nas últimas três décadas. Em contrapartida, a
população nas favelas aumentou de 16% em 1991 para 19% em 2000, atingindo 22% em 2010, conforme a
Tabela 3.

Tabela 3. Cidade: Dinâmica populacional


Fonte: presente estudo, modificada a partir de dados do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos - IPP/Armazem de Dados,
dos anuários estatísticos de 1993 e 1998 e do Censo IBGE 2010
% Dinâmica % Dinâmica % Dinâmica %
2010 em 2000-2010 2000 em 1991-2000 1991 em 1980-1991 1980 em
2010 (%) 2000 (%) 1991 (%) 1980
Cidade 6.323.037 100 7 5.857.879 100 6 5.480.768 100 7 5.090.723 100
Favelas 1.393.314 22 1.092.958 19 19 882.483 16

Do total de 1021 favelas na cidade contabilizadas em 2010, 202 favelas, que equivalem a 35% do
total, localizam-se em encostas e têm toda ou parte da sua área territorial localizada acima da cota 60m,
conforme Tabela 4. Na AP 2, principalmente, e na AP 1 predominam favelas em encostas. Cerca de 80% e
60%, respectivamente, das favelas nestas áreas de planejamento localizam-se em encostas acima da cota
60. Na AP 4 as favelas em encostas correspondem a a 33% do total de favelas.

Tabela 4. Cidade: Favelas acima da cota 60m


Fonte: Presente estudo, elaborada a partir da revisão da Tabela 2642 elaborada em 2010, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira
Passos - IPP/ DIG - Gerência de Cartografia, Levantamento aerofotogramétrico 1999, 2004, imagem de satélite 2008 e SABREN -
Sistema de Assentamentos de Baixa Renda
Áreas de Planejamento Área favelas total (ha) Área favelas Nº de favelas %
acima cota 60m acima cota 60m
(ha)
Cidade 4686,56 1621,48 202 35
Área Planejamento 1 241,47 145,67 24 60
Área Planejamento 2 422,21 335,04 32 79
Área Planejamento 3 1842,69 908,86 107 49
Área Planejamento 4 703,76 231,91 39 33
Área Planejamento 5 1476,44 429,44 71 29

3.2. Configuração, composição e disseminação da ocupação no Rio de Janeiro

3.2.1. Nucleação, polarização social e segregação espacial

Conforme mencionado no Capítulo 2 e inferido a partir das análises elaboradas no Capítulo 4, o


surgimento da ocupação urbana, tanto nas áreas formais quanto nas favelas do Rio de Janeiro acontece
através de um processo de nucleação (formação de núcleos ou pólos). Estes núcleos são formados a partir
das ruas e caminhos que penetram a área montanhosa no sentido inverso ao caminho das águas no

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


114 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
prolongamento da malha urbana. A diferença fundamental reside no processo de formação destes núcleos.
Os núcleos formalmente ocupados são gerados de forma descontínua e gradativa a partir dos
parcelamentos: o arruamento e a infraestrutura são implantados e os lotes são demarcados, escolhidos,
comprados e ocupados de acordo com a conveniência e as possibilidades de cada proprietário,
assemelhando-se a um processo de urdidura de uma colcha de retalhos. Os núcleos favelizados, como
sugeriu Drummond (1981), são originados de forma radial, a partir de um marco de referência junto a uma via
de acesso (edificação, conjunto de edificações ou ponto de água existentes, sob ou entremeados à
vegetação arbórea remanescente), e tentacular, a partir dos caminhos que desempenham o papel de vetores
de crescimento60, fazendo lembrar a forma de uma mancha de óleo.
A ocupação urbana nas encostas da cidade do Rio de Janeiro se desenvolveu em manchas
descontínuas e se estrutura de forma simultaneamente tentacular, ao longo dos eixos principais de
penetração situados nos fundos de vale, e polinuclear, uma vez que a partir destes eixos, surgiram núcleos
de ocupação, inicialmente dispersos. Ao longo do desenvolvimento da cidade, a valorização imobiliária da
zona sul, ao longo da orla marítima, induziu à abertura de ligações viárias sobre os maciços, de modo a
facilitar a mobilidade no sentido transversal, em direção à orla, e a criar, no caminho, novas áreas atraentes
para o mercado imobiliário. Tanto os núcleos formais quanto os informais situaram-se a princípio junto aos
fundos de vale (Figuras 34 a 37).

Fig. 34. Relação entre o suporte geo-


biofísico e os padrões de ocupação na
cidade do Rio de Janeiro.

Perfil montanhoso da ocupação do


Maciço da Tijuca, nas encostas de Santa
Teresa voltadas para o bairro da Glória,
próximo à área central da cidade. Notar
a relação entre as favelas Tavares
Bastos e Santo Amaro, à esquerda, e a
ocupação do bairro de Santa Teresa, à
direita, onde os eixos de penetração ora
seguem linearmente ao longo do fundo
de um vale ora se desenvolvem
sinuosamente à meia-encosta, em
zigue-zague.

Foto: Rogério Cardeman, 2008

60Referindo-se especificamente ao processo de formação da Rocinha como um todo, Drummond (1981), conforme veremos no
Capítulo 4, indicou o cruzamento dos processos radial, a partir do sopé, e linear, a partir dos eixos de penetração dos loteamentos
não legalizados nesta comunidade.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 115
Fig. 35. Perfil montanhoso do Maciço da
Tijuca, no Rio de Janeiro, na vertente
voltada para a zona sul. Relação de
continuidade entre núcleos de ocupação
formal e informal, entremeados à
cobertura vegetal arbórea, escarpas e
afloramentos rochosos. Notar o eixo de
verticalização ao longo dos fundos de
vale no Jardim Botânico, na Gávea e nas
encostas do Leblon, e a dominância da
floresta nativa protegida pelo Parque
Nacional da Tijuca à direita.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 36. Perfil montanhoso do Maciço da


Tijuca, no Rio de Janeiro, na vertente
voltada para a zona norte. Em primeiro
plano, o trajeto da Linha Amarela, que
liga a Linha Vermelha e a Avenida Brasil,
a diversos bairros da zona norte e à
Barra da Tijuca. Observar ocorrência de
desmatamento e cicatriz de pedreira
desativada.

Foto: Rogério Akamine, 2008.

Fig. 37. Perfil montanhoso do Maciço da


Pedra Branca, na vertente voltada para
a restinga da Marambaia, na zona oeste
da cidade do Rio de Janeiro.

Foto: Denis Cossia, 2008.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


116 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Nos núcleos de ocupação formal, à medida que a topografia se torna mais acentuada, se verifica
uma redução gradativa de densidade e gabarito em relação à ocupação das áreas planas e o predomínio do
uso residencial. A ocupação agrícola e ocupação a vinculada à extração mineral também mantém um padrão
polinuclear e ainda mais disperso, que tem sido gradativamente afastado das áreas mais valorizadas. Nos
núcleos de ocupação informal, o maior adensamento se dá ao longo das vias de acesso e principais eixos de
ligação internos, ao longo dos quais se verifica também uma maior diversidade de usos. Esta característica
reproduz, empiricamente, a conformação da cidade plana, onde a diversificação de usos e a maior
intensidade de verticalização se dá ao longo dos principais eixos viários.

Os processos que deram origem à ocupação das encostas cariocas, os esforços de proteção das
florestas e a influência exercida pela legislação a partir do século XIX orientaram a formação da estrutura da
paisagem nas áreas montanhosas da cidade, caracterizada pela polarização, tanto em termos físicos, entre o
suporte geo-biofísico e o suporte construído, como em termos sociais, expressa através de uma tendência à
segregação espacial entre os três tipos de tecido: a matriz floresta e os territórios ocupados, formal e
informalmente.

Com enfoque direcionado ao suporte construído, Flavio Villaça (1998, p. 141-142) considera a
segregação espacial urbana como uma tendência de organização espacial inerente à estrutura intraurbana
brasileira, segundo a qual “diferentes camadas sociais ou funções urbanas tendem a se concentrar”
espacialmente. O autor frisou, no entanto, que “a segregação não impede a presença, nem o crescimento de
outras classes no mesmo espaço”. A complexa estruturação urbana do Rio de Janeiro, fruto “da ação de
várias forças que atuam em diferentes direções” e “das sucessivas crises econômicas”, segundo Villaça
(1998, p. 148-149), e também decorrente do tipo de regulação e ordenamento territorial posto em prática na
cidade, deu origem a uma estratégia diferenciada de segregação espacial intra-urbana. A mistura social do
passado, os processos de formação da população e do crescimento urbano no Rio de Janeiro, alimentaram
uma maior aproximação entre grupos pertencentes aos extremos da pirâmide social nas encostas da cidade,
ainda que totalmente isolados e demarcados por cercas, muros ou fronteiras imaginárias que definem o
território de cada grupo social.

Villaça (1998, p. 147) distinguiu três tipos de segregação urbana: 1. a oposição centro x periferia; 2.
a separação entre áreas intra-urbanas destinadas às camadas sociais privilegiadas e às camadas populares
e 3. a segregação de funções urbanas por zonas especializadas: zonas residenciais, zonas comerciais,
zonas industriais, etc. No âmbito da presente pesquisa, interessa analisar mais detidamente o fenômeno da
segregação espacial intraurbana enquanto movimento de separação entre camadas sociais no contexto da
ocupação urbana das encostas, o qual deu origem às desigualdades que se materializam em sua paisagem.

A partir da análise da ocupação urbana nos recortes espaciais estudados na presente pesquisa, que
serão apresentadas e discutidas em mais detalhe no Capítulo 4, observa-se que o padrão atual de ocupação
nas encostas da cidade parece ter sido desencadeado primordialmente pela fixação de núcleos formais ou

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 117
pela apropriação de áreas provenientes de processos de legalização não concluídos. As favelas existentes,
de forma geral, se desenvolveram a partir de logradouros já implantados que lhe dão acesso, expandindo-se
ao longo das curvas de nível, em paralelo a estas vias. No entanto, existem favelas que apresentam traçados
viários diferenciados, entre os quais, destaca-se o traçado anelar da Favela Floresta da Barra, no Itanhangá,
que emula o padrão encontrado nos loteamentos formais vizinhos de forma a se adaptar as ondulações do
sítio. Este tipo de solução é encontrado em relevos ondulados, formados por elevações arredondadas, e
morros isolados (Figura 38).

Fig. 38. Relação de


contigüidade espacial
entre núcleos de ocupação
formal e informal no bairro
do Itanhangá, no Rio de
Janeiro, a cobertura
vegetal arbórea em bom
estado de conservação e
as escarpas rochosas de
grande impacto na
paisagem. A ocupação
urbana margeia o
Itanhangá Golf Clube. Ao
fundo, próxima a uma das
mais belas quedas d´água
do Rio Cachoeira, situa-se
a comunidade Floresta da
Barra.

Foto: Mônica Bahia


Schlee, 2010.

3.2.2. Expansão, dispersão e fusão de territórios

Nas encostas, o processo de fixação e expansão dos núcleos formais e informais se entrelaçam no
tempo, marcados por processos descontínuos e cíclicos de desenvolvimento compostos por fases distintas.
A primeira fase é a nucleação que, no caso dos recortes espaciais estudados no Rio de Janeiro, parece
ocorrer predominantemente através da implantação de loteamentos registrados ou do surgimento de
assentamentos espontâneos a partir de parcelamentos não legalizados. A segunda fase corresponde à
expansão horizontal sobre as florestas e se dá pela fusão de territórios ocupados com a implantação de um
novo loteamento contíguo ou não ao primeiro ou com a conurbação dos assentamentos informais,
inicialmente isolados.

Nos assentamentos informais, o desenvolvimento da ocupação apresenta como diferencial uma


natureza mais nitidamente policêntrica e compreende ainda outras duas fases: a expansão interna – sobre os
terrenos ainda não ocupados internamente, geralmente mais frágeis, ou sobre as áreas que já foram objeto
de remoção e/ou intervenção pelo poder público, que voltam a ser ocupadas. A expansão vertical, conforme
demonstraram Silva e Tângari (2003), se dá por empilhamento e venda do “espaço aéreo”.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


118 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Nas áreas ocupadas formalmente a expansão vertical foi refreada a partir das décadas de 1970 e
1980, face à implementação dos instrumentos de salva-guarda das encostas florestadas, a par e passo com
ao desvio do interesse do mercado imobiliário para outras áreas da cidade. Estes instrumentos e dispositivos,
ao limitar a expansão horizontal tanto da ocupação formal quanto das favelas61 sobre as florestas, acabaram
por contribuir, ainda que indiretamente, para a expansão vertical nas favelas, nas quais o poder público se
eximiu de guiar e balizar a ocupação e prover serviços públicos essenciais, seja por razões econômicas ou
por razões políticas, seja por inoperância, ou ainda pelo vício cultural de considerá-las transitórias (Figuras
39 a 43).

Fig. 39. Nucleação e fusão de territórios: Ocupação formal


situada na confluência entre a Usina, parte alta da Tijuca,
e o Alto da Boa Vista, na zona norte da cidade do Rio de
Janeiro. Observar parcelamento da década de 1930 em
lotes com dimensões menores do que as que vigoram
atualmente, estabelecidas pelo Decreto 322/1976, e a
localização do núcleo de ocupação informal à montante
da ocupação formal.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 40 a e b. Favelas do Morro do Borel e do Morro da Formiga, na


Tijuca, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Ocupação ao longo das
curvas de nível à meia-encosta a partir de eixo viário na base da
encosta já atinge a linha de cumeada,. Envoltória de vegetação arbórea
remanescente em torno da ocupação e sua degradação junto ao divisor
e na vertente norte. À direita, no Morro da Formiga, linearidade do eixo
da ocupação informal ao longo de fundo de vale.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2010.

61Em torno das áreas não legalizadas, foram instalados delimitadores físicos, denominados de ecolimites, com a finalidade de coibir
a expansão urbana irregular sobre áreas de interesse ambiental. Os ecolimites foram instituídos pelo decreto municipal nº
20287/2001 como dispositivos de delimitação física destinados a demarcar a fronteira entre as áreas ocupadas, de domínio público
ou privado, e as áreas de interesse ambiental.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 119
Fig. 41. Processo de favelização ao longo
da Estrada Grajaú-Jacarepaguá. Notar as
escadarias perpendiculares às curvas de
nível.

Foto: Rogério Cardeman, 2008.

Fig. 42. Ocupação formal de alto


padrão entre os bairros de São
Conrado e Barra da Tijuca, em
promontório denominado de
Joatinga. Disposição do
parcelamento, iniciado na década
de 1950 (1951), forma um anel ao
longo das curvas de nível
envolvido por espaços livres nas
vertentes íngremes e no topo da
elevação, que permaneceu
parcialmente desocupado por
estar acima da cota 100m.

Foto: Marcio Lopes, 2010.

Fig. 43. Levantamento fundiário


realizado pela SMU/CGPU/GP mostrou
que a ocupação extremamente
adensada das encostas de Barra de
Guaratiba é eminentemente não
legalizada (Marisa Valente,
comunicação pessoal, 2011). O
empilhamento de edificações sobre o
costão rochoso praticamente escondeu
a silhueta da encosta. Notar edificações
sobre pilares aparentes e edificações
verticalizadas (com quatro pavimentos
ou mais) e fragmentos isolados de
vegetação arbórea e espaços livres
isolados. Os espaços livres entre as
edificações praticamente restringem-se
às servidões e escadarias de acesso às
praias.

Foto: Denis Cossia, 2008.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


120 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
3.2.3. Usos

De acordo com o mapeamento de uso do solo, elaborado pelo Instituto Municipal de Urbanismo
Pereira Passos (IPP/ DIG - Gerência de Cartografia) em 200462, a ocupação nas encostas cariocas acima da
cota 60m correspondia a 12% do total da área territorial acima desta curva de nível em toda a cidade. A cota
60 m representa o marco-limite legal para abertura de ruas de iniciativa particular e implantação de novos
loteamentos para fins de ocupação urbana. Deste percentual, 8% equivalem à ocupação urbana; 3% à
agrícola e 1% à exploração mineral, conforme Tabela 5. Isto significa dizer que 88% da área territorial da
cidade situada acima da cota 60m compõem ainda uma parte extremamente significativa do sistema de
espaços livres do Rio de Janeiro, integralmente composto por florestas, arbustos, gramíneas, afloramentos
rochosos e corpos d’água. Em relação especificamente à área ocupada, o perfil da ocupação nas encostas
do Rio de Janeiro acima da cota 60m é majoritariamente urbano, onde cerca de 70% da área ocupada é
urbana, 25% agrícola e apenas 5% vincula-se à exploração mineral (Mapa 8).

O uso residencial formal ou informal predomina no Maciço da Tijuca, serras e morros isolados na
região leste da cidade (incluindo as zonas sul, centro e norte). A oeste ainda predomina o uso agrícola. A
ocorrência do uso vinculado à exploração mineral é esparsa, concentrando-se na região de contato entre os
maciços da Tijuca e Pedra Branca, na vertente norte do Maciço da pedra Branca e nas serras isoladas. Vale
lembrar que no mapeamento elaborado pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) foram
incluídas áreas de exploração mineral já desativadas, das quais restaram as marcas na paisagem. Na escala
da cidade, os demais usos existentes nas encostas não são distinguíveis em mapa.

Tabela 5 . Cidade: Ocupação acima da cota 60m

Fonte: presente estudo, a partir do mapeamento de uso do solo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos -
IPP/ DIG - Gerência de Cartografia, 2004
Uso do solo Área (ha) % Área ocupada % Área total
área urbanizada 2720 69 8
área agrícola 1004 25 3
área de exploração mineral 217 5 1
ÁREA OCUPADA 3940 100 12
ESPAÇOS LIVRES: área não urbanizada 30128 88
ÁREA TOTAL 34069 100

A densidade construtiva nas áreas ocupadas acima da cota 60m equivale a 27 edificações/ha, em
média, conforme Tabela 6. Supondo-se que um domicílio abrigue em média 4 pessoas, a densidade
populacional média estimada é de 110 habitantes/ha, com uma taxa de ocupação média de 20%.

62
O mapeamento de uso do solo e cobertura vegetal realizado pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos – IPP em 2004
sub-dividiu as classes de uso do solo em dois grupos: áreas urbanizadas e áreas não urbanizadas, incluindo as áreas agrícolas no
grupo de áreas não urbanizadas. No âmbito da presente pesquisa, para fins de análise da ocupação nas encostas e do sistema de
espaços livres, as classes de uso foram reagrupadas em áreas ocupadas e áreas não ocupadas.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 121
Tabela 6. Cidade: Densidades e taxa de ocupação médias nas áreas urbanas formais acima da cota 60m

Fonte: presente estudo, a partir dos dados do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos - IPP/ Armazem de
Dados, referentes a 2000
Nº edificações 38669
Área das edificações (ha) 265
Área total (ha) 1408
Densidade construtiva (edificações/ha) 27
Densidade populacional (hab/ha) 110
Taxa de ocupação (%) 19

Acima da cota 100, a área ocupada corresponde a 7% do total da área territorial de encostas na
cidade, conforme Tabela 7. Nesta área, cerca de 3% equivalia à ocupação urbana e aproximadamente 3% à
agrícola. O percentual de espaços livres é ainda mais expressivo, perfazendo 93% do total da área territorial
da cidade acima da cota 100m com cobertura vegetal arbórea, arbustiva, gramíneas, afloramentos rochosos
e corpos d’água.

Em relação especificamente à área ocupada, o perfil da ocupação nas encostas do Rio de Janeiro
acima da cota 100m apresenta certa equivalência entre a área urbanizada, que corresponde a 49% da área
total ocupada e a área agrícola, que equivale a 46%.

Tabela 7. Cidade: Ocupação acima da cota 100m

Fonte: presente estudo, a partir do mapeamento de uso do solo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos -
IPP/ DIG - Gerência de Cartografia, 2004
Uso do solo Área (ha) % Área ocupada % Área total
área urbanizada 913 49 3
área agrícola 853 46 3
área de exploração mineral 97 5 0
ÁREA OCUPADA 1862 100 7
ESPAÇOS LIVRES: área não urbanizada 25483 93
ÁREA TOTAL 27345 100

Em relação especificamente à borda das encostas, entre as cotas 60m e 100m, 30% do total da
área territorial encontrava-se ocupado, conforme Tabela 8. Deste percentual, 26% equivaliam à ocupação
urbana; 2% à agrícola e 2% à exploração mineral. Podemos concluir que aproximadamente 70% da área
territorial nesta faixa da cidade ainda são espaços livres de edificação. Em relação especificamente à área
ocupada, o perfil da ocupação nesta faixa é ainda mais evidentemente urbano, com cerca de 87% da área
destinada a usos urbanos, 7% a usos agrícolas e apenas 6% vinculados à exploração mineral.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 125
Tabela 8. Cidade: Ocupação entre as cotas 60m e 100m

Fonte: presente estudo, a partir do mapeamento de uso do solo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos -
IPP/ DIG - Gerência de Cartografia, 2004
Uso do solo Area (ha) % Area ocupada % Area total
área urbanizada 1778 87 26
área agrícola 151 7 2
área de exploração mineral 120 6 2
ÁREA OCUPADA 2049 100 30
ESPAÇOS LIVRES: área não urbanizada 4674 70
ÁREA TOTAL 6724 100

Na análise elaborada na escala da cidade a partir do mapeamento elaborado pelo IPP em 2004, 93% do total
da área ocupada acima da cota 60m referia-se ao uso residencial, 2% a usos vinculados ao lazer e 2% ao
uso institucional, conforme Tabela 9. Os usos vinculados ao comércio e aos serviços, indústrias e
transportes, apesar de existentes, não são significativos. 67% da ocupação acima da cota 60m na época era
formal e 33% informal.

Tabela 9. Cidade: Usos área urbana acima cota 60m


Fonte: presente estudo, a partir do mapeamento de uso do solo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos -
IPP/ DIG - Gerência de Cartografia, 2004
Uso do solo Area (m2) Area (ha) %
Uso residencial (formal) 12221100 1222 45
Uso residencial (informal) 13117038 1312 48
Lazer 644786 64 2
Áreas não edificadas 451031 45 2
Institucional (educação e saúde) 318954 32 1
Institucional (outros) e de infraestrutura pública 269361 27 1
Comércio e serviços 119866 12 0
Industrial 51934 5 0
Transportes 5873 1 0
Total 27199943 2720 100

Área informal 13117038 1312 33


Área formal 26166205 2617 67
Total 39283243 3928 100

Acima da cota 100m, conforme a Tabela 10, a predominância do uso residencial era ainda mais intensa,
equivalendo a 95% do total da área ocupada. 3% referia-se a usos vinculados ao lazer e 2% ao uso
institucional. O uso industrial, apesar de ainda existente, não era significativo. 57% da ocupação acima da
cota 100m na época era formal e 43% informal.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


126 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Tabela 10. Cidade: Usos área urbana acima cota 100m

Fonte: presente estudo, a partir do mapeamento de uso do solo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos -
IPP/ DIG - Gerência de Cartografia, 2004
Uso do solo Area (m2) Area (ha) %
Uso residencial (formal) 3752512 375 40
Uso residencial (informal) 5179478 518 55
Lazer 286105 29 3
Áreas não edificadas 20893 2 0
Institucional (educação e saúde) 55064 6 1
Institucional (outros) e de infraestrutura pública 93454 9 1
Industrial 25419 3 0
Transportes 2932 0 0
Total 9415857 942 100

Área informal 5179478 518 43


Área formal 6945543 695 57
Total 12125021 1213 100

Fig. 44 a, b e c. Cicatrizes deixadas na paisagem pelas pedreiras


desativadas. Observar ocupação das bases das pedreiras tanto
por núcleos formais e quanto informais.

Fotos: Mônica Bahia Schlee e Marcio Lopes, 2010.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 127
Fig. 45. Ocupação agrícola dispersa nas
encostas de Jacarepaguá, a oeste do Maciço
da Tijuca.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 46. Ocupação formal encravada na


escarpa rochosa na Urca.

Foto: Denis Cossia, 2008.

Fig. 47 a e b. A ocupação extremamente adensada do complexo


de favelas Pavão, Pavãozinho e Cantagalo situada à meia-
encosta sobre escarpa rochosa. Notar edifícios e equipamentos
recentemente implantados em intervenções do poder público.

Fotos: Mônica Bahia Schlee e Denis Cossia, 2008.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


128 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 48. Núcleo de ocupação
residencial vinculada ao
exército ao longo da via de
ligação sobre as encostas que
separam Botafogo e
Copacabana.

Foto: Denis Cossia, 2008.

3.2.4. Espaços livres e cobertura vegetal

Conforme evidenciado no capítulo 1, o sistema de espaços livres nos domínios montanhosos é


composto por três categorias principais: os espaços livres com caráter ambiental, os espaços livres com
caráter de urbanização e os espaços livres vinculados à produção de matéria-prima. Os espaços livres com
caráter de urbanização tiveram origem nos projetos aprovados de loteamentos que parcelaram as grandes
glebas anteriormente existentes. Em relação ao total de espaços livres nas encostas equivaliam, em 2004, a
menos de 1% (Mapa 9).

Em 2004, os espaços livres com caráter ambiental acima da cota 60m apresentavam a seguinte
composição: 71% correspondiam à cobertura vegetal arbórea, 15% à cobertura de gramíneas e 14% a
afloramentos rochosos e corpos hídricos. A distribuição e a localização dos espaços protegidos, no entanto,
não é uniforme em relação às regiões da cidade. No Maciço da Tijuca a área protegida é maior do que nos
outros maciços da cidade se levarmos em conta a existência da zona de amortecimento do Parque Nacional
da Tijuca, instituída na revisão de seu plano de manejo em 2008, mas ainda não regulamentada, e das
florestas de proteção em torno do Parque Nacional da Tijuca, estabelecidas em 1967 e tuteladas pelo
Instituto do patrimônio Artístico e Histórico Nacional – IPHAN.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 129
Fig. 49 a, b e c. As impressionantes escarpas e pontões
rochosos que caracterizam a paisagem do Rio de Janeiro: Pão
de Açúcar, Pedra do Grajaú, Pedra da Gávea e Pedra Bonita. A
ocupação formal no sopé da Pedra Bonita, nas encostas de São
Conrado, teve início com o parcelamento registrado na década
de 1940.

Fotos: Denis Cossia, 2008, e Marcio Lopes, 2010.

Em 2004, 16% das áreas acima da cota 100 m estavam protegidas exclusivamente pela legislação
urbanística (ZE 1). Em relação à composição dos espaços livres acima da cota 100m, 76,5% correspondiam
à cobertura vegetal arbórea, 13,5% à cobertura de gramíneas e 10% a afloramentos rochosos e corpos
hídricos. Conforme indicaram Figueiró e Coelho Netto (2003: 7), a ocorrência de gramíneas na interface entre
a floresta e a cidade representa um fator de degradação para o domínio montanhoso, uma vez que as
gramíneas contribuem para alterar sua dinâmica hidrológica, ao colaborar para a diminuição da recarga dos
aqüíferos, e comprometem a estabilidade do solo em áreas com alta declividade, devido à fraca fixação
mecânica de suas raízes.

Fig. 50. Desmatamento e cicatrizes de deslizamento, erosão e


marcas de incêndios na vertente norte do Maciço da Tijuca.
Incêndios provocados e a proliferação de gramíneas
comprometem a manutenção da cobertura arbórea nativa. Ao
fundo, exploração de saibreira. À direita, ocupação ao longo da
Estrada Grajaú-Jacarepaguá, eixo de ligação entre as zonas
norte e oeste, que atravessa o Maciço da Tijuca na vertente
norte.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 133
Em síntese, o sistema de espaços livres nas encostas da cidade em 2004 apresentava as seguintes
características: mais de 70% dos espaços livres com caráter ambiental acima da cota 60m ainda possuíam
cobertura vegetal arbórea em diversos estágios sucessionais. Em 15% destes espaços livres a cobertura
vegetal arbórea já havia sido substituída por gramíneas invasoras. O percentual de cobertura vegetal arbórea
atingia mais de 75% acima da cota 100m. Os espaços livres cobertos por gramíneas concentravam-se
principalmente nas vertentes norte e oeste dos Maciços da Tijuca, da Pedra Branca e das serras isoladas. Os
espaços livres com caráter de urbanização nas encostas equivaliam a menos de 1%.

Fig. 51. Faixa de servidão da linha de transmissão de energia da


Light no Catumbi, utilizada pelos moradores das favelas
próximas para acessar ao alto dos morros. Situação semelhante
acontece em outros pontos da cidade, como no Rio Comprido,
na zona norte. As torres de transmissão instaladas nas
vertentes ao norte dos maciços são mais baixas do que as
instaladas nas vertentes voltadas para o sul, o que demanda o
corte da vegetação arbórea, segundo Antonio Correa
(comunicação pessoal, 2011).

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2002.

Fig. 52. O avanço gradativo da ocupação


sobre as encostas da Pedra da Panela,
monumento natural tombado pelo Decreto
Estadual 2715, de 04/03/1969.

Foto: Denis Cossia, 2008.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


134 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
3.2.5. Volumetria construída

No Rio de Janeiro, o padrão predominante quanto à volumetria construída nas encostas é dado pelo
contraste entre a ocupação rarefeita das áreas formais, formada por edificações de até 2 pavimentos,
conforme estabelecido pela legislação, que se estendem até 3 e 4 pavimentos na prática; com a ocupação
densa das favelas, formada por edificações de alturas variadas, com predominância de edficações de 2 e 3
pavimentos. Tanto nas áreas formais quanto nas informais, ocorrem edificações verticalizadas. Nas favelas,
conforme será exemplificado no Capítulo 4, as alturas das edificações variam muito, atingindo até 11
pavimentos na Rocinha. As edificações verticalizadas localizadas nas áreas formalmente ocupadas são
decorrentes de normativas anteriores a 1970 (em especial, do Decreto 6000/1937) e situam-se, quando
implantadas pela iniciativa privada, ao longo dos eixos principais de penetração nas encostas. Soluções
volumétricas diferenciadas, destinadas às camadas populares, foram implantadas entre as décadas de 1940
e 1970 pelo poder público. São exemplos os conjuntos residenciais do Pedregulho, em São Cristóvão, e da
Gávea, no bairro da Gávea, e os construídos pela iniciativa privada, destinados às camadas médias e altas,
sob a forma de condomínios residenciais, como por exemplo, os condomínios escalonados projetados por
Sérgio Bernardes no Humaitá e em Jacarepaguá, e as torres isoladas do condomínio Morada do Sol, em
Botafogo. (Figuras 53 a 60).

Fig. 53. Variações tipológicas nas


encostas da zona sul: torres
verticalizadas, conjunto de
edificações escalonadas ao longo
das curvas de nível, grupamento
de edifícios e vila perpendicular à
encosta. Nesta imagem,
grupamento de seis torres do
Condomínio Morada do Sol,
implantado pela iniciativa privada
no início da década de 1970, na
encosta do Morro São João, em
Botafogo.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 135
Fig. 54. O conjunto residencial composto
por edificações escalonadas ao longo das
curvas de nível, projetado por Sérgio
Bernardes, transpôs o repertório urbanístico
informal das favelas nas encostas para a
linguagem arquitetônica formal. Esta
solução foi posteriormente desenvolvida por
Demetre Anastassakis em projetos
habitacionais populares no Rio de Janeiro e
em São Paulo.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 55. Ocupação formal nas encostas do Morro da


Saudade, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Notar conjunto de edifícios em fita sobre
embasamento único implantados pela iniciativa
privada.

Fonte: Imagem Google Earth, acessada em


25/05/2011.

Fig. 56. Enclave de ocupação formal nas encostas da


Avenida Niemeyer, entre a Rocinha e o Vidigal.
Parcelamento registrado na década de 1950 (1954).
Observar as várias edificações com gabarito mais alto
do que o permitido pela legislação em vigor.

Foto: Marcio Lopes, 2010.

Fig. 57. Conjunto residencial composto por seis edifícios


em fita e parque Eduardo Guinle, projetado na década de
1940 pelo arquiteto Lucio Costa, implantado nos jardins da
residência da família Guinle, atual Palácio das Laranjeiras
no bairro de Laranjeiras.

Foto: Denis Cossia, 2008.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


136 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 58. Edifícios de três e quatro pavimentos dispostos ao
longo das curvas de nível implantados pelo Programa
Favela-Bairro na Mangueira, em contraste com o
adensamento da ocupação existente, à esquerda da
imagem. À direita, a vertente não ocupada com
reflorestamento em curso, em terreno pertencente ao
exército, para o qual há projeto de um parque zoobotânico
elaborado pela Prefeitura.

Foto: Vera Tângari, 2010.

Fig. 59. Conjunto residencial da Gávea,


construído pelo poder público no início da
década de 1950 e atravessado pela Auto-
Estrada Lagoa-Barra na década de 1980.

Foto: Denis Cossia, 2008.

Fig. 60 a e b. Conjuntos de edifícios habitacionais verticalizados no sopé das encostas em São Conrado, na zona sul, e no Lins, na
zona norte. A mesma solução para estratos sociais bem diferentes.

Fotos: Silvio Macedo, 2008, e Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 137
3.3. Gênese, processos e agentes de formação e transformação

Quais as relações entre estes padrões espaciais, os processos e agentes de transformação que
lhes deram origem? A configuração das montanhas do Rio de Janeiro se modificou bastante ao longo do
tempo, assim como sua imagem. Antes obscuras e negligenciadas, hoje são reverenciadas e consideradas
marcas registradas da cidade. A percepção e a postura da sociedade e, conseqüentemente, as do poder
público, perante o ambiente tiveram origem na herança cultural e nas formas de apropriação dos elementos
naturais, urdidas ao longo do tempo. Dessa relação resultaram os antolhos, as máscaras, as ações pontuais
e fragmentadas e a isenção de responsabilidade que permeia a relação do cidadão e das administrações
públicas cariocas com o seu ambiente, em seu perfil geo-biofísico e sócio-cultural.

Defesa e controle do território, esconderijo de quilombolas, domínio da igreja católica e lugar de


cultos religiosos diversos, alternativa de moradia às áreas inundáveis e insalubres ou o “não lugar” destinado
aos pobres na cidade foram algumas das funções desempenhadas pelas montanhas e morros cariocas no
processo de urbanização da cidade. Durante longo período após o abandono da ocupação inicial no Morro
do Castelo, as montanhas, ainda cobertas por florestas, mantiveram-se dissociadas da área urbana que
emolduravam. Até o século XIX, apenas os morros mais próximos do núcleo urbano eram pontuados por
igrejas de diferentes ordens católicas, as quais detinham uma parcela significativa das encostas da cidade
(Abreu 1987, Cavalcanti 1997). Para a cultura dominante, a floresta nas montanhas da cidade, assim como
os morros isolados, os rios, as lagoas e os pântanos que permeavam a escassa área urbana precisavam ser
dominados, controlados e utilizados para alguma finalidade “útil”.

Fig. 61 a e b. Igreja da Pena, em Jacarepaguá, e Igreja da Penha, na Penha, ambas situadas em morros isolados em meio à malha
urbana.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2010, e Rogério Akamine, 2008.

Ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX os sucessivos ciclos econômicos no Brasil – em especial o da
cana de açúcar (século XVII) e do café (século XIX) - sustentados pela exploração dos índios e,
posteriormente, dos africanos e seus descentes e pela extração contínua de recursos naturais como a lenha,
o carvão e a água, ditaram os padrões iniciais de ocupação nas encostas (Abreu 1987 e 1992). Para os

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


138 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
colonizadores e as classes dominantes que deles descenderam, a floresta tropical que encobria as
montanhas ao redor da cidade inspirou inicialmente apenas medo e aversão, uma vez que estava
diretamente associada ao domínio dos habitantes nativos, aos perigos iminentes das invasões francesas e
ao local para onde se dirigiam os escravos afro-brasileiros em fuga do cativeiro. Em contraponto a esta visão,
para os antigos habitantes nativos e os afro-descendentes, a floresta nas montanhas da cidade era vista
como abrigo e conexão com sua cultura anterior (SANTOS 1981, CEZAR in: CRUZ 1992, CAVALCANTI
1997 e SCHLEE 2002).

A freqüente ocorrência de epidemias, que se espraiavam por toda a densa malha colonial, começou
gradativamente a estimular o desenvolvimento urbano em direção às áreas periféricas do núcleo central e às
encostas da cidade. As expedições estrangeiras durante o século XIX, e a eventual permanência dos
estrangeiros que optavam por habitar as montanhas florestadas, em especial, as do Maciço da Tijuca,
segundo os relatos de Maria Graham (1990), foram, aos poucos, disseminando entre a classe dominante
local outro tipo de relação com a natureza tropical, a par e passo, ainda que com menor destaque, do
processo de penetração na cultura local dos hábitos e valores das classes marginalizadas.

O aumento progressivo da necessidade de abastecimento d’água devido ao crescimento contínuo da


população carioca ao longo do século XIX, agravado pelas freqüentes inundações na cidade e a aceleração
de processos erosivos nas encostas do Maciço da Tijuca, estimulou o governo imperial a estabelecer um
programa de proteção às florestas e mananciais dos principais rios do Maciço da Tijuca no período entre
1840 e 1890. Ações de reflorestamento e desapropriações das fazendas de café localizadas nas encostas
mais íngremes do maciço foram implementadas para proteger as nascentes e cabeceiras dos seus principais
rios. A partir de 1843, a legislação se tornou mais efetiva, com punições para queima e retirada das florestas,
culminando com as expropriações de várias fazendas de café, iniciadas em 1855 e a determinação imperial
para o reflorestamento do Maciço da Tijuca através das Instruções Provisórias para Plantio e Conservação
das Florestas da Tijuca e Paineiras em 1861 (ABREU 1992, CEZAR in: CRUZ 1992, HEYNEMANN 1995 e
SOARES 2006). Esta iniciativa foi encampada pela elite local na intenção de construir uma nova identidade
para a capital do império e fomentar a noção de civilidade na sociedade carioca, utilizando como símbolo o
elemento natural local (CARVALHO, 1994). Sob estas motivações, camuflaram-se os interesses do
emergente mercado imobiliário como veremos a seguir.

Conforme argumentou Andrelino Campos (2005), a existência das favelas como forma de ocupação
urbana está diretamente ligada ao início do processo de acesso à terra urbana no Brasil. Segundo Campos,
este processo teve origem com a promulgação da Lei de Terras, instituída anteriormente à abolição da
escravatura, que não considerou ou ratificou as antigas posses de negros e brancos pobres, congelando a
situação então existente. A Lei nº 601, conhecida como Lei de Terras, promulgada em 1850 e regulamentada
em 1854, foi elaborada para organizar os registros de terras doadas pela Metrópole portuguesa no período
colonial, legalizar as terras ocupadas sem autorização e reconhecer as terras devolutas, pertencentes ao
Império. Esta lei marcou uma mudança significativa na apropriação das encostas cariocas, alguns anos antes

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 139
do início dos processos de desapropriações e reflorestamento nas florestas do Maciço da Tijuca. As ordens e
irmandades religiosas católicas, que até então dominavam uma parcela significativa do território da cidade
colonial, na qual se inseriam boa parte das encostas e os sertões da cidade, exerciam a função de agentes
imobiliários, determinando a forma e o uso do solo em seus domínios (ABREU 1987 e CAVALCANTI 1997).
Ao possibilitar a livre transação das propriedades fundiárias nas encostas entre particulares, “adquiridas por
ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante, ... cultivadas, ou com princípio de cultura e morada
habitual do respectivo posseiro,” a Lei de Terras pôs um fim ao antigo sistema de sesmarias63, marcando o
surgimento de um mercado urbano de terras e de um mercado imobiliário no Brasil extremamente
segregador (LEI nº 601/1850, art. 5º; MARX, 1991; FRIDMAN, 1999; CAMPOS, 2005; SOARES, 2006 e
FARIAS, 2009).

No Brasil, segundo Abreu (2001: 203-229), o sistema de sesmarias se caracterizou pela imensidão
das glebas, pela imprecisão de seus limites e pela incongruência em relação às dimensões das terras
concedidas pela Metrópole a terceiros. As ordens religiosas, grandes parceiras no processo colonizador,
receberam diversas sesmarias da Coroa portuguesa. Única maneira de acesso à terra, anteriormente a Lei
de Terras, a doação de sesmarias perdurou no Brasil até 1822, mas seu impacto e os conflitos gerados pela
adoção deste sistema de ocupação sobre a estrutura fundiária e sobre o padrão de ocupação territorial
urbana no país e, em especial nas encostas do Rio de Janeiro, se fazem sentir até hoje.

Para Marx (1991: 38-40), o sistema de aquisição e transmissão de terras extremamente rígido,
concentrador e segregacionista, aliado à precariedade das definições e demarcações de seus limites,
induziram ao surgimento de brechas no sistema sesmarial, no bojo de sua própria lógica, operadas de
comum acordo entre o Estado, a elite fundiária dominante e a Igreja, nas terras sob a jurisdição desta última,
e nos rossios municipais, áreas de domínio coletivo e, portanto, negligenciadas. Os grandes proprietários ou
concessionários de terras cediam parte de seu patrimônio à Igreja com o objetivo de que esta intermediasse
a instalação de aglomerados destinados aos seus trabalhadores em área próxima a sua propriedade. Para a
Igreja Católica, tratava-se de associação vantajosa, uma vez que este expediente garantia a ampliação do
patrimônio fundiário religioso e do contingente de fiéis a contribuir para a manutenção do templo. As áreas de
domínio coletivo, por sua vez, foram gradativamente sendo reduzidas e “se concentrando nas baixadas
pantanosas, nas várzeas e nos declives mais acentuados, todos de difícil ocupação” (MARX, 1991: 85-86).

“Essa maneira peculiar de ocupar o solo urbano, de distinguir o que nele é terra comum e terra
concedida, de partilhar a terra concedida e de cuidar de seus respectivos limites” caracterizou a forma de
gestão do solo urbano até a promulgação da Lei de Terras em 1850, que marcou a “passagem da idéia de
domínio relativo para a propriedade absoluta da terra” (MARX, 1991: 92 e 120). E mesmo após a Lei de

63 De acordo com Abreu (2001: 200, 203), o sistema sesmarial se converteu na base da política de povoamento e consolidação
territorial de Portugal, a partir do século XIII, no processo de reconquista do território ibérico aos mouros, tendo sido largamente
utilizada, a partir do século XVI, com a expansão marítima portuguesa, para viabilizar o processo de consolidação da ocupação nas
colônias.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


140 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Terras, o antigo sistema de doação de parte dos latifúndios à Igreja persistiu como “processo inicial de se
conseguir terra para uma entidade coletiva que vai dividi-la e repassá-la para aspirantes menores, de acordo
com a iniciativa de seus grandes detentores” (MARX, 1991: 104-105).

Para Abreu (ABREU, 2001: 232), “com a proclamação da República em 1889 e com a gradativa
separação entre a Igreja e o Estado”, as ordens e irmandades religiosas católicas puderam constituir
sociedades anônimas, administrar e vender seu patrimônio fundiário, que havia aumentado bastante em
decorrência da doação de glebas recebidas dos grandes proprietários fundiários, “para que os seus
trabalhadores sem terra pudessem ali fixar residência”, garantindo a presença da força de trabalho nas
proximidades de suas terras. “A cessão, entretanto, não se fazia diretamente a eles”, “cabendo à igreja, em
nome do padroeiro, administrar esse patrimônio” (ABREU, 2001: 233).

Como apontado por Dean (2002: 239) e Soares (2006: 147, 152 e 158), o conjunto de medidas
preservacionistas executadas pelo Império ao longo do século XIX, que incluíram as desapropriações
realizadas nas florestas do Maciço da Tijuca entre 1850 e 1885, o registro oficial das Florestas da Tijuca e
das Paineiras em 1861, o processo inédito de reflorestamento realizado entre 1862 e 1887, e mesmo a
designação das florestas como Florestas da União em 1961, foram motivados não apenas pela necessidade
de proteção das nascentes e mananciais. Todo esse processo ocorreu dentro de um contexto de melhorias
da infraestrutura urbana, vinculado aos interesses da elite estrangeira e posteriormente da aristocracia local
em agregar valor às encostas devastadas pelo cultivo do café e favorecer empreendimentos imobiliários.

Conforme já mencionado, em fins do século XIX, o processo de superação da escravidão, o


progressivo crescimento urbano e o início da industrialização no Rio de Janeiro, as áreas montanhosas
passaram gradativamente a ser destinadas ao uso residencial de estratos sociais bastante diferenciados. As
florestas localizadas nas encostas da cidade passaram a atrair o mercado imobiliário formal e as montanhas
começaram a ser disputadas pela elite aristocrática européia, pelas classes abastadas locais e pelos pobres
e ex-escravos sem lugar na cidade plana. Já havia, no entanto, uma diferenciação quanto à localização
espacial, ainda que embrionária. As encostas das montanhas e morros ainda florestados e as partes mais
altas dos morros isolados foram ocupadas pelos estratos sociais mais altos, enquanto as camadas populares
se instalaram inicialmente nos morros isolados, com afloramentos rochosos, pedreiras abandonadas ou
mesmo ainda em funcionamento, sem vegetação e sem água.

As antigas chácaras, sítios e fazendas localizadas nas montanhas e morros ainda florestados,
anteriormente destinadas ao abastecimento do núcleo urbano ou ao cultivo de cana e café, tornaram-se
moradia das elites, para lá direcionadas pelo medo das epidemias ao longo do século XIX. Ao final deste
século já havia ao menos dois núcleos de assentamentos populares nas encostas dos morros isolados – da
Providência e de Santo Antônio – próximos ao núcleo urbano. Segundo Silva (2005a e 2005 b), aos núcleos
iniciais estabelecidos no Morro da Providência e no Morro de Santo Antônio, se juntaram, já nas primeiras
duas décadas do século XX, aglomerações no Morro dos Telégrafos e na Mangueira (em São Cristóvão), no

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 141
Morro de São Carlos (entre a área central e a Tijuca), na Vila Rica (em Copacabana), no Pasmado (em
Botafogo) e na Babilônia (no Leme). A partir das primeiras décadas do século XX, conforme esclareceu Silva
(2005a e 2005 b), estes assentamentos iniciam um processo gradativo de expansão e fusão de territórios,
disseminando-se de forma pulverizada nas imediações das áreas mais valorizadas – Ipanema, Leblon,
Lagoa, Copacabana e Tijuca.

Fig. 62. Morro da Providência: uma das


primeiras favelas do Rio de Janeiro,
cuja ocupação teve início com
autorização do exército, em fins do
século XIX.

Foto: Denis Cossia, 2008.

Conforme veremos em detalhe nos capítulos seguintes, a ocupação urbana formal nas bordas dos
maciços costeiros do Rio de Janeiro se cristalizou a partir das décadas de 1930 e 1940, com a implantação
dos primeiros loteamentos registrados oficialmente no Maciço da Tijuca, o mais próximo da área central da
cidade. Com a venda das glebas das antigas fazendas, sítios e chácaras e seu parcelamento em terrenos
menores e a abertura das estradas que cortaram os maciços, os empregados das antigas fazendas e os que
trabalharam na abertura das estradas deram início aos primeiros núcleos de ocupação popular nas encostas.

O retalhamento da terra urbana propiciou uma gradativa desconcentração urbana, a partir de então
sob novas bases, como argumentou Abreu (2001:36). As transações com chácaras e lotes, antes realizadas
em função de seu valor de uso, pela ação isolada de um proprietário fundiário, passaram a ser determinadas
em função de seu valor de troca, executadas por empresas dedicadas à comercialização de lotes urbanos,
em associação com o capital financeiro. Segundo Silva (2005b), estes assentamentos se espalharam pelas
encostas do Maciço da Tijuca e serras próximas entre os anos de 1910 e 1930, atingindo tanto a área
central, quanto e as zonas sul e norte da cidade64. Conforme esclareceu a autora (2005b:179 e 185), embora

64 Conforme indicaram Abreu (1994) e Silva (2005a e 2005b), na década de 1930 já se encontravam consolidadas e eram de
conhecimento público e oficial as favelas do Morro da Providência, conhecido inicialmente como Morro da Favela, e do Morro de
Santo Antonio, anteriores a 1900, da Mangueira, Babilônia, Salgueiro, Leme, Pasmado, São Carlos, Santos Rodrigues, Andaraí,
Arrelia (O’Reilly), Cabritos, Morro do Querosene, Chácara do Céu, Rocinha, Morro da Formiga, Borel, Casa Branca, Fazendinha e
Guararapes (menção a dois assentamentos distintos), Fallet, Navarro (Morro da Coroa), Pereira da Silva, Ladeira dos Tabajaras,
Quinta do Caju, Tuiuti, Morro dos Macacos, Morro dos Afonsos, Dona francisca, Morro do Mateus, Morro Araúlo Leitão, Jacarezinho e

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


142 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
concentradas nas áreas de urbanização consolidada da cidade, sua localização guardava correlação com os
vetores de expansão da cidade, inicialmente seguindo, em direção aos bairros burgueses, na trilha dos
caminhos, loteamentos e indústrias, as transformações do mercado de trabalho, verdadeiro catalizador da
localização da população pobre. Conforme será demonstrado no Capítulo 4, a instalação dos assentamentos
populares localizados nos recortes espaciais estudados, situados na porção valorizada da cidade,
acompanharam o desenvolvimento urbano, seguindo a transformação das chácaras periurbanas em
moradias das elites e os primeiros loteamentos localizados nas encostas.65

As transformações na paisagem das encostas cariocas guardam uma relação de causalidade e


interdependência com a conjuntura de mudanças políticas e econômicas que ocorriam na época no país.
Como explicaram Abreu (1987), Reis Filho (1995) e Maricato (2003), a hegemonia agrário-exportadora, que
resistiu à abolição da escravatura (em 1888) e à proclamação da República (em 1889), persistiu até a
revolução de 1930, quando os processos de urbanização e industrialização ganharam um novo impulso,
orquestrados pelas forças econômicas que emergiam, com o apoio das políticas oficiais.

Segundo Bonduki (1998:12), o modelo de capitalismo que se consolidou a partir da década de 1930,
foi montado para manter baixos os custos de reprodução da força de trabalho e garantir os lucros do
processo de industrialização que germinava no país. Pouco depois, a Lei do Inquilinato, instituída em 1942,
restringiu a livre negociação dos aluguéis, contribuindo, de um lado, como explicou Bonduki (1998:12 e 239)
para direcionar as classes populares para as áreas periféricas (no caso do Rio de Janeiro, para os subúrbios
e para as encostas), e de outro, para aumentar o interesse dos proprietários de terras nas encostas em
agenciar sua permanência. Como parte desta lógica, firmou-se o consenso a partir da década de 1940 que
caberia ao Estado equacionar o problema habitacional das classes populares e que sua solução estava
vinculada ao estímulo à aquisição da casa própria (Bonduki 1998:15)66.

Os primórdios da ocupação urbana nas encostas, bem como o tratamento dispensado a elas na
expansão do núcleo urbano foram diretamente influenciados pela argumentação higienista67. Como
demonstraram Maurício de Abreu (1987 e 1994) e Lilian Fessler Vaz (1986 e 2002), a origem das favelas
cariocas teve suas raízes ligadas à crise habitacional gerada pela política higienista de combate às
habitações coletivas e insalubres, no final do século XIX, e às crises políticas no período de transição entre o
Império e a República, no final do século XIX, e entre a República Velha e a República Nova, no início da
década de 1930. Para Abreu (1994), o estopim para a criação dos primeiros assentamentos irregulares no

Joaquim de Queiroz (uma das favelas do Complexo do Alemão, entre outras pequenas concentrações de casebres.
65 Segundo afirmou Silva (2005a), os núcleos favelizados em alguns casos seguiram, e em outros precederam a implantação dos

loteamentos. Entretanto, as análises elaboradas no âmbito da presente pesquisa indicam o predomìnio da relação de decorrência em
relação à ocupação urbana formal.
66 No Governo Vargas o acesso à habitação era considerado um dos pilares da reprodução da força de trabalho e da política

desenvolvimentista voltada para a industrialização e um elemento decisivo na formação ideológica, política e moral dos trabalhadores
(BONDUKI, 1998:73).
67 Mesmo muito tempo depois, os desmontes dos morros do Castelo e de Santo Antônio tiveram como justificativa permitir a
expansão e melhorar a ventilação da área central da cidade. Coincidentemente, ambos abrigavam, à época, camadas populares.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 143
Rio de Janeiro foi a autorização militar concedida para o alojamento dos soldados durante a Revolta da
Armada (1893-1894) e de Canudos (1896-1897) nos morros próximos ao núcleo central da cidade. Com a
crise da economia cafeeira e o incentivo ao desenvolvimento da atividade industrial entre as décadas de
1870 e 1930, as favelas começaram a proliferar na paisagem carioca. Sua disseminação se iniciou ao longo
das primeiras décadas do século XX, após as reformas urbanas implementadas por Pereira Passos, com
base nas diretrizes formuladas pela Comissão de Melhoramentos do Rio de Janeiro, instituída de 1874 a
1876, com o objetivo de elaborar um plano de remodelação e embelezamento da cidade e melhorar suas
condições de circulação e salubridade.

Conforme apontado por Abreu (1987) a tentativa de se resolver os conflitos gerados pelas lógicas
capitalista e escravista que vigoraram até o final do século XIX, recaiu basicamente na solução de separação
espacial de usos e classes sociais. A extinção dos cortiços e casas de cômodo da área central da cidade,
como observou Vaz (2002), não foi acompanhada de um planejamento para a relocação das camadas
populares, de uma política de transporte para facilitar o seu acesso aos locais de trabalho ou, como ressaltou
Bonduki (1998), da construção planejada de um número suficiente de moradias para abrigá-las em condições
dignas.

Paralelamente, conforme demonstrou Vaz (2002, 81-82), o poder público tornou obrigatória a licença
para construção e o atendimento às normas referentes a instalações sanitárias a partir de 1856 na área
central da cidade. Na virada do século XX, a administração Pereira Passos determinou a aplicação desta
regulamentação e de outras exigências técnicas em várias freguesias da cidade, onerando os custos da
construção nos subúrbios e restringindo as possibilidades de produção de moradia dos mais pobres, ao
mesmo tempo em que fazia “vistas grossas” à ocupação das áreas de encostas68. Os subúrbios deixaram de
se configurar, a partir de então, como uma alternativa para as camadas sociais mais pobres, restando as
favelas, até então assentamentos esparsos, isolados e rarefeitos, como únicas opções, conforme observou
Abreu (1986). Para Vaz (2002), o processo agravou-se ainda mais devido ao modelo industrial implantado,
que abriu mão de computar os custos com a moradia dos trabalhadores. As tentativas de ordenação do solo
sem a devida consideração ao passivo social, a subordinação do modelo de urbanização ao poder
econômico, e as transformações do mercado imobiliário69 contribuíram para a peculiar forma de segregação
espacial que caracteriza a cidade do Rio de Janeiro.70 O papel do poder público nesta equação foi crucial
para o direcionamento das camadas populares para as encostas.

68 Os decretos 762/1900 e 391/1903 permitiram a construção de casas de madeira e barracões nos morros não habitados da cidade
(Decreto 762/1900, arts. 10 e 11 e Decreto 391/1903, arts. 35 e 36), exigindo dos proprietários, nos morros já habitados, a construção
de muros de contenção e do fechamento dos terrenos com muros ou gradis (Decreto 762/1900, arts. 32 e 33 e Decreto 391/1903,
arts. 11 e 12).
69 Silva (2005b) sublinha, entre estas transformações, além da desestruturação do mercado rentista, o surgimento das incorporações

e a estruturação do mercado suburbano de loteamentos.


70O potencial de valorização das encostas cariocas para o mercado imobiliário que já havia sido apontado pelo Barão do Bom Retiro
em meados do século XIX (Soares 2006), foi reconhecido por Pereira Passos que, entre as intervenções urbanas executadas em sua
administração, realizou também a pavimentação com macadame, o melhoramentos das curvas, rampas, contenções , pontes e do

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


144 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Conforme sugeriu Abreu (1994: 38 e 41), a chancela militar e o caráter provisório atribuído às
habitações populares localizadas nas encostas podem ter contribuído para a inação do poder público, tão
empenhado em condenar e erradicar as habitações insalubres na cidade plana na época. O autor ressalta,
no entanto, que esse aparente paradoxo escondia a aceitação, por parte do poder público, da permanência
das favelas no cenário urbano para garantir a estabilidade social necessária ao processo de acumulação,
uma vez que seus habitantes representavam uma reserva de mão-de-obra necessária para a indústria, para
a construção civil e para a prestação de serviços domésticos. “Ademais, tudo indica que a permanência das
favelas não esbarrava nos interesses do capital. Este, ao contrário, delas podia se beneficiar...” Essa postura
explica a ausência das favelas nos recenseamentos e nos mapas da cidade até 1930, apesar de já estarem
presentes no tecido urbano da cidade há algum tempo. Até então, as favelas eram consideradas uma
solução habitacional provisória e desprezada urbanisticamente, razão pela qual o poder público não via
sentido em mensurá-las e/ou delimitá-las fisicamente. Para Silva (2005a), as restrições impostas ao mercado
rentista formal, que predominou como forma de acesso à habitação pelas classes popular e operária entre
1870 e 1940, também contribuíram para a fixação e a disseminação das favelas pelos morros isolados e
maciços da cidade nas primeiras décadas do século XX.

Segundo Parisse (1970), Bohadana (1983), Abreu (1994) e Silva (2005), entretanto, foi a partir da
década de 1940 que a preocupação com as favelas começou a se manifestar de modo mais abrangente e
sistemático na imprensa, em associação a uma anomalia social, símbolo da miséria, da marginalidade, da
desordem e da inadaptação social. Conforme explicaram Abreu (1994) e Silva (2005a e 2005b), a partir de
então o poder público se deu conta oficialmente da existência das favelas enquanto fenômeno social, ao
mesmo tempo que passava a introjetar a concepção de que caberia ao Estado arcar com a reprodução da
força de trabalho. Formulava-se a partir daí a contraposição entre a tomada de consciência da presença da
pobreza e sua aceitação como um dos pilares de sustentação da economia, responsável por seguidas
tentativas de segregação espacial. Tendo ainda como mote principal a questão da salubridade, as
administrações públicas iniciaram, a partir de 1940, uma série de levantamentos, embora pontuais e parciais,
nas favelas da cidade, com o objetivo de cadastrar seus habitantes e transferi-los das áreas valorizadas para
conjuntos habitacionais populares a serem construídos nas áreas peri-urbanas e de expansão da cidade.

Durante o Estado Novo (1937-1945), como apontaram Bohadana (1983) e Silva (2005a), enquanto
dispositivos legais autoritários mas pouco efetivos, como o Decreto 6000/193771, tratavam as favelas como
um problema a ser abolido mediante proibições, desenvolveu-se uma prática de re-educação desta parcela
da sociedade. Segundo Bohadana (1983), esta outra face da política, traçada pelo viés populista forjado nos

sistema de drenagem das Estradas da Tijuca, do Alto da BoaVista, da Boa Vista e do Açude (nas encostas do Alto da Boa Vista), da
Cascatinha, da Vista Chinesa e da Gávea Pequena (nas encostas da zona sul entre o Jardim Botânico e São Conrado) e de Furnas,
da Barra da Tijuca e do Pica-Pau (em direção à Barra da Tijuca e Jacarepaguá, cruzando a região do Itanhangá).
71O Decreto 6000/1937 proibiu a construção de novas edificações em madeira nas favelas e morros da cidade, destacando
especialmente os Morros da Babilônia, da Saudade, São João, Cantagalo, do Pasmado, dos Cabritos e em Santa Teresa, ou
quaisquer melhorias nas edificações existentes, propondo sua substituição por núcleos de habitação de tipo mínimo.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 145
primeiros anos da década de 1930, visava a exercer um controle através de processos de re-educação social
e correção de hábitos pessoais. Ao final do Estado Novo, a posse da terra foi gradativamente admitida pelo
poder público, sem que a propriedade da terra fosse reconhecida. A conjuntura de redemocratização exigia
uma atuação menos repressiva, ainda que mantida a estratégia de controle ideológico (BOHADANA 1983:
19-20). A partir de meados da década de 1950, ações conjuntas e por vezes incongruentes entre o poder
público e a igreja católica, como a criação da Fundação Leão XIII e da Cruzada São Sebastião, pela igreja
católica, e da implementação, pelo Estado, da Comissão para Extinção das Favelas e do Serviço Espacial de
Recuperação de Favelas e Habitações Anti-higiênicas – SERPHA72, expressa a postura híbrida - por um lado
paternalista e por outro repressiva – da sociedade e do poder público em relação às favelas na época73.
Conforme demonstrou Silva (2005a: 89-90 e 114), foi no final da década de 1940 que começou a se delinear
o padrão de localização das favelas caracterizado pela maior concentração nas zonas norte e posteriormente
oeste. Este padrão, impulsionado e consolidado a partir da década de 1960, tanto em relação ao número de
favelas quanto em relação ao porte das mesmas, foi diretamente influenciado pela distribuição dos núcleos
industriais no território, pela política de erradicação das favelas nas áreas valorizadas da cidade e pela
transferência de seus moradores para favelas mais distantes.74

Durante os anos anteriores ao golpe militar, no início da década de 1960, ainda que a orientação do
poder público tenha sido pautada pelo viés populista, a ótica ideológica voltou a balizar o trato das questões
habitacional e urbana. Tensões e confrontos sobre o modelo almejado de estrutura da sociedade permeavam
as ações governamentais que, não por acaso, se faziam de forma descentralizada e pulverizada, através de
várias instituições, por vezes sob orientações divergentes, como explicou Bohadana (1983). Segundo a
autora, o duplo movimento em direções contrárias passou a envolver diferentes esferas de governo,
marcando um novo direcionamento em função de interesses ideológicos, eleitorais e do mercado da
construção civil em expansão. Enquanto em nível nacional, ainda que em bases populistas, o poder público
discutia reformas sociais e urbanas, abrindo espaço à mobilização popular; em nível local, a administração
estadual implementava a política de erradicação de favelas. A criação da Federação das Associações de

72 De acordo com Valla (1986) e Brum (2005), a Cruzada São Sebastião conduziu sua atuação em direção à integração dos
favelados na vida da cidade e incentivou a formação da conscientização comunitária através de organizações de base. O SERPHA,
por sua vez, tinha como objetivo formar sociedades de melhoramentos sob a responsabilidade dos moradores, assessorados por
técnicos da instituição. Para entender o papel da igreja católica na construção de uma doutrina social, na conservação do capitalismo
e nas lutas de resistência dos favelados no período ver VALLA, Victor Vincent. Educação e favela: Políticas para as favelas do Rio de
Janeiro, 1940-1985. Petrópolis: Vozes, 1986 e BRUM, Mario. Despertar e incentivar: A Pastoral de Favelas e o movimento
comunitário de favelas cariocas na Redemocratização. Revista Cantareira – Revista Eletrônica de História Volume 2, Número 3, Ano
3, dez. 2005
73 O levantamento realizado em 1948 pela Prefeitura do então Distrito Federal mostrou que todos os maiores assentamentos
populares com mais de mil moradias situavam-se, à exceção da favela da Praia do Pinto, na zona norte da cidade: Jacarezinho,
Mangueira, Esqueleto, São Carlos e Barreira do Vasco. Com exceção das favelas da Praia do Pinto e Barreira do Vasco, todos
situavam-se em morros e serras isolados, delineando a tendência da intensificação da ocupação não legalizada na zona norte da
cidade e a formação dos futuros complexos de favelas.
74 Como demonstrou Silva (2005a: 150), o processo de adensamento de algumas favelas cariocas já havia sido apontado pelo
recensseamento de favelas realizado em 1948. Os maiores núcleos de ocupação não legalizada localizados em encostas, compostos
por mais de mil casebres, localizavam-se na zona norte ou nas imediações da área central voltadas para o norte (São Carlos,
Mangueira e Jacarezinho). Os dados recuperados pela autora comprovam que o movimento de conurbação, que se acentuaria entre
as décadas de 1950 e 1970, já estava em curso na época.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


146 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Favelas do Estado da Guanabara – FAFEG iniciou um processo de resistência em defesa dos espaços
ocupados pelas favelas, minado após o golpe militar de 196475.

Conforme sugeriu Silva (2005a: 100-101, 105-110 e 153), a partir da análise dos dados dos
levantamentos da PDF (1948), da SAGMACS (1960) e da Fundação Leão XIII (a partir da década de 1950),
em cerca de 44% das favelas originadas até a década de 1950, especialmente nas mais antigas, o acesso à
moradia se deu através da locação da edificação ou “do chão”, indicando a vinculação da sua origem com a
autorização, consentimento ou estímulo dos proprietários das terras, instituições privadas, religiosas ou
públicas, com ou sem pagamento de taxas e aluguéis. De acordo com essa autora, mais da metade da mão-
de-obra masculina das favelas recenseadas (52%) trabalhavam na vizinhança de seu lugar de moradia. É
interessante pontuar que a política em relação às favelas não considerou esta relação, optando por encarar o
fenômeno como geração espontânea. Segundo Bonduki (1998), a tradicional política de controle sobre as
favelas passou a apoiar-se mais fortemente na atuação de agências estatais, visando antecipar e esvaziar
demandas coletivas através de soluções individuais e enfraquecer as tentativas de organização dos
moradores. Com a extinção do SERPHA e a criação da COHAB – Companhia de Habitação Popular do
Estado da Guanabara, cujas ações se reduziram à construção de casas do tipo embrião em subúrbios
distantes, para onde foram removidas as famílias faveladas, reforçou-se o autoritarismo estatal sobre as
favelas (VALLA 2005)76. A incorporação da Fundação Leão XIII ao Estado, ainda que continuasse a ser
operada pela igreja, assim como a criação da COHAB, se constituíram na base institucional para o poder
público estadual exercer uma estratégia de controle burocrático, de viés coercivo, sobre as populações
faveladas (PARISSE 1970, BOHADANA 1983 e BONDUKI 1998).

Com o golpe militar e a partir da criação do Banco Nacional da Habitação - BNH, em 1964, a política
urbana é basicamente reduzida ao problema habitacional, tratado sob a ótica economicista e tecnocrática,
com a implementação de uma política nacional centralizada e padronizada, com ênfase na aquisição da casa
própria como eixo central da política urbana. Esta estratégia, urdida na década de 1940, redirecionou mais
efetivamente o foco da política urbana para as conquistas individuais na intenção de refrear as mobilizações
que pressionavam por reformas urbanas. O estímulo à construção civil, o foco na conquista da casa própria
e o estímulo à poupança se constituíram, a partir deste período, na mola mestra das ações governamentais,
na intenção de por fim à desordem social e urbana (AZEVEDO e ANDRADE 1982, BONDUKI, 1998).77

75 Sobre o confronto entre as políticas adotadas entre as diferentes esferas governamentais no período e sobre a criação da FAFEG

e sua atuação contra as remoções, consultar PARISSE, Lucien. Favelas de l’agglomeration de Rio de Janeiro. Leur place dans Le
processus d’urbanization. Tese de doutorado. Strasbourg: Centre de Géographie Appliquée. Université de Strasbourg, 1970 e
LEEDS, Anthony and LEEDS, Elisabeth. Sociologia do Brasil Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
76 Para um panorama abrangente da questão da pobreza no Brasil, ver Valla, Victor Vincent; Stotz, Eduardo Navarro e Algebaile,

Eveline Bertino. Organizadores. Para compreender a pobreza no Brasil, Rio de Janeiro: Contraponto/ENSP, 2005, 207 p.
77Para mais detalhes sobre o complexo quadro de interações entre o Estado e o setor privado em relação a esta questão, ver
AZEVEDO, Sérgio de e ANDRADE, Luiz Gama de. In: Habitação e Poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 147
Para tanto, conforme argumentou Bohadana (1983: 71), era necessário acabar com a organização
interna das favelas, dispersando espacialmente seus moradores e transformando os favelados em aliados da
ordem. No Rio de Janeiro, a política de erradicação das favelas, com foco nas favelas localizadas na zona
sul da cidade, prevaleceu entre 1962 e 1967, com a construção dos conjuntos habitacionais da Cidade de
Deus (6658 unidades), Vila Aliança (6178 unidades), Vila Kennedy (5509 unidades) e Vila Esperança (464
unidades). Estas remoções coincidiram com uma nova onda de valorização das encostas pelo mercado
imobiliário ao longo da década de 1960.

Conforme já mencionado, a progressiva consolidação do vetor de expansão em direção à orla


marítima fomentou, ao longo do tempo, a valorização pelo mercado imobiliário das encostas que serviam de
ligação aos lugares mais distantes da orla, ainda não conectados através da planície. Entretanto, a partir do
momento em que a ligação mais efetiva com as áreas valorizadas da orla marítima se estabeleceu de forma
mais direta, com a extensão da estrutura viária através da implantação dos túneis e viadutos entre o final da
década de 1960 e início da década de 1970, houve um gradativo redirecionamento do interesse do mercado
em direção à continuidade de ocupação da orla. Paralelamente, os grandes deslizamentos ocorridos em
1966 e 1967, intensamente noticiados pela imprensa, foram amplamente utilizados para justificar a
necessidade das remoções. Por outro lado, estes eventos extremos e a ameaça da proliferação da
construção de edifícios nas encostas ensejaram a criação de vários instrumentos legais em âmbito municipal
para a proteção das encostas na década de 1970.

O fim da política de remoção em massa da população favelada para conjuntos habitacionais na


periferia da cidade entre as décadas de 1970 e 1980, o gradativo reconhecimento do seu direito de
permanência nas encostas conquistado pelos movimentos sociais urdidos nas favelas78 e,
conseqüentemente, o arrefecimento do medo da expulsão sumária estimularam mudanças significativas na
morfologia da paisagem das favelas cariocas, transformando a paisagem, antes considerada efêmera e
transitória, em uma paisagem perene, ainda que em contínua transformação. Com a gradativa abertura da
sociedade em direção à redemocratização ao longo da década de 1980, ainda que continuassem a ser
consideradas ilegais, as favelas passaram a mostrar sinais de “concretude e permanência” na paisagem,
expressa na solidez dos materiais empregados, na expansão dos seus limites e na sua expansão vertical.
Esta concretude e perpetuação, no entanto, ainda não foi completamente assimilada pelo poder público. Com
o empobrecimento da classe média e o crescimento dos níveis de desemprego e da economia informal,
gerados pelo esgotamento da estrutura econômica, baseada no capitalismo produtivo, e sua absorção pelo
capitalismo financeiro, os focos de ocupação informal pulverizaram-se na paisagem da cidade. As sucessivas
crises econômicas e políticas nas décadas de 1980 e 1990 fizeram surgir novas favelas e ampliar as

78 Nos períodos de abertura política e ideológica - durante o início da década de 1930, entre meados da década de 1950 e meados
da década de 1960 e a partir de meados da década de 1980 - ou mesmo em épocas mais repressivas, como forma de resistência,
conforme indicaram Silva (2005a) e Bohadana (1983), os movimentos sociais e a organização dos moradores das favelas cariocas,
auxiliados ou incentivados por setores da igreja e de partidos políticos foram fundamentais para o reconhecimento e a legitimação do
direito das populações pobres a seu lugar na cidade.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


148 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
existentes, através da expansão horizontal e por meio da progressiva verticalização. Disseminaram-se
também favelas em áreas periféricas e menos valorizadas.

Ao longo destas décadas o poder público realizou intervenções urbanísticas em diversas favelas
com financiamento do Banco interamericano de Desenvolvimento (BID), com vistas a implantar e melhorar a
infraestrutura e a acessibilidade, introduzir equipamentos e serviços públicos urbanos e regularizar a posse
da terra, na tentativa de transformar, desta forma, as favelas em bairros. No entanto, críticas contundentes ao
Programa Favela-Bairro79 reunidas e apontadas por Leitão (2009) questionaram a percepção, implícita na
metodologia adotada pelo programa, das favelas como unidades homogêneas; a ausência de uma efetiva
participação popular organizada no processo de planejamento e implementação dos projetos; a pouca ênfase
dada aos programas de promoção social e melhoria do nível de vida da população e a pouca atenção à
melhoria das unidades habitacionais. Conforme demonstrado por Abramo (2003), apesar das melhorias em
infraestrutura, as intervenções urbanísticas promovidas pelo Programa Favela-Bairro não trouxeram
alterações significativas para a situação social e econômica da população das favelas beneficiadas pelo
programa, embora tenham estimulado o crescimento destes assentamentos e a valorização de seus imóveis.
É fato, como destacou Leitão (2009) que, independentemente ou não da implementação deste programa, as
décadas de 1980 e 1990 assistiram ao surgimento de uma nova classe média baixa, do fortalecimento do
mercado imobiliário informal, de mercados alternativos de bens e serviços e de uma maior diversidade de
usos e formas de ocupação nas favelas cariocas.

Em síntese, conforme apontaram Bohadana (1983), Abreu (1994) e Bonduki (1998), a relação do
poder público com as favelas ao longo do século XX foi marcada por racionalidades distintas e constantes
redirecionamentos. Ignorados, reeducados, controlados, banidos, exaltados, reabilitados, readmitidos e
tolerados no espaço urbano, os favelados estabeleceram suas estratégias ao longo do tempo para lidar com
este movimento pendular da sociedade e conseqüentemente, do poder público, em relação a eles.
Paralelamente, as áreas de encostas ocupadas pelas elites enfrentaram um gradativo processo de
desvalorização, em decorrência de um novo ciclo de desinteresse por parte do mercado imobiliário,
influenciado pela dominação do narcotráfico sobre as favelas, pelo acirramento da violência urbana e pela
conseqüente sensação de insegurança que se abateu sobre a cidade, inaugurando um novo período de
indefinição quanto à destinação das montanhas da cidade. Estas circunstâncias levaram o mercado a adotar
os condomínios fechados como um novo modelo de ocupação baseado no medo.

79O Programa Favela-Bairro foi iniciado a partir de 1994 para atender favelas entre 500 a 2500 domicílios, que representavam na
época um terço das favelas cariocas ou 60% da população favelada do Rio de Janeiro (SILVA e TÂNGARI, 2003).

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 149
3.4. A regulação e a proteção na legislação aplicada às encostas

Ao longo do processo de expansão da cidade, o crescimento urbano e a configuração da paisagem


formal no Rio de Janeiro foram pautados por diversos instrumentos legais: códigos de posturas, decretos e
leis imperiais, leis orgânicas e complementares, planos diretores, leis e decretos federais, estaduais e
municipais específicas (setoriais), códigos de obras, regulamentos de zoneamento, parcelamento e de
edificações, planos de estruturação urbana e áreas de proteção do patrimônio natural e cultural (Áreas de
proteção Ambiental - APAs e Áreas de Proteção do Ambiente Cultural - APACs). Segundo Resende (1996),
esses instrumentos, editados para controlar e ordenar o uso e a ocupação, as construções e o parcelamento
da propriedade privada, superpuseram-se na falta de um instrumento que os integrasse, deixando
transparecer a ausência de unidade no planejamento da cidade.
A análise das leis e decretos municipais e das fontes secundárias consultadas indica que alguns
aspectos se destacam no planejamento urbano praticado no Rio de Janeiro: o fracionamento do conjunto do
aparato legal, pulverizado em várias normas continuamente superpostas que revogaram ou alteraram as
anteriores; a influência da visão higienista/sanitarista; a divisão da cidade em manchas “artificialmente
homogeneizadas”, com funções, padrões e “tratamentos” comuns internamente, mas com realidades muito
diferenciadas entre si, e o embate entre a preocupação com as dimensões social, cultural e ambiental da
cidade e o princípio do direito à propriedade. Enquanto isso, conforme identificaram Cardoso (2003) e
Maricato (2001), os escassos investimentos públicos fomentaram outra ordem urbana, baseada na
irregularidade ditada pela disputa pelo acesso à terra. A análise do arcabouço legal produzido ou aplicado em
âmbito municipal permite perceber a convivência de formas diversas de racionalidade, conforme esclareceu
Milton Santos (1996: 247), que ora se tangenciam, se complementam, ora se contradizem, expressas nos
instrumentos da legislação urbanística e da legislação ambiental.

3.4.1. A regulação urbanística


O exame da legislação urbanística produzida a partir do final do século XIX até os dias atuais
permite depreender que a evolução do pensamento urbanístico no Rio de Janeiro apresenta características
peculiares. Historicamente, conforme já mencionado, as encostas foram sendo ocupadas com funções
diferentes e de forma diversa das planícies da cidade. Da captação das águas dos rios à extração de lenha e
carvão para garantir o abastecimento urbano, passando pelo fugaz e devastador cultivo do café, a
apropriação inicial das encostas esteve primordialmente atrelada à função utilitarista, da exploração e/ou do
uso produtivo dos recursos naturais. A lógica urbanística, de início norteada por questões relacionadas à
salubridade e fortemente subordinada ao pensamento higienista, como demonstrou Pechman (1996), passou
a incorporar, com o passar dos anos, preocupações relativas à aparência do conjunto urbano; ao
ordenamento das atividades e usos; à delimitação entre o domínio público e o privado; e à tentativa de
solução do problema habitacional da classe proletária através do estabelecimento de padrões mínimos de

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


150 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
habitabilidade, segundo explicaram Resende (1996), Cavallazzi (1996), Cardeman e Cardeman (2004) e
Araújo (2005).
Apesar dos primeiros atos legislativos do poder público sobre o espaço urbano do Rio de Janeiro
datarem ainda do século XVI (Cavalcanti 1997 e 2004), a menção específica à ocupação em morros ou às
margens de rios ou valas só veio a constituir objeto da legislação para toda a cidade na virada do século XX,
através dos decretos nº 762/1900 e 391/1903. A uniformização técnica, numeração serial e oficialização dos
projetos de alinhamento, aprovados como mecanismo urbanístico regulador da ocupação do solo pela
administração Pereira Passos na virada do século XX instaurou, entretanto, uma prática urbanística
extremamente fragmentada. Os projetos de alinhamento (PAs) tinham como objetivo delimitar o domínio
público do domínio privado, conforme a prática herdada desde o período colonial referente ao alinhamento
das construções e ao cordeamento dos logradouros, conforme explicou Abreu (2001) 80.
Como demonstrou Borges (2007), a aplicação do zoneamento urbanístico como instrumento de
planejamento e gestão do solo foi adotada de forma embrionária no Rio de Janeiro ainda no século XIX,
consolidando-se através de diversas normativas instituídas em 1914 (decreto 1594/1914), 1918 decreto
1185/1918), 1924 (decreto 2021/1924), 1925 (decreto 2087/1925), 1935 (decreto 5595/1935), 1937 (decreto
6000/1937), 1970 (decreto E 3800/1970) e 1976 (decreto 322/1976), como veremos adiante. Esta prática
difundiu-se pelas demais cidades brasileiras, cujas respectivas legislações o incorporaram a partir da década
de 1930.
Também para Villaça (1999) e Andreatta (2006), alguns dispositivos legais estabelecidos no Rio de
Janeiro ao longo do século XIX, como o primeiro código de Posturas Urbanas, datado de 1834, já traziam a
idéia de um proto-zoneamento ao dividir a cidade em zona de cidade e zona dos campos. Vale ressaltar que
em 1918, a zona urbana do Rio de Janeiro foi pela primeira vez subdividida em outras três zonas que
abrangiam a área central e as áreas compreendidas entre o litoral às áreas montanhosas, de acordo com a
posição geográfica e a valorização urbana (BORGES, 2007). Esta composição foi sucessivamente alterada
nas normativas subseqüentes, como demonstrou esta autora. Os decretos 2021/1924 e 2087/1925
ampliaram o número de zonas e alteraram a composição e os limites de abrangência de cada zona,
instituindo as zonas central, urbana, suburbana e rural, às quais foram vinculados dispositivos e parâmetros
urbanísticos inclusive nas áreas montanhosas81.
A consolidação gradativa da separação entre zonas residenciais e zonas não residenciais se
consolidou no Rio de Janeiro a partir do decreto de 5595/1935, substituído em seguida pelo decreto

80 Ao todo foram aprovados 196 Projetos de Alinhamento na administração Pereira Passos, à maioria localizados na área central e
vias de ligação com as zonas norte e sul da cidade. Estes projetos eram oficializados através de decretos acompanhados dos
respectivos projetos desenhados à nanquim em tela imperial transparente, visados e arquivados pela Diretoria de Obras, cujas cópias
heliográficas eram distribuídas para outros órgãos estaduais e federais (Reis, 1977:18).
81O Decreto 2021/1924 dividiu o território da cidade em quatro zonas: zona central; zona urbana; zona suburbana e zona rural e
estabeleceu gabarito máximo de dois pavimentos superpostos e afastamentos laterais mínimos de 5m para edificações situadas em
encostas com declividade acima de 40º na zona central e na zona urbana. Permitiu casas de madeira nos morros da cidade, com
exceção dos morros situados da zona central e de alguns morros localizados na zona urbana, a saber: Santa Teresa, Glória, Morro
da Viúva, do Pasmado e Santa Marta.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 151
6000/1937, nos quais foram estabelecidas as zonas residencial, comercial, portuária, industrial e agrícola. A
preocupação, ainda que pontual, com a defesa e a proteção do aspecto paisagístico e do patrimônio histórico
foi introduzida gradativamente a partir do Decreto 6000/1937. A aplicação do zoneamento urbanístico no Rio
de Janeiro adquiriu, como parte de sua lógica, critérios, feições e nomenclaturas diferenciadas localmente.
Sua efetividade, em termos de regulação da ocupação nas encostas, foi fortemente balizada pela prática de
licenciamentos individualizados caso a caso, a partir dos Projetos de Alinhamento Aprovados (PAAs),
reforçada a partir dos primeiros anos do século XX, e dos Projetos de Loteamentos Aprovados (PALs),
oficializada por decreto a partir de 1935, e também pelos instrumentos legais instituídos na década de 1970.
O Decreto 5595/1935, instituído na administração de Pedro Ernesto e elaborado por uma comissão
mista composta por representantes da administração pública, do Instituto dos Arquitetos do Brasil, do
Sindicato dos Engenheiros e da Associação dos Construtores Civis do Rio de Janeiro, introduziu diversas
normativas referentes ao processo de regulação do uso e da ocupação urbana no Rio de Janeiro. Este
decreto instituiu pela primeira vez na cidade a necessidade de licença para abertura de loteamentos e
desmembramentos em áreas com testada para logradouro público, a observância da relação entre os
espaços livres destinados ao público e as áreas destinadas aos lotes, da orientação e concordância dos
traçados, de dimensionamento dos lotes e da indicação de afastamentos, áreas máximas de ocupação das
edificações nos lotes, reserva de espaços livres no interior das quadras e áreas a serem cedidas para
edifícios públicos e parques.
Ao procurar uniformizar os processos de licenciamento em toda a cidade, estabeleceu regras mais
abrangentes e precisas para a abertura de logradouros e loteamentos, exigindo a apresentação de título da
propriedade, certidão negativa do registro de imóveis, declaração do credor hipotecário, cumprimento de
diversas exigências técnicas e execução de projetos complementares e memórias justificativas referentes à
drenagem, esgotamento sanitário, instalação de água potável, pontes e contenções, sistema de calçamento
e arborização (Decreto 5595/1935, arts. 548 a 588). A partir de então, o foco do poder público, norteado pela
preocupação econômica, passou a direcionar-se mais diretamente ao parcelamento da terra urbana
privada.82
A regulamentação do uso do concreto armado através dos decretos promulgados em 1924 (Decreto
2021) e 1925 (Decreto 2087) e, posteriormente 1937 (Decreto 6000), impulsionou o surgimento de construções
verticalizadas, com quatro pavimentos ou mais. Vários dispositivos estabelecidos no Decreto 6000/1937, como as
novas regulamentações relativas ao uso do concreto armado, a institucionalização do edifício de
apartamentos como o novo tipo de habitação coletiva, a fixação de gabaritos mínimos para diversas áreas da
cidade e a permissão para construir dez ou mais pavimentos, inclusive em algumas áreas de encostas,

82A cultura do planejamento na cidade do Rio de Janeiro, pautada pela preocupação com o desenvolvimento urbano e econômico,
como destacaram Cavallazzi (1996) e Araújo (2005), sempre privilegiou a lógica do espaço construído, direcionada pelo mercado
imobiliário como foco de atenção e ação. Decorreram daí, conforme observaram as autoras, as tentativas sistemáticas de controlar a
produção dessa porção do espaço urbano em detrimento de uma maior ênfase na regulação do espaço público. Segundo Fridman
(1999:239), a metade da área loteada na cidade do Rio de Janeiro entre 1938 e 1988 já estava consolidada na década de 1940.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


152 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
prepararam as bases do boom imobiliário que ocorreria na década de 194083. O processo de verticalização
ao longo do século XX, desencadeado pelas normativas de 1924, 1925, 1928 e, sobretudo, pela de 1937,
marcou o avanço do mercado imobiliário sobre as encostas e só não foi mais prejudicial devido às restrições
normativas estabelecidas a partir de 1970.84
A preocupação com o aspecto paisagístico das montanhas cariocas, apesar de bastante propalada
no Decreto 6000/1937, refletiu-se em seu arcabouço legal de forma invariavelmente pontual e dissociada da
preocupação com o impacto da verticalização, com ênfase em medidas para garantir a visibilidade da
paisagem urbana a partir das montanhas da cidade, a defesa de pontos panorâmicos e resguardar este
território para os interesses do mercado imobiliário. Até o início da década de 1970, a paisagem vista da
cidade em direção às montanhas não era considerada quando dos sucessivos aumentos no gabarito das
edificações nas áreas valorizadas85.
Como parte desta estratégia, outro impacto importante sobre as encostas da cidade, a partir do
decreto de 1937, foi a proibição de indústrias em bairros residenciais e a transferência da atividade industrial,
por meio de alterações no zoneamento, para setores da zona norte (Abreu 1987, Vaz 2002 e Silva 2005b). A
implantação do zoneamento industrial de 1937 acarretou o fechamento de diversas fábricas de tecidos
implantadas em fins do século XIX junto aos rios e córregos nas vertentes dos Maciços da Tijuca e Pedra
Branca.
Os decretos E 3800/1970, 322/1976 e 8312/1988, além de outras normativas complementares,
promoveram alterações expressivas em relação à ocupação das encostas na cidade. A primeira inovação
significativa foi implementada pelo Decreto-lei 77/1975, no qual os parâmetros estabelecidos relacionavam a
altura da edificação à sua posição geográfica, incidindo apenas sobre a área de proteção paisagística da VI
RA (Lagoa). Este decreto deu origem à normativa instituída pelo Decreto 322/1976, que vinculou as alturas
das edificações às cotas de soleira nas outras áreas da cidade. Estes dispositivos contribuíram diretamente
para a formação das faixas que caracterizam a zona de fronteira entre a floresta e a malha urbana sobre as
encostas do Rio de Janeiro, ao tentar estabelecer uma gradação de proteção de sua paisagem.
A primeira iniciativa mais efetiva em âmbito urbano para proteção das florestas nas encostas se deu
com o decreto E 3800/1970, que enfatizou pela primeira vez áreas com características singulares, às quais
designou de Zonas Especiais (ZE), com a finalidade de proteção ambiental ou de regulação específica. Entre

83 Transparece do Decreto 6000/1937 o forte poder discricionário aos órgãos encarregados de licenciar as construções e sua
atuação, fortemente influenciada por critérios estéticos.
84 A regulamentação do edifício de apartamentos e conseqüentemente, da possibilidade de fracionamento da terra urbana em
parcelas ideais superpostas, com no mínimo cinco pavimentos foi instituída por decreto em 1928 (Abreu 2001 e Vaz 2002). O
incentivo à verticalização continuou a imperar no decreto 6000/1937, apesar das recomendações relativas à proteção da paisagem.
As recomendações relacionadas à estabilidade das montanhas cariocas que faziam parte do decreto de 1937 ainda figuravam na
legislação de forma não coerciva. O órgão licenciador “poderia” exigir dos proprietários a fixação das terras por meio de vegetação,
construção de canalizações ou de muralhas de sustentação quando ocorressem deslizamentos de terras em terrenos particulares,
em conseqüência das enxurradas ou das águas de infiltração. Entre 1959 e 1962, dois instrumentos normativos – a Lei 948/1959 e o
Decreto 992/1962 – tiveram como foco a regulamentação da exploração de barreiras, saibreiras, pedreiras e turfeiras.
85 Os decretos E 5456/1972 e 5457/1972 continuaram a estabelecer determinações pontuais em relação à proteção paisagística. O
primeiro dispôs sobre a proteção das Pedras dos Dois Irmãos e da Gávea e o segundo, da paisagem em torno da Lagoa Rodrigo de
Freitas.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 153
estas, figuravam áreas situadas em encostas, com destaque para a ZE 1, correspondente à zona de reserva
florestal, além das Zonas Especiais 3, 5 e 10 (ZE 3, ZE 5 e ZE 10), todas posteriormente ratificadas pelo
Decreto 322/197686.
Em resposta aos grandes deslizamentos ocorridos no final da década de 1960 e à ameaça da
aprovação de loteamentos nas encostas da Zona Sul da Cidade, o Decreto E 6168/1973, referendado
posteriormente pelo Decreto 322/1976, no art. 234, e ainda hoje em vigor, proibiu a abertura de novos
logradouros e Ioteamentos de iniciativa particular acima de 60 metros em relação ao nível do mar (cota 60m).
Permaneciam edificáveis apenas os lotes com dimensões permitidas pela legislação vigente provenientes do
desmembramento de terrenos com testadas para logradouro público reconhecido. Esse decreto estabeleceu
ainda que as terras a serem doadas ao poder público, conforme o Regulamento de Parcelamento de Terra
(RPT) do Decreto E 3800/1970, deveriam estar situadas abaixo da cota 60m.
Com a promulgação do Decreto 322/1976, continuaram proibidos os loteamentos ou arruamentos de
iniciativa particular nas áreas situadas em ZE 1, correspondentes à Zona de Reserva Florestal, impedidos
pelos instrumentos legais de 1970 e de 1973, ressalvados os terrenos integrantes de Projetos Aprovados de
Loteamento (PALs) com testada para logradouro público reconhecido. Na existência de PALs aprovados, os
parâmetros estabelecidos induziam a uma ocupação bastante rarefeita, com lotes mínimos de 10.000 m2;
uso residencial; uma única edificação unifamiliar por lote; gabarito máximo de dois pavimentos para
edificações de qualquer natureza; área livre mínima entre 80% e 90 % da área do lote, dependendo da
dimensão do mesmo; testada mínima de cinqüenta metros e afastamento frontal mínimo de cinco metros
(Decreto 322/1976, art. 166). Por este artigo, entretanto, permitiu-se edificar em lotes existentes com
quaisquer dimensões, desde que respeitada área livre mínima de 80%. Vale ressaltar que a esta normativa
não estabeleceu nenhum parâmetro quanto à permeabilidade do solo e à supressão de vegetação nativa.
O Decreto de 1976 declarou oficialmente as áreas não ocupadas ou com parcelamentos não
legalizados até a data da sua promulgação como "non aedificandi” e definiu, para as áreas limítrofes à
reserva florestal, correspondentes à faixa entre as cotas sessenta e cem metros, zonas de ocupação
residencial unifamiliar de intensidade rarefeita, correspondentes a ZR-1, zona residencial urbana e a ZR-6,
zona agrícola. A regulação do gabarito das edificações nestas zonas, consubstanciada no dispositivo de
correlação entre a altura das edificações e as cotas de soleira, teve por objetivo estabelecer uma redução
gradativa nas alturas das edificações em relação ao restante da mancha urbana87.

86 As Zonas Especiais 1 (ZE 1) são as zonas destinadas a proteger a cobertura vegetal das encostas acima de 60 metros em relação
ao nível do mar (cota 60) nos morros do Pão de Açúcar, Urca e Telégrafo e serra do Engenho Novo, e acima de 100 metros em
relação ao nível do mar (cota 100) nos demais morros e serras do município. A Zona Especial 3 (ZE 3) corresponde à XXIII Região
Administrativa, de Santa Teresa, posteriormente transformada em Área de proteção Ambiental, com regulamentação específica. A
Zona Especial 5 (ZE 5) se refere a área do Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá, elaborado pelo urbanista Lúcio Costa,
posteriormente regulamentada através do decreto municipal 3046/1981, que estabeleceu 46 zonas, nas quais estão incluídas as
encostas dos bairros de Jacarepaguá e do Itanhangá. As Zonas Especiais 10 (ZE 10) equivalem às áreas ocupadas por favelas e
foram também destacadas no zoneamento, uma vez que correspondiam a áreas de interesse social, com vistas à posterior
regularização e recuperação urbana.
87Este decreto limitou também a altura das edificações nos casos onde houvesse limite fixado anteriormente por decreto ou projeto
aprovado de loteamento ou ainda nas áreas voltadas para os elementos paisagísticos emblemáticos da cidade. Nestas áreas,
nenhum elemento construtivo localizado à jusante das vias no lado voltado para o mar pode ultrapassar as cotas de nível da calçada.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


154 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Pelo estabelecido no art. 163 do Decreto 322/1976, a restrição à ocupação das encostas teria
sofrido uma retração considerável em relação ao Decreto 6168/1973, recuando para a cota 100m a limitação
quanto à implantação de novos parcelamentos. Entretanto, ao ser ratificado pelo Decreto 322/1976 de forma
camuflada no art. 234, das Disposições Transitórias, garantiu a ampliação, de modo oblíquo, da proteção
sobre as áreas a partir da cota 60 m para as quais não havia loteamentos aprovados ou implantados,
fazendo valer nos já aprovados ou implantados os parâmetros estabelecidos na legislação vigente. Esta
estratégia espelha os conflitos e embates que devem ter permeado as discussões quando da formulação da
normativa e gera dúvidas e incertezas na aplicação da lei.
O Decreto Municipal 8321/1988 criou condições mais permissivas à ocupação das encostas do que
o estabelecido pelos decretos anteriores (de 1970, 1973 e 1976), ao permitir edificações escalonadas em
terrenos de encostas com inclinação superior a 20% (vinte por cento), situados nas Zonas Especiais 1 e nas
zonas limítrofes (denominadas Zonas Residencial 1 – ZR 1), com exceção dos bairros de Santa Teresa e de
São Conrado, aos quais o instrumento não se aplica. Com este decreto, a restrição à verticalização das
encostas ficou bastante comprometida, uma vez que os pavimentos recuados mais de 3 m em relação ao
plano da fachada deixaram de ser computados na altura da edificação e, conseqüentemente, o número de
pavimentos passou a ser ilimitado. A restrição à verticalização resumiu-se a limitação de 3 pavimentos
superpostos ou altura máxima de 11m. Desta forma, esse decreto estabeleceu parâmetros menos restritivos
justamente em áreas com declividade associada à ocorrência de deslizamentos, conforme demonstram os
estudos de Avelar (1996 e 2003), Avelar e Lacerda (1997), Lacerda (1997) e Coelho Netto (2005 e 2007a),
nas quais a permissão para ocupação deveria ser ainda mais criteriosa. Além disso, foram desconsiderados
a Lei federal 6766/1979, então ainda em vigor, que cerceou o parcelamento em áreas com declividade acima
de 30%, exigindo a sua aprovação pelos órgãos competentes, e o Código Florestal, que veda qualquer forma
de ocupação acima de 45º e restringe o desmatamento nas áreas com declividade entre 25º e 45º. Maior
permissividade ainda ocorreu mais tarde, com a publicação do Decreto Municipal 9218 de 1990. Nas áreas
não valorizadas da Cidade, incluindo toda a área suburbana, permitiu-se a legalização de edificações de
pequeno porte situadas também nas encostas, nas franjas das favelas, independente dos parâmetros
estabelecidos pela legislação em vigor.
No mesmo ano, o decreto 7976/1988 alterou o Decreto "E" 6168/ 1973 nas áreas situadas na XVII
RA, Bangu; XVIII RA, Campo Grande; XIX RA, Santa Cruz, XXII RA, Anchieta e XXV RA, Pavuna, ampliando
a permissão para a abertura de logradouros em áreas declividade igual ou inferior a 30%(trinta por cento) no
Maciço da Pedra Branca, na Serra do Mendanha e na Serra do Quitungo até a cota 75m, e nas demais
áreas, até a cota 100m, inovando, em termos locais, ao condicionar a aprovação do projeto de parcelamento
à apresentação da planta de declividades naturais na escala do projeto, demarcando as áreas com
declividade de 0 a 15%, 15% a 30% e maior que 30%, as quais não seriam passíveis de ocupação.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 155
Com a implementação dos Planos de Estruturação Urbana (PEUs), de acordo com as bases
estabelecidas pelo Plano PUB-Rio, de 1977, nomenclaturas e parâmetros específicos passaram a vigorar em
determinados recortes territoriais, alguns deles abrangendo áreas de encostas. Os primeiros PEUs
reproduziram a nomenclatura e os parâmetros das Zonas Especiais 1. Posteriormente esta denominação foi
alterada para Zonas de Conservação Ambiental – ZCA, para classificar as áreas objeto de proteção do
ambiente natural, sobrepondo-se à legislação ambiental, na tentativa de melhor incorporá-la. Na maioria dos
casos, os mesmos critérios e parâmetros da ZE 1 foram adotados na sua demarcação, prevalecendo a
proteção acima da cota 100m. Em outros, como no PEU de São Conrado, no PEU de Campo Grande ou no
controverso PEU das Vargens — alteraram-se limites, critérios e parâmetros, tornando-se mais restritivos ou
mais permissivos, conforme o caso88. Também no âmbito dos PEUs, o critério da gradação de proteção
costuma ser observado, tal qual no Decreto 322/1976, através da criação de zonas de ocupação residencial
unifamiliar de intensidade rarefeita nas áreas limítrofes, adotando-se, entretanto, uma nomenclatura distinta
(Zonas Residenciais Unifamiliares – ZRUs).

a. Normativas relativas aos espaços livres


Com relação aos espaços livres, nota-se que esta matéria nunca foi o foco de atenção nas
normativas de regulação no Rio de Janeiro, marcadas pela expressiva permissividade quanto à doação de
áreas publicas no momento do parcelamento. As normativas relativas à destinação de áreas públicas para
esta finalidade foram estabelecidas no Regulamento de Parcelamento da Terra – RPT, instituído pelo
Decreto E nº 3800/1970, e no Decreto nº 322/1976 (Arts. 52 e 53) e contemplam apenas grandes glebas. O
RPT tornou obrigatória a cessão ao Estado, em glebas com área total superior a 30.000 m², pertencentes ao
mesmo proprietário, de apenas 6% da sua área total destinada a praças, jardins ou outros espaços livres ou
a serviços públicos, vedada a inclusão de áreas non aedificandi neste percentual. Em casos de
desmembramento de área superior a 30.000 m², com parcelamento inicial de área inferior a 30.000 m², o lote
ou lotes desmembrados ficaram onerados em 6% de sua área para doação futura ao Estado, quando da
completa execução do loteamento. Em loteamentos com mais de cinqüenta lotes e área inferior a 30.000 m²,
determinou-se, no Decreto E nº 3800/1970, a vinculação da área destinada à recreação equivalente ao
mínimo de 12 m² por lote, tendo em sua menor dimensão, 10 m de largura média. Este percentual foi
posteriormente reduzido para 3 m² por unidade residencial (Mapa 10).
O Decreto 6168/1973, por sua vez, estabeleceu que as terras a serem doadas ao poder público,
conforme o Regulamento de Parcelamento de Terra (RPT) do Decreto E 3800/1970, deveriam estar situadas
abaixo da cota 60m. Os projetos aprovados de alinhamento e os de parcelamento da terra (loteamento,
desmembramento) e os de remembramento anteriores à vigência do Decreto "E" n.º 3.800/1970 ficaram
mantidos, prevalecendo o afastamento, a taxa de ocupação (ou área livre mínima), os usos, a altura máxima,

88No PEU Campo Grande, as Zonas de Conservação Ambiental são delimitadas a partir da cota de 50 metros. Em contrapartida, é
permitido o parcelamento entre as cotas de 50 metros e 100 metros, condicionando à aprovação do órgão municipal responsável pela
segurança das encostas e a parâmetros de ocupação mais restritivos.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


156 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
o número máximo de pavimentos das edificações e os limites máximos de profundidade de construção
indicados no Decreto 322/1976.
Este decreto (Decreto 322/1976, art. 91 e quadro VI) estabeleceu percentuais quanto às áreas livres
mínimas no lote que variam de 30% a 50%, de acordo com a zona urbana e a região administrativa em que o
lote estiver inserido. Nos casos de grupamentos de edificações os percentuais variam de acordo com o
número de edificações por lote, entre 35% (2 edificações) a 65% (mais de 10 edificações). A única zona
urbana cujo foco foi a proteção dos espaços livres independentemente de sua titulação é a Zona Especial 1,
uma vez que, por este decreto, as áreas não ocupadas ou com parcelamentos não registrados até a data da
sua promulgação foram oficialmente reconhecidas como "non aedificandi” mesmo nos casos dos PALs já
aprovados, foi estabelecida a obrigatoriedade de área livre mínima dentro dos lotes entre 80% e 90%. No
entanto, não foi incluído nenhum dispositivo limitando a supressão de vegetação ou a impermeabilização
destes espaços livres. Quanto ao tema, o decreto 8321/1988 limitou-se a instituir área livre mínima
correspondente a 50% da área do lote em ZR-1 e referendar os parâmetros de taxa de ocupação previstos
em ZE-1 pelo Decreto 322/1976.
Em todo o arcabouço legal examinado, não há menção à estruturação sistêmica dos espaços livres
públicos. Suas relações de conectividade e complementaridade enquanto sistema, sua capacidade de
fomentar a coesão e o encontro e o fato de permearem todo o espaço urbano, justapondo-se ao sistema de
objetos edificados não parecem ter sido objeto da devida atenção por parte do poder público89. A cidade na
legislação e a cidade na prática tangenciam-se quanto à prevalência reguladora e propositiva dos espaços
edificados sobre os espaços livres e dos espaços privados sobre os públicos. O mais perto que a legislação
municipal chegou em termos de um conceito sistêmico se deu com a implementação das Unidades de
Conservação e, principalmente, com a criação dos conceitos de Mosaico de Unidades de Conservação e
Zona de Amortecimento, como veremos a seguir. Apesar do Decreto 322/1976 ter instituído zonas de
ocupação de intensidade rarefeita nas bordas das reservas florestais protegidas pela ZE-1, na zona norte
predominam áreas classificadas como ZR 4 na borda imediata da floresta, onde é permitida a verticalização.

b. Normativas relativas à política habitacional


A leitura do Decreto 6000/1937 evidencia o tipo de tratamento dado à questão habitacional das
classes de baixa renda pelo poder público na época. Apesar de já admitidas pelo Plano Agache em 1930 e
reconhecidas oficialmente por esse decreto, que as definiu como “conglomerados de dois ou mais casebres
regularmente dispostos ou em desordem, construídos com materiais improvisados”, as favelas foram, por
aquele decreto, consideradas anti-higiênicas e, juntamente com os cortiços e estalagens, condenadas à

89No tocante aos espaços livres públicos urbanos, o foco dos instrumentos normativos implementados a partir de 1984 foram as
regulamentações relativas à arborização e poda de árvores (decretos e resoluções de 1984, 1990, 1994, 2001, 2003 e 2006) à
adoção de áreas verdes e outros equipamentos públicos como praças, parques, jardins, monumentos, chafarizes, ciclovias (1988,
2005 e 2006), à regulamentação do uso desses espaços (2004 e 1999) ou ainda à indicação de áreas non-aedificandi nas regiões
administrativas das zonas centro e sul da cidade (1988).

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 159
extinção. Através da simples promulgação desse instrumento, o poder público pretendeu eliminar essa
tipologia urbanística/arquitetônica e impedir tanto a realização de qualquer obra ou construção nas já
existentes quanto a formação de novos aglomerados.

A política habitacional na época limitava-se a estabelecer padrões construtivos mínimos para as


construções destinadas a esse extrato da população e indicar os locais onde seriam toleradas, demonstrando
que a lógica higienista ainda orientava fortemente o tratamento dispensado pelo poder público a esta
questão. O Decreto 6000/1937 estabeleceu ainda condições para “construções expeditas em madeira”, na
intenção de ordenar e garantir um padrão construtivo que se pretendia “mínimo” nas favelas, mas que
envolvia uma extensa lista de requisitos. Ao “decretar” a extinção dessas tipologias edilícias, a solução
proposta foi substituí-las por núcleos de habitações “baratas, de tipo mínimo”, na medida em que fossem
sendo extintas. Tais núcleos também deveriam cumprir uma série de determinações extremamente
detalhadas. Porém, as regras estabelecidas, apesar de tão detalhadas, não garantiam o saneamento
ambiental, limitando-se a admitir o procedimento usual de lançamento em fossa biológica ligada a um
sumidouro, onde o efluente, na falta de galeria de águas pluviais, poderia ser lançado na sarjeta do
logradouro.
Entre meados da década de 1940 e o início da década de 1960, no Rio de Janeiro, uma orientação
ideológica mais arejada, somada a uma postura populista, deram o tom do tratamento dispensado pelo poder
público às favelas, como reflexo do momento de distensão política e das conquistas dos movimentos sociais.
Apesar da ambigüidade no trato com as favelas ainda prevalecer, novas instituições assistencialistas foram
criadas, com destaque para as ações associadas entre o Estado e a Igreja Católica, conforme já
mencionado. Em 1956, conforme mostrou Silva (2005a), a Lei federal 2875/1956 autorizou a destinação de
fundos a organizações que lidassem com favelas no Rio de Janeiro, Recife, São Paulo e Vitória e proibiu
durante dois anos ações de despejo nas favelas do Rio de Janeiro. O Decreto 1742/1963, promulgado
durante a administração de Carlos Lacerda, regulamentou a remoção das favelas das áreas valorizadas ao
longo da década de 1960 e a construção de grandes loteamentos como os de Vila Kenedy e Cidade de
Deus. Entre as justificativas apresentadas para a necessidade de rever a legislação em vigor, foram
mencionados: a discrepância entre o aumento da população e os índices relativos à construção de unidades
habitacionais no Estado; a alegação de que o crescente processo de favelização decorria em grande parte
da legislação obsoleta, asfixiante e desestimuladora da participação da iniciativa privada no mercado
imobiliário; o monopólio do crédito pelos governos; e a ausência de crédito destinada à construção civil e à
compra da casa própria.
A análise do teor destas normativas evidencia os fortes interesses do capital imobiliário em
transformar a questão habitacional em um negócio lucrativo. O Decreto 16.431/1997 representou uma
tentativa não efetivada de retorno à antiga orientação política voltada para as remoções, ao instituir o
Sistema de Controle e Repressão à Ocupação Irregular no Território Municipal, tendo como objetivos
declarados proteger as áreas de proteção ambiental, garantir a integridade do patrimônio público municipal e

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


160 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
assegurar o cumprimento da legislação urbanística e ambiental. Valendo-se também da premissa de
proteção ambiental, o Decreto 20.287/2001 regulamentou o Programa de Delimitação Física em Áreas de
Interesse Ambiental, conhecido como Programa Ecolimites, que tem como objetivo cercar áreas de domínio
público ou privado (ocupadas por favelas) necessárias à proteção ambiental ou à implantação de programas
de reflorestamento, manutenção, recuperação ou revitalização das condições ambientais.
A partir de 1992, diversos instrumentos legais foram estabelecidos, de forma pontual e fragmentada,
com vistas a indicar Áreas de Especial Interesse Social, conforme previsto no Plano Diretor Decenal de 1992.
Os instrumentos legais que regulamentam as AEIS municipais são extremamente simplificados, quase
simplórios. Permitem todos os usos e atividades complementares ao uso residencial, desde que não
poluentes e não causadoras de incômodos à vizinhança. Os parâmetros estabelecidos para a ocupação são
comuns, de modo geral, a todas as Áreas de Especial Interesse Social, como se estas fossem homogêneas,
e dizem respeito a restrições quanto ao gabarito, com a permissão de no máximo 3 pavimentos em
determinadas vias, ou no máximo 4 pavimentos na Rocinha; e a proibição de usos e atividades, que incluem
armazenagem de ferro velho; produtos inflamáveis (exceto tintas e vernizes) e explosivos; gás liquefeito de
petróleo; e armas e munições.
Incongruências e contradições transparecem destas normativas. Seu objetivo foi possibilitar a
regularização das edificações nestas áreas, com a concessão de habite-se e inscrição imobiliária, desde que
as edificações atendessem a condições suficientes de ventilação, higiene e estabilidade estrutural, cujos
parâmetros, entretanto, não foram especificados em nenhum dos decretos. Não há também instrumentos
efetivos para definir limites entre áreas coletivas e áreas privadas. Gradativamente, o enfoque vem se
direcionando ao reconhecimento das graves implicações da inépcia da política vigente em relação à questão
social. O que se quer destacar é o permanente conflito entre a política urbana e a política habitacional
carioca, nas bases em que foram fundadas, e a política de proteção ambiental nas encostas da cidade.
O Programa Favela-Bairro, implantado a partir de 1994, como mais uma iniciativa pontual marcada
pela visão das favelas como unidades homogêneas, não foi pensado no âmbito de um Plano Habitacional.
Idealizado com a intenção de urbanizar as grandes favelas cariocas e integrá-las espacialmente à cidade, o
Favela-Bairro, privilegiou intervenções urbanísticas nos espaços livres de uso coletivo, enfatizando a
melhoria da infraestrutura e da acessibilidade nas comunidades através da construção de equipamentos
públicos e da abertura e pavimentação de ruas e caminhos de pedestres.

3.4.2. A proteção ambiental

a. Recortes territoriais sob proteção

A política ambiental adotada atualmente em âmbito municipal baseou-se em uma conceituação


bastante ampla em relação aos objetos de proteção, respaldada pela concepção compreensiva do ambiente
e das questões ambientais pela Constituição Federal de 1988. Os primeiros recortes territoriais definidos
como de interesse para a proteção no Rio de Janeiro mesclavam características naturais e características

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 161
culturais notáveis. A partir dessa premissa, foram aprovados diversos instrumentos legais de proteção
ambiental a partir de meados dos anos 1980. Conforme apontado por Schlee e Albernaz (2009), a legislação
ambiental estabelecida na Cidade foi pioneira ao criar e regulamentar as primeiras Áreas de Proteção
Ambiental  APAs90.
A lei complementar 16 de 1992, que instituiu o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro,
marcou a institucionalização da política municipal do meio ambiente, ao indicar a necessidade de criar um
órgão específico responsável por sua proteção e tutela e definir as categorias de proteção ambiental a serem
adotadas em âmbito municipal. Além de consolidar as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), já previamente
regulamentadas no Decreto n.° 7.612, de 1988, estabeleceu outras sete categorias de proteção ambiental:
Áreas de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARUs), Áreas de Relevante Interesse Ecológico,
Reservas Biológicas, Estações Ecológicas, Parques e Áreas de Preservação Permanente e Áreas de
Proteção do Ambiente Cultural (APACs). Esta última figura de proteção surgiu pioneiramente na cidade do
Rio de Janeiro, destinada a conjugar a ocupação urbana com a proteção de conjuntos urbanos
representativos das diversas fases de ocupação da cidade. Entretanto, os recortes anteriormente protegidos
continuaram a adotar a nomenclatura anterior e permaneceram sob a tutela do órgão que as criou.
As Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (APACs) foram criadas para proteger recortes territoriais
que envolvam ambiências e conjuntos urbanos representativos das diversas fases de ocupação da cidade.
Com exceção das APACs de Santa Cruz e da Ilha de Paquetá, todas as demais áreas protegidas devido aos
seus atributos culturais situam-se na área central e suas imediações e na zona sul da cidade (Mapa. 11).
Se por um lado a implementação desse conjunto de medidas significou um importante avanço na
proteção ambiental em âmbito municipal, por outro, iniciou um processo de cisão entre os aspectos naturais
e culturais do meio ambiente, com a criação de instrumentos próprios de proteção para cada uma das
categorias. Esta separação foi endossada pela Lei Federal 9885/2000 que, ao criar o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza (SNUC)91, desconsiderou o aspecto cultural. Nesse bojo, as áreas

90A APA de Santa Teresa (criada pela lei municipal 495/1984 e regulamentada pelo decreto municipal 5050 de 1985) foi a primeira a
ser instituída, em seguida foram estabelecidas as APAs da Fazendinha (1984), de Grumari (1986), de São Cristóvão (1986), do
Sacopã (1986), dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo (1987), da Urca (1988), da Paisagem e do Areal do Pontal (1988), da
Pedra Branca (1988), do Bairro Peixoto (1989), da Prainha (1990), da Orla da Baía de Sepetiba (1990), do Morro do Leme (1990), da
Cidade Nova (1991), São José (1991), do Várzea Country Club (1991) e de Marapendi (1991), todas anteriores ao Plano Diretor de
1992 e muitas delas abrangendo áreas de encostas.
91 As unidades de conservação regulamentadas no SNUC subdividem-se em unidades de proteção integral, correspondentes às
áreas destinadas à “manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitindo-se apenas o
uso indireto dos seus atributos naturais” (inciso IV do artigo 2º da lei federal), e unidades de uso sustentável, onde é permitida a
“exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos,
mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável” (inciso XI do
artigo 2º da lei federal). Constituem Unidades de Conservação de Proteção Integral: 1. Estação Ecológica; 2. Reserva Biológica; 3.
Parque Nacional; 4. Monumento Natural e 5. Refúgio de Vida Silvestre. As Unidades de Conservação de Uso Sustentável abrangem:
1. Área de Proteção Ambiental; 2. Área de Relevante Interesse Ecológico; 3. Floresta Nacional; 4. Reserva Extrativista; 5. Reserva de
Fauna; 6. Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e 7. Reserva Particular do Patrimônio Natural.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


162 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
ocupadas por favelas, loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais de baixa renda, assim como suas
respectivas vizinhanças, foram, pela primeira vez, consideradas oficialmente passíveis de re-estruturação e
regularização e declaradas como Áreas de Interesse Social. Até então, como já mencionado, estes
assentamentos eram considerados “provisórios” perante a legislação. A reboque do Plano Diretor,
multiplicaram-se no território municipal recortes objetos de tutela diferenciados, com critérios e parâmetros
urbanísticos e ambientais específicos para cada categoria.
Com a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), em 2000,
cristalizou-se a cisão conceitual entre as áreas protegidas por suas características naturais e as áreas
protegidas por seus atributos culturais, conforme observaram Schlee e Albernaz (2009). A legislação
municipal acabou por se especializar e adotar, tanto quanto possível, a “política de preservação de amostras
representativas dos ecossistemas remanescentes”, criando diversas unidades de conservação, “seguindo as
diretrizes estabelecidas em nível nacional”, como indicou Bredariol (2001).
A divisão entre Unidades de Conservação de Proteção integral e Unidades de Conservação de Uso
Sustentável, implementada pelo SNUC (Lei Federal 9985/2000), fez com que as unidades estabelecidas em
âmbito municipal tivessem que se adequar aos critérios da nova lei. Segundo Guerra (2005), tanto em um,
quanto em outro caso, a necessidade de enquadramento à normativa federal gerou conflitos de naturezas
diversas. Os primeiros resultam da permanência das comunidades locais e/ou ocupações irregulares em
Unidades de Conservação de Proteção Integral, algumas vezes englobando áreas indicadas como Áreas de
Espacial Interesse Social (AEISs) pela legislação municipal. Outros decorrem da superposição do
zoneamento ambiental instituído pela normativa federal (SNUC) ao zoneamento urbanístico vigente, em
especial quando em Unidades de Conservação de Uso Sustentável. As Zonas de Ocupação Controlada
(ZOCs), estabelecidas no zoneamento ambiental, via de regra fixam parâmetros diferenciados das zonas
urbanísticas incidentes sobre as mesmas áreas e/ou sobre as áreas limítrofes, nem sempre mais restritivos.
Outros ainda advêm da superposição entre a ZE-1, as Unidades de Conservação estabelecidas em âmbito
municipal e as Unidades de Conservação estabelecidas em âmbito estadual (Mapas 12 e 13).
Além disso, são poucas as Unidades de Conservação estabelecidas em âmbito municipal que já
contam com planos de manejo, com monitoramento e demarcação de zoneamento e de planos de
fiscalização, com metodologia adequada às áreas protegidas. Não há coordenação de estratégias, ações e
decisões entre os órgãos responsáveis pela gestão urbanística e pela gestão ambiental. Entre as principais
dificuldades está o controle de uso e ocupação do solo nas imediações das áreas protegidas. As ações
coercivas no combate às pressões e ameaças que impactam as áreas protegidas e as medidas destinadas a
promover a regularização fundiária nas áreas protegidas são pontuais e insuficientes.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 165
Outro ponto de conflito refere-se à criação de uma categoria de Unidade de Conservação que ocorre
apenas na cidade do Rio de Janeiro. As Áreas de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARUs)
foram previstas no artigo 124, inciso II, do Plano Diretor de 1992, instituído pela Lei Complementar №
16/1992, para “proteger áreas de domínio público ou privado dotadas de características ecológicas e
paisagísticas notáveis, que dependam de ações do poder público para a regulação do uso e ocupação do
solo e para a restauração de suas condições ecológicas e urbanas”. Esta categoria, entretanto, tal como as
APACs, não consta da relação de Unidades de Conservação definidas na Lei Federal 9985/2000 (SNUC).
Das três APARUs que existem na cidade, duas incidem sobre domínios montanhosos: A APARU do Alto da
Boa Vista, situada no Maciço da Tijuca, contígua ao Parque Nacional da Tijuca, e a APARU da Serra da
Misericórdia, situada na zona norte da cidade.
Entre todas as áreas objeto de proteção, as Áreas de Preservação Permanente situadas nas
encostas do Rio de Janeiro são as que apresentam maior dificuldade de reconhecimento e delimitação e,
conseqüentemente, o menor alcance em termos de proteção, devido às definições pouco precisas e à
insuficiência de parâmetros estabelecidos pela legislação federal. Sua delimitação suscita várias dúvidas
quanto à correta interpretação e aplicação dos dispositivos legais e se constituem em objeto de acirrados
conflitos, especialmente em cidades onde a ocupação urbana é amplamente consolidada, como é o caso do
Rio de Janeiro.
As áreas situadas nos topos de morros e montanhas e as áreas com declividade acima de 45º,
elencadas na Resolução CONAMA nº 303 como Áreas de Preservação Permanente, são uma das que mais
apresentam problemas de interpretação e aplicação. As áreas situadas nos topos de morros e montanhas,
segundo a resolução, são delimitadas, “a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura
mínima da elevação em relação à base” (art.3º, inciso V). A definição da base de morro como “plano
horizontal definido por planície ou superfície de lençol d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota
da depressão mais baixa ao seu redor”, de acordo com a mesma resolução (art. 2º, inciso VI), é pouco
esclarecedora, parece ter sido pensada de modo bidimensional, com foco em áreas pouco inclinadas,
comprometendo sua aplicação em áreas de topografia mais acidentada.
A criação das zonas de amortecimento e das áreas de transição teve origem no zoneamento
ambiental estabelecido para as Reservas da Biosfera, instituído pela UNESCO em 1971 (UNESCO. In:
http://www.rbma.org.br/mab/unesco_01_oprograma.asp), cornforme mencionado anteriormente. Este
zoneamento definiu uma gradação concêntrica de proteção formada por uma zona central, correspondente
às áreas efetivamente protegidas; uma zona de amortecimento, correspondente às áreas onde é permitido o
uso limitado dos recursos ambientais e atividades educacionais; e uma zona de transição, correspondente às
áreas onde são permitidos outros tipos de atividades correlatas, desde que respeitadas as condições naturais
da região.
A legislação ambiental brasileira, através da Lei Federal nº 9985/2000, incorporou as duas primeiras
zonas (zona núcleo e zona de amorteicmento), definindo zona de amortecimento como “o entorno de uma

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 171
unidade de conservação onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com
o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade” (Lei Federal nº 9985/2000, Artigo 2°, Inciso
XVIII). Entretanto, esta normativa não definiu raios de alcance, regulamentou parâmetros ou definiu
restrições claras a que estariam sujeitas as atividades humanas, atribuindo a responsabilidade ao órgão
responsável pela unidade de conservação para estabelecer os parâmetros, regulamentar o uso dos recursos
e controlar a ocupação da área (parágrafo 1° do artigo 25°)92.
O Rio de Janeiro é a única cidade brasileira a contar com uma Zona de Amortecimento e com
Florestas de Proteção, instituídas pela esfera federal em território municipal. Estas duas figuras de proteção
incidem sobre o Maciço da Tijuca, onde se localizam os três recortes espaciais estudados. Apesar da figura
da zona de amortecimento ter sido instituída em âmbito federal em 2000, a aplicação desta ferramenta pela
legislação ambiental na cidade do Rio de Janeiro é bastante nova. Em 2008, com a revisão do plano de
manejo do Parque Nacional da Tijuca, foi instituída a primeira zona de amortecimento de uma Unidade de
Conservação de Proteção Integral no âmbito da cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de minimizar os
efeitos ou impactos negativos decorrentes da ocupação humana e de suas atividades sobre o Parque
Nacional da Tijuca.
Além da zona de amortecimento, as florestas em torno do Parque Nacional da Tijuca, já contavam
com uma proteção adicional desde a década de 1960. Em 1967, as florestas em torno do PNT foram
declaradas Florestas de Proteção e tuteladas pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN)93. Em termos operacionais, isto significa que todo licenciamento ou intervenções públicas ou
privadas dentro dos limites estabelecidos por esta normativa, isto é, acima da cota 80 m em alguns trechos
do Maciço da Tijuca ou acima da cota 100 m em outros, necessitam da aprovação do IPHAN, que examina
as solicitações caso a caso. Florestas de Proteção e Zona de Amortecimento do Parque Nacional da Tijuca
instituídas pela esfera federal no Maciço da Tijuca em 1967 e 2008, respectivamente, não apresentam limites
totalmente coincidentes entre si e com a Zona Especial 1 (ZE 1). A Zona de Amortecimento ainda não foi
regulamentada (Mapa. 14).

92 A preocupação em salvaguardar a área em torno das unidades de conservação no Brasil data da segunda metade do século XX.
Antes mesmo da criação do SNUC, a legislação brasileira já previa tratamento diferenciado para o entorno das áreas protegidas em
âmbito federal. Tratavam-se, no entanto, de restrições genéricas aplicadas em um raio de alcance muito extenso. A Lei Federal №.
5.197/1967 restringiu o uso dos recursos nas áreas distantes até cinco quilômetros dos terrenos adjacentes a áreas de domínio
público. O Decreto № 99.274, de 06/06/1990, no artigo 27, submeteu o licenciamento de qualquer atividade que pudesse afetar a
biota nas áreas localizadas num raio de dez quilômetros das estações ecológicas às normas especiais estabelecidas pelo CONAMA.
A Resolução CONAMA № 13/1990, no Art. 2º, estendeu esse parâmetro para todas as unidades de conservação, tornando
obrigatório o licenciamento pelo órgão ambiental competente, de qualquer atividade que pudesse afetar a biota em um raio de dez
quilômetros ao redor das unidades de conservação.
93Florestas de Proteção: Tombamento Federal – Processo 762 – T – 65 - Livro arqueológico, etnográfico e paisagístico- n.º 42 , folha
10, em 27/04/1967 - Tombamento do Parque Nacional da Tijuca e de suas Florestas de proteção acima das cotas 80 e l00 metros.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


172 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
A ferramenta denominada Mosaico de Unidades de Conservação foi inicialmente proposta em
âmbito mundial para atenuar os impactos causados pela fragmentação das áreas protegidas sobre a
biodiversidade dos ecossistemas que estas se propõem a proteger. À medida que a área em torno das
Unidades de Conservação se desenvolve e vai sendo desmatada, as Unidades de Conservação acabam se
tornando meros fragmentos florestados isolados. A aplicação do Mosaico de Unidades de Conservação como
forma de gestão de um conjunto de Unidades de Conservação de categorias semelhantes ou diferentes,
próximas, justapostas ou sobrepostas, foi regulamentada pelo decreto federal 4340/2002, que previu a
instalação de um conselho do mosaico, com caráter consultivo e com a função de atuar como instância de
gestão integrada das Unidades de Conservação que o compõem (decreto federal 4340/2002, art. 9).
As Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), por sua vez, foram instituídas pela Lei
9985/2000 como uma das categorias de Unidades de Conservação, com o objetivo de conservar a
diversidade biológica. Nestas áreas são permitidos apenas usos vinculados à pesquisa científica e à visitação
com objetivos turísticos, recreativos e educacionais, cabendo aos proprietários, orientados pelo poder
público, decidirem sua destinação. O Decreto 5746/2006, que regulamentou o art. 21 da Lei no 9.985/2000,
referente às Reservas Particulares de Patrimônio Natural – RPPN, estabeleceu no art. 2º, que as RPPNs
podem ser criadas tanto por solicitação dos proprietários quanto pelos órgãos integrantes do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. Este decreto criou também mecanismos de
incentivo à criação de RPPNs, sobretudo em zonas de amortecimento e mesmo em Áreas de Proteção
Ambiental - APAs94.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável (PDDUS) do Município do Rio de Janeiro,
instituído pela Lei Complementar n.º 111/2011, por sua vez, definiu como áreas de restrição à ocupação as
Unidades de Conservação de Proteção Integral e as Áreas de Preservação Permanente e áreas com
condições físicas adversas à ocupação: áreas frágeis situadas no domínio montanhoso, as áreas frágeis
sujeitas à inundação e as áreas cobertas por restingas e manguezais e seus biomas associados. As áreas
de restrição à ocupação englobam também, segundo o PDDUS, áreas de transição entre as áreas objeto de
proteção ambiental e as áreas com ocupação urbana (arts. 26, 27 e 28). As áreas de restrição foram
incluídas nas quatro Macrozonas de Ocupação estabelecidas no PDDUS, respeitadas as suas características
e os seus condicionantes, segundo o art. 31, parágrafo 1º e o art. 32 (PDDUS, Lei nº 111/2011): Macrozona
de Ocupação Controlada; Macrozona de Ocupação Incentivada, Macrozona de Ocupação Condicionada e
Macrozona de Ocupação Assistida, as quais, no entanto, foram definidas sem a delimitação das áreas de
restrição à ocupação nos domínios montanhosos ou nas áreas sujeitas a inundações, legando a um futuro

94 Entre os incentivos, incluiu-se a isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, mas não há menção à isenção de

Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana – IPTU. Moradias e estruturas existentes antes da criação da RPPN podem ser
mantidas até a elaboração do seu plano de manejo, que definirá sua destinação. Admite-se ainda em RPPNs moradia do proprietário
e funcionários diretamente ligados a gestão da unidade de conservação, conforme disposto em seu Plano de Manejo. Por todas estas
razões, as RPPNs precisam ser regulamentadas pela instância municipal.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 175
instrumento normativo a tarefa de identificar, delimitar e mapear efetivamente as áreas de restrição à
ocupação, que ficariam superpostas às macrozonas.
Os conceitos “áreas de transição” e “zonas de amortecimento” foram aplicados no atual Plano
Diretor de maneira diversa do estabelecido pela UNESCO para as Reservas da Biosfera e pela Lei Federal
9985/2000 (SNUC). Tendo em vista a existência de Unidades de Conservação de Proteção Integral sob
tutela das instâncias federal, estadual e municipal dentro dos limites do território do Rio de Janeiro; a
ocorrência de zona de amortecimento, tutelada pela instância federal (IBAMA) e ainda não regulamentada; a
tutela das florestas de proteção tuteladas por outro órgão em instância federal (IPHAN), depreende-se pelo
disposto no PDDUS de 2011 que tanto a Zona de Amortecimento quanto as Florestas de Proteção estariam
contidas dentro das áreas de transição entre as áreas objeto de proteção ambiental e as áreas com
ocupação urbana. O Mapa Síntese das Áreas Protegidas evidencia a sobreposição de tutelas de instâncias e
órgãos de proteção com interesses diferenciados e explicita a necessidade de articulação intersetorial no
âmbito do poder público municipal e de integração interescalar entre as esferas federal, estadual e municipal.
A cisão entre a dimensão natural e cultural, em detrimento de um ambiente considerado em sua integridade,
reflete a necessidade de adequação às disposições estabelecidas em âmbito nacional e a visão fragmentária
e setorizada da ótica político-organizacional municipal (Mapa 15).

b. Dispositivos legais de prevenção quanto à vulnerabilidade a deslizamentos

Em conseqüência da intensificação da ocupação das encostas na cidade, tanto formal quanto


informal, houve um gradativo aumento de acidentes induzidos pelo adensamento e pela forma com que essa
ocupação se estruturou. A influência da intensificação da ocupação urbana do Rio de Janeiro no aumento do
número de casos de deslizamentos foi provada por Amaral (1996), que indicou uma associação direta entre a
execução de cortes e escavações nas encostas com a deflagração dos deslizamentos ocorridos em áreas
urbanas.
De acordo com o inventário de deslizamentos elaborado por Amaral (1996: 140), nos eventos de
deslizamentos ocorridos entre 1966 e 1967, 50% ocorreram devido a cortes e escavações para construção
de residências (formais e informais); 17%, devido a cortes e escavações para abertura de vias; 14%,
associados a causas naturais, 5% ocorreram em áreas de exploração mineral e 0,5%, associados ao despejo
de lixo e águas servidas. Nos eventos da década de 1980, ainda segundo Amaral (1996), a influência dos
cortes e escavações para construção de residências (formais e informais) na deflagração de deslizamentos
continuou a prevalecer, atingindo 52%. Os eventos relacionados à abertura de vias e a causas naturais
diminuíram para 10% (cada). O mesmo percentual da década de 1960 foi mantido para os eventos ocorridos
em áreas de exploração mineral. Os casos de deslizamentos ocasionados por despejo de lixo e águas
servidas aumentaram para 23%. Em 1996, os levantamentos elaborados pela GEO-RIO não seguiram a
mesma metodologia aplicada por Amaral (1996), mas é sabido que predominaram deslizamentos do tipo
corrida (ou avalanche) de detritos, de grandes proporções, como aconteceu, por exemplo, junto aos rios

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


176 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Quitite e Papagaio, no Pau da Fome e nos Condomínios Floresta e Eldorado, em Jacarepaguá, e no Vale
Encantado, no Alto da Boa Vista, deflagrados a partir das cabeceiras dos rios, cujas causas estão associadas
a mais de um fator, envolvendo causas naturais, atividade pretérita de mineração de blocos, construção de
edificações sobre depósitos de blocos rochosos e o avanço das edificações sobres as faixas ribeirinhas. Em
2010, os deslizamentos tiveram também associação direta com a execução de cortes nas encostas,
vazamentos na rede de abastecimento e falhas nos direcionamentos das linhas de drenagem, executadas
quando da implantação e recuperação de estradas (GEO-RIO 1996 e 2010).
Os efeitos catastróficos dos deslizamentos ocorridos ao longo do século XX, especialmente os
ocorridos na década de 1960 e entre o final da década de 1980 e meados da década de 1990, bem como a
tomada de consciência quanto à intensificação da ocupação como ativador deste processo nortearam
diversas iniciativas de regulação do poder público, de maneira geral setorizada e pontual, com vistas à
mitigação e a viabilização da ocupação em áreas reconhecidamente vulneráveis, conforme veremos a seguir.
Cortes e aterros com mais de 3m de altura para viabilizar edificações foram proibidos pelo Decreto Nº
2677/1980. O Decreto n° 9.767/1990, que regulamentou o art. 4° da Lei n° 1574/1967, exigiu licença da
GEO-RIO para obras de drenagem e de estabilização quando da abertura de logradouros, implantação de
loteamentos, execução de edificações e acréscimos nos casos de movimento de terra ou obras de
estabilização com altura superior a 3m; em terrenos com inclinação superior a 20º ou quando, no local ou nas
suas imediações, estivesse em funcionamento ou tenha havido exploração, licenciada ou não, de saibreira
ou pedreira.
A Resolução “N” nº 002/1993, que estabeleceu normas para o licenciamento de obras de contenção
de talude, serviços de terraplanagem e exploração de jazidas e, entre outros dispositivos, fixando parâmetros
para comprovar a estabilidade das encostas quando da execução de cortes e estruturas de contenção com
altura superior a 3m. A partir de 2007, além da aprovação da GEO-RIO, tornou-se obrigatória, pelo Decreto
nº 28329/2007, a consulta à Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC) quando da implantação de
parcelamentos e construções onde haja movimento de material sólido superior a 5000m³; em lotes com área
igual ou maior que 10000m²; em lotes situados em Unidades de Conservação municipal previstas na Lei
Federal n.º 9985/2000, em lotes com mais de 1000 m², localizados total ou parcialmente em áreas com
declividade igual ou superior a 25º; em lotes com área superior a 2000m² localizados total ou parcialmente
em áreas limítrofes a Unidades de Conservação Municipal previstas na Lei Federal n.º 9985/2000 e nos lotes
localizados ZE 1 – Zona Especial 1 ou ZCA – Zonas de Conservação Ambiental.
A exploração mineral de areia em leito de rios, saibro e a exploração de pedreiras foi regulamentada
pelo Decreto “E” Nº 3800/1970. No caso das pedreiras, já se aplicava o Decreto “E” nº 2757/1969, que
restringiu a exploração de novas pedreiras no então Estado da Guanabara às Regiões Administrativas XII,
XIII, XIV, XVII, XIX e XXII, estabelecendo a necessidade de área de segurança com distância mínima de
200m entre qualquer parte da frente de ataque e as divisas da área de lavra. Mas foi apenas a partir da
década de 1990 que a exploração, então executada em paredes contínuas, passou a ser feita em degraus,
de forma escalonada (COUTINHO, 2010). Dentre as normativas para exploração mineral, a que concerne à

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 179
exploração de granito é mais efetiva e abrangente. A Lei n.º 1.358/1988 estabeleceu normas para lavra de
granito ornamental, exigiu Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (RIMA) e proibiu a lavra de granito
acima da cota 100m e dentro dos limites das áreas protegidas municipais e das florestas de proteção
tuteladas pelo IPHAN (art. 5°). Exigiu ainda uma envoltória de proteção de 150m de raio em relação à frente
de lavra em aglomerados urbanos (art. 6°).
A extração de substâncias minerais do solo ou subsolo, a exploração de recursos hídricos e
execução de obras de recuperação/estabilização em áreas degradadas por atividade de
mineração/terraplenagem foi regulamentada pelo Decreto nº 21682/2002, que proibiu novas frentes de
exploração mineral em áreas com potencial turístico, de importância paisagística ou ecológica; em áreas
localizadas em Área de Preservação Permanente (APPs), definidas na Lei Federal 4771/1965 (Código
Florestal); em áreas localizadas em Unidades de Conservação Ambiental definidas no Plano Diretor Decenal
da Cidade; localizadas nas Áreas de Planejamento 1 e 2; quando a exploração mineral constituísse ameaça
à população, ao desenvolvimento urbanístico do local, ao ecossistema da região e aos mananciais hídricos,
obstruindo o escoamento pluvial em talvegues. Por este decreto ficaram submetidos à análise da SMAC o
primeiro licenciamento e toda a renovação de alvará das atividades de extração de substâncias minerais do
solo ou subsolo, independente do volume de material movimentado e da finalidade comercial; das atividades
de exploração e captação de recursos hídricos, inclusive no subsolo, para fins comerciais; das atividades de
recuperação/estabilização de áreas degradadas que envolvessem movimentação de material terroso a ser
extraído com volume superior a 5.000 m3 e qualquer atividade que envolvesse a supressão de vegetação, de
porte arbóreo ou arbustivo (art. 20o).
Apesar de não faltarem normas setoriais destinadas a mitigar os problemas decorrentes da
ocupação urbana das encostas no Rio de Janeiro e a continuar viabilizando-a, os acidentes mais recentes,
de 2010 e 2011, demonstraram que as medidas adotadas não têm sido suficientes para equacionar
ocupação e estabilidade das encostas.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


180 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
3.5. Síntese crítica e considerações intermediárias

Como vimos nesse capítulo e conforme será demonstrado em detalhe no Capítulo 4, os imbricados
processos de formação e transformação da paisagem das encostas do Rio de Janeiro foram guiados por
fatores e agentes aparentemente antagônicos que atuaram, ao longo do tempo, como elementos-chave da
estrutura urbana: o suporte geo-biofísico; os padrões de habitação impostos pelas classes abastadas; o
modelo econômico e o mercado, em sentido amplo, englobando o mercado de terras, os mercados
imobiliário e da construção civil e o mercado de trabalho em geral; o patrimônio de terras da Igreja Católica; a
legislação urbanística e ambiental e a falta de política habitacional que leva as camadas populares a habitar
as favelas. As relações de interdependência entre os agentes envolvidos e o poder político, condicionadas
pela distribuição espacial não equilibrada do mercado de trabalho e de terras e pela limitada e tendenciosa
mobilidade intra-urbana, perpetuada pela inexistência de uma rede de transportes públicos de massa,
moldaram a morfologia desta porção da paisagem carioca ao longo do processo de construção da cidade.

Conforme demonstrado, aspectos característicos da ocupação das encostas no Rio de Janeiro


incluem a disseminação da ocupação a partir dos fundos de vale e das principais linhas de drenagem natural,
que funcionam como vetores de indução à ocupação. Não por acaso, como será demonstrado em mais
detalhe no Capítulo 4, os fundos de vale tendem a capitanear e concentrar os processos de adensamento e
verticalização da ocupação. A ocupação das encostas se deu através do surgimento de núcleos formais e
informais que, via de regra, apresentam uma relação de contiguidade, vertebrados pelas vias sinuosas que
os ligam. O desenvolvimento da ocupação informal em paralelo às curvas de nível e a localização de igrejas
em pontos proeminentes do relevo também são padrões recorrentes. Os espaços livres que desempenham
função ambiental tendem a concentrar-se nas áreas mais altas dos domínios montanhosos, ao passo que a
distribuição dos espaços livres com função de urbanização situados nas encostas é bastante pulverizada,
com poucas áreas destinadas a praças e áreas de lazer. Os largos localizados no entroncamento das vias
configuram-se como padrão recorrente de espaço livre público nas encostas.
Os processos que originaram as favelas guardam estreita relação com os processos que geraram a
ocupação formal nas encostas do Rio de Janeiro. Seu surgimento vinculou-se a uma variada gama de
situações, atreladas ao processo de formação e transformação do mercado imobiliário; à realização de obras
públicas; à implantação e localização da atividade industrial; à autorização de permanência no local mediante
cobrança de taxas ou aluguéis pelos proprietários originais; à autorização de permanência por instituições
privadas, religiosas ou públicas, como as forças armadas; às invasões organizadas por políticos; à doação de
áreas à igreja por proprietários fundiários interessados em manter estoques de mão-de-obra sob a tutela da
igreja nas proximidades de suas propriedades ou à implantação de loteamentos que não tiveram o processo
de legalização concluídos, conforme foi apontado por Silva (2005a e 2005b) e Abreu (1994 e 2001).

As razões que levaram as favelas a surgir, se expandir e proliferar na paisagem urbana do Rio de
Janeiro são variadas e convergentes, em função das conjunturas políticas e econômicas. Como é possível
perceber a partir das contribuições de Valladares (1978 e 2005), Bohadana (1983), Abreu (1994 e 2001),

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 181
Bonduki (1998), Vaz (2002), Silva (2005a e 2005b) e Leitão (2009), as relações entre a população favelada e
o poder público se estabeleceram de forma cíclica, com aproximações (tolerância, aceitação e relativo
acolhimento das reivindicações dos favelados) nos períodos políticos mais progressistas, e afastamentos
(preconceito, indiferença, omissão, negação, marginalização e confronto), inclusive em termos de normas
urbanísticas, nos períodos mais autoritários. Tratou-se ao mesmo tempo de uma solução útil, não
oficialmente e talvez nem mesmo conscientemente pactuada, entre sociedade e poder público, considerada
“barata” para reproduzir a força de trabalho a baixos custos para o modelo de capitalismo implantado no
Brasil, acostumado e dependente de subsídios e incentivos do Estado. Sua expansão e proliferação foram
frutos da indiferença conivente manifestada pelos poderes públicos e pela sociedade com a “dificuldade em
arranjar um lugar para os mais pobres na cidade e mesmo com a aceitação tácita deste “passivo ambiental e
social” urbano, pela crença de que seria uma situação provisória, a ser resolvida “naturalmente” pelo
mercado ou que caberia ao Estado resolver. À medida que o tempo foi passando e a situação se agravando,
razões políticas vinculadas aos interesses de diferentes setores da sociedade (a política da bica d’água, os
currais eleitorais, o ônus político de medidas impopulares, falta de vontade política, desarticulação entre as
esferas de poder e escassez de recursos para planejar a produção habitacional de interesse social em
âmbito nacional e municipal) e razões econômicas (as sucessivas crises, o tratamento da questão
habitacional sob a ótica econômica e o surgimento de mercados alternativos aos oficiais) foram agregadas.

Este caráter cíclico é ressaltado nas nuances e mecanismos do processo de evolução desta
relação, que envolveram restrições e proibições na legislação (Decreto 6000/1937); perspectivas de
reeducação e reabilitação para a vida na cidade, baseada em mudanças físicas nos aglomerados ou em
transferências para outros contextos considerados mais adequados, como os parques proletários e conjuntos
habitacionais; erradicações e “limpeza” das áreas valorizadas da cidade; a criação de um banco para
resolver o problema habitacional e a implementação de programas governamentais pontuais, com foco,
sobretudo, nos estratos medianos das classes populares; a atribuição de responsabilidade e autorização às
próprias comunidades para melhoria das condições de vida nas favelas; a burocratização das iniciativas de
autoconstrução e, finalmente, a conquista e a aceitação da permanência da população favelada na área
originalmente ocupada e o reconhecimento e a consolidação das favelas como áreas de interesse social, ao
mesmo tempo e que se consolidam como lugar por excelência do mercado informal.

A legislação exerceu um papel fundamental como instrumento, personificando-se como agente


ativo de transformação e proteção da paisagem nas encostas da cidade. O alcance de seu desempenho é ao
mesmo tempo amplificado e camuflado pela sua dupla face. Por um lado, instrumentos legais e
procedimentos de gestão promoveram o parcelamento de uma parte significativa deste território, priorizaram
certos usos e baniram outros, induzindo a ocupação e deixando como legado um passivo ambiental e social
a ser equacionado. O Decreto 6000/1937, ao consolidar o instrumento de zoneamento como norteador da
ocupação e da gestão do solo urbano, remanejou as antigas fábricas localizadas junto aos rios e córregos
nas encostas valorizadas da cidade, deixando para trás trabalhadores sem moradia fixa, instalações

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


182 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
obsoletas e terras valorizadas pelo tipo de ocupação proposto. Por outro lado, os decretos 3800/1970 e
322/1976, que o substituiu, protegeram parcialmente as encostas através da criação de uma zona de reserva
florestal acima da curva de nível 100m, a Zona Especial 1 (ZE-1), bem antes da criação das primeiras
Unidades de Conservação em nível municipal, que foram editadas a partir de meados da década de 1980 por
leis e decretos diversos. Além disso, o Decreto 322/1976 vinculou o estabelecimento das alturas das
edificações às cotas de soleira. Este dispositivo, juntamente com a promulgação do Decreto 6168/1973, que
vedou loteamentos ou arruamentos de iniciativa particular acima da curva de nível 60m, permitindo apenas
desmembramentos de áreas com testada para logradouro público reconhecido, estabeleceu um gradiente em
termos de densidade e altura das edificações em direção à montante.

A análise dos diversos instrumentos legais esboça o retrato multifacetado da legislação que incide
sobre as encostas da cidade, caracterizada pelo fracionamento e pela cisão do aparato legal, pulverizado em
várias normas continuamente superpostas que revogaram ou alteraram as anteriores, conforme assinalou
Araújo (2005) em relação à legislação estabelecida para a cidade como um todo, e das ferramentas de
gestão utilizadas para regular o parcelamento (projetos de alinhamento e de parcelamento); pela influência
da visão higienista/sanitarista; pela divisão da cidade em áreas com funções e padrões similares e
“tratamentos” diferenciados; pelas sucessivas tentativas de mudanças na regulação, atreladas aos interesses
e desinteresses do mercado imobiliário e da construção civil; e pelo embate, nem sempre conciliável, entre
as dimensões social, cultural e ambiental da cidade e o direito à propriedade. Há um descompasso entre a
legislação ambiental e a legislação urbanística, formuladas e aplicadas de maneira estanque e ainda muito
desarticulada, bem como as legislações fundiária e habitacional, ultrapassadas e ineficazes. Tanto a
legislação ambiental como a legislação urbanística, no entanto, são pautadas por normas pontuais e visões
setoriais. Reveses, contradições e sobreposições detectados indicam que esse arcabouço legal aparenta ser
um conjunto de normas dispersas direcionadas a objetos bem diferentes. De um lado a cidade, do outro a
floresta, as montanhas e os rios que as percorrem.
A partir da década de 1980, ao mesmo tempo em que a dimensão social do problema habitacional
passou a ser considerada pelo poder público, a preocupação com a proteção ambiental passou a justificar as
ações governamentais de remoção ou controle das favelas. Leis e decretos foram editados para flexibilizar
padrões urbanísticos e edilícios destinados a legalizar a moradia dos extratos sociais mais baixos da
população ou a garantir os lucros do capital imobiliário, tendo como motivação a valorização da proteção ao
meio ambiente. Trata-se de duas visões em permanente conflito.
Importa ressaltar que esses instrumentos legais, da mesma forma como aconteceu em outros
momentos da história do Rio de Janeiro, parecem ter tido como premissa obedecer à ordem estabelecida e
fornecer critérios e diretrizes para a sua perpetuação. Tal e qual até o século XIX as normas instituídas
tinham como foco estabelecer critérios para as atividades ligadas e decorrentes do extrativismo; ao longo do
século XX passaram a privilegiar o uso residencial, criando condições para um tipo específico de mercado

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 183
imobiliário, ao mesmo tempo em que ignorava a apropriação crescente das encostas pelas camadas mais
baixas da população.
Neste contexto a década de 1970 se configurou como um marco referencial, com o
(re)conhecimento oficial, ainda que embrionariamente, do impacto da retração florestal para instabilidade dos
solos das encostas e de sua relação com o aumento da freqüência dos deslizamentos nos maciços e morros
da Cidade, comprometendo sua valorização pelo mercado imobiliário formal − como de fato aconteceu de
forma emblemática em 1966 e 1967 − a legislação urbanística do antigo Estado da Guanabara instituiu as
primeiras restrições mais efetivas à ocupação formal das encostas do então Distrito Federal (Decretos
Municipais 3800/1970 e 6168/1973 e posteriormente Decreto Municipal 322/1976), ainda vigentes. Vale
lembrar que a criação da ZE 1, a partir de 1970, ratificada como ZCAs nos PEUs, tornou mais efetiva à
limitação da ocupação urbana em torno do Parque Nacional da Tijuca, que já vinha sendo objeto de atenção
pelo IPHAN, ao estabelecer, em 1967, as Florestas de Proteção em torno do Parque Nacional da Tijuca.
Desta forma, uma vez que até hoje a APARU do Alto da Boa Vista, instituída em 1992, não foi regulamentada
e, tão pouco, a zona de amortecimento do PNT, criada no âmbito da revisão de seu Plano de Manejo em
2008, a ZE-1 vem cumprindo o papel de atenuar os impactos da mancha urbana em torno do Parque
Nacional da Tijuca e nas demais Unidades de Conservação situadas nos morros e serras da cidade. Em
2004, 16% das áreas acima da cota 100 m estavam protegidas exclusivamente pela legislação urbanística
(Mapa 16).
O Rio de Janeiro configura-se como um caso peculiar, onde a proteção às encostas através da
legislação urbanística antecedeu à proteção estabelecida pela legislação ambiental e/ou cultural. Ainda
assim, o poder público não tem logrado êxito em coibir o processo de ocupação nas encostas do Maciço da
Tijuca, ou mesmo sobre o território do Parque, desrespeitado não apenas pelas ocupações de baixa renda,
mas também por condomínios de classe média e alta, que também infringem a legislação95. No entanto,
conforme verificado, a restrição à ocupação das encostas ainda constitui matéria complexa devido à profusão
de regulamentos urbanísticos, por vezes contraditórios, referentes aos temas regulação da ocupação e
proteção das encostas, que expressam em seu bojo os conflitos de interesses e embates quando da
formulação das normativas. Ausentam-se dos atos legais analisados, disposições efetivas e tecnicamente
adequadas para o manejo sustentável desta porção marcante e fundamental para a conservação do
ambiente no Rio de Janeiro, para a proteção da sua paisagem e para a efetiva estabilização das encostas.
Como vimos, apesar dos avanços no arcabouço jurídico quanto às questões ambientais, uma forte
vinculação entre a legislação de regulação urbanística e os interesses do mercado (imobiliário, da construção
civil e de trabalho) manteve-se através do tempo. Os parâmetros definidos para regulamentar a ocupação

95Estudo realizado pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, divulgado em reportagem do Jornal O Globo, de 22 de
março de 2009, indicou que 16,7 quilômetros quadrados acima da cota 100 em todo o município do Rio de Janeiro encontravam-se
ocupados por algum tipo de construção. Deste montante, 70% das áreas (equivalente a 11,7 quilômetros quadrados) encontravam-se
ocupadas por construções de padrão médio e alto e 30% (equivalente a cinco quilômetros quadrados), correspondiam a
assentamentos aglomerados, tipo favelas, que no entanto, concentravam 73% da população aí instalada. No entanto, é importante
salientar que as ocupações irregulares não se limitam às favelas e/ou a outras formas de assentamento de estratos populacionais de
baixa renda. Existem condomínios de classe média e alta que também infringem a legislação.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


184 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
das encostas pelas normativas municipais acabaram por referendar a polarização social que, ao longo da
evolução da cidade, caracterizou a ocupação das montanhas cariocas. A análise da legislação aplicada às
encostas no Rio de Janeiro permite perceber que as determinações de cunho ambiental restringem-se ao
âmbito das áreas florestadas e ao topo das encostas, com exceção das Áreas de Proteção do Ambiente
Cultural - APACs promulgadas com o objetivo de proteger áreas de relevante interesse cultural. Esse quadro
contribui para acirrar a imagem dicotômica entre as questões social, cultural e ambiental e reflete-se no modo
diferenciado como estas áreas são tratadas pela legislação municipal.
Tanto o processo de ocupação das encostas cariocas, quanto os instrumentos de legislação criados
para orientá-la e controlá-la, são produtos decorrentes dos contextos culturais e políticos que os geraram, e
deixam transparecer conflitos de interesse e choques de visões dos agentes da sociedade que ajudaram a
construir a paisagem carioca. No Rio de Janeiro, como demonstrou Fuks (2001: 25-26 e 45), estes conflitos
relacionam-se em grande parte às atividades e estratégias do mercado imobiliário e das camadas sociais
populares direcionadas à expansão urbana. Por outro lado, persistem as críticas à rigidez dos instrumentos
em vigor para certas áreas da cidade e do Maciço da Tijuca, em especial, consideradas mais vulneráveis,
tendo em vista a ausência de proteção efetiva pela legislação ambiental e cultural. A justificativa apresentada
por alguns setores da sociedade civil, que encontra eco em parte do corpo técnico do poder público
municipal, sustenta que áreas submetidas a regras restritivas muitas vezes ficam mais expostas à ocupação
irregular, uma vez que são abandonadas pelos proprietários em vista dos custos necessários para viabilizar
legalmente a ocupação. Outro argumento freqüente é que o desenvolvimento “controlado” da ocupação
formal teria o poder de coibir a expansão informal nas encostas da cidade. No entanto, a análise mais
detalhada dos processos de ocupação em três recortes territoriais, que será apresentada a seguir, revela a
intrincada conexão entre estas duas formas de ocupação.
A quem servem estas argumentações? A quem servem a estratégia dos freqüentes
redirecionamentos nas políticas e normativas públicas, regidas pela dicotomia entre o suporte físico-
ambiental e o suporte sócio-econômico? Três são os agentes sociais beneficiados: os setores da sociedade
civil interessados em permanecer e usufruir oportunamente do estoque de terras nas encostas cariocas; os
agenciadores da ocupação nas favelas, que se aproveitam da cortina de fumaça e das práticas pontuais e
aparentemente desconexas para continuar suas transações imobiliárias; e o poder público, que não quer
arcar com o ônus político de regular, fiscalizar e remover ocupações irregulares e em áreas de risco, nem de
pobres, nem de ricos. A situação relatada nessa pesquisa espelha a natureza das relações sócio-ambientais
que se estabelecem nas encostas da cidade, que regem as disputas pelo seu controle territorial e nos remete
à teoria de Garrett Hardin, desenvolvida em 1968, conhecida como “the Tragedy of the Commons”, segundo
a qual os interesses individuais, quando superpostos aos interesses coletivos, acabam por comprometer a
sustentabilidade do sistema de relações.

CAPÍTULO 3: RIO DE JANEIRO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 187
CAPITULO 4

Singularidades, correspondências e contrastes em três recortes territoriais no Maciço da Tijuca –


estudo comparativo

4.1. O suporte geo-bio-físico, a estrutura e a composição da ocupação

O Maciço da Tijuca é o mais urbano dos três maciços costeiros situados na cidade do Rio de
Janeiro. É atravessado por vias de circulação que se interconectam à malha viária urbana unindo as zonas
sul (Jardim Botânico) e norte (Tijuca, Grajaú e Vila Isabel) à região da Barra da Tijuca (São Conrado,
Itanhangá e Jacarepaguá) e ao centro da cidade. Segundo Coelho Netto, a morfologia do Maciço da Tijuca é
assimétrica. As amplitudes de relevo e os gradientes topográficos não são espacialmente uniformes. As
encostas da vertente norte do maciço são as mais expostas à insolação, a temperaturas mais altas, à
poluição industrial e aos incêndios provenientes da grande quantidade de balões soltos no inverno, época
mais seca do ano, favorecidos pela presença dispersa e pulverizada de enclaves de gramíneas, altamente
combustíveis (GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ, 2000 e COELHO NETTO, 2005).

As vertentes sul e leste do maciço são as que apresentam a maior proporção de cobertura florestal
arbórea em melhor estado de conservação devido a um conjunto de fatores que compreendem a ocorrência
de menores taxas de insolação e, conseqüentemente, uma maior umidade do solo; grandes amplitude e
declividade do relevo, aliadas a uma maior concentração de áreas protegidas. Entretanto, esta configuração
não inibiu a ocupação urbana até aproximadamente 300m acima do nível do mar, tanto formal, quanto
informal, onde convivem diferentes grupos sociais. Na vertente oeste do maciço, onde o processo de
ocupação urbana é mais recente, combinam-se altos índices de insolação e a ocorrência ainda mais
freqüente de incêndios, tanto provocados por balões, quanto decorrentes das práticas agrícolas
rudimentares, ainda presentes nesta região. Este quadro, de acordo com Coelho Netto (GEOHECO-
UFRJ/SMAC-PCRJ, 2000 e COELHO NETTO, 2005), tem favorecido a expansão acelerada das áreas
cobertas por gramíneas sobre as áreas de floresta nesta vertente do maciço (Mapa 17).

As encostas do Maciço da Tijuca tiveram parte da sua área protegida pela criação do Parque
Nacional da Tijuca (PNT) em 1961. O PNT abrange 3953,22 ha de área territorial e é formado atualmente por
quatro setores não contíguos – Serra da Carioca, Floresta da Tijuca, Pedra-Bonita/Pedra da Gávea e Pretos
Forros/Covanca, o último deles anexado em 2004. Distingue-se dos demais parques nacionais brasileiros
pela sua completa inserção na malha urbana do Rio de Janeiro, situação que confere ao parque
características singulares. Na revisão de seu Plano de Manejo, elaborada em 2008, foi estabelecida uma
zona de amortecimento com vistas a minimizar os chamados efeitos de borda sobre os quatro fragmentos
protegidos (PARNA TIJUCA/ICMBIO 2008) (Mapa 18).

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 189
O Estudo de Caso 1 situa-se a leste do Maciço da Tijuca, na bacia do Rio Carioca, e se insere na
confluência entre as partes altas dos bairros do Cosme Velho e Santa Teresa, na interface com as
comunidades Guararapes, Vila Cândido e Cerro-Corá. Em 2000, estas três favelas, localizadas no bairro do
Cosme Velho, abrigavam 39,5% da população total do bairro em 2000 (IBGE Censo 2000, Armazém de
Dados/IPP/PCRJ). Este recorte espacial foi escolhido como objeto de estudo devido à importância histórica
do Rio Carioca para a cidade do Rio de Janeiro e por tratar-se de uma área com ocupação mais antiga, que
se estabeleceu inicialmente ao longo do século XIX e se consolidou na primeira metade do século XX. Este
recorte insere-se na zona de ruptura de gradiente (degrau estrutural), que nesta bacia situa-se entre as cotas
60m e 200 m acima do nível do mar, e exibe fragmentos paisagísticos heterogêneos: floresta em estágios
sucessionais diversos (avançado, alterado e em recomposição), ocorrência esparsa de gramíneas e
urbanização com padrões diferenciados, tanto nas áreas formais (Cosme Velho e Santa Teresa) como nas
favelas (Guararapes, Vila Cândido e Cerro-Corá), além de escarpas rochosas de grande impacto na
paisagem do Rio de Janeiro (Corcovado e Morro Dona Marta). A ocupação neste recorte espacial assenta-se
sobre vales estreitos e espraia-se à meia encosta e sobre os divisores.

Fig. 63 a, b e c. A interface entre a floresta nativa e os núcleos de


ocupação formal e informal no Cosme Velho, no Rio de Janeiro. A
floresta penetra a área ocupada através dos fundos dos lotes já
edificados e dos lotes ainda não ocupados. O eixo da ocupação
formal coincide com o fundo do vale do Rio Carioca, em cuja
margem direita situam-se os assentamentos informais. Guararapes,
atravessada pelo Rio Carioca, se desenvolveu à meia-encosta, a
partir da margem do rio, e Cerro-Corá, sobre o divisor de águas.
Observar a composição escalonada da ocupação no Cerro-Corá,
acompanhando as curvas de nível, e as cicatrizes dos
escorregamentos de 2010.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 195
O Estudo de Caso 2 situa-se ao sul do maciço, entre as bacias de São Conrado e do Rio Rainha,
abrange a parte alta dos bairros da Gávea e o bairro da Rocinha. A Rocinha, talvez a mais emblemática
favela da cidade, a primeira a adquirir status de região administrativa e bairro (Decreto nº 6011/1986 e Lei
municipal nº 1995/1993), transpôs, nos últimos trinta anos, o divisor entre estas bacias e avança sobre o
bairro da Gávea, uma das áreas mais valorizadas da cidade. Em 2000, o bairro da Rocinha possuía cinco
vezes mais habitantes do que o bairro da Gávea e o triplo da população de São Conrado, bairros contíguos a
ela (IBGE Censo 2000, Armazém de Dados/IPP/PCRJ). Este recorte espacial foi escolhido pela contrastante
diferenciação morfológica e polarização social entre a área formal (de alto padrão) e a área informal (uma
das mais densas, populosas e a mais vibrante e politizada favela do Rio de Janeiro); pelas características
singulares do suporte físico ambiental, formado por dois anfiteatros em oposição, com a presença de
escarpas rochosas de grande impacto na paisagem (Morro Dois Irmãos) e florestas em avançado estágio de
regeneração, bem como por questões operacionais. As análises e levantamentos96 realizados no presente
estudo foram embasados pelos levantamentos e diagnósticos para toda a Rocinha, elaborados pelo
Consórcio Mayerhofer & Toledo, MPS e Locus para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) entre
2007 e 2009, gentilmente cedidos pelos autores.

Fig. 64 a, b e c. A interface entre a floresta nativa e os núcleos de


ocupação formal e informal na Gávea, no Rio de Janeiro. O eixo da
ocupação formal localiza-se ao longo do fundo do vale do Rio
Rainha. Ao fundo, na primeira imagem, a Rocinha, cuja ocupação
atravessou o divisor de águas em direção à Gávea. Notar a relação
de contigüidade entre a ocupação formal e informal e o eixo de
verticalização ao longo do fundo de vale na Gávea.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

96 Na presente pesquisa foram realizados levantamentos de campo nos setores da Rocinha voltados para a Bacia do Rio Rainha, na

Gávea, e três visitas gerais de reconhecimento.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


196 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
O Estudo de Caso 3 localiza-se a sudoeste do Maciço da Tijuca, na bacia do Rio Cachoeira, e
insere-se no bairro Itanhangá, na interface com a comunidade Floresta da Barra, que em 2000 abrigava
16,5% da população de todo o bairro do Itanhangá (IBGE Censo 2000, Armazém de Dados/IPP/PCRJ). Este
assentamento informal apresenta um caráter singular, mesclando características de áreas formais e de
favelas. É limitado, a leste e a oeste, por loteamentos de classe alta e média alta que lhe dão acesso,
fechados por guaritas e forte esquema de segurança particular, e, ao norte, faz divisa com o Parque Nacional
da Tijuca. Esse trecho do Maciço da Tijuca apresenta uma geomorfologia complexa, com escarpas rochosas
de grande impacto na paisagem, vales amplos que formam rampas onduladas predominantemente
côncavas, recobertos por cobertura vegetal em avançado estágio de desenvolvimento, e enclaves e
depósitos de blocos rochosos e material sedimentar provenientes de deslizamentos pretéritos. O Rio
Cachoeira nasce dentro dos limites do Parque Nacional da Tijuca e percorre quatro quilômetros até
desembocar na Lagoa da Tijuca, dentro dos limites do Itanhangá Golf Clube, situado a jusante da área
estudada. Nos períodos de chuvas, os fluxos de água e detritos tornam-se mais intensos e a probabilidade
de enxurradas e deslizamentos nesta bacia aumenta. Esta área foi escolhida por sua peculiaridade em
conjugar atributos geo-biofísicos singulares que condicionam uma situação de vulnerabilidade frente à
expansão urbana a um modelo peculiar de segregação espacial. Reúne áreas com forte diferenciação
espacial, com expressiva relação de proximidade e complementaridade, tanto em relação à área formal e
informal, quanto no interior da própria área informal, inserida entre loteamentos fechados de classe alta.
Entre os três recortes estudados, é a área com ocupação mais recente. O processo de ocupação nestes
recortes espaciais apresenta características específicas, por um lado, condicionadas pelas relações sócio-
ambientais que regeram e estruturaram os processos de urbanização nestas áreas, e comuns, por outro
lado, fruto das transformações ocorridas no contexto urbano carioca.

Fig. 65 a e b. A floresta nativa envolve os núcleos de ocupação formal e informal, situados à meia-encosta, abaixo de marcantes escarpas
rochosas, no Itanhangá, no Rio de Janeiro. A favela Floresta da Barra localiza-se na margem esquerda do Rio Cachoeira entre vários
loteamentos fechados por guaritas. Os núcleos de ocupação se desenvolveram por entre os afluentes do Rio Cachoeira e enclaves de
afloramentos e blocos rochosos.

Fotos: Marcio Lopes e Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 197
A ocupação urbana nos três recortes espaciais estudados está situada sobre cabeceiras de
drenagem, com declividades, formas e aspectos muito variáveis. À montante, encontram-se encostas
cobertas por florestas densas, ainda bem conservadas, afloramentos e escarpas rochosas. As ocupações
são heterogêneas e diversificadas, tanto em termos de configuração espacial quanto em termos de
composição social. Em todos os recortes espaciais estudados verificou-se que os núcleos de ocupação
urbana, que englobam áreas formais e informais contíguas, estruturam-se sob a forma de uma mancha mais
expandida − no âmbito da presente pesquisa denominada área urbanizada − delimitada pelo limite efetivo
das propriedades fundiárias, os quais só são discerníveis a partir do exame e do georeferenciamento dos
Projetos Aprovados de Loteamento (PALs). O exame destes documentos foi de fundamental importância
para o entendimento da estrutura espacial, fundiária, dos domínios e titularidades e da caracterização do
sistema de espaços livres nos recortes estudados. Internamente a esta mancha de ocupação expandida,
localizam-se as áreas efetivamente ocupadas, as quais são discerníveis através da análise das imagens
aéreas, ortofotos ou imagens geradas por satélite e constam dos levantamentos de uso do solo realizados,
por exemplo, pelo GEOHECO (2000), pela SMAC (2001) e pelo IPP (2004) e (2009).

Apesar da vinculação entre o padrão da ocupação urbana formal e a altimetria do relevo ser
discernível em dois dos três recortes estudados, através de uma série de indicadores, como, por exemplo, o
tamanho dos lotes e o fracionamento do tecido, fruto dos diversos dispositivos de restrição gradativa
estabelecidos pela legislação municipal, não há vinculação direta entre as faixas altimétricas estabelecidas
pela legislação municipal na década de 1970 (cotas 60m e 100m) e a localização topográfica das ocupações
nos recortes estudados, onde a ocupação é anterior a 1970. A área urbanizada (formal ou informal) liga-se à
malha urbana da cidade plana através dos vetores de penetração, cujo trajeto coincide com os fundos de
vale, e atinge aproximadamente 300 m acima do nível do mar (Mapa 19, Mapa 20 e Mapa 21).

A distribuição das declividades nos recortes espaciais estudados foi avaliada com base nos
estudos experimentais já citados e discutidos (AVELAR, 1996; LACERDA, 1997; AVELAR, 2003; COELHO
NETTO, 2005 e 2007a) e no exame das legislações federal e dos outros municípios estudados. Foram
utilizadas como classes nas avaliações quanto à declividade nos recortes espaciais estudados os intervalos:
entre 15º ou aproximadamente 25% e 25º ou aproximadamente 45%; entre 25º e 35º e igual ou acima de 35º
ou aproximadamente 70%. Estas classes de declividade, conforme mencionado anteriormente, são áreas
particularmente suscetíveis a escorregamentos, especialmente quando associadas às formas
côncavas/convergentes e convexas/divergentes, respectivamente, e apresentam um padrão em manchas ou
fragmentos dispersos pelo território e estão associadas à suscetibilidade a deslizamentos. As áreas com
predomínio destas declividades foram cotejadas com as áreas onde predomina a classe de 45º,
demonstrando que áreas com declividades inferiores ao disposto na legislação federal em vigor também

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


198 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
estão sujeitas à ocorrência de escorregamentos no domínio montanhoso do Maciço da Tijuca. Observou-se
também que tanto a ocupação formal como a ocupação informal nos recortes estudados situam-se
indiferenciadamente sobre áreas que apresentam estas classes de declividade e, portanto, apresentam
condições desfavoráveis à ocupação. Em cada recorte espacial estudado na presente pesquisa, foi definido e
testado como ponto de base da encosta a cota a partir da qual começa a haver maior ocorrência de áreas
com feições côncavas e declividades de 15º ou aproximadamente 25%, correspondendo à cota 15m no
recorte espacial que abrange o alto da Gávea e a Rocinha; a cota 20m no recorte espacial localizado no
Itanhangá e à cota 60m, no recorte espacial situado no Cosme Velho.

Não houve condições de avaliar com precisão a forma das encostas em termos da ocorrência de
curvaturas verticais e horizontais até a conclusão dessa pesquisa. As avaliações preliminares elaboradas
foram feitas “a sentimento”, a partir do modelo digital de terreno, do relevo em três dimensões (hillshade), das
ortofotos e dos levantamentos de campo. A porção da Bacia do Rio Carioca onde se localizada o recorte
espacial estudado é formada por vales estreitos e encaixados. A área com ocupação formal está situada
sobre áreas predominantemente côncavas e as favelas, em áreas predominantemente convexas. A forma
das encostas no recorte espacial que abrange a ocupação urbana correspondente ao alto Gávea e à Rocinha
assemelha-se a dois anfiteatros em oposição. As ocupações, tanto formais quanto informais, se situam sobre
áreas predominantemente côncavas, com exceção dos setores Laboriaux, 199, Vila Vermelha, Terreirão e
adjacências, na Rocinha, que se localizam sobre os divisores das bacias de São Conrado e do Rio Rainha. A
forma das encostas no recorte espacial localizado no bairro do Itanhangá mescla áreas côncavas e conexas
e tende à concavidade, conformando vales amplos, bastante ondulados, em forma de uma grande rampa. À
montante da ocupação informal, há uma espécie de falha abrupta na cabeceira de drenagem, formando um
fundo de vale bem encaixado que supostamente se espraiou, devido a movimentos de massa pretéritos, no
local onde foi implantada a comunidade Floresta da Barra.

Fig. 66 a e b. Enclaves de blocos rochosos e material sedimentar


possivelmente provenientes de deslizamentos pretéritos na Floresta
da Barra, Itanhangá.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2008.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 205
Nos recortes espaciais localizados no Cosme Velho e na interface entre a Gávea e a Rocinha, a
orientação das encostas parece apresentar relação com a localização das ocupações formais e informais.
As áreas ocupadas pelas favelas são as mais expostas à incidência de radiação solar, com temperaturas
mais elevadas. A alta densidade das favelas, aliada à maior incidência de radiação solar e à abertura de
trilhas para expansão da ocupação, conforme demonstrado por Figueiró (2005), dificultam a manutenção e
regeneração da vegetação arbórea na interface com floresta. No recorte espacial localizado no Itanhangá,
devido às ondulações do relevo, as avaliações quanto à orientação solar não foram conclusivas.

Em todos os recortes espaciais estudados foi observada a presença expressiva da cobertura


vegetal nativa na área urbanizada, o que contribui fortemente para garantir a manutenção da capacidade do
suporte geo-biofísico, amenizar o microclima e diminuir os riscos de deslizamentos, com exceção da vertente
à jusante do Morro Dois Irmãos na Rocinha, onde a vegetação nativa à jusante da escarpa rochosa vem
sendo progressivamente suprimida. É importante observar que nos recortes estudados mais afetados com as
chuvas de abril de 2010, as áreas mais atingidas (Cosme Velho e Rocinha, na vertente voltada para a
Gávea) apresentavam cobertura vegetal nativa em bom estado de conservação. Entretanto, em ambas as
áreas havia ocupação urbana ou presença de ruas e estradas acima dos deslizamentos. A presença de
afloramentos e escarpas rochosas, conforme foi mencionado anteriormente, implica em risco de queda de
lascas ou blocos e no aumento da velocidade de escoamento das águas. Quando associada a solos pouco
espessos, ao desmatamento e à ocupação urbana à jusante, potencializa o risco e o alcance dos
deslizamentos. Enclaves de afloramentos ou escarpas rochosas foram observados, em graus variados, à
montante da ocupação urbana em todos os recortes estudados. Em Guararapes e na Floresta da Barra, a
ocorrência à montante da ocupação é mais expressiva, no entanto, está associada à presença da vegetação
nativa em avançado estágio de desenvolvimento. Na Rocinha, a jusante do Morro Dois Irmãos, a situação é
mais grave devido ao desmatamento associado à expansão da favela à jusante da escarpa rochosa. A rede
de corpos hídricos nos recortes estudados é bastante ramificada, formada por pequenos rios e córregos.
Nas áreas efetivamente ocupadas, as larguras mínimas das Áreas de Preservação Permanente (APPs)
estabelecidas pela legislação federal relativas às faixas marginais de proteção não são respeitadas.

Fig. 67. Risco iminente de queda de lascas rochosas na


vertente a jusante do Morro Dois Irmãos, na Rocinha. Nas
localidades situadas no sopé das escarpas rochosas do
Morro Dois Irmãos é grande o risco de queda de lascas e
blocos de rocha que se desprendem das escarpas pela ação
da água nas juntas ou pela alternância brusca de
temperatura, como apontado nos laudos de vistoria técnica
realizados pela GEO-RIO desde 1967.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


206 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Em relação à estrutura da ocupação, as áreas formais situadas nos recortes espaciais estudados
se desenvolveram de forma dispersa nos fundos de vale, meia encosta, divisores e platôs formados por
depósitos de material sedimentar provenientes de deslizamentos pretéritos, estruturadas pelos traçados
sinuosos das vias em zigue-zague, de modo geral, dispostas em diagonal às curvas de nível, que se
ramificam como galhos de árvores, praticamente sem formação de quadras fechadas, uma vez que os
fundos dos lotes fazem divisa com a floresta. Os vazios predominam sobre os cheios nas áreas formais,
enquanto nas favelas, o inverso acontece. Essa relação, entretanto, não é apreendida ao nível do
observador, principalmente nas áreas com ocupação mais antiga, devido à forte segregação entre o domínio
público e o privado nas áreas formais, separados por muros que impedem a continuidade visual e espacial.
Uma forte segregação entre domínio privado e domínio público e a primazia dos espaços privados em
relação aos coletivos são traços comuns às áreas formais e informais.

As favelas, segundo Farias (2009), se caracterizam pelo processo individual e paulatino de sua
ocupação, em permanente transformação, pela gradação em termos de precariedade e insalubridade
decorrentes da carência de infraestrutura e serviços urbanos básicos, pela irregularidade e ilegalidade em
termos fundiários, urbanísticos e jurídicos. Conforme observou a autora (2009: 57), as franjas ou bordas
entre as favelas e os bairros passam por adaptações ao longo do tempo aproximando-se do território vizinho.
Existe uma nítida gradação em termos de compactação do tecido nas fronteiras entre as áreas formais e
informais. As edificações situadas em áreas formais diminuem em tamanho e adensam-se na medida em que
se aproximam das favelas. Do mesmo modo, as edificações maiores e mais consolidadas das áreas
informais localizam-se na interface com as áreas formais, junto às vias principais de acesso. A distância da
água e das vias de acesso, principalmente das vias de acesso carroçáveis, parecem orientar a estratificação
social dentro das favelas. As favelas percorridas e analisadas na presente pesquisa apresentam uma grande
variabilidade de padrões de habitabilidade e urbanidade, lugares e edificações que são encontrados em
outros bairros da cidade e outros extremamente precários, evidenciando uma forma de estruturação que
emula a diferenciação social e espacial que caracteriza a cidade como um todo.

O recorte espacial inserido na bacia do Rio Carioca, na interface entre os bairros Cosme Velho e
Santa Teresa, se caracteriza por uma ocupação urbana mais compacta. O contraste existente entre o tecido
formal e o tecido informal em termos de densidade, tamanho das edificações e fracionamento do tecido é
atenuado pelas características da ocupação formal encontrada neste recorte, comparativamente a mais
compacta entre as três áreas estudadas. Apesar da urbanização bastante consolidada na área, foram
identificados vários lotes ainda vazios no interior da área efetivamente ocupada. Enquanto a mancha de
ocupação planejada se localizou nos fundos de vale, os assentamentos informais localizaram-se à meia
encosta em Guararapes e Vila Cândido, e sobre o divisor, no Cerro-Corá (Mapa. 22).

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 207
Fig. 68. Interface e relação de contigüidade nas
bordas entre os tecidos formal e informal no
Cosme Velho, unidos por via de penetração em
zigue-zague. Notar presença significativa de
espaços livres cobertos por vegetação arbórea
dentro dos limites da área efetivamente ocupada.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

O recorte inserido na Bacia do Rio Rainha, na interface entre os bairros da Gávea e da Rocinha,
apresenta expressivo contraste entre o tecido formal e o informal em termos de densidade, tamanho das
edificações e fracionamento do tecido. O tecido formal é bem menos compacto e fracionado do que no
recorte do Cosme Velho e menos rarefeito do que no recorte localizado no Itanhangá. Por sua vez a Rocinha
é a mais compacta e densa das três favelas estudadas, principalmente a jusante da Estrada da Gávea, na
porção central da ocupação, voltada para o bairro de São Conrado. O contraste interno é dado pelos lotes de
maiores dimensões e espaços livres remanescentes ao longo da Estada da Gávea e nas bordas à montante
do assentamento. À medida que a ocupação se aproxima da floresta e das escarpas rochosas, torna-se
gradativamente mais dispersa, rudimentar e rarefeita (Mapa 23).

Fig. 69 a e b. Contraste entre a ocupação da Rocinha e a ocupação formal no alto do bairro da Gávea, que serpenteiam à meia
encosta em meio à floresta. Notar vetor tentacular de expansão do Laboriaux, ao longo da linha do divisor. Esta expansão foi
induzida pelo reassentamento promovido pelo poder público no início da década de 1980. O núcleo formal no alto da Gávea se
desenvolveu ao longo do fundo de vale, espraiando-se à meia encosta. À direita, a favela Parque da Cidade também assentada
sobre um divisor.

Foto: Rogério Cardeman, 2008.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 211
Fig. 70 a e b. Contraste entre a densa ocupação da Rocinha na vertente voltada para o bairro de São Conrado, que se rarefaz à
medida que sobe as encostas, e a verticalização nas áreas planas de São Conrado. Observar a grande declividade da vertente
ocupada do Morro Dois Irmãos, onde se situam os sub-bairros Roupa-Suja, Macega, Terreirão, Faz Depressa e Capado.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

No recorte espacial localizado no bairro do Itanhangá, também existe contraste em termos de


densidade, tamanho das edificações, compactação e fracionamento do tecido entre as áreas formais e
informais. No entanto, tanto o tecido formal quanto o informal são os mais rarefeitos das três áreas
analisadas. Internamente à área informal, destaca-se o maior adensamento e fracionamento do tecido na
porção mais baixa, a noroeste da mancha ocupada, em contraste com um maior espaçamento à montante.
Nas áreas formais de ocupação mais recente, como é o caso do recorte espacial situado no Itanhangá, a
região mais densa, com lotes e edificações menores e mais próximas umas às outras se localizam nas áreas
mais baixas, onde há um maior fracionamento e compactação do tecido, enquanto à montante, os lotes e as
edificações tornam-se maiores e mais distantes entre si, seguindo os parâmetros estabelecidos pela
legislação. De forma análoga, mas baseadas em condicionantes diferenciadas, nas favelas, o maior
adensamento se dá a jusante, onde a ocupação é mais consolidada, enquanto nas áreas à montante da
ocupação as edificações são mais precárias e dispersas (Mapa 24).

Fig. 71. Nas áreas formais de


ocupação mais recente, o maior
fracionamento da ocupação se
dá nas áreas mais baixas.

Foto: Mônica Bahia Schlee,


2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 215
Fig. 72. Relação de contigüidade espacial entre os
núcleos de ocupação formal e informal no bairro do
Itanhangá. A montante dos núcleos de ocupação
formal existem Projetos Aprovados de Loteamento
que colocam em risco a manutenção da floresta
nesta vertente, uma vez que parte dos lotes
ultrapassam os limites do Parque Nacional da Tijuca
(PNT).

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Existe uma grande discrepância em termos de abrangência entre os espaços livres com caráter
ambiental e os espaços livres com caráter de urbanização nas encostas do Maciço da Tijuca. Entretanto, a
análise elaborada na escala dos recortes espaciais demonstrou que os espaços livres de urbanização,
embora pareçam desprezíveis na escala do Maciço da Tijuca, exercem papel importante na proteção
ambiental nas áreas urbanizadas e efetivamente ocupadas (Mapa 25).

Fig. 73. Característica do parcelamento, da volumetria


construtiva e dos espaços livres na franja entre os tecidos
formal e informal no Cosme Velho.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 74. Característica do parcelamento, da volumetria


construtiva e dos espaços livres na franja entre os tecidos
formal e informal na Gávea.

Foto: Rogério Akamine, 2008.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 219
Fig. 75. Característica do parcelamento, da volumetria
construtiva e dos espaços livres na franja entre os tecidos
formal e informal no Itanhangá.

Foto: Denis Cossia, 2008.

As áreas que apresentam maior grau de risco geológico situam-se nas bordas dos núcleos de
ocupação e ao longo dos fundos de vales muito íngremes. O risco é potencializado pela existência de
escarpas e afloramentos rochosos, pela ocorrência pontual de fugas d’água proveniente das tubulações
improvisadas para o abastecimento d’água ou esgotamento doméstico, executadas muitas vezes com
mangueiras plásticas, e de pontos de infiltração sob os blocos de rocha, pelo desmatamento da vegetação
nativa e pelo despejo de lixo. Nos fundos de vales muito íngremes, o risco está associado ao
estrangulamento e obstrução das linhas de drenagem natural devido à instalação de edificações, desvios de
curso e despejo de esgoto doméstico in natura em seu trajeto, e pelos aterros criados para implantar
edificações e outras benfeitorias. As áreas ocupadas situadas sobre depósitos instáveis de material
proveniente de deslizamentos pretéritos também se configuram como áreas de instabilidade geológica,
segundo a Fundação GEO-RIO (RIO DE JANEIRO/PCRJ/FUNDAÇÃO GEO-RIO, 1992, 1997 e 2004).

Fig. 76 a, b e c. Extravasamento de águas pluviais e servidas diretamente sobre a floresta


contribui para desestabilizar o solo das encostas. A situação torna-se mais crítica quando
o despejo de lixo e esgoto ocorre sobre solo exposto, como acontece na Rocinha, na
vertente do Morro Dois Irmãos.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 223
Fig. 77 a, b, c e d. Os deslizamentos de abril de 2010 nas áreas do Cosme Velho e Gávea ocorreram, via de regra, junto às vias de
ligação existentes, potencializados pela presença de vazamentos na rede de abastecimento e por falhas nos direcionamentos das
linhas de drenagem, executadas quando da recuperação de estradas, ou ainda, decorrentes de cortes nas encostas, nos fundos
das edificações existentes.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Segundo os relatórios da PCRJ/ FUNDAÇÃO GEO-RIO (1992, 1997 e 2004), os riscos associados
aos núcleos de ocupação informal são, via de regra, maiores, devido à precariedade da infraestrutura
instalada, o adensamento e a impermeabilização nas áreas favelizadas. Entretanto, se por um lado o
adensamento e a impermeabilização nas áreas favelizadas agravam os problemas de infraestrutura, em
especial, de saneamento, por outro atenuam o risco geológico-geotécnico ao formar uma capa impermeável
sobre as encostas. Além disso, o ainda precário funcionamento do sistema de coleta de lixo nas favelas,
onde a coleta não é realizada com a mesma freqüência do que nas áreas formais, contribui para agravar a
situação de risco. Existe um passivo diário, que permanece acumulado nas valas, terrenos baldios e na
periferia das favelas, gerando de vetores transmissores de doenças e favorecendo a instabilidade das
encostas (CONSÓRCIO MAYERHOFER & TOLEDO, MPS e LOCUS, 2009 e AMARAL, 1996) (Mapas 26 a
31).

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


224 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 78. O acúmulo de lixo é comum nas favelas, onde a coleta,
apesar do adensamento populacional, não é feita com a mesma
freqüência do que nos bairros vizinhos.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 79 Soluções de contenção e estabilização de encostas


executadas pelos moradores na Rocinha, na vertente do Morro
Dois Irmãos.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Os três recortes espaciais estudados apresentam diferentes gradações de segregação espacial e


polarização social. O bairro do Itanhangá e a favela Floresta da Barra são as áreas onde houve maior
crescimento populacional no período entre 1991 e 2000 e onde a correspondência em termos de dinâmica
populacional entre as áreas formais e informais é mais evidente. Itanhanga (57%) e Floresta da Barra (47%)
foram as áreas onde houve maior crescimento populacional no período entre 1991 e 2000, seguidas da
Rocinha (24%), em função do boom imobiliário da Barra da Tijuca. Nos outros recortes espaciais o
decréscimo da população nas áreas formais no mesmo período contrasta com o aumento da população nas
favelas. Enquanto a população de Guararapes cresceu 36% entre 1991 e 2000, no Cosme Velho a
população sofreu um decrescimento de -2%. Os bairros que mais perderam população no período entre 1991
e 2000 foram o Alto da Boa Vista (-22%), São Conrado (-22%), Santa Teresa (-8%) e Cosme Velho (-2%). A
Rocinha suplantou significativamente a Gávea em termos de crescimento populacional (24% e 12%,
respectivamente). O contraste entre o crescimento populacional da Rocinha com o decréscimo populacional
em São Conrado é ainda mais expressivo (24% e -22%, respectivamente). Entre 2000 e 2010, os bairros do
Itanhanga (43%) e do Alto da Boa Vista (12%) foram os únicos bairros, entre os analisados, onde houve
crescimento populacional.

Em todos estes casos, a dinâmica populacional reflete as transformações da paisagem ocorridas no


período, ao sul e sudoeste do Maciço da Tijuca, em função do boom imobiliário da Barra da Tijuca. O

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 237
crescimento populacional acumulado entre 1980 a 2000, manteve-se estável em torno de 6 a 7 %. Levando-
se em conta o boom entre as décadas de 1960 e 1980, este percentual atinge 62%. A dinâmica populacional
no período entre 1960 e 2000 entre as áreas formais e as favelas também manteve esta correspondência.
Enquanto o crescimento populacional nas áreas formais foi de 60%, nas favelas este percentual alcançou
69% (Tabela 11).

Tabela 11. DINÂMICA POPULACIONAL NOS RECORTES TERRIOTRIAIS ANALISADOS

Fonte: Tabelas 2972, 2917 e 1754. Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos - IPP/Armazém de Dados
BAIRROS E 2010 DINÂMICA 2000 DINÂMICA 1991 DINÂMICA 1980 DINÂMICA 1960 DINÂMICA
FAVELAS 2000-2010 1991-2000 1980-1991 1980-1960 2000-1960
(%) (%) (%) (%) (%)
Cosme Velho 7.178 -1 7.229 -2 7.345 0 7.346
Itanhangá 38.415 43 21.813 57 9.356 58 3.917
Gávea 16.003 -9 17.475 12 15.350 -224 49.774
São Conrado 10.980 -2 11.155 -22 13.591 38 8.421
Santa Teresa 40.926 -1 41.145 -8 44.554 -14 50.907
Alto da Boa Vista 9.343 12 8.254 -22 10.084 -8 10.885
Total áreas 4.765.428 1.910.145 60
formais
Guararapes 735 36 1.187
Vila Cândido 1.107
Cerro-corá 1.012 21 801
Floresta da Barra 3.605 47 1.924
Rocinha 69.356 56.338 24 42.892
Favelas 1.092.476 335.063 69
Cidade 6.323.037 7 5.857.904 6 5.480.768 7 5.090.723 56 2.245.208 62

Em relação aos vetores de indução à ocupação, quatro grandes eixos transversais cortam o
Maciço da Tijuca na direção nordeste-sudoeste. A região nordeste – sudoeste é a que apresenta maior
interligação por vias de ligação que atravessam o maciço. Além da ocupação urbana situada nas bordas, três
destes eixos – os que se desenvolvem sobre o maciço – concentram e conectam diversos núcleos, tanto de
ocupação formal quanto de ocupação informal. São eles: o que parte da região central da cidade,
atravessando o bairro de Santa Teresa em direção à zona sul; o que liga a Tijuca ao Itanhangá e à Barra da
Tijuca, sobre o fundo de vale cuja ocupação deu origem ao bairro do Alto da Boa Vista e o que liga os bairros
do Grajaú e Vila Isabel a Jacarepaguá, em direção à Barra da Tijuca. O último vetor, composto pela Linha
Amarela, implantada na década de 1990, é o que menos apresenta relação direta com a implantação dos
núcleos de ocupação situados na região, todos surgidos anteriormente, por se tratar de uma via semi-
expressa, com acessos pontuais e interligações por túneis e viadutos (Mapas 32 e 33).

O traçado e o sistema de circulação nos três recortes espaciais analisados são compostos por
vias de ligação que serpenteiam sinuosamente pelas encostas, unindo as áreas formais às informais. Essas
vias, de modo geral, foram abertas em diagonal ou, em alguns trechos, perpendicularmente às curvas de
nível para vencer grandes desníveis, como acontece no Cosme Velho. São menos freqüentes os casos de
núcleos de ocupação sobre os divisores, como em Santa Teresa e na Gávea.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


238 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 80. O eixo de ocupação em Santa Teresa, cujo processo de
loteamento se iniciou ainda no século XIX, coincide, neste trecho,
com a linha de cumeada. Logo abaixo, parte da ocupação no
Cosme Velho, cujo processo de loteamento data do início da
década de 1940, ao longo do fundo do vale do Rio Lagoinha,
afluente do Rio Carioca.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 81. Eixo de ocupação formal na Gávea ao longo de um


divisor de águas.

Foto: Rogério Akamine, 2008.

Os eixos viários que dão acesso às favelas nos recortes espaciais estudados constituem-se em
prolongamentos dos que estruturam a ocupação urbana formal nestas encostas. Internamente, caminhos
bastante ramificados, embora descontínuos, geralmente dispostos em diagonal ou perpendicularmente às
curvas de nível, ocasionam uma baixa conectividade entre setores e localidades. Das três áreas informais
estudadas, a mais diferenciada em termos de traçado é a Floresta da Barra, localizada no Itanhangá, que se
desenvolveu a partir de um traçado viário anelar, solução encontrada em relevos ondulados, formados por
elevações arredondadas, e morros isolados.

A divisão fundiária nas encostas não é completamente demarcada nas plantas cadastrais. Os
logradouros definem as divisas frontais dos lotes formais localizados nos domínios montanhosos, mas seus
limites de profundidade, que raramente são demarcados nas plantas cadastrais, não são discerníveis in loco.
Em média, os terrenos privados possuem formas e área total bastante variável, de pequenos lotes com 225
m2 a glebas com mais de 100.000 m2. Via de regra, são terrenos que se tornam muito íngremes à medida
que sobem as encostas, cuja declividade restringe naturalmente a ocupação. As quadras, quando fechadas,
são irregulares e sinuosas, resultantes da acomodação do traçado às condições do terreno.

O processo de ocupação urbana, tanto nas áreas formais quanto nas áreas informais, de um modo
geral, segue uma dinâmica de transformação que envolve as fases de nucleação, consolidação dos

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 243
núcleos, fusão de territórios ou conurbação e expansão horizontal, já descritos anteriormente. No caso das
favelas, a estas fases soma-se o processo de expansão vertical. Em todos os três recortes espaciais
analisados a ocupação urbana se desenvolveu de forma polinuclear, expandindo-se de forma tentacular
através dos eixos de penetração e ligação entre os núcleos iniciais. Estes núcleos, no caso das áreas
informais, localizaram-se, via de regra, no prolongamento de alguma via de acesso carroçável ou próximo a
nascentes ou minas d’água. Em duas das áreas estudadas (Rocinha e Floresta da Barra), seu surgimento
vinculou-se a existência de um loteamento inicial cujo processo de legalização não foi concluído. Os
caminhos de ligação entre os núcleos iniciais delinearam vetores de expansão, por meio de vias, vielas e
escadarias, geralmente dispostas em diagonal ou perpendicularmente às curvas de nível.

Em relação ao parcelamento, os territórios formalmente ocupados em todos os recortes espaciais


analisados foram formados por diversos retalhos justapostos, frutos do sistema de composição fundiária pela
divisão de glebas em loteamentos, implantados individual e separadamente, em temporalidades distintas. A
condescendência do planejamento e da gestão da cidade com a excessiva fragmentação do território urbano
e com sua formação em diferentes épocas resultou, por um lado, numa malha pouco interconectada, onde a
continuidade se dá apenas em relação aos eixos principais de circulação. Por outro, gerou uma situação
fundiária complexa e multifacetada, conforme veremos a seguir, onde se observa a gradativa diminuição do
percentual de espaços livres no interior dos lotes, em conseqüência dos acréscimos em área construída, bem
como a supressão de vegetação nativa e a impermeabilização progressiva.

Nos territórios informais originados a partir de processos de legalização não concluídos, como é o
caso da Rocinha e também da Floresta da Barra, as situações encontradas apresentam particularidades
inerentes a cada caso. Na Rocinha, alguns núcleos surgiram a partir da implantação do arruamento
executado conforme o projeto de loteamento e da subseqüente venda de lotes. Na Floresta da Barra, o
processo parece ter sido orquestrado pelo antigo proprietário, envolvendo instituições financeiras. O traçado
do arruamento assemelha-se ao traçado sinuoso dos loteamentos vizinhos, mas não apresente semelhança
com o projeto de loteamento registrado na Prefeitura.

No caso das áreas informais situadas no Cosme Velho, o território de Guararapes também se
constituiu a partir de um processo de arrendamento não legalizado de terras pelo proprietário original,
transformado posteriormente em uma espécie de posse condominial coletiva, a partir da aquisição das terras
em nome da associação de moradores. Quanto aos usos, predomina no Maciço da Tijuca o uso residencial.
O uso agrícola e o vinculado à exploração mineral ocorrem na vertente oeste do maciço. Nos recortes
analisados, embora o uso residencial predomine fortemente, destaca-se a presença pontual do uso
institucional, como veremos adiante (Mapa 34).

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


244 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Em termos de organização social, muito embora as associações de moradores das comunidades
estudadas tenham tido um papel fundamental na conquista da posse da terra e na melhoria da infra-estrutura
nesses assentamentos97, o nível de organização e participação comunitária ainda é muito variável, tanto
entre elas quanto internamente. Os complexos de favelas possuem mais de uma associação, que atuam de
forma independente e setorizada, sujeitando-se a influências e direcionamentos, por vezes, antagônicos
dentro das próprias comunidades. Tanto nos complexos quanto nas favelas isoladas, a atuação das
associações, bem como da participação comunitária dos moradores também é muito variável, tornando-se
mais forte em épocas de crise, deflagrada pela ocorrência de desabamentos ou ameaça de remoções. Busca
de favores governamentais ou institucionais, às vezes em detrimento do reconhecimento público da própria
identidade, como no caso de Guararapes, bem como iniciativas particulares ainda predominam como forma
de solução para os problemas coletivos. Dessa postura, que têm origem nas tradições culturais e políticas
cariocas, resultam as ações pontuais e fragmentadas, a sensação de impotência com relação às
possibilidades de ação coletiva e a tendência à isenção de responsabilidade dos membros da comunidade,
tal qual acontece na sociedade como um todo.

4.2. Dinâmica da ocupação: gênese e processos de transformação

Após a conquista do território aos habitantes nativos e invasores estrangeiros, a pressão e os


impactos nas encostas do Maciço da Tijuca foram causados diretamente pela demanda de recursos naturais
(água, madeira, carvão) e pela expansão sobre as suas encostas de dois ciclos agro-econômicos sucessivos
(cultivos da cana de açúcar, a partir de meados do século XVI, e do café, ao longo do século XVIII). A partir
do século XIX, com o declínio da cafeicultura, conforme já mencionado, iniciou-se uma nova fase, calcada na
demanda por território, acirrando-se os conflitos entre a aristocracia de origem estrangeira, os quilombolas e
ex-escravos e a classe média luso-brasileira, conforme observaram Abreu (1987 e 1992), Heynemann (1995)
e Soares (2006)98. O declínio da atividade agrícola nas encostas do Maciço da Tijuca, a valorização do
mercado de terras, não só pelos grandes latifundiários, mas também pelos pequenos proprietários rentistas
expulsos após as reformas no núcleo central da cidade e o redirecionamento das indústrias têxteis para fora
do perímetro urbano, a par e passo com a abertura de novas vias e estradas e com a implantação dos
bondes, propiciaram a gradativa ocupação urbana deste maciço, tanto pelas classes abastadas, quanto pelas
classes menos favorecidas, dispersas de forma pulverizada em suas bordas. A localização privilegiada do

97 Mediadoras de conflitos e impasses entre moradores, segundo Leitão (2009), as associações de moradores desempenham
funções que caberiam ao poder público, como indicar áreas passíveis de ocupação, orientar construções ou definir características
gerais de uso e ocupação, além de promover obras de infraestutura de saneamento básico e de pavimentação.
98 Contemporaneamente, conforme observaram Soares (2006: 212) e Guerra (2005), as disputas na interface entre a cidade e a
floresta nas encostas do maciço ainda expressam conflitos produzidos em tempos históricos diferentes e denunciam o desequilíbrio
entre os atores sociais nele envolvidos, em função das suas relações de poder.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 247
Maciço da Tijuca − o mais próximo da área central da cidade − e a descentralização não equilibrada do
mercado de trabalho, em curso na cidade, potencializaram este processo.

O início da ocupação urbana formal e informal foi concomitante nos três recortes estudados,
conforme veremos a seguir, apesar das singularidades inerentes entre os processos que lhes deram origem.
Nos três recortes, constata-se uma nítida vinculação entre a configuração e os processos de domínio
fundiário pretéritos, anterior à ocupação urbana, e a configuração atual da ocupação urbana e os processos
de domínio fundiário contemporâneos. O uso religioso e de defesa do território deixaram muitas marcas nos
morros e montanhas cariocas. As ordens e irmandades católicas detinham propriedades fundiárias tanto no
alto Cosme Velho, como no alto da Gávea. Com a desativação gradativa do uso agrícola e, em especial, com
a valorização das montanhas e florestas pelas elites (estrangeira e local), proliferaram fazendas e chácaras
com características inicialmente peri-urbanas nestas áreas, utilizadas como segunda residência. As relações
de poder das elites acabaram por suplantar a hegemonia das ordens religiosas na ocupação dessas
encostas que, no entanto, conservaram parte de seu estoque de terras de forma pontual, sediando igrejas,
instituições de ensino e hospitais, como pode ser observado nas áreas estudadas.

As grandes propriedades agrícolas e de segunda residência foram progressivamente subdivididas


em propriedades menores, como aconteceu de forma pioneira, por exemplo, em Santa Teresa e no Alto da
Boa Vista, ainda no século XIX. Os principais agentes de transformação da paisagem do Maciço da Tijuca
foram, a início, suas águas, que motivaram e orientaram a abertura dos primeiros caminhos, e em seguida,
os próprios caminhos, que se consolidaram como eixos de penetração ao longo dos fundos de vale em
direção às encostas (Mapa 35).

O gradativo movimento de fracionamento da terra se intensificou com a proliferação de vários


loteamentos nas encostas do Maciço da Tijuca a partir das décadas de 1930 e 1940, espraiando-se pelas
encostas da zona sul, da zona norte, de Jacarepaguá e do Itanhangá. Remonta a este período a maioria dos
registros de loteamentos situados na porção sudeste/nordeste do Maciço da Tijuca junto à Prefeitura do
então do Distrito Federal (PDF). Por meio destes instrumentos de gestão, denominados Projetos de
Loteamentos Aprovados (PALs), oficializados a partir de 1935, a ocupação destas encostas foi sendo
formada, tal qual uma colcha de pequenos retalhos, de maneira fragmentada, individualizada e descontínua.

A maior parte dos parcelamentos no recorte espacial do Cosme Velho registrados em Projetos
Aprovados de Loteamento (PALs) data das décadas de 1930 e, especialmente, da década de 1940. As terras
loteadas pertenciam a antigas chácaras e fazendas que já existiam no final do século XIX. No recorte situado
na interface entre os bairros da Gávea e da Rocinha, apesar de ter ocorrido parcelamento no final da década
de 1920, cujo processo de legalização não foi concluído, os parcelamentos registrados datam, em sua
maioria, das décadas de 1940 e 1960. Por sua vez, no recorte espacial localizado no Itanhangá os
parcelamentos datam do final da década de 1940 e das décadas de 1950, 1960 e 1970.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


248 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
4.2.1. Estudo de Caso 1: Cosme Velho e Complexo Guararapes

No Estudo de Caso 1, a vinculação entre a configuração pretérita e a configuração atual da


ocupação urbana e entre o início da ocupação urbana formal e infromal são bastante evidentes. Ao final do
século XIX vinte e nove chácaras destinadas ao abastecimento da cidade e ao cultivo do café, subdividiam o
vale do Rio Carioca (CAVALCANTI, 1999; RESENDE, 1999; SCHLEE 2002). Vestígios encontrados nas
florestas protegidas pelo Parque Nacional da Tijuca (PNT) indicam que os domínios destas chácaras
estendiam-se até a cota 400m acima do nível do mar, aproximadamente. Como regra geral, o caminho de
penetração ao longo dos fundos do vale definia as divisas frontais destas propriedades. Os limites dos fundos
das propriedades seguiam até os divisores e cumeadas da bacia (CAVALCANTI, 1999; SCHLEE, 2002). Já
nessa época havia ocupação urbana nesta área, como pode ser observado por algumas edificações
remanescentes, que apresentam data de fachada de 1889. O início da ocupação urbana nesta área
aconteceu ao longo do fundo de vale do rio Carioca e seus afluentes. A abertura dos primeiros caminhos e o
progressivo desmembramento das chácaras e fazendas existentes deram origem aos primeiros loteamentos
nesta área, registrados nas décadas de 1930 e 1940.

Neste recorte espacial, a vinculação entre a configuração pré-urbana e a do tecido urbano atual
gerou uma diferenciação espacial entre as duas margens do Rio Carioca, refletindo a polarização social
existente. A ocupação formal, em sua maioria, concentrou-se na margem esquerda, e a informal, reuniu-se
na margem direita do rio. O tecido urbano neste recorte está assentado nos terrenos de duas das chácaras
pré-existentes, com limites definidos pelo rio e pelos divisores da bacia. Em uma delas concentrou-se a maior
parte da malha urbana formal99. Na outra, concentraram-se as três favelas analisadas. Não foram
encontrados Projetos Aprovados de Loteamento (PALs) nas áreas ocupadas pelas favelas estudadas neste
recorte. A ausência de registros impossibilita identificar a titularidade da totalidade da área ocupada pelas
favelas, com exceção das manchas pontuais identificadas pelo levantamento fundiário realizado pela
SMH/PCRJ em meados da década de 1990 (Mapas 36 e 37).

Os primeiros núcleos de ocupação popular no alto Cosme Velho apareceram ainda no fim do século
XIX, localizados na margem direita do Rio Carioca. Inicialmente, supomos que estariam relacionados à
presença da Companhia de Tecidos Aliança, instalada no vale do Rio Carioca em 1880 e desativada em
1937, conforme indicou Rezende (1999) , corroborado por Schlee (2002). Outras possibilidades, que deverão
ser investigadas futuramente para validação, incluem: a instalação consentida pelo proprietário de uma das
chácaras localizadas nesta vertente, ou a autorização de permanência dada pela instituição ou irmandade
religiosa que implantou o atual Hospital Adventista Silvestre. As terras que abrangem o terreno do hospital
podem ter sido doadas à instituição anteriormente à instalação dos assentamentos ou a doação pode ter

99 Esta chácara, de acordo com Estrella Bohadana (1983: 4-6), conhecida como “fazendinha”, compunha um núcleo rural
remanescente de antiga fazenda de café. Com a venda dos terrenos da fazenda para uma companhia imobiliária e seu posterior
loteamento, as famílias que nela trabalhavam se dirigiram para o outro lado do Rio Carioca, onde, segundo a autora, desde a virada
do século XX já havia um pequeno assentamento popular. Este terreno, com acesso pela Ladeira dos Guararapes, pertenceu
posteriormente à Maria Elisa de Oliveira Passos que, até a década de 1960, autorizava sua ocupação mediante uma taxa mensal.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 251
acontecido após a instalação dos primeiros núcleos formadores do assentamento, configurando
possivelmente um caso semelhante ao descrito por Abreu (2001: 233) relativo à doação de glebas à igreja ou
irmandades religiosas por proprietários particulares para assentamento de seus trabalhadores. Isto explicaria
a presença de casebres na área em fins do século XIX e na primeira década do século XIX e,
posteriormente, o surgimento de outros núcleos e a consolidação dos existentes na década de 1930, com o
loteamento da chácara.

De acordo com Dantas e Senra (1994), o primeiro núcleo de ocupação popular surgiu próximo à
mina d’água existente na comunidade Guararapes na década de 1890 e se consolidou em torno do chamado
Largo do Vinte, principal espaço livre da comunidade. Na década de 1930, quatro núcleos esparsos e
pontuais já estavam instalados às margens do Rio Carioca e junto a vias de acesso já existentes na área,
nas comunidades Guararapes e Cerro-Corá. Seguiram-se outros núcleos, formados por amigos e parentes
das famílias que já ocupavam a área, vindos de Minas Gerais, Espírito Santo e de estados do Nordeste, que
foram aos poucos se consolidando a partir da década de 1930, até formar um tecido relativamente contínuo,
que deram origem à configuração atual das comunidades Vila Cândido100 e Cerro-Corá, nas proximidades do
núcleo inicial de Guararapes (BOHADANA, 1983 e DANTAS e SENRA, 1994).

Fig. 82. Mina d’água e tanques coletivos em Guararapes:


espaço coletivo para lavagem de roupas.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2006.

Fig. 83. Largo do Vinte, principal espaço livre da comunidade,


contíguo à sede da associação de moradores e à creche.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2006.

100 Segundo Dantas e Senra (1994), na Vila Cândido a primeira ocupação ocorreu em terreno pertencente à União, onde funcionava

um armazém, e data da década de 1910, segundo relato dos moradores. Na década de 1980, a área particular adjacente a este
terreno foi progressivamente ocupada e atualmente é uma das mais densas e que apresentam padrão construtivo mais baixo.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 257
O processo de parcelamento neste recorte espacial, intensificado na década de 1940, coincidiu com
a expansão dos três assentamentos, como desdobramento da desestruturação do mercado formal de
locação na cidade em retaliação à Lei do Inquilinato e do processo de urbanização em curso na Bacia do Rio
Carioca, na cidade e no país, que, conforme argumentaram Bohadana (1983), Bonduki (1998) e Vaz (2002),
não foi acompanhado da implantação de uma adequada infraestrutura de habitação popular, saneamento
básico e reprodução planejada da força de trabalho. Em conseqüência destes fatores, o mercado informal de
terras nas encostas acabou por se configurar como alternativa vantajosa, tanto para os trabalhadores, que
precisaram buscar outras alternativas de moradia, quanto para os pequenos proprietários que viviam da
atividade rentista.

A maior parte da área ocupada pelos assentamentos informais nesta área era de propriedade
privada. Relatos de moradores, documentados por Dantas e Senra (1994), revelaram que os aglomerados
surgiram junto às vias de acesso, a partir de alguns casarões subdivididos em casas de cômodos, cujos
proprietários passaram a arrendar os terrenos nas proximidades, permitindo a implantação dos primeiros
casebres. Segundo os moradores de Guararapes, Vila Cândido e Cerro-Corá, sucederam-se diversos auto-
proclamados proprietários que, alegando a posse das terras nessas encostas, cobravam aluguel das
ocupações em suas supostas propriedades. Situação semelhante aconteceu nas encostas situadas entre
São Conrado e Gávea, dando origem ao atual bairro da Rocinha, conforme veremos adiante. Este
movimento não era novo, reproduzia em certa medida, a expulsão dos pequenos proprietários de cortiços e
casas de cômodos que foram varridos da área central da cidade no início do século por Pereira Passos.

A abertura do anel viário de acesso ao Túnel Rebouças no final da década de 1960 tornou-se um
novo agente modificador da paisagem local nesta bacia. A ligação mais rápida com a zona sul reaqueceu o
mercado imobiliário e induziu ao crescimento populacional no vale como um todo e nos assentamentos
populares, em particular. Segundo Dantas e Senra (1994), a ameaça de despejo nos assentamentos
populares era constante apesar das tentativas pontuais de equacionamento do problema habitacional até
que, entre as décadas de 1960 e 1970, os moradores de parte de Guararapes e do Cerro-Corá obtiveram a
posse das terras, por processos diferenciados.

Em 1963, conforme relatou Bohadana (1983: 45), Guararapes lançou-se um uma experiência
pioneira de organização interna em um sistema cooperativo, conseguindo estabelecer, através da
organização comunitária, uma farmácia, um posto médico, embriões de uma escola profissionalizante e de
uma creche e desenvolver uma confecção comunitária, cujos lucros foram empregados em obras no espaço
coletivo na comunidade. Ainda de acordo com Bohadana (1983: 73-75), com a intensificação das remoções a
partir de 1967, Guararapes, bastante atingida pelas chuvas, foi cadastrada para remoção pela Fundação
Leão XIII. Sob esta ameaça, a comunidade buscou uma forma singular de resistência. Os moradores
reuniram-se, cotizaram-se e adquiriram o terreno onde moravam da antiga proprietária, Maria Elisa de
Oliveira Passos, que exigiu a criação de uma sociedade civil para formalizar a transação imobiliária. O
terreno foi comprado em nome da Associação de Moradores, fundada na ocasião para este fim. Segundo

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


258 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Dantas e Senra (1994), os demais moradores pagaram por seus lotes de forma parcelada até 1971. A partir
de então, a chegada de novos moradores na comunidade acontece através da compra de casas existentes, e
seus compradores passam a pertencer a Associação de Moradores.

No Cerro-Corá, o processo de ocupação envolveu mais diretamente a Igreja Católica. De acordo


com Dantas e Senra (1994), a Mitra teria adquirido em 1970, por intermediação da Igreja de São Judas
Tadeu, lotes ocupados desde a década de 1930 e teria permitido sua ocupação com a intermediação da
também recém fundada Associação de Moradores do Cerro-Corá. A influência da igreja possibilitou as
primeiras melhorias na infra-estrutura. Além dessa área adquirida pela Mitra, a ocupação no Cerro-Corá se
deu em áreas particulares ocupadas a partir de 1903 (nºs 78 e 92) e no terreno pertencente ao Ministério da
Fazenda, ocupado na década de 1940 (nº 79), ambos situados na Rua João de Lery.

Fig. 84. Um dos eixos da ocupação em Guararapes, chamado


de Via Carioca, ao longo do Rio Carioca.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2006.

4.2.2. Estudo de Caso 2: bairros da Gávea e Rocinha

No Estudo de Caso 2, referente ao recorte espacial que abrange o alto da Gávea e a Rocinha, a
ocupação urbana se iniciou junto a afluentes formadores do Rio Rainha, na vertente voltada para o bairro da
Gávea, nos moldes do que aconteceu no Cosme Velho, isto é, a partir do gradativo desmembramento de
chácaras ou fazendas e destas em glebas, que foram loteadas a partir da década de 1940. Curiosamente, no
entanto, o primeiro loteamento projetado neste recorte, localizou-se na bacia de São Conrado, ao longo do
caminho de ligação aberto ainda nas terras da antiga chácara em direção à praia, posteriormente
denominado Estrada da Gávea e tratava-se de um loteamento de baixa renda, cujo processo de legalização
não foi concluído.

A ocupação da Rocinha se originou nas terras de uma grande fazenda, posteriormente adquirida
pela Companhia Castro Guidão, que a loteou e iniciou a venda de lotes entre 1927 e 1930. Os lotes eram
extremamente estreitos e compridos. Este loteamento teve apenas seu arruamento parcialmente implantado.
O traçado das ruas projetadas coincide com as principais vias carroçáveis e de pedestres que estruturam
atualmente a malha viária da Rocinha, ainda denominadas como Rua 1, 2, 3 , 4 e Rua Dionéia (identificada
na planta do referido loteamento como Rua 5). Seus primeiros proprietários eram, na maioria, pequenos

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 259
comerciantes portugueses e operários das antigas fábricas situadas na Gávea. As vendas dos lotes foram
interrompidas em 1937, uma vez que o parcelamento não atendia às normas estabelecidas no Decreto
6000/1937. Não havia abastecimento de água e esgotamento sanitário. A água era trazida das nascentes
próximas. A preparação da Estrada da Gávea em 1922 para sediar um circuito de corridas automobilísticas,
sua pavimentação em 1929 e a implantação do arruamento do citado loteamento deram ensejo aos primeiros
núcleos de ocupação informal junto à Estrada da Gávea e ao longo do fundo de vale dos córregos e riachos
que atravessavam a Rocinha. Na época bastante esparsos, estes núcleos foram surgindo, tanto de forma
espontânea, quanto conduzida pelos próprios proprietários, ao longo das vias abertas pelo loteamento não
legalizado (SAGMACS, 1960; DRUMMOND, 1981; ANDRADE, 2002; LEITÃO, 2009; FUNDAÇÃO BENTO
RUBIÃO, 2008, CONSÓRCIO MAYERHOFER & TOLEDO, MPS e LOCUS, 2009). Com a exigência do poder
público para registro e legalização do loteamento e com a falência da empresa, a morte de seu proprietário e
o desinteresse dos herdeiros pelo destino do empreendimento imobiliário, o processo de ocupação informal
tomou impulso ao longo da década de 1930, fomentado por parentes ou agenciadores, baseado em acordos
internos não escritos (SAGMACS, 1960; LEITÃO, 2009 e CONSÓRCIO MAYERHOFER & TOLEDO, MPS e
LOCUS, 2009).

O processo de surgimento da Rocinha guarda várias semelhanças com a origem de outros


assentamentos populares nas encostas do Maciço da Tijuca. Conforme indicaram Drummond (1981) e Leitão
(2009), o processo de ocupação da Rocinha se deu de forma, simultaneamente, radial e linear. Radial,
segundo Drummond (1981), porque o núcleo inicial da ocupação partiu do sopé das encostas em direção à
montante, e linear, por causa do papel de vetores de indução da ocupação desempenhados pelo eixo
principal, a Estrada da Gávea, e pelas vias de penetração implantadas pelos loteamentos não legalizados.

Tal qual aconteceu no alto Cosme Velho, a área ocupada pela favela é predominantemente de
propriedade privada. A Rocinha foi parcialmente assentada sobre parcelamentos parcialmente implantados
que não chegaram a ser legalizados (como os das Companhias Castro Guidão, em 1927 e Cristo Redentor,
em 1961) e loteamentos que tiveram aprovação inicial e foram posteriormente cancelados (como os
registrados nos PALs 8502,10680, 12761, referentes à área do Laboriaux), que não foram implantados na
prática. Deste modo, a maior parte da área ocupada pela Rocinha situa-se sobre domínio privado,
irregularmente ocupado ou invadido. Apenas na vertente voltada para a Gávea, na localidade conhecida
como 199, foram ocupadas áreas destinadas a uma escola, doada ao poder público na aprovação do
loteamento registrado no PAL 25474, e parte da área livre privada deste mesmo loteamento, posteriormente
também doada ao poder público, em processo iniciado em processo de 1949 e aprovado em 1962101 (Mapas
38 e 39).

101 Neste loteamento 18,5% da área total era destinado aos lotes; 7% a espaços livres de circulação; 12,5% a um clube; 3% à escola;

4% a jardins; 5% a reserva florestal e 50% à área livre privada, doada ao poder público em 1968 (PAL 27968).

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


260 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Segundo a Fundação Bento Rubião (2008), o bairro da Rocinha se formou a partir de várias glebas,
que deram origem a lotes de dimensões e formas bastante variáveis. Os dois maiores loteamentos nunca
foram licenciados pelo poder público municipal, uma vez que não obedeciam às normas vigentes. O maior
destes foi o loteamento iniciado pela Companhia Castro Guidão, registrado na PLT 25-16-381102. A única
certidão encontrada registra a venda do terreno à Empresa Territorial Gávea Ltda. em 1953 e menciona que
houve desmembramento da gleba em vários lotes, alienados a terceiros. Uma segunda área foi parcelada em
1961 pela Companhia Cristo Redentor, e corresponde ao Bairro Barcelos, situado na parte plana da Rocinha,
voltada para o bairro de São Conrado.

O processo gradativo de conurbação dos assentamentos iniciais ocorreu na década de 1960. Até o
início desta década, estes núcleos de ocupação encontravam-se espalhados em diferentes locais do
anfiteatro natural, abrigando 4513 moradores (SAGMACS 1960). Contudo, ainda prevalecia uma forma de
ocupação bastante rarefeita, formada por edificações dispersas, situadas ao longo da Estrada da Gávea e
das Ruas 1, 2, 3 e 4. De acordo com o relatório produzido pela SAGMACS (op.cit), o perfil sócio-econômico
da população local na época era composto majoritariamente por operários da construção civil, da indústria,
funcionários públicos e biscateiros e a ocupação já contava com um comércio complementar ao uso
residencial bem desenvolvido, uma igreja e um centro social da Fundação Leão XIII.

O registro de lotes na área aconteceu de forma eventual, isolada e pouco esclarecedora em relação
à sua conexão com os processos de parcelamentos, segundo a Fundação Bento Rubião (2008)103. Conforme
demonstra o levantamento realizado pela Fundação, as áreas de ocupação mais antigas, a julgar pelo tempo
de posse, encontram-se ao longo da Estrada da Gávea e nas áreas compreendidas pelas ruas 2 e 3. Na
contramão do resto da comunidade, a localidade conhecida como Laboriaux foi registrada, em quase toda
sua totalidade, em nome do Município do Rio de Janeiro no início da década de 1980. Este registro se deu
quando o poder público municipal promoveu a transferência das setenta e cinco famílias, cujas moradias
situavam-se sobre a principal linha de drenagem da Rocinha, o antigo valão de esgoto, que deu origem à
Avenida do Canal no Campo Esperança, na época uma das áreas mais densas e insalubres da comunidade,
para o Laboriaux em 1981104.

102 PLTs eram as plantas de loteamento ou de glebas registradas na Secretaria de Fazenda, anteriormente à criação do órgão

responsável pelo planejamento e gestão urbanas na cidade do Rio de Janeiro. Supostamente o sistema de registro em PLTs vigorou
até 1935, quando foi consolidada sua substituição pelos PALs, pela normativa de 1935, conforme já mencionado.
103 Do total de 26 lotes aprovados em 1947 no PAL 12385, apenas 5 lotes foram registrados no Registro Geral de Imóveis (RGI) no

final da década de 1960. Em 1980, os lotes 1 a 14 e 21 e 22 do PAL 12385 foram remembrados e desmembrados em 19 lotes de
dimensões e formas variadas e pouco usuais. Não há indícios de que o proprietário original constante no RGI tenha promovido a
alienação dos terrenos anteriormente, apesar da existência do PAL 12385 (FUNDAÇÃO BENTO RUBIÃO, 2007).
104 Esta área havia sido parcelada em 1944 pelo PAL 8502, modificado pelo PAL 10680, anterior a 1960, que a dividiu em 179 lotes
com (51% destinados aos lotes; 9,5% destinados a espaços livres de circulação (ruas e escadarias), 37,5% destinados a espaços
livres de permanência e reserva florestal) e apenas 2% cedidas a PDF (Prefeitura do Distrito Federal). Segundo Geronimo Leitão
(comunicação pessoal, 2010), a relocação das famílias para o Laboriaux, na época, foi vista como um avanço, pois era a primeira vez
que o poder público reassentava moradores de áreas de risco em uma outra área na própria favela. No entanto, este assentamento
acabou por se tornar um vetor de expansão sobre o divisor das bacias de São Conrado e Gávea, em direção à floresta.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 265
O lado ao sul da Estrada da Gávea (a jusante da estrada) foi ocupado anteriormente ao lado norte
(a montante). Núcleos localizados ao norte começaram a instalar-se na década de 1970, paralelamente ao
início da ocupação na localidade conhecida como 199, na vertente voltada para o bairro da Gávea, na Bacia
do Rio Rainha. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, a expansão da região ao norte da Estrada da Gávea
se consolidou, agregando as localidades conhecidas como Laboriaux, Divinéia, Cachopa, Cachopinha e
Portão Vermelho, ao mesmo tempo em que a ocupação no lado sul tornava-se mais adensada, contínua e
verticalizada (FUNDAÇÃO BENTO RUBIÃO, 2008; LEITÃO, 2009; CONSÓRCIO MAYERHOFER &
TOLEDO, MPS e LOCUS, 2009).

O processo de expansão e adensamento se intensificou novamente na segunda metade da década


de 1970, com a abertura do túnel Dois Irmãos e a expansão da fronteira imobiliária e turística em direção à
Barra da Tijuca. Datam da década de 1970 o início da ocupação da localidade denominada de 199, e da
década de 1980 a ocupação do núcleo conhecido como Vila Cruzado, voltadas para a bacia do Rio Rainha.
No início da década de 1980, consolidou-se, após algumas tentativas de remoção ao longo da década de
1970, o núcleo de ocupação do Laboriaux, a partir do reassentamento promovido pelo poder público
municipal, expandindo-se progressivamente em direção aos divisores (FUNDAÇÃO BENTO RUBIÃO, 2008;
LEITÃO, 2009; CONSÓRCIO MAYERHOFER & TOLEDO, MPS e LOCUS, 2009).

Fig. 85. Eixo de ocupação, sob a forma


tentacular, sobre o divisor no Morro do
Cocrane, na localidade conhecida como
Laboriaux, na Rocinha.

Foto: Rogério Cardeman, 2008.

No início da década de 1980, o processo de estratificação social e diferenciação sócio-espacial já


eram visíveis, como observaram Drummond (1981) e Leitão (2009). Nesta época já havia uma clara
diferenciação na configuração das ruas de passagens, bastante movimentadas, e dos becos, que serviam a
uma quantidade limitada de unidades habitacionais e eram, com freqüência, cobertos pelos pavimentos
superiores das edificações lindeiras. Ao longo da década de 1980, as intervenções públicas na Rocinha se
tornaram mais freqüentes105. A instalação dos serviços públicos, até então majoritariamente resultado de

105 Neste período, 80% das edificações passaram a ser atendidas pela rede pública de água e esgotamento sanitário, foram

implantados os CIEPs e outras quatro escolas municipais (Fundação Bento Rubião 2007, Leitão 2009 e Consórcio Mayerhofer &
Toledo, MPS e Locus, 2009).

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


266 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
ações individuais e coletivas da população local, à semelhança do que aconteceu na comunidade
Guararapes, através de sistemas comunitários como as “sociedades de água” e as “companhias de luz”,
passou a ser executada pelo poder público de forma mais sistemática, ainda que insuficiente para atender a
demanda da população. Até então, a distribuição de água ainda era bastante restrita e dependia das
nascentes e poços existentes106. A partir da década de 1990, a ocupação das áreas nas bordas da favela
tomou novo impulso direcionando-se para as localidades de Vila Verde e Portão Vermelho e à escarpa
rochosa do Morro dos Irmãos.

Ao longo da década de 1980, a ocupação da parte baixa da Rocinha adensou-se ainda mais e
consolidaram-se as edificações ao longo da Estrada da Gávea e demais vias principais, transformadas em
construções de alvenaria. Conforme indicou Leitão (2009), os moradores mais antigos ocupavam a parte
baixa da favela, a faixa lindeira à Estrada da Gávea voltada para o bairro de São Conrado e as áreas mais
próximas às vias carroçáveis. As áreas mais próximas aos divisores da bacia, localizadas junto à floresta e
às escarpas rochosas sujeitas a riscos geológicos-geotécnicos, mais distantes das vias de acesso e,
portanto, menos valorizadas, já estavam parcialmente ocupadas pelas famílias recém chegadas. Nesta
época, segundo o autor, já era possível perceber uma variada gradação entre estes extremos, em termos de
padrão construtivo, condições de acessibilidade e infraestrutura, indicando que o grau de precariedade das
edificações aumentava à medida que a ocupação se dirigia rumo aos divisores. As transformações
morfológicas na paisagem ocorreram a par e passo com as modificações na organização interna das
edificações, que passaram a abrigar usos e funções cada vez mais diversificados (LEITAO, 2009).

Conforme demonstrou Leitao (2009), com a gradativa tomada de consciência da perenidade da


ocupação e as conquistas obtidas na década anterior, as transações imobiliárias tornaram-se
progressivamente mais empresariais ao longo da década de 1990 e a as características do processo de
expansão se modificaram. Datam desta época a proliferação das construções em concreto e alvenaria, em
detrimento do casario até então construído com materiais não duráveis, e o início da substituição das
coberturas das edificações em telhas de barro e zinco por lajes. As modificações nos tipos construtivos
(principalmente a instalação de lajes) instigaram a expansão vertical, por superposição e empillhamento de
vários pavimentos às edificações existentes nas áreas já consolidadas da favela107. Progressivamente, a
expansão horizontal nas bordas da ocupação evoluiu em direção ao Morro do Cócrane, à ARIE de São
Conrado, e à escarpa rochosa do Morro dos Irmãos (LEITÃO, 2009; CONSÓRCIO MAYERHOFER &
TOLEDO, MPS e LOCUS, 2009).

106 As precárias redes de tubulações de água implantadas em mutirão pela comunidade para captação das águas das nascentes

situadas à montante produziram ao longo do tempo uma malha emaranhada de dutos de plástico e mangueiras de borracha, que via
de regra, apresentam vazamentos constantes.
107 No fim da década de 1990, segundo Leitão (2009:166), intensificou-se o mercado de compra e venda de lajes e de espaços

aéreos ainda disponíveis e o desmembramento progressivo da unidade residencial em frações destinadas à locação, induzindo à
verticalização.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 267
4.2.3. Estudo de Caso 3: Itanhangá e Floresta da Barra

No Estudo de Caso 3, referente ao recorte espacial situado no bairro do Itanhangá, a ocupação


urbana se iniciou em meados da década de 1940 na porção baixa do vale do Rio Cachoeira, junto ao seu
fundo de vale e de seus afluentes, prosseguindo, ao longo da década de 1950, em direção ao fundo do vale
do Rio Jacaré, em direção à Barra da Tijuca. A análise da situação fundiária neste recorte revelou a
apropriação de grandes áreas por poucos proprietários, a existência pretérita de uma indústria contígua ao
local onde posteriormente se instalou a ocupação informal e a atuação imobiliária de instituições financeiras.
A ocupação urbana na área estudada no bairro do Itanhangá vincula-se à desestruturação da atividade
agrícola nesta região e ao processo de remodelação da Estrada de Furnas. Até a construção da Estrada
Grajaú-Jacarepaguá, no final da década de 1950, a Estrada de Furnas era a principal via de ligação do
centro da cidade com a baixada de Jacarepaguá e a Barra da Tijuca. Entre o final da década de 1940 e o
início dos anos 1950, a estrada sofreu uma grande remodelação, adquirindo o traçado, o tratamento
paisagístico e a pavimentação atuais.

O processo de parcelamento nesta área iniciou-se entre 1946 e 1947 com o remembramento e
desmembramento de grandes sítios, pertencente a um único proprietário, em três grandes glebas (A, B e C).
A maior delas (gleba C) situava-se no lado esquerdo do Rio Cachoeira e era formada pelos antigos Sítio das
Furnas e Sítios 6 e 7, que tinham acesso pelo antigo Caminho do Colégio, atual Estrada do Itajuru. A gleba C
foi desmembrada em 1946 em dois grandes lotes pelo PAL 11718, registrados sob os nºs 12615 (lote 1) e
12530 (lote 2) em 1947108. O primeiro, localizado a jusante e atravessado pelo Rio Cachoeira, foi
parcialmente implantado, e subdividido novamente em 76 lotes109. O outro, a montante, registrado no PAL
12530, foi subdividido em 72 lotes de formas e dimensões muito variadas mas não chegou a ser
implantado110. De modo geral, os projetos de loteamentos formais nesta região ignoraram a presença e a
proximidade do Rio Cachoeira, apesar da sua incrível beleza cênica. O desenho do loteamento registrado no
PAL 12530 parece ser complementar a outro PAL, sem registro, que abrangeria o terreno contíguo,

108 No PAL11718 figuram as glebas A,B e C. A maior delas (gleba C), com 312734 m2, foi dividida nos lotes 1, de 98305 m2, que deu
origem ao PAL 12615, e 2, de 204429 m2, com projeto de parcelamento registrado no PAL 12530, mas não implantado. As duas
outras glebas: a A, de 29380 m2, loteada segundo o PAL 11712, e a suposta B (ilegível), loteada conforme o PAL 12149, também
eram de propriedade de Manuel Visconti. No PAL 11718 encontram-se registrados também os confrontantes Companhia Industria de
Papel e Cartonagem (terreno atravessado pelo Rio Cachoeira), Rinaudo Lage (terreno localizado a montante da gleba C; Maximo
Zitrin (Sítio da Cruz), Manoel Leitão (suposto proprietário da área não registrada em PAL ou no Registro de Imóveis localizada entre
os loteamentos formais), Joaquim André e Companhia Sul América Capitalização (loteamento Jardim da Barra).
109 O PAL 12615 foi implantado integralmente, mas teve parte de sua área na confluência com a favela Florestada Barra incorporada
à mesma. Este PAL indicava área cedida à PDF (1800m2), que aparenta ter sido ocupada informalmente, mas não apresenta
conexão direta com a favela; uma estreita faixa, registrada como parque, ao longo do riacho canalizado que deságua no Rio
Cachoeira, com faixa non-aedificandi variável entre 7m a 26 m; e seis áreas de lazer, uma das quais localizada a montante do parque
linear, nunca implantada, situava-se onde viria a ser o futuro acesso principal da área não legalizada.
110Este PAL registra que a área em litígio constante do PAL 11718 passou a pertencer a Máximo Zitrin após sentença judicial de
1953, legalizada em 1969, através do processo 07/605068/1969. Esta área em litígio aparentemente não foi incorporada no desenho
do PAL 35149, de 1977, que veio a lotear a gleba originalmente pertencente a Zitrin e posteriormente adquirida pela Companhia Sul
América Capitalização (Sìtio da Cruz). O PAL 12530 registra também que o lote 72, o maior lote deste loteamento (49878 m2) foi
desapropriado pelo Decreto 3016 de março de 1981.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


268 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
atravessado pelo rio, de propriedade da Companhia Indústria de Papel e Cartonagem. Uma grande área de
dimensões irregulares, de cerca 50.000 m2, foi reservada à jusante (lote 72) (Mapa 40 e 41).

O núcleo inicial da ocupação informal, inicialmente conhecida como Morro do Banco, e


posteriormente denominado pelo poder público municipal de Floresta da Barra, instalou-se dentro dos limites
da Gleba C, de propriedade de Manoel Visconti, e teve início, supostamente, no terreno do PAL 12530 de
1947, na área abrangida pelo lote 72. Segundo Adriano Allen (comunicação pessoal, 2010), devido à falta de
planejamento para alocação dos trabalhadores empregados na remodelação da Estrada de Furnas, em
processo semelhante ao que ocorreu em outras áreas do Maciço da Tijuca, estes acabaram por fixar-se em
assentamentos ao longo ou nas proximidades da estrada. Registros pretéritos da antiga indústria de papel
contígua ao local onde posteriormente se instalou a favela podem sugerir, por outro lado, a vinculação de sua
origem com a presença do núcleo industrial.

Segundo parecer técnico constante do processo 07/207035/74, até 1974, as obras do loteamento
não haviam sido iniciadas. Como parte dos requisitos para aprovação do loteamento, foi solicitada certidão
da então CEDAG quanto á viabilidade de abastecimento de água. Na certidão apresentada no processo, a
CEDAG informava que, na época, o loteamento só poderia ser abastecido por fonte própria, até a entrada em
funcionamento dos serviços dos troncos alimentadores da Baixada de Jacarepaguá, previstos no Plano
Diretor da CEDAG. Até lá, a operação e manutenção do sistema ficariam a cargo do condomínio a ser
formado pelos moradores ou a cargo do proprietário da gleba a ser loteada. Diante destas dificuldades, o
processo foi arquivado face ao desinteresse do proprietário111.

Segundo relatos dos moradores mais antigos da Floresta da Barra, reunidos em um breve histórico
da ocupação por eles elaborado, este assentamento teria se iniciado na primeira metade dos anos 1950 e a
área onde atualmente se localiza a comunidade teria sido hipotecada a uma instituição financeira, já com
ocupantes. Esta instituição seria ainda proprietária de parte da área, uma vez que não houve quitação da
dívida. No início da década de 1960, já havia cerca de cinqüenta famílias de posseiros no local, a maioria
proveniente do interior do Estado do Rio de Janeiro (POUSO/SMH/PCRJ e ARQ-5, 1996). Gradativamente a
comunidade tornou-se uma destinação de moradia para funcionários da Polícia Militar que se revezam na
presidência da Associação de Moradores, fundada em 1980. Os moradores atribuem o fato de não haver
tráfico de drogas à presença dos policiais militares que moram na Floresta da Barra. No entanto, apesar dos
claros indícios, dizem não haver milícia na comunidade112. Convém ressaltar que a associação exerce forte

111 O PAL 31680, de 1974, remembrou e loteou os lotes 71 e 72 do PAL 12530, situados na Estrada do Itajuru, e o lote 2 do PAL

29429, situado na Rua Sérgio de Carvalho, com a criação de quarenta e oito lotes. Os PALs 22098, de 1958; 29429, de 1971, e
31680, de 1974, também modificaram parte do PAL 12615, aumentando a área de um pequeno parque público, inicialmente
registrado como praça no PAL 12615. Este espaço livre, doado ao poder público, situava-se provavelmente no local de acesso da
favela Morro do Banco, posteriormente denominada Floresta da Barra. No PAL 31680, 20% do total de lotes aprovados ficaram
vinculados à execução e aceitação das obras de arruamento e infraestrutura para garantia de execução destas obras. Entretanto, o
termo de vinculação nunca foi assinado e o PAL 31680 foi cancelado em 1976.
112 Essa opinião é compartilhada pelo supervisor de segurança de um dos condomínios fechados adjacentes, que enalteceu a

atuação do presidente da associação e informou sobre o bom relacionamento entre a favela e o condomínio, relatando que 90% dos
empregados do condomínio moram na comunidade.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 269
influência nas transações imobiliárias realizadas dentro dos limites da favela, intermediando e, muitas vezes,
agenciando diretamente a venda de terrenos e propriedades.

Aparentemente, a ocupação da Favela Floresta da Barra iniciou-se em duas etapas, a partir de


núcleos distintos. O primeiro núcleo teve início pela Rua Sérgio Carvalho, nos fundos dos lotes 6, 7, 8 e 9 do
PAL 22098, com acesso por esta via, entre as décadas de 1950 e 1960. O segundo núcleo provavelmente
teve início posteriormente ao cancelamento do PAL 31680, em 1976, com acesso pela Estrada do Itajuru.
Estas suposições foram corroboradas pelos técnicos da Prefeitura que acompanharam a execução do
Projeto Favela-Bairro na comunidade (Ana Luna Oliveira e Márcia Bezerra, comunicação pessoal, outubro de
2009). Este segundo núcleo de ocupação se consolidou no bojo das transformações políticas em direção à
redemocratização e da crise econômica ocorridas na década de 1980. Apresenta uma configuração bastante
diferente do núcleo inicial, com definição de limites dos lotes, edificações com dimensões maiores e melhor
padrão construtivo e vias carroçáveis mais largas.

A configuração de traçado da favela não se assemelha aos projetos de loteamento apresentados à


Prefeitura em 1947 e 1974, cujos processos de legalização não foram concluídos. Não houve como provar,
até a conclusão dessa pesquisa, se ambos os núcleos se instalaram concomitantemente ou se o segundo
núcleo, como indicam as evidências, surgiu posteriormente. Uma das hipóteses é que o primeiro núcleo
tenha surgido anteriormente a 1947 (data de registro do primeiro loteamento localizado nesta área na
Prefeitura), devido à presença da indústria de papéis no local e que, em presença deste, o proprietário tenha
loteado a área reservando o lote 72, onde já estaria instalado o núcleo inicial. Com as dificuldades
decorrentes do processo de legalização do loteamento registrado no PAL 12530, o proprietário da área
passou a loteá-la ilegalmente com uma nova configuração, diferente da que foi apresentada à Prefeitura para
efeitos de licenciamento.

Na década de 1950 a ocupação urbana formal na região ganhou novo impulso, com o loteamento
dos antigos sítios das Flores, Gustavo de Carvalho e Massarú, entre outros, com acesso direto pela Estrada
da Barra da Tijuca, dando origem aos atuais condomínios fechados existentes. O PAL 17087, de 1952, que
registrou o projeto de arruamento e loteamento do condomínio Jardim da Barra, reservou uma grande área,
com 372911 m2 (lote A), correspondente a 37% da área da gleba pertencente à Companhia Sul América de
Capitalização, destinada à reserva florestal. No entanto, não consta no referido PAL registro de doação desta
área ao poder público. Depreende-se que este terreno, que abrange áreas situadas tanto abaixo quanto
acima da cota 100m, constitui um significativo estoque de terras à espera de uma utilização futura.

Curiosamente, o PAL 35149, que registrou o parcelamento de uma área quase integralmente
situada acima da 100m, foi aprovado em 1978, e teve sua principal via de ligação, denominada Rua Jardim
do Seridó, também aprovada pelo PAA 9705 em 1977, em flagrante desrespeito ao Decreto 6168/1973, que
proibiu novos arruamentos e loteamentos acima da cota 60m, e aos Decretos 3800/1970 e 322/1976, que
vedaram parcelamentos acima da cota 100m, com exceção dos já aprovados na época. Este logradouro une

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 275
a Rua Engenheiro Pires do Rio à Estrada do Itajuru através de terrenos do PAL 17087, que foram
incorporados aos PAL 35149. Por este projeto foram acrescidos aos loteamentos existentes na área outros
16 lotes, que avançam sobre as encostas em direção aos topos das escarpas rochosas, chegando a
ultrapassar os divisores da bacia. Parte de seus terrenos superpõe-se ao Parque Nacional da Tijuca. Apenas
2 dos 16 lotes encontram-se ocupados. Um deles abriga Centro Social da Aldeia Infantil SOS de Pedra
Bonita, instituição de origem austríaca, que acolhe, abriga e apóia crianças e jovens em situação de
vulnerabilidade social. Tanto a abertura do logradouro, quanto a implantação do loteamento, nunca
cancelados, contrariam frontalmente a legislação vigente.

Fig. 86. Projeto Aprovado de Loteamento nº 35149, de 1978. Notar configuração extremamente alongada dos lotes, que avançam por
sobre os limites do Parque Nacional da Tijuca.

Fonte: PCRJ/SMU/GCT.

4.3. Padrões de configuração


4.3.1. Situação fundiária: quanto aos domínios

A questão da dominialidade das terras situadas nas encostas da cidade é de fundamental


importância para o planejamento e para a gestão desta porção da paisagem carioca. A investigação da
situação fundiária nos três recortes estudados possibilitou a identificação e o mapeamento de categorias
diferenciadas de domínio de terras. Foram identificadas áreas de domínio público, de domínio público
invadido, de domínio privado, de domínio privado invadido, de domínio privado coletivo e de domínio
indefinido. Devido à existência do Parque Nacional da Tijuca, de áreas cedidas ou doadas à então Prefeitura
do Distrito Federal – PDF quando da aprovação dos loteamentos, dos logradouros públicos, como ruas,

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


276 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
largos, praças, e de áreas destinadas a equipamentos públicos não implantados, o domínio público nas
encostas do Maciço da Tijuca predomina.

Contrariando a crença generalizada como verdade absoluta, divulgada à exaustão pelo poder
público e pela mídia, a maior parte das áreas informais nos três recortes estudados situa-se sobre domínio
privado, não sobre domínio público. Os processos de ocupação nos três recortes estudados envolveram, de
modo geral, uma mescla de variadas situações e condicionantes que compreendem desde o agenciamento
da ocupação pelos proprietários originais, sua apropriação consentida por instituições religiosas ou pelos
próprios proprietários, situações derivadas de processos de legalização de loteamentos não concluídos e a
invasão de áreas doadas à municipalidade para a implantação de equipamentos comunitários não instalados
pelo poder público (Mapas 42, 43 e 44).

A regulação da destinação de áreas ao poder público para implantação de espaços livres na


legislação municipal, como já foi demonstrado, é bastante deficitária. Sua implantação, na prática, bem como
sua manutenção, não demonstra o comprometimento necessário por parte do poder público. Muitos
loteamentos antigos nem sequer registraram doações de áreas para implantação de equipamentos públicos
ou reserva florestal. Outros, como no caso de alguns loteamentos do Itanhangá e da Gávea, registraram
extensas áreas de reserva florestal, mas não a doaram ao poder público. Desta forma, estas áreas,
principalmente as localizadas abaixo da cota 100m, se constituem como uma significativa zona de reserva de
áreas privadas, ainda florestadas, à espera de uma destinação futura mais conveniente do ponto de vista
econômico. Esta situação adquire contornos ainda mais complexos tendo em vista a existência de diversas
glebas em áreas valorizadas dos maciços da Tijuca e da Pedra Branca, que têm projetos de loteamento
aprovados e registrados, ainda não implantados. Ciclicamente, seus proprietários, junto a empreiteiras da
construção civil e empresas imobiliárias, pressionam o poder público por revisões na legislação para
viabilizar sua ocupação.

Áreas de domínio privado justapõem-se e por vezes sobrepõem-se a outras ocupadas


anteriormente, às favelas e às áreas florestadas protegidas pela União ou sob tutela do poder público
municipal, formando uma colcha de retalhos com diferentes titularidades que se interceptam. Surpreende
particularmente o conflito entre o domínio privado e o domínio do Parque Nacional da Tijuca (PNT) nas
encostas do Itanhangá, onde um loteamento aprovado em 1978 invadiu a área do parque, cujos atuais limites
nesta região foram definidos muito antes, em 1967. Causa ainda mais surpresa o fato deste loteamento e seu
arruamento principal terem sido oficialmente registrados após a vigência dos Decretos Municipais 3800/1970,
6168/1973 e 322/1976, que estabeleceram a reserva florestal e impediram novos loteamentos acima das
cotas 60m e 100m.

A situação fundiária encontrada nos três recortes analisados indica a complexidade do campo de
disputas entre os diferentes agentes institucionais e sociais na interface urbano-florestal do Maciço da Tijuca,
conforme já havia sido ressaltado por Guerra (2005) e Soares (2006), cujos estudos enfatizaram a oposição

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 277
entre a dominialidade privada e a dominialidade difusa do patrimônio coletivo de caráter natural. É fato
conhecido que a proteção do suporte geo-biofísico adquire matizes políticos, quando convém, conforme
ressaltou Soares (2006), a serviço dos interesses do mercado imobiliário e do mercado de trabalho, ainda
que se destine ao benefício coletivo. Trata-se, como observou Guerra (2005), de uma dicotomia nítida entre o
direito coletivo difuso e o direito à propriedade; entre os interesses comuns a todos e o interesse particular. A
mescla de situações encontradas nos três recortes analisados expôs nuances, interrelações,
correspondências e singularidades deste imbricado processo em três diferentes contextos. O modelo social e
territorial de ocupação nas encostas do Maciço da Tijuca foi montado com base na crença de que a atração
do mercado imobiliário direcionado às camadas médias e altas da população teria o poder de substituir e
afastar as favelas. Para isso, como vimos, criou-se ao longo dos anos um enorme estoque de terras nas
encostas, a espera do melhor momento para ser usufruído.

4.3.2. Parcelamento

A maioria dos parcelamentos implantados nos recortes estudados data do período entre as décadas
de 1930 e 1950 e apresenta desenhos sinuosos que, a julgar pela configuração e pela época de implantação,
tiveram alguma inspiração nas cidades-jardins. São compostos por lotes com dimensões que variam entre
225 m2 a glebas com área superior a 100.000 m2. Para efeito de análise, os lotes foram classificados
segundo as categorias definidas pelo Regulamento de Parcelamento da Terra, constante do decreto
3800/1970 e suas atualizações: 225 m2 a 360 m2; 360 a 600 m2; 600 a 1.000 m2; 1.000 a 5.000 m2; 5.000 a
10.000 m2; 10.000 a 50.000 m2, 50.000 a 100.000 m2 e acima de 100.000 m2.

No recorte situado no bairro do Cosme Velho, predominam lotes com pequenas dimensões, mas
quase a metade da área urbanizada formal pertence a poucos proprietários. Aproximadamente 20% do total
do número de lotes são lotes relativamente pequenos, com área entre 360 e 600 m2, e cerca de 40% são
lotes médios, com área entre 1.000 e 5.000 m2. Neste recorte espacial não há vinculação direta entre o
tamanho dos lotes e sua localização topográfica. O único lote com área acima de 10.000 m2 levantado neste
recorte corresponde a 10% da área total loteada.

Nos os loteamentos estudados localizados no bairro da Gávea, a destinação de áreas registrada


nos PALs é muito variável: 50% a 70% da área loteada foi destinada aos lotes; 10% a 37,5% aos espaços
livres e reservas florestais (não doadas); 7% a 10% destinadas a espaços livres de circulação (ruas,
escadarias) e apenas 2,5% cedidas ou doados a PDF (então Prefeitura do Distrito Federal). Como veremos a
seguir, estes percentuais, principalmente em relação aos espaços livres de permanência, não se
concretizaram.

No recorte localizado no bairro do Itanhangá, também predominam lotes médios. 30% dos lotes
possuem área entre 600 e 1.000m2 e 48% entre 1.000 e 5.000 m2. Apesar dos lotes com área acima de
10000m2 corresponderem a apenas 4% do número total de lotes, em termos de percentual de área ocupada,

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 285
63% da área total loteada corresponde a lotes com área acima de 10.000 m2. Há uma relação direta entre
tamanho do lote e a localização topográfica: os poucos lotes pequenos localizam-se até a cota 40m. No
Itanhangá, apesar de tratar-se de ocupação mais recente, o percentual de áreas destinadas a espaços livres,
seja para reserva florestal, bosques, praças ou jardins e de áreas doadas à Prefeitura do Distrito Federal é
ainda menor do que nas outras áreas estudadas, evidenciando o caráter discricionário do processo de
licenciamento em relação aos espaços livres nas encostas do Rio de Janeiro.

De modo geral, em termos de número de lotes, nos parcelamentos mais antigos, localizados no
Cosme Velho e na Gávea predominam lotes menores, com área entre 360 a 600 m2, e lotes médios, com
área entre 1.000 e 5.000 m2. Em todas as áreas destaca-se a grande oferta de lotes entre 1.000 e 5.000 m2.
Lotes acima de 10.000 m2, permitidos acima da cota 100 pelos decretos 3800/1970 e 322/1976,
correspondem a cerca de 50% a 60% da área urbanizada em dois dos três recortes espaciais estudados, em
termos de área ocupada. Estes resultados indicam que a maior parte da área ocupada nos recortes
estudados pertence a poucos proprietários e que, progressivamente, ao longo do processo de ocupação das
encostas, houve uma tendência em vincular o tamanho dos lotes a sua localização topográfica (Mapas 45, 46
e 47).

4.3.3. Implantação e volumetria construída

Em todas as áreas de estudo foram encontrados lotes com mais de uma edificação acima da cota
60 e mesmo acima da cota 100, contrariando a exigência de uma única edificação unifamiliar por lote,
estabelecida nos decreto 3800/1970 e 322/1976, na Zona Especial 1 - ZE-1 (art. 166), na Zona Residencial 1
- ZR-1 e na ZR-6 (art.22). A ocorrência de mais de uma edificação ou grupamentos de edificações em um
mesmo lote significa que estas datam de período anterior a 1970 ou, se posteriores, estão em desacordo
com a legislação vigente (Mapas 48, 49 e 50).

Quanto aos tipos arquitetônicos, foram identificadas edificações implantadas diretamente sobre o
solo, sobre platôs existentes ou sobre cortes ou aterros; edificações sobre embasamento ou muro de
contenção; edificações sobre estacas (algumas ainda em madeira) ou pilares aparentes; edificações
escalonadas e edificações verticalizadas (com mais de quatro pavimentos). O uso de cortes e aterros na
implantação das edificações é recorrente, tanto nas áreas formais, quanto nas áreas informais. Nas áreas
informais, são recorrentes cortes verticais a montante das edificações, assentadas sobre solo não
consolidado. Os tipos arquitetônicos identificados foram mapeados nas áreas formais estudadas mas não foi
possível mapeá-los integralmente nas favelas até o momento de conclusão desta pesquisa, com a
localização de todas as edificações sobre pilares aparentes e sobre estruturas de contenção. Nestas áreas,
apenas dois tipos foram mapeados: edificações sobre o solo, em platôs ou sobre cortes/aterros e edificações
verticalizadas, com mais de 4 pavimentos (Mapas 51, 52 e 53).

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


286 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 87. Grupamento de edificações verticalizadas do Hospital
Adventista Silvestre, localizado junto às comunidades
Guararapes, Vila Cândio e Cerro-Corá, no Cosme velho.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 88. Trecho da ocupação informal localizado sobre domínio


público no Cosme Velho. Notar tipologia semelhante a vilas,
implantadas perpendicularmente às curvas de nível.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 89. Edificações sobre embasamento no Cosme Velho.

Foto: Mônica Bahia Schlee 2010.

Fig. 90 a e b. Os diferentes tipos arquitetônicos existentes na


Floresta da Barra em contraste com a ocupação mais rarefeita
dos loteamentos fechados que a circundam. A ocupação se
torna mais precária nas bordas da comunidade. Observar
edificações camufladas sob a floresta junto às margens do Rio
Cachoeira.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 305
Se nas áreas formais, os tipos arquitetônicos decorrem das normas urbanísticas e edilícias
estabelecidas pela legislação; nas favelas são resultado direto da necessidade de aproveitamento do espaço
exíguo. Criam-se até mesmo novos espaços, como no caso da venda do espaço aéreo sobre lajes e das
edificações construídas sobre afloramentos rochosos. Edificações sobre embasamento ou muros de
contenção ocorrem com mais freqüência nas áreas de ocupação mais antiga, geralmente em um nível
elevado em relação à rua, em lotes com frente para duas ruas ou lotes localizados em esquinas de ruas com
traçado em zigue-zague, onde o térreo, quando o terreno possibilita, é ocupado por garagens. Outras se
desenvolvem em patamares, de forma escalonada, perpendicularmente às curvas de nível, vinculadas à
aprovação do Decreto 8321/1988. Edificações verticalizadas, com mais de 4 pavimentos, foram encontradas
tanto nas áreas formais e nas áreas informais. A ocorrência do tipo edifício é esparsa e ocasional, tendo sido
encontrados exemplares no Cosme Velho e Gávea e na favela localizada no Itanhangá (Floresta da Barra),
situadas ao longo dos eixos principais de penetração. No Cosme Velho, a maior parte dos edifícios
observados na área formal possuem sub-solo habitável, com acesso por mais de uma rua através de
pavimento intermediário. Esta solução, possibilitada pelo Decreto 6000/1937, foi recorrente também em
Santa Teresa, vigorando até a década de 1970.

Fig. 91. Ocupação formal:


Esquemas gráficos dos tipos
arquitetônicos.

Fonte: Desenho de Isabelle


Falchetti sobre croquis da autora,
2006.

Nas favelas, o padrão edificado é decorrente das condições do suporte-físico, das restrições
econômicas e das condicionantes históricas e culturais. Predominam edificações agrupadas de forma
irregular, muito próximas ou sobrepostas umas às outras, escalonadas ao longo das curvas de nível, sem
delimitação de lotes. Algumas edificações debruçam sobre os caminhos, estreitando-os a ponto de
permitirem, em alguns casos extremos, como observado em Vila Cândido e na Rocinha, a passagem apenas
de crianças, ou avançam sobre o seu espaço aéreo, formando túneis.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


306 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 92 a e b. Ocupação informal:
Esquemas gráficos dos tipos
arquitetônicos sobre rocha e sobre
solo

Desenhos de Jonathas Magalhães


da Silva, 2010.

Alguns tipos arquitetônicos se assemelham aos encontrados nas áreas formais. A ocupação
também se desenvolve por corte e aterro e, quando acontece sobre escarpas ou afloramentos rochosos, se
dá sobre estacas ou pilares aparentes, tipo mais freqüentemente encontrado nas favelas, tendo em vista a
restrição a este tipo de solução pela legislação municipal nas áreas formais. Conforme demonstraram Silva e
Tângari (2003:13-15), no esquema dominante de ocupação nas favelas situadas em encostas, a implantação
das edificações acontece, via de regra, em leiras desencontradas, com cotas de soleira desniveladas,
dispostas em paralelo às curvas de nível, a partir de cortes e aterros sucessivos. As edificações implantadas
ao longo das curvas de nível formam patamares sucessivos, ainda que não ordenadamente lineares, à
medida que o assentamento se expande, unidos perpendicularmente por escadarias ou rampas. Com a
instalação das lajes de cobertura, inicia-se o processo de expansão vertical, que pode se dar em direção a
montante ou em direção a jusante, dependendo da localização do caminho de acesso. A expansão vertical é
feita pelo processo do empilhamento sucessivo de novos pavimentos, algumas vezes totalmente
independentes da estrutura existente, reservando-se o usufruto da laje para o proprietário original. Estes
autores observaram também que, em áreas com afloramentos rochosos, a implantação das edificações
acontece sobre pilares aparentes, ou, como estes denominaram, sobre pilotis.

Fig. 93 a e b. Edificações
sobre pilares aparentes na
Floresta da Barra, no
Itanhangá, e no Complexo
Guararapes, no Cosme Velho.

Fotos: Mônica Bahia Schlee,


2009 e 2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 307
A adequação técnica deste procedimento às condições das encostas íngremes cariocas já havia
sido observada anteriormente por Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1984:103), que o denominou de
“engenharia favelada” e explicou sua lógica. Quando chove, a presença dos afloramentos rochosos aumenta
a velocidade de escoamento superficial e a força da enxurrada tende a carrear tudo o que oferece
resistência. As estacas ou “espeques”, como observou Santos, oferecem uma superfície mínima de contato,
e as edificações pairam sobre as rochas como se fossem palafitas sobre as águas. Edificações sobre
embasamento ou muro de contenção não são comuns nas favelas devido ao alto custo, ocorrendo apenas
quando a edificação é implantada sobre estrutura de contenção executada pela Fundação GEORIO (cortina
atirantada ou revestimento em concreto), que são usados como suporte para novas edificações, solução
observada em todas as áreas informais visitadas. A maioria das edificações precárias está situada em locais
de difícil acesso, nas áreas mais altas das encostas. Essas construções geralmente são fruto de ocupações
mais recentes.

Fig. 94 a, b e c. Em todos os núcleos de ocupação


informais analisados, a precariedade da ocupação
informal aumenta em direção às bordas dos
assentamentos, mais afastadas das vias de acesso e dos
eixos carroçáveis.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2010 e 2009.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


308 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Em cada recorte espacial analisado existem particularidades inerentes ao processo de ocupação.
No recorte espacial localizado no Cosme Velho, cerca de 38% das edificações formais possuem 2
pavimentos e cerca de 27%, 3 pavimentos. Nas áreas informais, cerca de 32% das edificações tem 1
pavimento e 37%, 2 pavimentos. Na década de 1980, o Decreto Municipal 3155/1981 aumentou o gabarito
das edificações situadas na Bacia do Rio Carioca, possibilitando a construção de edificações verticalizadas
com até 18 pavimentos até a cota 50m, contrariando, neste recorte, a gradação de altura das edificações
vinculada á cota de soleira, referendada no Decreto 322/1976. Na Gávea, tanto na área formal quanto na
área informal predominam edificações de 2 pavimentos (cerca de 43% e 24%, respectivamente) e 3
pavimentos (aproximadamente 33% nas duas áreas, respectivamente). No Itanhangá, cerca de 32% das
edificações formais possuem 1 pavimento e aproximadamente 52% possuem 2 pavimentos. Na Favela
Floresta da Barra cerca de 39% das edificações levantadas possuem 2 pavimentos e cerca de 34%, 3
pavimentos.

Enquanto nas áreas formais o maior percentual de verticalização ocorre nas áreas com ocupação
mais antiga; nas favelas, o percentual de verticalização é maior nas áreas mais valorizadas, ambas não por
acaso situadas ao longo dos fundos de vale. No recorte espacial situado no Cosme Velho, 19% das
edificações formais e 6% das edificações informais são edificações verticalizadas. No recorte espacial que
corresponde à Gávea e à Rocinha, 13% das edificações formais e 25% das edificações informais são
verticalizadas. No recorte espacial situado no Itanhangá, 2% das edificações formais e 5% das edificações
informais são verticalizadas.

Fig. 95. Verticalização ao


longo do eixo de ocupação
na Gávea e o sistema de
espaços livres na interface
entre o tecido formal e o
informal. Notar espaços
livres privados (fundos de
lotes, piscinas e quadras,
nas áreas formais, e as
lajes, nas áreas informais).

Foto: Rogério Akamine,


2008.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 309
Fig. 96 a, b, c e d. A verticalização acontece tanto nas áreas formais quanto nas informais: 8 e 16 pavimentos nas áreas formais no
Cosme Velho e Gávea, respectivamente, e 6 e 11 pavimentos na Floresta da Barra, no Itanhangá, e na Rocinha, respectivamente.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2006 e 2010.

Nas favelas analisadas, ainda que predominem edificações de 2 e 3 pavimentos, o processo de


verticalização é muito evidente, especialmente na Rocinha. O percentual de verticalização, equivalente a
aproximadamente 5% das edificações levantadas no Complexo Guararapes e na Floresta da Barra, atinge
25% das edificações levantadas na Rocinha, evidenciando, entre outros fatores, o elevado valor da terra na
Rocinha, em relação às demais favelas estudadas. Na Rocinha e na Floresta da Barra, favelas localizadas
em bairros mais valorizados, já existem edifícios de 11 pavimentos e 6 pavimentos, respectivamente.
Internamente, este percentual é ainda mais elevado em alguns setores. Devido à inclinação da encosta, as
edificações com frente para duas vias de circulação localizadas em patamares diferentes apresentam um
número menor de pavimentos quando observadas da via à montante, aumentando o número de pavimentos
à medida que descem a encosta, até se sobrepor com as edificações implantadas na curva de nível inferior
(Mapas 54, 55 e 56).

Conforme demonstrou Leitão (2009:13) em relação à Rocinha, as práticas e processos de produção


e reprodução da ocupação nas favelas se alteraram muito ao longo do tempo, modificando completamente a
morfologia da paisagem nestas áreas. Segundo Leitão (2009:114 a 139) a intensificação do processo de
mobilidade interna e as gradativas modificações nos padrões construtivos e na produção das moradias

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


310 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
ocorreram na Rocinha a partir do final da década de 1970. O processo inicial de autoprodução de moradias,
envolvendo a família e os amigos, com materiais não duráveis, cedeu lugar à atuação de mestres de obras e
pequenas empreiteiras e ao emprego de materiais e técnicas construtivas semelhantes às utilizadas na
produção da ocupação formal (estrutura em concreto, revestimento em alvenaria, lajes em concreto ou pré-
fabricadas), contribuindo para a formação de um aquecido mercado informal, não só imobiliário e vinculado à
construção civil, mas também de trabalho, e para a gradativa proliferação da verticalização nestas áreas. No
início da década de 1980, a altura das edificações variava de 1 a 4 pavimentos mas ainda predominavam os
barracos de madeira (70%), com cobertura de telhas de barro, zinco ou cimento amianto, sobre as
edificações em alvenaria (30%)113.

As remoções, a partir da década de 1980 se tornaram pontuais, motivadas pela ocorrência de


deslizamentos ou risco iminente. Entretanto as ações do poder público nem sempre se concretizam ou
produzem os resultados esperados. São três as situações mais recorrentes, segundo PC da Rocinha: o
poder público condena a edificação, se compromete a indenizar e retirar os moradores, mas não efetiva o
processo por falta de recursos; o poder público concretiza as indenizações mas os moradores retornam para
a mesma área posteriormente; por fim, o reassentamento dos moradores em outro local, geralmente nas
franjas das comunidades, produzindo, com o tempo, novos vetores de indução à ocupação, como no caso do
Laboriaux, na Rocinha. Todas as três situações, conforme se verifica nos três recortes estudados,
comprometem o suporte geo-biofísico e causam grandes transtornos na vida da população.

As edificações padrão, que foram construídas pelo poder público no início da década de 1980 no
Laboriaux eram de 1 pavimento, com telha de amianto, compostas por quarto, sala, cozinha e banheiro. Hoje
apenas uma conserva a volumetria original. Todas as outras foram modificadas, sofrendo acréscimos
horizontais e verticais. Estas mudanças não foram acompanhadas pelo poder público. Com as freqüentes
ocorrências de deslizamentos parciais, intensificadas a partir da primeira década do século XXI, vários
moradores do Laboriaux receberam documentos da Prefeitura condenando suas edificações por estarem
situadas em área de risco e assumindo o compromisso de indenizar e retirar os moradores. Entretanto, estes
reassentamentos nunca foram efetivados e os moradores continuaram no local em condições precaríssimas.
Com os graves deslizamentos ocorridos em 2010, diversas edificações, inclusive as que foram implantadas
pelo poder público no início da década de 1980, foram marcadas à tinta nas fachadas, para serem
removidas.

113 Para uma análise do processo de produção de moradias na favela da Rocinha, das ações dos agentes envolvidos e da dinâmica

de produção do ambiente construído, ver LEITÃO, Gerônimo. Dos barracos de madeira aos prédios de quitinetes: uma análise
do processo de produção da moradia na favela da Rocinha, ao longo de cinqüenta anos. Niterói: EdUFF, 2009, 207 p.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 317
Fig. 97 a, b, c e d. 75 edificações foram construídas pelo poder público municipal no Laboriaux em 1982 para abrigar os reassentados de
área de risco e implantadas ao longo de uma via aberta sobre o divisor. Após os desabamentos de 2010, algumas delas foram marcadas
para demolição pela Prefeitura.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 98. Edificação em área de risco, condenada pela


Prefeitura em 2004, que assumiu compromisso de retirar os
moradores. O processo não se concretizou e os moradores
continuam no local.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

4.3.4. Situação fundiária e edilícia: quanto à legalidade

A análise comparativa nos três recortes estudados revelou uma gama de realidades fundiárias e
edilícias em mutação, com variações peculiares entre os territórios estudados, entre os tipos de apropriação
da terra e entre os níveis de legalização encontrados no contexto urbano. Da aceitação da polarização social
à aceitação e à difusão da ilegalidade, todos os segmentos sociais recorrem a expedientes ilegais quando
convém. Conforme apontou Farias (2009:23), a principal antítese utilizada para caracterizar a favela é sua

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


318 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
situação de ilegalidade urbanística, em contraponto ao espaço urbano formal, o bairro. Entretanto, como
observou Gomes (2002), a prática da ilegalidade é compartilhada em muitos outros espaços urbanos nas
cidades brasileiras, contribuindo para tornar nebulosa e diferenciação entre cidade, espaço legal, e favela,
espaço ilegal. O caráter de irregularidade do solo se manifesta indistintamente na cidade (Mapas 57, 58 e
59).
A ocorrência de acréscimos e expansões horizontais, fora dos padrões estabelecidos pela legislação
vigente, foi observada nas três áreas estudadas, tanto nas áreas tidas como formalmente ocupadas, quanto
nas áreas informais. Em todos os recortes espaciais estudados foram observados enclaves de tecidos com
traçado regular no interior das favelas, originados de loteamentos cujo processo de legalização não chegou a
ser concluído ou decorrentes de intervenções urbanísticas do poder público. Este processo de englobamento
e transformação do tecido anteriormente existente por outro, com novos usos e padrões, foi denominado por
Farias (2009:46), ao utilizar a metodologia de análise proposta por Kostof (1991), como absorção de tecido.
Situação inversa acontece nas franjas entre as áreas formais e as informais, aonde o tecido formal existente
vai, aos poucos, sendo absorvido e adquirindo as características do tecido informal. O inverso também pode
acontecer.

Fig. 99 a e b. Fronteiras fluidas e relação de contigüidade espacial


entre os tecidos formal e informal no Cosme Velho. De um lado da via,
o tecido apresenta características de área formal e do outro, em Vila
Cândido, impera a precariedade.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2006.

Fig. 100. Na Gávea, a segregação entre os dois tipos de tecido


é mais evidente.
Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 319
Além dos territórios formais e os territórios informais, foi identificado na presente pesquisa um
terceiro tipo, que combina elementos dos dois primeiros, e que denominaremos de tecido urbano ou território
híbrido. Esta situação foi identificada no recorte espacial estudado no Itanhangá, onde o levantamento de
campo e a pesquisa fundiária revelaram indícios deste novo núcleo de ocupação em formação, que mescla
características do território formal e do território informal. Situa-se em meio a loteamentos de alto padrão,
com acesso pela Estrada do Itajuru, externamente à área da comunidade Floresta da Barra, no lado oposto
da rua. Não foi encontrado nenhum registro da propriedade no Registro Geral de Imóveis ou em Projetos
Aprovados de Loteamento – PALs referente à gleba, que abriga uma mescla esparsa de sítios e residências
de bom padrão construtivo entremeadas a outras de baixo padrão, coladas e alinhadas linearmente na
porção central da gleba. Nesta área prevalece o uso residencial, mas já ocorrem usos complementares,
inclusive uma oficina mecânica.

Fig. 101 Acesso à área com titularidade indefinida


localizada entre loteamentos fechados, do lado oposto
à Floresta da Barra, no Itanhangá.

Foto: Mônica Bahia Schlee 2008.

4.3.5. Usos

Em termos de uso do solo, as áreas formais situadas nos recortes estudados apresentam em
comum pouca diversidade de uso, com tendência à monofuncionalidade, com forte predomínio do uso
residencial e secundariamente do uso institucional, destinado a atividades educacionais, culturais, religiosos
e assistenciais (saúde e assistência social). Nos bairros Cosme Velho e Gávea predomina o uso residencial.
Observam-se também os usos educacional, cultural, religioso e assistencial. No recorte espacial inserido no
bairro do Itanhangá, os usos residencial e institucional, com primazia da atividade assistencial, são
praticamente exclusivos (Mapas 60, 61 e 62).

Nas favelas o quadro é bem diferente. De modo geral, existe uma grande diversificação de usos,
ainda que predomine o uso residencial. O uso misto é bastante expressivo, com comércio de abastecimento
local no térreo e residencial nos pavimentos superiores. Ressalta-se a presença do uso educacional público e
a ocorrência expressiva, do uso institucional religioso de diferentes orientações. Em todas as favelas
estudadas verificou-se uma concentração das atividades vinculadas ao comércio e serviços nas vias de
acesso principal.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 327
Fig. 102 a e b. Uso comercial ao longo do eixo principal de acesso que liga o Complexo Guararapes aos bairros vizinhos do Cosme
Velho e Santa Teresa.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2006.

Fig. 103. Uso comercial ao longo do eixo principal de acesso


que liga a Rocinha aos bairros vizinhos de São Conrado e
Gávea.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 104 a e b. Uso comercial ao longo do eixo principal de


acesso que liga a Floresta da Barra ao Itanhangá.

Fotos: Mônica Bahia Schlee e Cauê Capille, 2009.

A Rocinha se destaca pela maior diversificação de usos e o maior grau de consolidação das
atividades vinculadas ao comércio e aos serviços em relação às demais favelas analisadas. A região a
jusante da ocupação, lindeira ao principal eixo viário (Via expressa Lagoa-Barra), constitui um centro
comercial e de serviços que abastece toda a Rocinha e atrai outros segmentos, à semelhança de outros
bairros da cidade, conforme identificado pelo levantamento realizado pelo Consórcio Mayerhofer & Toledo,
MPS e Locus, (2009). A mistura de usos, a multifuncionalidade, a multiplicidade de significados e a
efervescência econômica das favelas situadas nos três recortes analisados, em graus diferenciados
contrastam fortemente com a monofuncionalidade que caracteriza todas as áreas formais estudadas.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 335
Fig.105 a, b e c. Presença do uso institucional religioso de diferentes orientações nos núcleos de ocupação informal.
Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2009 e 2010.

Fig. 106 a e b. O comércio e armazenagem de gás liquefeito nos núcleos de ocupação informal é atividade freqüente.
Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2008 e 2010.

4.3.6. Espaços livres

Os espaços livres foram analisados segundo as categorias elencadas no Quadro 3. Conceituação


do Sistema de Espaços Livres, elaborada pelo Grupo Sistemas de Espaços Livres – SEL-RJ e adaptada ao
ambiente das encostas na presente pesquisa. Conforme mencionado anteriormente, os espaços livres, no
âmbito desta pesquisa, foram classificados como espaços livres com caráter ambiental, espaços livres
com caráter de urbanização e espaços livres relacionados à produção de matéria prima Não foram
encontrados espaços livres relacionados à produção de matéria prima nas três áreas de estudo. Os espaços
livres que desempenham função ambiental são aqueles constituídos por uma densa mancha de cobertura
vegetal, com enclaves de afloramentos rochosos que envolvem e permeiam, sob a forma de tentáculos, os
núcleos de ocupação formal e informal nos três recortes analisados. Os espaços livres com função de
urbanização e socialização incluem os espaços livres relacionados à permanência (parques recreativos,
praças, áreas de lazer, jardins, quadras coletivas e particulares, pátios e lajes); os espaços livres
relacionados à circulação (vias e caminhos, becos e vielas, calçadas, largos e alargamentos, escadas e

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


336 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
áreas remanescentes de projetos viários), à infraestrutura (reservatórios de água e linhas de transmissão de
energia), à estabilização das encostas e espaços livres transitórios (lotes vazios nas áreas formais e terrenos
não ocupados, miolos de ocupação e lajes nas favelas). Os espaços livres com caráter de urbanização,
quando em continuidade com os espaços livres com caráter ambiental, conforme demonstrado pelo
mapeamento realizado, assumem também esta função, explicitando a multifuncionalidade dos espaços livres
localizados nas encostas.

Em cada recorte especial analisado, o percentual de espaços livres se diferencia bastante,


dependendo se o cálculo é feito em relação às áreas urbanizadas ou às áreas efetivamente ocupadas. Nas
áreas urbanizadas, que envolvem as áreas efetivamente ocupadas, o percentual de espaços livres é
significativamente mais elevado do que nas áreas efetivamente ocupadas. Nas áreas urbanizadas, onde o
domínio privado prevalece sobre o domínio público, o percentual de espaços livres atinge em média 84% da
área total, enquanto nas áreas efetivamente ocupadas, este percentual é da ordem de 72%. Estes resultados
demonstram a existência de um expressivo sistema de espaços livres privados que envolve as áreas
efetivamente ocupadas, e que deve ser levado em consideração na gestão da paisagem das encostas. Nas
favelas o percentual de espaços livres varia entre 55% a 60%, correspondendo na Rocinha a apenas 40%.
Como será visto em mais detalhe adiante, esta distribuição não é uniforme, concentrando-se nas bordas das
ocupações, por razões diversas.

I. Espaços livres com caráter ambiental

A matriz do sistema de espaços livres nos três recortes estudados é formada pela vegetação nativa
em variados estágios sucessionais, mas, de modo geral, ainda bastante conservada, que cobre as encostas
do Maciço da Tijuca. Sua espinha dorsal é formada pelos rios. Ao longo do processo de ocupação, a eles se
juntaram outros eixos de vertebração, formados pelas vias de penetração que seguiram o trajeto dos rios.
Devido às suas funções de regulação ecológica e geomorfológica, os rios e a vegetação nativa são
fundamentais para garantir a capacidade de suporte das encostas aos impactos causados pela ocupação
urbana. Os rios e riachos nos recortes estudados apresentam padrões espaciais diversos ao longo de seus
trajetos nas encostas. De modo geral, ainda conservam suas características morfológicas originais e correm
a céu aberto dentro dos limites do PNT ou nas áreas florestadas que envolvem as áreas efetivamente
ocupadas. Quando as atravessam, no entanto, transformam-se em rios canalizados ou completamente
submersos.

A função desempenhada pelo domínio montanhoso nos recortes espaciais estudados se modificou
bastante ao longo do tempo. Atualmente mescla a função de suporte para vegetação nativa à função de
abrigo e moradia de estratos sociais diversos, que aí se estabeleceram em condições bastante diferentes,
conforme verificado. Em todos os recortes espaciais analisados, embora os espaços livres com caráter
ambiental componham a matriz predominante, especialmente a partir da cota 60m, as ocupações formais e

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 337
informais estabelecem com a matriz floresta uma relação, à primeira vista, dicotômica, do ponto de vista
morfológico e funcional: núcleos de ocupação penetram a floresta sob a forma de tentáculos.
A inversão do olhar, com foco no sistema de espaços livres nos permite perceber também o seu
reflexo. A floresta interpenetra-se na área urbanizada de forma análoga através de “caminhos” ou corredores
formados pelos espaços livres com caráter de urbanização ainda não ocupados ou de espaços livres que, no
âmbito desta pesquisa, denominaremos de residuais e transitórios. Ambos assumem um importante papel
para garantir a capacidade de suporte das encostas. Os espaços livres públicos protegidos ou tutelados e os
espaços livres privados não ocupados, ainda recobertos pela vegetação nativa, formam um contínuo ao redor
dos núcleos de ocupação, compondo uma envoltória de transição que, garante a continuidade da matriz
floresta. No entanto, possuem titularidade distintas e, conseqüentemente, diferentes graus de acessibilidade
(Mapas 63, 64 e 65).

Fig. 107 a, b e c. Áreas de lazer implantadas pelo poder público municipal nas bordas das áreas informais.
Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2008 e 2010.

Fig. 108. Queda d’água do Rio Cachoeira, espaço de lazer


muito freqüentado por crianças e jovens da favela Floresta da
Barra, apesar da poluição.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2008.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


338 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 109 a, b, c e d. Envoltória de espaços livres com caráter ambiental em torno núcleos de ocupação formal e informal.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2008 e 2010 e Marcio Lopes, 2010.

II. Espaços livres com caráter de urbanização

Os espaços livres situados dentro dos limites das áreas efetivamente ocupadas se estruturaram
junto aos grandes eixos de penetração ao longo dos fundos de vale e em seu entorno e se estabeleceram a
partir dos projetos aprovados de loteamentos que parcelaram as grandes glebas anteriormente existentes.
Nas áreas situadas nas encostas, os maiores espaços livres com caráter de urbanização são privados e
vinculam-se às instituições de ensino, de saúde, de infra-estrutura (reservatórios destinados ao
abastecimento), clubes, edificações residenciais multifamiliares e às edificações residenciais de alto padrão.

A fronteira entre o espaço público e o espaço privado é bem marcada. Nas áreas formais onde os
lotes apresentam um maior percentual de área ocupada, como no caso do Cosme Velho, os espaços livres
privados geralmente situam-se sobre embasamento, em um nível elevado em relação à via, sobre muros
altos recobertos por trepadeiras ou gradis de ferro. A presença constante da cobertura vegetal nessas
vedações ameniza o impacto da forte segregação entre o espaço público e o privado, que caracteriza a
malha urbana nas áreas formais situadas nestas encostas. Há uma visibilidade explícita das fronteiras e das
normas de regulação da ocupação, que denota a pouca importância dispensada aos espaços livres no
desenho da paisagem por elas formado (Mapas 66, 67 e 68).

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 345
Fig. 110. Ocupações irregulares e despejo de lixo, esgoto e
entulho em Áreas de Preservação Permanente às margens e
leitos dos rios e córregos na Floresta da Barra.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2008.

Fig. 111. Os pequenos largos localizados no entroncamento dos


eixos de ligação no Come Velho, morfologicamente
simplificados e monofuncionais, em contraste a diversidade de
padrões de espaços livres privados localizados nos fundos das
edificações ou nos lotes vazios, com percentual significativo de
cobertura vegetal arbórea.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

Fig. 112. A densa massa edificada na Rocinha e os quase


imperceptíveis espaços livres coletivos no miolo da ocupação,
formado pelas lajes e mini-patios.

Foto: Rogério Akamine, 2008.

Fig. 113. Muros recobertos por heras e trepadeiras e espaços


livres privados suspensos em relação ao nível da rua.
Segregação bem marcada entre os domínios públicos e
privados no Cosme Velho.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2006.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


346 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
a. Espaços livres residuais e transitórios
Uma característica peculiar das encostas cariocas é a ocorrência de reservas florestais, bem como
de espaços livres nos fundos dos lotes implantados em diferentes cotas altimétricas, dispostos linearmente
às curvas de nível. Os terrenos, que fazem divisa frontal com os logradouros abertos ao longo da encosta,
dão fundos para as encostas íngremes e conservam uma cobertura vegetal ainda densa, apesar de alterada.
As reservas florestais não doadas ou cedidas ao poder público, por sua vez, permaneceram sob domínio
privado e desempenham papel importante para garantia da capacidade do suporte geo-biofísico114. Esses
fragmentos florestais configuram-se como espaços livres residuais (remanescentes do processo de
ocupação) e deveriam constituir especial interesse no planejamento da ocupação e da proteção ambiental
nas encostas, devido à formação de corredores lineares, onde a cobertura vegetal nativa encontra-se
preservada, ainda que mesclada a espécies exóticas, exercendo a função de conectividade e de composição
da zona de amortecimento, na transição entre a floresta e a malha urbana.

Constituem espaços livres com caráter transitório os lotes vazios nas áreas formais, os espaços
livres nos miolos da ocupação e terrenos não ocupados nas áreas informais. Estes espaços livres, bem como
as lajes e quintais ainda existentes nas favelas desempenham funções múltiplas e representam um
expressivo estoque de terras no interior das áreas efetivamente ocupadas, e contribuem também, embora
circunstancialmente, para a composição da zona de amortecimento e, consequentemente para a proteção
ambiental. A análise matricial realizada, amparada pelo mapeamento dos espaços livres nas encostas,
explicita a multiplicidade funcional que os caracterizam. Quando em contigüidade com os espaços livres com
caráter ambiental que envolvem os núcleos de ocupação, os espaços livres com caráter de urbanização
residuais e transitórios − as reservas florestais, os lotes vazios ou os fundos de lotes, por exemplo − atuam
como corredores vegetados que penetram e percorrem as áreas efetivamente ocupadas, favorecendo a
manutenção da capacidade de suporte nos domínios montanhosos.

Fig. 114. Espaços livres residuais nos fundos de lote são


recorrentes nas encostas de Santa Teresa, do Cosme Velho
e da zona sul da cidade.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

114 Vários Projetos Aprovados de Loteamento (PALs) nas áreas estudadas destinaram áreas a reservas florestais. Entretanto, estas
áreas não foram registradas nestes instrumentos como áreas a serem cedidas à então PDF - Prefeitura do Distrito Federal,
constituindo-se como estoque de terras ainda de propriedade privada. Parte dessas areas, situadas acima da cota 60m e 100m,
foram protegidas na década de 1970 pelos decretos 3800/1970, 6169/1973 e 322/1976.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 353
Fig. 115 a e b. Lotes vazios no Cosme Velho e na Gávea.
Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

b. Espaços livres de permanência

O percentual de áreas destinadas a espaços livres de permanência, em todos os recortes espaciais


estudados, varia entre 1 a 2% da área efetivamente ocupada. Nos três recortes foram observadas ainda
praças e áreas livres não implantadas. A localização dos espaços livres públicos de permanência é
pulverizada e, de modo geral, vinculada aos espaços livres de circulação.

Os pequenos espaços livres de permanência encontrados na malha formal localizam-se, via de


regra, junto aos fundos de vale e no entroncamento de vias, como nos recortes espaciais localizados no
Cosme Velho e na Gávea ou abaixo da cota 40m, no caso do Itanhangá. São pequenos largos totalmente
gramados e geralmente arborizados, de modo geral, sem calçadas ou equipamentos que convidem a sua
utilização, como mesas, bancos ou brinquedos. Embora destinados a este fim, não convidam à permanência,
mas é possível perceber uma intencionalidade no desenho de sua forma. Sua função aparenta ser de
composição de uma ambiência bucólica na interseção ou na terminação dos eixos viários, e de amenização
do micro-clima nos logradouros públicos, tendo em vista a pouca incidência de arborização urbana nas
calçadas, tanto nas áreas formais quanto nas favelas nos recortes espaciais estudados.

Fig. 116 a e b. Os pequenos espaços livres monofuncionais nas áreas formais, localizados no
entroncamento e no término dos eixos de penetração.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2006.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


354 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
O lazer ao ar livre e as interações cotidianas nas áreas formais nos recortes estudados são
atividades que se tornaram totalmente privatizadas, individualizadas e restritas. A maioria dos espaços livres
privados encontrados nas áreas formais situa-se fora do alcance visual de quem passa pelas ruas dos
bairros, escondidos por muros recobertos por trepadeiras. A presença da cobertura vegetal ajuda a disfarçar
a prevalência do espaço construído sobre os espaços livres na malha formal. O número de quadras
esportivas e piscinas particulares, situadas nas áreas formais, também reforça esta constatação. As crianças
e adultos não usam as poucas praças e espaços livres coletivos localizadas nos loteamentos de alto padrão,
transformados em condomínios fechados no Itanhangá e na Gávea. Seus usuários mais freqüentes parecem
ser os animais domésticos, quando levados a passear.

Fig. 117 a e b. Os poucos espaços livres coletivos existentes nos loteamentos fechados no Itanhangá
localizam-se na parte plana e são muito pouco utilizados.
Foto: Mônica Bahia Schlee, 2010.

De forma análoga, também são poucos os espaços livres de permanência com características
formais nas favelas. Nestas áreas, a má distribuição das áreas de lazer e convivência compromete o seu uso
cotidiano de forma equânime. Sua localização se dá nos acessos e nas bordas dos aglomerados, e, na
maioria dos casos, tem origem nas intervenções públicas do Projeto Mutirão, do Programa Favela-Bairro e
similares. Os maiores e mais equipados espaços livres de permanência situam-se junto aos eixos viários de
acesso e funcionam como pontos de referência no cotidiano. No entanto, a maioria destes espaços é mais
utilizada por adultos e adolescentes do que pelas crianças, que só os freqüentam acompanhadas pelos
responsáveis, após o horário escolar. Como a maioria dos espaços livres instalados pelo programas de
urbanização implementados pelo poder público são implantados nas bordas, onde há espaço disponível,
estes tendem a ser apropriados, de forma quase privativa, pelos moradores do entorno ou pelos grupos que
controlam aquela porção do território da favela.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 355
Fig. 118. Praça construída pelo poder público municipal sobre
as margens de um córrego na Floresta da Barra, Itanhangá, no
Programa Favela-Bairro.

Foto: Cauê Capille, 2009.

Fig. 119 a e b. Espaços livres de permanência: praças construídas pelo poder público em
Guararapes e na Floresta da Barra.
Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2009, e Vera Tângari, 2008.

Fig. 120 a e b. Mini-pátios coletivos encontrados em todos os


núcleos informais.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


356 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
No miolo das aglomerações, os espaços livres coletivos, surgidos no decorrer do processo de
ocupação, resultam de produção coletiva e apresentam uma multiplicidade de funções em constante
metamorfose, como observou Farias (2009). Conforme também constatado por Glaucineide Coelho (2004:
70-73), os espaços livres nas favelas são constantemente modificados e reorganizados. São exíguos e
acidentais, resultado do cruzamento de caminhos ou da justaposição irregular das edificações. Como indicou
Luciana Andrade (2002:79) em relação à Rocinha, os espaços livres de permanência e os de circulação nas
favelas, especialmente os destinados aos pedestres, foram moldados a partir da instalação das edificações.
De modo geral, apresentam traçados irregulares. Há uma variedade enorme de atividades recreativas
que não se vinculam a nenhuma organização formal, acontecendo de forma improvisada nas
escadas, becos e vielas sem saída, lajes e pátios internos, que passam a funcionar
momentaneamente como uma extensão do espaço privado. Estes, conforme observou Glaucineide
Coelho (2004), por oferecerem uma sensação de segurança, são os lugares de brincar das
crianças. Os espaços livres coletivos destinados à reunião, convívio e lazer localizam-se, via de
regra, junto a biroscas115 e armazéns, que servem de ponto de referência e de encontro, ou junto a
pontos de interesse comum, como bicas, minas e nascentes d’água, provocadoras de grande
movimento, onde ainda acontecem a lavagem coletiva de roupas e os passeios em família ou com
os amigos. A vinculação entre edificações comunitárias relevantes e os espaços livres é tênue,
acontecendo apenas quando da implantação de projetos de urbanização, indicando que o caráter
político deve se dar habitualmente nas ruas, junto aos pontos de referência do cotidiano, que se
transformam em local de encontro e das interações coletivas.

Fig. 121 a e b. Os becos e vielas são os lugares de brincar nos núcleos informais.
Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2010.

115 No estudo elaborado pela SAGMACS, publicado em 1960, as biroscas já haviam sido apontadas como o centro da vida social nas

favelas, assim como já havia sido identificada uma tendência à privatização dos equipamentos recreativos instalados em favelas por
determinados grupos.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 357
Fig. 122. Pátio de uso coletivo associado ao uso
comercial no Complexo Guararapes.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2009.

Os espaços livres essencialmente privados nas favelas restringem-se às lajes das edificações, aos
poucos quintais, que ainda resistem na Floresta da Barra, e aos pátios internos, comuns a mais de uma
edificação, localizados no prolongamento dos pátios mais coletivizados. As lajes, segundo Leitão (2009), se
tornaram símbolo de status e valorização nas favelas. O presente estudo não confirmou a existência de uma
fronteira tênue entre os espaços privados e os espaços coletivos, detectada por Andrade (2002). A partir do
que foi levantado nos trabalhos de campo realizados na presente pesquisa, o que se destacou foi uma
tendência à privatização dos espaços coletivos, ou à sua apropriação de forma privada, especialmente
aqueles situados em áreas pouco permeáveis, onde o traçado é pouco ramificado (becos e vielas sem saída,
pátios internos, etc). Concordamos com Coelho (2004: 91), no entanto, quando esta afirma que as funções
dos espaços livres, tanto como suas configurações, apresentam uma relação mais de complementaridade do
que de oposição ao espaço edificado.

Fig. 123. Alguns quintais particulares na


Floresta da Barra, Itanhangá, abrigam quadras
de esporte.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2008.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


358 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Fig. 124 a e b. Sinais da privatização do espaço coletivo: áreas
de estar e acessos a edificações sobre o espaço coletivo.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2009.

Quanto à configuração, isto se traduz em uma gradação em termos de privatização, com pátios
localizados dentro dos pátios ou largos mais coletivizados, com acesso restrito, fechados por portas ou
portões. Estes são espaços com acessibilidade controlada, que restringem, por um lado, mas que afirmam
identidades, por outro. São espaços intermediários que parecem indicar a necessidade de uma barreira entre
o domínio do doméstico e o domínio mais coletivizado. Espaços que acumulam as vantagens dos espaços
ao ar livre, com a sensação de proteção dos espaços interiores. Nos espaços livres originados ao longo do
processo de ocupação das favelas predominam a flexibilidade e a mulfifuncionalidade, reguladas pelas
negociações cotidianas (nem sempre amistosas). O confronto e o conflito, quando mantidos dentro de limites
de equidade, também podem fazer parte do sistema de regulação e ampliar as possibilidades de uso e
apropriação do espaço coletivo, como argumentou Santos (1985: 150).

c. Espaços livres de circulação

Do mesmo modo que a espinha dorsal da matriz floresta é formada pelos rios, na matriz urbana,
juntam-se a eles um outro eixo de vertebração, formado pelos espaços livres de circulação, que funcionam
como a estrutura de ligação dos espaços livres com caráter de urbanização. O sistema de ligação viária entre
os três recortes espaciais estudados e os bairros próximos é composto por eixos principais que serpenteiam
sinuosamente pelas encostas e se conectam por meio de largos situados em seus entroncamentos,
terminando, via de regra em culs de sac. Essas vias, de modo geral, foram abertas em diagonal ou, em
alguns trechos, perpendicularmente às curvas de nível para vencer grandes desníveis, como acontece no
Cosme Velho. Segundo Mascaró (2005), nas vias perpendiculares às curvas de nível, as águas da chuva

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 359
escoam com muita velocidade, comprometendo a estabilidade da encosta. Quando o traçado das ruas se
desenvolve em diagonal às curvas de nível, a velocidade de escoamento superficial diminui. Nas áreas
formais, as vias são pavimentadas em paralelepípedo, o que também auxilia na diminuição da velocidade de
escoamento superficial.

As ruas são largas e as calçadas, muito estreitas, tornando-se ainda mais acanhadas à medida que
sobem pelas encostas. As caixas de rolamento são, em geral, mais largas do que o necessário, em
decorrência dos parâmetros estabelecidos no Regulamento de Parcelamento da Terra, art. 3º do Decreto
3800/1970. Não há preocupação em garantir a mobilidade dos pedestres, apenas dos veículos. Muitos dos
loteamentos de alta renda não contam com calçadas nas vias locais, evidenciando a primazia aos espaços
destinados à circulação de automóveis em detrimento dos espaços destinados à circulação de pedestres. As
ruas que dão acesso a loteamentos de alto padrão encontram-se fechadas por cancelas ou guaritas.

Fig. 125 a e b. Ruas com acesso controlado por cancelas e guaritas são comuns no Cosme Velho,
na Gávea e no Itanhangá.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2006 e 2009.

Fig. 126 a e b. Ausência de calçadas nos loteamentos fechados de alto padrão na Gávea e no Itanhangá.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2009 e 2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


360 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Em duas das áreas estudadas, Cosme Velho e Gávea, uma via principal de penetração atravessa
inicialmente a mancha de ocupação formal e em seguida penetra a área informal. Este eixo funciona como
espinha dorsal da ocupação urbana, unindo os dois tipos de território. Diferentemente das duas primeiras
áreas, no recorte especial analisado no Itanhangá, a principal via de penetração não margeia diretamente
nem percorre o assentamento informal, que se estruturou a partir de vias laterais conectadas pontualmente
ao eixo principal. Praticamente não há arborização viária nas calçadas. A pouca arborização existente é
formada por alguns exemplares de grande porte que ocupam todo o espaço da calçada e dificultam a
circulação de pedestres. Há, no entanto, intensa arborização nos lotes ocupados ou ainda sem ocupação.

A rede de espaços livres de circulação nas favelas é formada por uma via ou mais vias de acesso
principal que percorrem todo o assentamento, por vias de penetração e uma trama complexa e muito
ramificada de becos, vielas e caminhos de pedestres. As trilhas de penetração no interior das favelas são
estreitas (com exceção da Floresta da Barra) e se desenvolvem de duas maneiras: paralelas às curvas de
nível ou ao longo do fundo de vale (as de inclinação mais suave) e perpendicularmente às curvas de nível (as
mais íngremes), constituídas por escadas e rampas de acesso às moradias. Os sistemas de transporte mais
utilizados são as motos e as vans.

O processo contínuo de adensamento da ocupação se estruturou através de uma malha viária


descontínua e tortuosa dos becos e vielas, que apresentam larguras diferenciadas e onde é freqüente a
atrofia dos percursos, observada anteriormente por Farias (2009) e pelo Consórcio Mayerhofer & Toledo,
MPS e Locus (2009). A largura dos caminhos restringe-se a larguras inferiores a 50 cm em alguns pontos.
Outro padrão recorrente é a cobertura dos caminhos pela projeção das edificações, criando verdadeiros
túneis de pedestres que impede a incidência da luz do sol e prejudica a ventilação e a salubridade dos
espaços livres de circulação. A maioria das vias não possui calçada, obrigando os pedestres a dividir as ruas
com os veículos. As calçadas, quando existentes, são muito estreitas ou encontram-se parcialmente
obstruídas pelo comércio ou pelo acúmulo de lixo, obrigando os moradores a trafegar pelas ruas. As ruas nas
favelas, invariavelmente, acumulam as funções de circulação de pedestres e automóveis.

Fig. 127 a. b e c. A atrofia dos


percursos nos becos e vielas nos
núcleos de ocupação informais é
recorrente.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2009 e


2010.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 361
Fig. 128 a e b. Edificações avançam sobre o espaço aéreo dos caminhos, formando túneis.

Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2009 e 2010.

Fig. 129. No Complexo Guararapes, o espaço coberto no térreo


é comumente apropriado pelo uso comercial ou de serviços.

Foto: Mônica Bahia Schlee, 2009.

4.4. Os efeitos e as novas possibilidades das normas nos recortes estudados


Nos três recortes estudados, verifica-se a influência direta das normativas existentes na morfologia
da paisagem local. Vários problemas advêm das situações decorrentes dos impasses, contradições e da
pouca efetividade da legislação, bem como da ausência de uma política integrada de gestão da paisagem e
dos espaços livres. São instrumentos ainda não regulamentados que, por este motivo, deixam de efetivar a
proteção desejada, como a Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana - APARU do Alto da Boa
Vista, e mais recentemente a Zona de Amortecimento do Parque Nacional da Tijuca – PNT; instrumentos
pouco efetivos como a Área de Relevante Interesse Ecológico – ARIE de São Conrado e as Áreas de
Especial Interesse Social – AEIS, ainda muito insipientes; ou ainda a ausência de integração e articulação
entre os órgãos ambiental, geo-técnico e urbanístico e de um sistema integrado de fiscalização.

Quando foi criada, a APARU do Alto da Boa Vista tinha como objetivos restabelecer a conectividade
entre os fragmentos florestais remanescentes nas bordas do Parque Nacional da Tijuca e restaurar as

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


362 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
relações funcionais entre o PNT e a cidade do Rio de Janeiro. Após onze anos da criação do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza ter sido criado (em 2000), esta categoria de proteção
não foi enviada para apreciação e enquadramento no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação116.
Entre os maiores entraves, está a possibilidade da figura APARU não ser reconhecida no cadastro por ser
considerada “urbana” demais ou devido à maior flexibilidade dos parâmetros propostos em relação à
legislação urbanística em vigor. A ausência de regulamentação da APARU do Alto da Boa Vista, bem como
da zona de amortecimento do PNT, compromete significativamente a proteção das extensas áreas com
vegetação nativa remanescente entre os setores não contíguos e nas bordas do parque, como se verifica no
Itanhangá.
A Área de Relevante Interesse Ecológico de São Conrado, que abrange parte dos bairros de São
Conrado e da Rocinha, foi criada através da Lei 3693/ 2003. Esta normativa não estabeleceu restrições à
ocupação, além das já adotadas na legislação em vigor, nem proibiu a construção de novas edificações. Nas
áreas compreendidas pela Região Administrativa de São Conrado, manteve os parâmetros de uso e
ocupação definidos pelo Decreto Municipal 8046/ 1988, que instituiu o PEU São Conrado e os estabelecidos
para a Zona Especial 1 – ZE 1, pelo Decreto Municipal 322/1976, estendendo-os para as áreas
compreendidas pela Região Administrativa da Rocinha, independentemente da posição altimétrica. Limitou-
se a definir a Secretaria Municipal de Meio Ambiente como órgão de tutela e gestão, atribuindo aos
proprietários a responsabilidade pela conservação, manutenção e recuperação da cobertura vegetal nativa
em sua área de abrangência e a ampliar a gama de usos permitidos nas normativas citadas anteriormente,
incluindo parques, estabelecimentos de ensino com finalidade ecológica ou de educação ambiental,
atividades de pesquisa, centro cultural, biblioteca, museu e galeria de arte. A promulgação desta lei não
parece ter oferecido qualquer contribuição para a efetiva proteção desta área.

A zona de amortecimento do PNT, por sua vez, é formada por um polígono contínuo de interligação
entre seus quatros setores, com o objetivo de aumentar sua conectividade tanto internamente, quanto com
as demais áreas protegidas no maciço, estabelecer corredores ecológicos e definir áreas prioritárias para
recuperação. Esta proposta incorporou as áreas em torno do PNT não ocupadas por núcleos urbanos
consolidados; as áreas non aedificandi estabelecidas no Plano Diretor Municipal; as áreas florestadas ou
com potencial de recuperação; as unidades de conservação estaduais e municipais contíguas e as áreas
objeto de tombamento pelo IPHAN em 1967, independente das condições da cobertura vegetal e da
delimitação por cotas altimétricas. Foram consideradas como critério de exclusão as áreas urbanas
consolidadas e aquelas consideradas como expansões urbanas pelo Plano Diretor (PD) (Mapas 69 e 70).

116 A exclusão desta categoria de unidade de conservação em âmbito municipal e o re-enquadramento das áreas assim classificadas

como Áreas de Proteção Ambiental foram objeto de intensas discussões durante o processo de revisão do recentemente aprovado
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro, instituído pela Lei Complementar nº 111/2011,
que acabou reincorporando a categoria.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 363
Neste documento foram estabelecidas normas, diretrizes e recomendações gerais para a zona de
amortecimento, entre as quais: o estímulo à criação de Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs); a
proibição de atividades, intervenções empreendimentos que impliquem na supressão de vegetação nativa e a
proibição de urbanização (arruamento e parcelamento) de glebas situadas na zona de amortecimento.
Entretanto, para que sua aplicação se torne efetiva, a proposta de criação da zona de amortecimento do PNT
precisará ser regulamentada em ato legal específico. Vale lembrar que, tão logo regulamentada, entraria em
choque com as disposições em vigor estabelecidas pela legislação municipal. Atualmente, esta área é
regulada pela legislação urbanística municipal, com parâmetros instituídos na década de 1970, como
mencionado.
A existência de Unidades de Conservação de diferentes categorias117, geridas por esferas
governamentais diversas, bem como de áreas protegidas situadas em propriedades privadas, as Particulares
do Patrimônio Natural (RPPNs), tem causado conflitos de competências no licenciamento de atividades e no
ordenamento da ocupação do solo, tanto nas encostas do Rio de Janeiro como um todo, quanto do Maciço
da Tijuca, em particular. Para serem aplicadas, as RPPNs ainda precisam ser regulamentadas pela instância
municipal. Para que funcionem como um sistema, como prevê a lei do SNUC, todos estes dispositivos
necessitam de uma ferramenta que possibilite sua gestão articulada. As Unidades de Conservação, assim
como as Áreas de Preservação Permanente, são bens ambientais de interesse público, por seus atributos
ecológicos que conferem qualidades específicas ao ambiente e possibilidades de preencherem uma função
social preponderante na vida coletiva. Por este motivo, sejam de domínio jurídico público, ou particulares, são
dotados de um regime legal especial, vinculando-se ao interesse ambiental e coletivo, que deveria superpor-
se aos conflitos individuais (SILVA, 2002).
Os instrumentos legais que regulamentaram as Áreas de Especial Interesse Social – AEIS no Rio de
Janeiro, por sua vez, apresentam diversas falhas. Quando instituídos pelo poder legislativo, muitas vezes não
apresentam nem sequer a delimitação da área. Quando estabelecidos por normativa do poder executivo,
apresentam, via de regra, parâmetros genéricos e simplificados. Em termos de usos, permitem quaisquer
atividades complementares ao uso residencial, desde que não sejam poluentes; não causem incômodo à
vizinhança; ou que não impliquem a comercialização e armazenagem de ferro velho, produtos inflamáveis
(exceto tintas e vernizes) e explosivos, de gás liquefeito de petróleo, e de armas e munições. O simples
caminhar pelas favelas situadas nos três recortes espaciais analisados mostrou que estas normativas não
são obedecidas nem mesmo nas áreas onde existem postos de controle e regulação da ocupação

117 As unidades de conservação da natureza foram definidas pela lei federal 9985, de 18 de julho de 2000 e subdividem-se em

unidades de proteção integral, correspondentes às áreas destinadas à “manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas
por interferência humana, admitindo-se apenas o uso indireto dos seus atributos naturais” (inciso IV do artigo 2º da lei federal), e
unidades de uso sustentável, onde é permitida a “exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos
ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma
socialmente justa e economicamente viável” (inciso XI do artigo 2º da lei federal). Constituem Unidades de Conservação de Proteção
Integral: estações ecológicas; reservas biológicas; parques nacionais; monumentos naturais e refúgios de vida silvestre. São
denominadas Unidades de Conservação de Uso Sustentável as áreas de proteção ambiental; as áreas de relevante interesse
ecológico; as florestas nacionais; as reservas extrativistas; as reservas de fauna; as reservas de desenvolvimento sustentável e as
reservas particulares do patrimônio natural.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 369
implantados pela Secretaria Municipal de Urbanismo, os chamados POUSOS, como no caso da Rocinha e
Floresta da Barra. Para exemplificar as contradições, citamos o caso da Rocinha, que foi declarada Área de
Especial Interesse Social através da Lei nº 3351/2001 e em 2007 foi objeto de zoneamento especifico que
definiu limites e restrições à ocupação, instituído através do Decreto Municipal 28341/2007. O Decreto
28341/2007 estabeleceu um zoneamento por setores, definiu o número máximo de pavimentos permitidos
em função desta setorização e delimitou áreas impróprias à ocupação. Entre as incongruências e
contradições desta normativa, apontados no Relatório de Consolidação do Diagnóstico Geral do Plano Sócio-
Espacial da Rocinha elaborado pelo Consórcio Mayerhofer & Toledo, MPS e Locus (2009), destacam-se a
inexistência de parâmetros quanto à ventilação, higiene e segurança estrutural que possam viabilizar a
regularização das edificações e a concessão de habite-se; a indicação parcial das áreas de risco geológico-
geotécnico: apenas as áreas localizadas na Macega, na Roupa Suja e no Terreirão foram definidas como
áreas de restrição à ocupação118, enquanto as áreas situadas na Vila Verde, por exemplo, também
apontadas pela Fundação GEO-RIO como de alto risco geológico não foram incluídas na normativa119 e a
discrepância quanto à definição à altura das edificações: em alguns setores maior do que a da média
edificada e em outros menor120.

Fig.130 a e b. Edificações precárias junto à calha da GEO-RIO A JUSANTE DO Morro Dois Irmãos.
Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2010.

118 Mesmo em relação a estas áreas, nenhuma medida efetiva foi tomada para reassentar os moradores. Os casebres de madeira e

outros materiais reaproveitados continuam a margear a calha de condução de escoamento superficial das escarpas do Morro Dois
Irmãos, implantada pela Fundação GEO-RIO em 1993.
119 O sub-bairro da Vila Verde foi classificado pela Geo-Rio em 1992 e 1997 como área de alto risco geológico-geotécnico nos

documentos “PCRJ/GEO-RIO. Levantamento das Áreas de Risco da Vila Verde – Favela da Rocinha – Relatório GEO-
RIO/DEP/GG/011/1997” e “PCRJ/GEO-RIO. Definição e Hierarquização do Risco de Ocorrência de Acidentes por Deslizamentos na
Favela da Rocinha. Março/1992” em função de diversos fatores agregados que incluiam: ocorrência de cortes e aterros inadequados,
desmatamento, entupimento e obstrução da calha natural de drenagem com lixo e entulho. Esta localidade é atravessada por duas
linhas de drenagem natural bem encaixadas, com forte declividade, que drenam águas do Morro do Cochrane. A calha remanescente
do talvegue principal foi estrangulada em diversos pontos de seu trajeto, onde ocorrem despejos de esgoto e lixo. O segundo
talvegue apresenta declividade ainda maior e presença de afloramentos rochosos e grandes blocos de rocha instáveis. Como
agravante, um dos CIEPs da Rocinha foi instalado no eixo do talvegue secundário. Diante das condições encontradas, sugeriu-se,
nos dois relatórios, o cerceamento à ocupação, com reassentamento das moradias implantadas por sobre as linhas de drenagem
natural e a execução de estrutura de impacto, necessária à proteção do CIEP, além do reflorestamento da área.
120 Para uma análise comparativa entre a situação das edificações da Rocinha em 2009 e os parâmetros definidos neste decreto, ver

Consórcio Mayerhofer & Toledo, MPS e Locus, 2009.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


370 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
4.5. Síntese crítica e conclusões intermediárias

Na trilha argumentativa proposta por Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1984:101-102 e 115),
considero que a morfologia da paisagem nos recortes estudados revela um importante poder discursivo, que
informa e expressa os processos, conjunturas e códigos, ora impostos, ora consensuados, e um poder
metafórico, que possibilita diferentes interpretações a partir das muitas ordens de significados, decodificáveis
à medida que nos familiarizamos com o repertório utilizado.

Em síntese, as análises realizadas com maior detalhamento nos recortes espaciais estudados
ajudaram a identificar padrões, esclarecer processos de formação e transformação e refutar certos dogmas
sobre a questão da ocupação urbana nas encostas cariocas e sobre a abordagem e tratamento desta
questão pelo poder público. Destacam-se alguns pontos principais:

1. A diversidade das condições do suporte geo-biofísico, agregadas às características, lógicas e


temporalidades diferenciadas de apropriação do solo, parcelamento, circulação, implantação das
edificações e uso explicam a heterogeneidade e a instabilidade que caracterizam a fronteira entre a
floresta e a cidade.

2. Aspectos característicos da ocupação das encostas no Rio de Janeiro incluem a disseminação da


ocupação a partir dos fundos de vale e das principais linhas de drenagem natural, que funcionam
como vetores de indução à ocupação e tendem a capitanear e concentrar os processos de
adensamento e verticalização da ocupação.

3. Os núcleos formais e informais apresentam uma relação de contiguidade, vertebrados por vias
sinuosas que os interligam.

4. Os parâmetros definidos pela legislação até o momento são insuficientes para adequar a ocupação
urbana, seja por estratos sociais de baixa ou alta renda, à complexa geomorfologia dos domínios
montanhosos da cidade.

5. A estratégia pensada pelo poder público para minimizar os conflitos gerados pela polarização social
que caracteriza a ocupação das encostas da cidade reside primordialmente na ampliação e
flexibilização dos limites legais e parâmetros estabelecidos na legislação.

6. A maior parte da área ocupada pelos assentamentos informais nos recortes espaciais estudados era
originalmente de propriedade privada. A este fato se deve a grande dificuldade de regulação
fundiária nas favelas cariocas, de titularidade nem sempre facilmente identificável.

7. O surgimento dos primeiros núcleos de ocupação nos recortes estudados, tanto formal quanto
informal, foram, via de regra, concomitantes e guardam relações de interdependência.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 371
8. Os primeiros núcleos de ocupação nos recortes estudados, tanto tanto formal quanto informal,
tiveram sua origem vinculada à desativação da atividade agrícola, à abertura dos eixos de ligação
sobre as encostas e ao início do processo de parcelamento.

9. Os primeiros núcleos de ocupação favelizada nos recortes estudados contaram com o envolvimento,
de forma diferenciada, dos proprietários das terras, da Igreja Católica e de outras instituições, tanto
públicas, quanto privadas.

10. A maior parte da terra urbana localizada nas encostas está em mãos de poucos proprietários,
constituindo latifúndios urbanos dispersos na paisagem. Boa parte destas grandes glebas não se
encontram registradas na Prefeitura.

11. Em decorrência deste fato, destaca-se a existência de glebas de domínio híbrido, sem titularidade
conhecida e com padrões de ocupação que mesclam a situação encontrada nas áreas formais e
informais.

12. O caráter plural e diversificado das favelas, em termos de morfologia da paisagem, de dinâmica
socioespacial, de estratificação social, de perfil socioeconômico, de tipologias e padrões
construtivos das edificações, de situações fundiárias, de renda e das relações sociais que se
estabelecem em seu interior, ainda não foi assimilado pelas políticas públicas. Somam-se a esta
lacuna, a abordagem descontextualizada, a desconsideração à diversidade de relações
estabelecidas entre as favelas e os bairros em torno delas e entre estas e a cidade como um todo.

13. Um artifício recorrente na aprovação de loteamentos nos recortes espaciais estudados foi a
destinação de áreas a reservas florestais sem que estas tenham sido registradas como cedidas ao
poder público, constituindo-se em um significativo estoque de terras ainda de propriedade privada a
espera de ser usufruído. Quando essas áreas são invadidas, seus proprietários apressam-se em
cedê-las ao poder público, já com ocupantes.

14. A lacuna verificada na legislação municipal quanto à regulação e destinação de áreas a espaços
livres públicos, bem como à regulação da supressão de vegetação nativa e à permeabilidade do
solo induz à prática discricionária do licenciamento, que caracteriza a gestão da ocupação urbana
nas encostas no Rio de Janeiro.

15. A continuidade da aplicação do Decreto 8321/1988 constituiu um retrocesso, não apenas devido a
sua falta de adequação às características do suporte geo-biofísico, pelo fato de permitir uma maior
ocupação dos lotes em áreas de maior declividade (acima de 20% de inclinação, sem limite
máximo), como também em termos de facilitar a diminuição dos índices de espaços livres intra-lotes
nas encostas.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


372 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
16. A desvalorização, a negligência, a privatização e a gradativa substituição dos espaços livres
coletivos por espaços edificados acontecem tanto nas áreas formais quanto nas áreas informais.

17. Os espaços livres nas encostas exercem múltiplas funções e atuam como corredores vegetados
que penetram e percorrem as áreas efetivamente ocupadas, possibilitando a conexão com a
flotresta e favorecendo a manutenção da capacidade de suporte nos domínios montanhosos.

18. Merecem especial atenção, cuidado e proteção, devido ao seu caráter multifuncional, os espaços
livres residuais localizados nas áreas urbanizadas e nas áreas com ocupação efetiva (reservas
florestais, conexão entre fundos de lotes e os espaços livres existentes nas bordas das favelas) e,
em especial, os localizados ao longo dos fundos de vale.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 373
SINTESE PROPOSITIVA E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não obstante o perigo de generalizações e de interpretações condicionadas por parte de quem


analisa a paisagem em busca de respostas, a metodologia transescalar e comparativa em diferentes
contextos, aplicada na presente pesquisa e, sobretudo, as análises realizadas com maior detalhamento nos
recortes espaciais estudados, ajudaram a empiricizar e aprofundar as questões, argumentações e hipóteses
defendidas, reconhecendo interdependências e singularidades e extrapolando conexões, de forma a
retroalimentar o entendimento da estrutura da paisagem em outras escalas e contextos de análise.
Ler a paisagem das montanhas urbanas cariocas sob uma perspectiva transescalar, embasada pelo
escopo teórico da ecologia da paisagem, da morfologia urbana e da arquitetura da paisagem, possibilitou
reunir pistas para compreender sua estrutura, seus processos de formação e transformação e as
implicações, direcionamentos e redirecionamentos do campo de forças que nortearam a organização de uma
das mais importantes feições da paisagem do Rio de Janeiro. Estas forças, que por vezes se tangenciam e
conduzem a interações, e por outras se distanciam e seguem por caminhos opostos, regem os conflitos que
aí se materializam. A contigüidade e a complementaridade de tecidos com características tão diferenciadas
definem territorialidades concomitantes e gera formas de organização que moldam a realidade cotidiana,
tanto em âmbito local, quanto no âmbito urbanístico. A lógica de regulação do espaço urbano posta em
prática no Rio de Janeiro pelo princípio da segregação espacial, derivada da estruturação social e econômica
da sociedade brasileira e carioca, em particular, aquiesceu ou se viu obrigada a conviver com sua antítese,
representada pela permanência das favelas nas áreas valorizadas da cidade, não sem embates,
contradições e redirecionamentos. Sua própria existência e as relações de complementaridade e
contigüidade que estabelecem com o tecido formal da cidade, são parte desta lógica.

Na virada do século XXI, a escalada da violência e a consolidação do domínio do narcotráfico sobre


o território das favelas acirraram o preconceito, a segregação espacial e a disputa por território nas encostas
da cidade. Ao longo dos quatro anos de duração desta pesquisa, o tema da ocupação urbana nas encostas
cariocas foi recorrente de intensos debates veiculados na grande imprensa, descortinando a público as
tendências ideológicas neles implícitos. No ápice da exacerbação das ações e posturas contraditórias e
ineficazes, lei de autoria do poder legislativo, aprovada e sancionada pelo poder executivo, transformou todo
o Parque Natural do Mendanha, um dos três maiores parques naturais da cidade, em Área de Especial
Interesse Social. Leis, decretos e projetos de lei municipais foram criados para flexibilizar a ocupação nas
encostas do Itanhangá, Vargem Grande e Vargem Pequena − coincidentemente, áreas localizadas em torno
do valorizado bairro da Barra da Tijuca − para atender, segundo a mídia, à demanda dos próprios moradores
da região. Traficantes da Rocinha invadiram um hotel de luxo para medir forças com o poder oficial e o poder
público cogitou construir muros em torno das favelas, a começar pela Rocinha, para deter a expansão
horizontal, por um lado, e confinar a violência “em seu território de origem”, por outro. A implantação das
Unidades de Polícia Pacificadoras, embora se saiba tratar-se de mais uma iniciativa que ainda carece de
articulação com outras medidas de cunho social para garantir seu êxito, renovaram a esperança de conexão.

SINTESE PROPOSITIVA E CONSIDERAÇÕES FINAIS


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 375
O uso de razões ambientais para legitimar tentativas de controle territorial por parte dos setores da
sociedade civil que detêm o poder não é novo, acontece desde o século XVIII, amparado no discurso
higienista, na argumentação e nas políticas sanitaristas e mais recentemente na sua utilização conjugada à
razão da legalidade. O embate entre a razão ambiental e a razão social tem se acirrado, tanto na legislação
federal e municipal, quanto no discurso da sociedade civil organizada. Na mídia impressa ainda prevalecem
vozes que defendem a legitimidade da ocupação das encostas pelos estratos sociais mais altos da
população, argumentando que este tipo de ocupação é mais “sustentável” e teria o poder de coibir a
ocupação informal, quando, conforme demonstrado nesta pesquisa, o que se verifica é o oposto. Não se
pode esquecer que as estratégias sempre estiveram e estarão sujeitas aos interesses e motivações dos
grupos hegemônicos no que se refere à apropriação territorial, conforme apontou Albernaz (2007) e foi
demonstrado pela metodologia utilizada no recente estudo desenvolvido pela Fundação GEO-RIO para
identificar as áreas com suscetibilidade e risco a escorregamentos na cidade do Rio de Janeiro elaborado em
2011 (Fundação GEO-RIO, 2011).

Os diversos componentes que formam a paisagem das encostas cariocas refletem as relações
dialéticas que se estabelecem, do ponto de vista estrutural e funcional, entre as áreas de ocupação formal e
informal e entre a área urbana ocupada e a floresta. As fronteiras adquirem múltiplas dimensões, contornos e
matizes. As áreas formais e informais justapõem-se, sobrepõem-se umas às outras em suas franjas ou sobre
as florestas e os domínios públicos, formando uma “colcha de retalhos” que se interceptam. Mesclam-se
fronteiras fluidas, difusas versus fronteiras rígidas, reconhecíveis; domínios públicos, domínios coletivos e
domínios privados; formas vinculadas a funções não decodificadas num primeiro momento; a legalidade, a
ilegalidade e situações híbridas; a exclusão versus a inclusão; a valorização versus a desvalorização. Se, por
um lado, a ocupação urbana, formal ou informal, interpenetra-se às florestas remanescentes; por outro, os
muros, cercas ou gradis que separam a malha formal da informal são muito mais psicológicos e sociológicos
do que efetivamente “concretos”, ainda que com o passar dos anos esta concretude esteja se manifestando
cada vez mais na paisagem.

As formas de ocupação (formal e informal) se complementam, funcionam como um prolongamento


uma da outra, onde as fronteiras são fluidas, inclusive as do mercado, porém perceptíveis através dos
códigos, dos hábitos, e das configurações espaciais diferenciadas (processos de estruturação, densidade,
tipos arquitetônicos, nível educacional, patrulhamento, relação com os espaços livres, etc). Nesse sentido,
assemelha-se mais a uma fronteira difusa, embora arraigada, em contraste com as fronteiras rígidas que se
estabelecem entre o domínio público e privado. Tanto uma quanto a outra forma de ocupação apresentam
similaridades quanto às relações entre o espaço público e o espaço privado. Em ambas, existe uma
separação bem marcada entre a esfera pública ou coletiva (desvalorizada e negligenciada) e o domínio
privado (enfatizado, fetichizado e priorizado no cotidiano), marcada com muros, cercas e gradis nas áreas
formais e expressa, nas favelas, pela super dilatação do domínio privado em relação ao público. A carência
da definição de um limite definido entre público e privado nas favelas levou à exacerbação extrema da

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


376 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
necessidade de concretizar a propriedade privada, que avança, como que sem ter limites, sobre as áreas
coletivas.

Na malha formal efetivamente ocupada, a prevalência dos espaços livres privados sobre os
públicos se dá em termos de diversidade de padrão, uso e função. Enquanto os espaços livres públicos são
morfologicamente simplificados e monofuncionais, os espaços livres privados apresentam uma variedade
maior em termos de configuração, usos e funções. Porém, sua apropriação, bem como sua fruição, mesmo
visual, é restrita, uma vez que estes se situam freqüentemente fora do alcance visual de quem passa nas
ruas dos bairros valorizados ou nos caminhos e vielas das favelas. Isso acontece também com relação à
cobertura arbórea. O estoque de arborização que é visto nas imagens aéreas nas três áreas estudadas
quase não é percebido nos espaços livres públicos ou coletivos de circulação, que têm em comum uma
arborização viária quase inexpressiva, com destaque para alguns exemplares que se tornam referência na
paisagem. Escondem-se atrás dos muros e grupos de edificações, nos quintais, nos fundos dos lotes e nos
pátios comuns. Quanto ao seu uso, a diferenciação é nítida. Os espaços livres públicos nas áreas formais
são, em sua maioria, acanhados e muito pouco utilizados no cotidiano. Na malha informal, os espaços livres
realmente privativos restringem-se às lajes das edificações. Por outro lado, os espaços livres de uso coletivo,
apesar de muito exíguos, têm seu uso flexibilizado com auxílio de equipamentos removíveis e improvisados
(trailers, bancos e cadeiras, churrasqueiras, etc), especialmente após a jornada de trabalho e nas horas em
que a temperatura se torna mais amena, uma vez que não há conexão direta entre as áreas sombreadas e
as áreas de lazer. Os espaços livres destinados à circulação de pedestres, apesar de exíguos e fora dos
padrões de conforto, prevalecem na malha informal em relação aos destinados à circulação de veículos, ao
passo que, na malha formal, estes são desvalorizados e desproporcionalmente exíguos em relação aos
destinados aos veículos.

Em relação ao aspecto fundiário, outras relações dialéticas podem ser apontadas. As favelas,
como demonstrado no decorrer deste estudo, não são ocupações totalmente não legalizadas. Parte dos
assentamentos situa-se em terrenos de domínio privado coletivo ou absorveram loteamentos com algumas
características formais. Foram adquiridos, estão em usufruto das associações de moradores e tiveram lotes
legalizados isoladamente ao longo do tempo. As configurações espaciais, no entanto, são irregulares, na
medida em que não seguem os padrões urbanísticos ou edilícios impostos pela legislação, que até
recentemente, nunca os havia definido especificamente para estas áreas. Por sua vez, as áreas ditas formais
também não estão totalmente de acordo com a legislação vigente. Conflitos entre limites de propriedades
privadas e domínios públicos, acréscimos horizontais, gabarito acima do permitido, impermeabilização
excessiva do solo, supressão de vegetação, também ocorrem nas áreas formais. Vale destacar ainda as
áreas com características híbridas, de domínio indefinido, que foram identificadas ao longo desta pesquisa.

Quanto à legislação, a partir da análise das leis e decretos municipais, estaduais e federais e do
exame dos trabalhos citados, foi possível perceber que alguns aspectos se destacam no arcabouço legal
aplicado às encostas no Rio de Janeiro. A legislação que incide sobre as encostas se estabeleceu em duas

SINTESE PROPOSITIVA E CONSIDERAÇÕES FINAIS


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 377
linhas conceituais com objetivos diversos, que se tangenciaram ao longo do tempo. A primeira foi ditada pelo
arcabouço legal urbanístico, composto de normas de regulação e procedimentos de gestão pontuais e
segmentados, com foco na propriedade privada. A segunda foi orientada pela cisão conceitual entre o
patrimônio natural e o patrimônio cultural, com foco, sobretudo, na interface que a propriedade privada
mantém com o espaço público. Os parâmetros estabelecidos pelas legislações ambientais de forma
centralizada em nível nacional passam atualmente por processos de questionamento, tanto na academia
como na instância governamental, devido à enorme diversidade territorial e ambiental brasileira, que
demanda visões mais particulares, tendo em vista os diferentes biomas e suas condições de antropização.
O emaranhado de aspectos levantados nesta pesquisa espelha a natureza das relações sócio-
ambientais, cunhadas ao longo do tempo, que se estabeleceram nas encostas da cidade e regem as
disputas pelo seu controle territorial. Neste cenário, emergem conflitos de natureza diversa: entre os setores
da sociedade civil interessados no controle territorial das encostas, os agenciadores das ocupações em
favelas, que se aproveitam das políticas e práticas pontuais e aparentemente desconexas para continuar
suas transações imobiliárias e entre setores do poder público, onde se destacam duas racionalidades
técnicas em disputa: o zoneamento urbanístico e o zoneamento ambiental, amparadas por embates entre
interesses contraditórios que visam proteger a floresta das favelas, por um lado, mas podem admitir sua
ocupação pelas mansões e condomínios, por outro.

Os métodos de análise desenvolvidos e os resultados obtidos pela presente pesquisa confirmam a


hipótese inicial de que a leitura transescalar da morfologia da paisagem, cotejada ao exame da
legislação, em contextos urbanos diferenciados descortina similaridades, distinções, nuances,
particularidades e contradições que auxiliam na compreensão da lógica dos processos que produziram e
moldaram a paisagem montanhosa do Rio de Janeiro ao longo do tempo e podem contribuir na formulação
de estratégias e instrumentos para sua efetiva proteção e fruição. No que se refere especificamente à
paisagem montanhosa do Rio de Janeiro, a interdependência entre os processos de transformação, as
normas de regulação da ocupação urbana e os padrões espaciais observados potencializaram os conflitos
sócio-ambientais decorrentes da pressão urbana, conduzindo ao quadro de segregação sócio-espacial que
caracteriza esta porção do território carioca.
As análises e resultados produzidos confirmaram também a existência das faixas inicialmente
percebidas, cuja configuração vincula-se à estratégia utilizada pela legislação, de utilizar uma gradação de
ocupação/proteção em função da topografia, através de normativas que criaram um gradiente de
condicionantes e restrições à ocupação atrelados às cotas altimétricas 50, 60 e 100 m. Esta foi a estratégia
utilizada para lidar com a questão da tridimensionalidade, bastante acertada do ponto de vista sistêmico,
tendo em vista a necessidade de sua aplicação no zoneamento urbanístico da cidade, numa época que os
estudos científicos mais abrangentes sobre os domínios montanhosos apenas se iniciavam no Brasil.
Entretanto, tanto a configuração quanto os limites da ocupação urbana nas encostas do Rio de Janeiro não
se conformam exatamente às cotas altimétricas utilizadas como parâmetros pela legislação municipal, uma

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


378 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
vez que grande parte da ocupação nas encostas da cidade é anterior. As cotas balizam apenas
determinados padrões como altura das edificações, usos, tipo de parcelamento e a densidade da ocupação.
As ocupações, de qualquer natureza, localizadas nos recortes estudados acontecem no prolongamento da
malha urbana e avançam até aproximadamente 300 m acima do nível do mar (limite verificado na Gávea),
embora ocorram ocupações urbanas até aproximadamente 500 m acima do nível do mar, em outros bairros
da cidade, como o Alto da Boa Vista. A localização das ocupações informais (favelas) também não
apresenta uma relação direta com a altimetria do relevo.

Quanto à configuração, as faixas encontradas não são necessariamente lineares, elas se


estabelecem de forma irregular em torno dos núcleos de ocupação. Partindo da matriz floresta, a primeira
faixa interna, que mescla fragmentos florestais e fragmentos de mancha urbana formal e informal, com
predominância da floresta, corresponde às áreas urbanizadas delimitadas pelos limites dos PALs, que não
são discerníveis através da visualização das imagens de satélite, ortofotos e mesmo a partir de sobrevôos.
Daí a importância de sua delimitação georeferenciada ou sua substituição por outra forma de gestão. A
segunda faixa interna, que mescla fragmentos de mancha urbana formal e informal e fragmentos florestais,
com predomínio da mancha urbana (tecido onde a matriz da cobertura do solo é configurada pela mistura de
floresta e mancha urbana), corresponde às áreas efetivamente ocupadas. São estas faixas internas (faixas
de mescla) que sofrem transformações mais dinâmicas, onde as tensões e conflitos se configuram de forma
mais evidente, repercutindo e causando impactos nas faixas exteriores. As faixas externas, que
correspondem às matrizes floresta e mancha urbana não são, na verdade, propriamente faixas, constituem
dois pólos tratados na legislação de modo estanque, em permanente oposição.
Suas feições internas apresentam nuances diferenciados, tanto entre si como internamente, em
relação à estratificação social. Nas áreas formais situadas nos recortes analisados, a ocupação nas áreas
mais altas tende a ser mais rarefeita e mais valorizada. Nas áreas informais (favelas), a situação quanto à
valorização se inverte em dois dos três recortes estudados (Rocinha e dentro do Complexo Guararapes, nas
favelas Vila Cândido e Cerro-Corá), nas quais, quanto maior a altitude, mais rarefeita e menos consolidada é
a ocupação e mais alto o grau de precariedade. No recorte espacial situado no Itanhangá, apesar de haver
correlação entre a altitude e a diminuição da densidade da ocupação e o grau de valorização das
propriedades nas áreas formais, as características da ocupação na Floresta da Barra são inteiramente
diferentes, com lotes demarcados e quintais amplos situados a montante da ocupação, à semelhança da
área formal adjacente, resultado de um processo de parcelamento cuja legalização não foi concluída por não
ter sido considerada vantajosa pelo empreendedor. Nesta área, os locais, cuja ocupação é menos
consolidada e o grau de precariedade é maior, situam-se longe das vias de acesso, especialmente das vias
carroçáveis, nas bordas da ocupação que fazem limite com os muros que demarcam a ocupação formal, e
junto ou por sobre os rios e córregos que atravessam a comunidade. De modo geral, tanto neste, quanto nos
outros recortes, as áreas de ocupação mais recente e mais precária nos tecidos informais, independente do
grau de densidade da ocupação, situam-se nas áreas mais frágeis, com maior suscetibilidade a

SINTESE PROPOSITIVA E CONSIDERAÇÕES FINAIS


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 379
deslizamentos e inundações. Nos tecidos formais, esta relação não é tão facilmente perceptível, uma vez que
as áreas de maior suscetibilidade encontram-se dispersas pelos diversos fragmentos que formam o território
formalmente ocupado. Constitui-se como traço comum aos três recortes espaciais estudados a existência de
corredores vegetados que interceptam e transpassam estas faixas de ocupação, interligando-as
transversalmente.

Proposições e recomendações

Em uma cidade do porte e da diversidade do Rio de Janeiro, os problemas referentes ao


planejamento, regulação e gestão das áreas situadas nas encostas residem principalmente na dificuldade de
enfrentamento dos conflitos decorrentes da conciliação simultânea de interesses distintos, de caráter difuso,
englobando aspectos urbanísticos, ambientais, sócio-econômicos e culturais. Ainda faltam mecanismos
políticos e legais que estabeleçam um processo sistêmico, contínuo e aplicado de planejamento integrado
(urbanístico, paisagístico e ambiental), com regulações que compatibilizem a proteção das encostas ao
controle do uso e ocupação nessas áreas. Com isso, seria possível buscar uma mediação entre a proteção
ambiental e a apropriação justa da terra urbana.
Conforme preconizaram os críticos ambientais abolicionistas, cuja voz foi trazida a público por
Pádua (2002), o enfrentamento dos conflitos sócio-ambientais só será possível quando a questão ambiental
e a questão social forem inseridas no contexto das políticas estruturais, tanto em âmbito municipal, quanto
em nível nacional, fundadas em objetivos amplos de transformação social, econômica e cultural. Em âmbito
nacional, como é sabido, o enfrentamento da questão social tem sido objeto de atenção nas últimas
administrações. Mas o impacto positivo das ações levadas a cabo não se refletiram ainda em uma
transformação efetiva da estrutura espacial urbana no Brasil. A incorporação da questão ambiental, bem
como da questão da educação como políticas estruturais são lacunas históricas ainda a serem encaradas.

A metodologia aplicada e desenvolvida na presente pesquisa demonstrou a necessidade de inverter


a lógica e as estratégias de planejamento e gestão da paisagem montanhosa do Rio de Janeiro, que
atualmente é calcada em uma ótica fragmentada, estratificada e direcionada aos espaços edificados, pela
ótica sistêmica da paisagem com foco no sistema de espaços livres, que considere a coexistência de
temporalidades distintas e a dinâmica das transformações. É fundamental reconhecer as especificidades da
paisagem e, a partir do reconhecimento destas peculiaridades, elaborar uma legislação urbanística e
ambiental integrada, que reflita consensos entre seus agentes de produção e transformação, garantindo a
participação de todos os segmentos na definição das normas de regulação. Para isso, é fundamental
também conscientizar todos os segmentos sociais envolvidos, bem como efetivar um sistema integrado de
fiscalização. A experiência de Guararapes é um exemplo a ser aprimorado para viabilizar a regularização da
propriedade fundiária de forma coletiva.

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


380 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Por outro lado, faz-se necessário estabelecer uma igualdade de tratamento, tanto para as áreas
formais quanto para as favelas, com diferenciação de parâmetros e procedimentos específicos, adequados a
cada tipo de ocupação. À função social da propriedade, deve ser acrescida a função ambiental da
propriedade. Da mesma forma que o Estatuto da Cidade referendou o conceito e os princípios da função
social da propriedade, induzindo sua incorporação pelos Planos Diretores Municipais, é necessário que a
sociedade e o poder público se conscientizem da importância da função sócio-ambiental da propriedade,
especialmente quando situada sobre áreas frágeis, fundamentais para a garantia da manutenção das
condições do suporte geo-biofísico e que exercem o papel histórico de abrigar a força motriz da sociedade,
como são os domínios montanhosos situados nos contextos urbanos analisados.

A presente pesquisa sustenta que o planejamento urbanístico, a ordenação e a lógica da ocupação


formal e informal na fronteira entre a floresta e a malha urbana sobre as encostas necessitam passar por um
processo de ajuste, no qual o sistema de espaços livres pode reverter a situação de instabilidade e
segregação espacial nas bordas das áreas protegidas. Os espaços livres exercem um papel vital na
conexão, na articulação, na resiliência frente aos riscos ecológicos e na revisão da antítese entre a matriz
floresta, os territórios formalmente ocupados e as favelas localizadas nas encostas, ainda tratados como
unidades homogêneas e isoladas. Ainda não o exercem mais efetivamente devido à falta de planejamento
integrado quanto à localização, distribuição, definição de atributos e funções. Panerai (1999) e Tardin (2006),
já apontaram o seu poder de “costura” do território. A presente pesquisa avançou nesta direção ao
empiricizar a argumentação teórica defendida por estes autores, examinando em detalhe o sistema de
espaços livres nas encostas cariocas, e indicar formas de concretizá-la. O foco nas relações que esses
estabelecem com os espaços edificados permite uma visão não-fragmentada dos diversos processos sociais
de ocupação e apropriação e dos processos ecológicos de perpetuação, degradação e regeneração do
ecossistema de floresta de encosta, escapando ao enclausuramento da lógica dual, dicotômica.

Pela complexidade dos processos inerentes à cidade do Rio de Janeiro, os conflitos em torno das
áreas protegidas de características diferenciadas, das áreas de ocupação formal e das áreas de especial
interesse social demandam iniciativas que envolvam segmentos da sociedade, órgãos e instâncias
governamentais diferenciadas. Para viabilizar a articulação entre apropriação coletiva dos espaços livres e a
proteção da vegetação nativa, faz-se necessário planejar a conexão, localização, a distribuição e o uso dos
espaços livres situados nas áreas urbanizadas e nas áreas efetivamente ocupadas, garantindo sua
multifuncionalidade e sua apropriação coletiva.

Com base no exposto acima, sugere-se a adoção de mecanismos e medidas que viabilizem a
coordenação de ações e estimulem decisões conjuntas entre a Secretaria Municipal de Meio Ambiente
(SMAC), a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), a Subsecretaria Municipal de Patrimônio Cultural
(SMPC) e a Secretaria Municipal de Habitação SMH), principalmente no que tange ao planejamento e à
fiscalização da ocupação nas encostas. Um plano de fiscalização e controle das ocupações irregulares
(sejam elas destinadas a quaisquer estratos sociais) se faz extremamente necessário. Sugere-se ainda

SINTESE PROPOSITIVA E CONSIDERAÇÕES FINAIS


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 381
submeter ao conhecimento do CONAMA, não apenas a modalidade de Unidade de Conservação
denominada Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana – APARU, mas também a denominada
Área de Proteção do Ambiente Cultural – APAC, ambas estabelecidas no Plano Diretor Decenal de 1992 e
referendadas pelo atual Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável de 2011, ampliando a
discussão em âmbito federal quanto à abrangência do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
O avanço das pesquisas científicas, tanto em âmbito local quanto internacional, decorridos quarenta
anos desde a promulgação dos instrumentos de regulação que condicionaram à ocupação nas encostas
cariocas às cotas altimétricas, apontam para a necessidade de que, a esta estratégia, seja acrescida a
definição de outros parâmetros morfológicos imprescindíveis para se distinguir, com segurança, as áreas
passíveis de ocupação das áreas nas quais a ocupação deve ser completamente vedada. Do ponto de vista
técnico, com embasamento nas pesquisas realizadas (RUHE, 1975; AVELAR, 1996 e 2003; AVELAR e
LACERDA, 1997 e COELHO NETTO, 2005 e 2007a; VALERIANO, 2008), defendo a necessidade da
associação do parâmetro cota altimétrica, à declividade (já aplicado, como visto no Capítulo 2, em outras
cidades brasileiras e na legislação federal), à forma das encostas, à melhoria da distribuição e manejo dos
espaços livres e à manutenção da vegetação nativa.

Para viabilizar esta articulação, faz-se necessário estabelecer as sub-bacias hidrográficas como
unidade divisora mínima dos domínios montanhosos, para efeito da formulação de um zoneamento
efetivamente integrado, do ponto de vista urbanístico e ambiental. E como base ou “pé” da encosta, para fins
de delimitação dos domínios montanhosos sujeitos aos processos de movimentação e transporte de fluxos e
material sólido, a cota altimétrica correspondente a ocorrência dominante de áreas com declividade de 15º ou
25%, estabelecendo restrições efetivas a cortes e aterros a partir deste limite; vedando completamente novas
ocupações entre 15º, ou aproximadamente 25%, e 20º, ou aproximadamente 35%, em áreas
côncavas/convergentes e acima de 35º ou aproximadamente 70% em áreas convexas/divergentes. Estas
áreas são comprovadamente, conforme demonstraram os estudos prévios mencionados, áreas
particularmente suscetíveis a deslizamentos.
Diante deste contexto, torna-se fundamental estabelecer uma zona de transição entre os espaços
urbanizados e o patrimônio natural e cultural a proteger, onde o uso e a ocupação do solo nas áreas
limítrofes às Unidades de Conservação sejam organizados de modo a promover uma gradação entre a malha
urbana e a área protegida e integrar fatores urbanos, ambientais, sociais, econômicos e culturais. Dois
dispositivos oferecem atualmente possibilidades interessantes para tornar mais eficaz e integrada a gestão
da paisagem nas encostas do Maciço da Tijuca. Propõe-se o aproveitamento do potencial dos espaços
livres públicos como ponte de ligação entre os diversos tecidos segregados e a efetivação do
Mosaico de Unidades de Conservação em torno do Maciço da Tijuca como um dos três pilares de
gestão integrada. Essa proposta permite integrar as áreas protegidas, estabelecidas pelos poderes
municipal e estadual, ao Parque Nacional da Tijuca com o objetivo de congregar representantes de
entidades civis organizadas, dos poderes públicos constituídos, instituições de pesquisa e

CAPÍTULO 4: TRÊS RECORTES TERRITORIAIS NO MACIÇO DA TIJUCA – ESTUDO COMPARATIVO


382 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
associações de moradores das favelas e bairros, com vistas a repensar o modelo urbanístico e a
lógica da ocupação entre a floresta e a malha urbana, buscando uma conciliação pactuada entre os
agentes produtores desta feição da paisagem carioca.
As Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), por sua vez, configuram-se como outra
ferramenta importante para viabilizar a proteção de espaços livres com caráter ambiental em torno dos
núcleos de ocupação. Desta forma, propõe-se que os Projetos Aprovados de Loteamentos e de Alinhamento
ainda válidos, mas não implantados, sejam cancelados e as áreas de propriedade privada remanescentes,
bem como as áreas de reservas florestais constantes dos Projetos Aprovados de Loteamentos que não
tenham sido doadas ao poder público, ou estejam vedadas à ocupação por legislação formulada por outras
instâncias governamentais, sejam transformadas em RPPNs. Conforme observou Albernaz, (2007:4, 25 e
203), nas RPPNs, o objetivo de conservar a diversidade biológica é gravado com perpetuidade e a visitação
pública é uma das formas mais efetivas de ampliar a apropriação pública do patrimônio natural e cultural
urbano, ainda que sua adequação em áreas destinadas à proteção do patrimônio natural encontre
resistências, dependendo do volume de pessoas e das atividades permitidas. Esta sugestão foi apresentada
à Prefeitura do Rio de Janeiro no âmbito das análises para a identificação das áreas com restrição à
ocupação e dos estudos preparatórios para a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo mas não encontrou
eco no momento. Talvez, a partir desta iniciativa, instrumentos como a ARIE de São Conrado, por exemplo,
possam ser mais bem aplicados.
Entre as possibilidades e potenciais identificados estão a grande quantidade de lotes vazios e
terrenos não ocupados nos três recortes estudados localizados nas áreas efetivamente ocupadas, os
espaços livres residuais remanescentes, os mini-pátios coletivos encontrados nas densas favelas, bem como
os espaços livres associados a institucionais religiosas e de ensino. Especialmente em áreas muito densas,
como na Rocinha, Cerro-Corá e Vila Cândido, a presença de lajes não conectadas muito próximas umas às
outras sugere possibilidade de conexão para sua utilização como pátios suspensos. O Maciço da Tijuca, no
Rio de Janeiro, é um interessante laboratório para aplicação destas medidas, dispositivos e ferramentas,
tendo em vista inserir-se em uma metrópole marcada pela segregação espacial que, no entanto, sustenta
atributos naturais, paisagísticos, sociais e culturais que a singularizam e a distinguem no cenário mundial.

Conforme argumentou Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1986), a paisagem urbana não é só o que está
sendo. Ela carrega o que aconteceu antes e nos mostra o que poderá acontecer depois, a depender das
nossas escolhas.

SINTESE PROPOSITIVA E CONSIDERAÇÕES FINAIS


A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 383
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