You are on page 1of 3

Escrevo esse texto para comentar algumas conclusões a partir de uma verdadeira

teoria da ação frente à teoria de ação de Mises. Também quero comentar algumas reações de
libertários.

Houve quem alegasse que a praxiologia de Mises fosse apenas um recorte da ação
humana e que tal recorte fosse legítimo. Mas se é assim, porque quando pensamos (o que será
mostrado aqui) numa visão mais integral da ação e do homem nós nos deparamos com
resultados diferentes?

Um acontecimento comum na história da filosofia é que algum filósofo cria um


método, porém vai lá e seu aluno o absolutiza. Aparentemente, Mises seguia a sua praxiologia
como um recorte da realidade (até certo ponto). Dizia que não lidava com os fins, que a ação
humana tratava exclusivamente dos meios. Mises era um juspositivista, defendia o estado e
seguia mais ou menos as convenções da época. Na hora de pensar no direito e numa teoria do
estado, Mises deixava um pouco de lado sua praxiologia.

Porém, Rothbard não fez o mesmo. Foi lá e levou às últimas consequências na teoria
de estado. A sua ética libertária só pode nascer de um contexto em que realmente se acredita
que não há fins objetivos para a ação.

Talvez a consequência mais radical numa correta teoria da ação frente à teoria da ação
de Mises é a mudança na teoria de valor. Já que existem coisas que são boas por si e que há
coisas que são objetivamente melhores do que outras, valorá-las como más ou valorar as
melhores como piores é um erro.

O que exporei não é simples de entender, sobretudo para quem não é tomista.
Contarei um pouco de história para me fazer melhor entendido. Creio que tudo gira em torno
do debate determinismo x indeterminismo para o qual o tomismo tem uma solução que é um
meio termo saudável: o finalismo.

No início da modernidade até o iluminismo surgiram inúmeras doutrinas mecanicistas


sobre o universo. Com o sumiço da causa final aristotélica na ciência, só era lícito explicar o
mundo através de causas materiais e eficientes. Além do mais, com Galileo e Descartes o
matematicismo ganha lugar. Idealmente tudo deveria ser explicado matematicamente. Os
sentidos eram um véu na qual poderíamos adentrar em seu conteúdo em que encontraríamos
fórmulas matemáticas que são a essência de cada coisa. Tal visão de ciência explodiu
sobretudo nas ciências naturais, mas com o tempo tal perspectiva se alastrou sobre as próprias
ciências do homem. A economia também deveria ser explicada desse modo e não havia lugar
para a subjetividade. O resultado não poderia ser outro, o valor das coisas deveria ser
unicamente objetivo. Este é o determinismo.

Após o iluminismo, sobretudo na primeira metade do século XIX, houve uma reação
romântica na Europa. Os afetos estavam supressos e por fim houve uma explosão de
sentimentalismo. Houve uma revolta contra a razão e o mundo já não parecia mais governado
por leis e ordens. Tudo retornava ao caos.

Vale destacar que sempre houve movimentos irracionalistas na Europa, ao menos


desde Montaigne, o que acontece é que esse movimento era de menor prestígio em relação
ao cientificismo da época. Não é correto dizer que a modernidade é o racionalismo e a pós-
modernidade é o irracionalismo. Ambos são modernos, como bem diria Scherer.
Na segunda metade do século XIX, surge a Escola Austríaca com Carl Menger. Menger
não é um irracionalista, porém os novos pensamentos o influenciaram um pouco, o que fez
com que reagisse contra a velha economia mainstream. O resultado é o indeterminismo do
valor. No final das contas, cada coisa vale segundo uma disputa de preços entre subjetividades.
Tal conclusão vai se radicalizando conforme a Escola Austríaca progride na história, até chegar
ao ponto em que usar crack pode ser mais valioso do que colocar comida dentro de casa.

Como havia dito, um meio termo saudável é oferecido pelo aristotelismo-tomismo. Na


física Aristotélica há um primeiro motor imóvel que move todas as coisas segundo uma
finalidade. Porém, essa atração não é absolutamente rígida como no determinismo, há espaço
para o acaso. Na natureza vemos que geralmente uma espécie qualquer atinge sua finalidade.
Nasce, como, se reproduz e morre. Contudo, às vezes é possível que algo saia errado no meio
do caminho. No nascimento pode haver um defeito congênito por exemplo, o que é contrário
à natureza da espécie. Na terminologia escolástica, dizemos que quando algo atinge seu fim, é
uma causa essencial (ou per se), porém, quando há um defeito congênito, há uma causa per
accidens.

Isso se reflete na metafísica do bem e do mal. Segundo santo Tomás, o mal nunca é
substância, mas meramente acidente de algo que é bom. O mal é como se fosse uma janela
numa casa. Por mais que o buraco da janela seja grande, ela está em uma casa. A janela não
existe por si mesma. Se o buraco da janela fosse grande o bastante para ocupar 100% da casa,
aí já não haveria nem casa e nem janela.

O finalismo consegue explicar bem a existência tanto de valores subjetivos quanto


objetivos. O que acontece é que cada um dos movimentos, seja a economia mecanicista, seja a
economia subjetivista, é que tomam a parte pelo todo. Como diria Olavo de Carvalho, é a
inversão do objeto pelo método. Começam com um recorte da realidade e quando vamos ver,
tomam esse recorte pela realidade.

Há óbvios casos em que objetivamente podemos dizer que um certo produto ou ação
é má. Por exemplo, o uso de crack. O libertarianismo austríaco ao defender a valoração
subjetiva de tudo deve necessário ser favorável à liberação das drogas - e não só da maconha,
mas de todas as drogas. O libertário defende cinicamente uma tal de remoção física, mas tal
solução é apenas um remendo, nada garante em absoluto que possamos intervir no uso de
narcóticos.

Como bem diz Aristóteles, “a violência é agir contra a natureza”. Ao violentar a si


mesmo agindo contra sua natureza, o usuário de drogas não pode argumentar contra uma
intervenção em seus hábitos.

Em um caso econômico prático, os libertários alegam que o salário é o que o patrão e


o empregado combinarem. Por outro lado, ao observarmos a realidade, parece que se é
necessário que um pai de família ganhe 2.000 para sustentar a sua família e o patrão oferece
apenas 100, há uma clara injustiça. Sendo assim, é possível concluir que há a possibilidade de
regulamentação do salário mínimo numa sociedade.

Os libertários argumentariam que é impossível haver salário mínimo, pois quando é


que poderíamos saber se um salário é injusto ou justo a partir de determinada faixa de preço.
Por exemplo, no caso acima, 1500 de salário seria um abuso ou uma necessidade local do
patrão? Apesar de irracionalistas na valoração das coisas, os libertários são racionalistas em
todo o resto, se não houver uma fórmula matemática, parece não haver direito sobre tal coisa.
O problema é que dentro do libertarianismo também há essas questões. Por exemplo, meu
vizinho está escutando funk alto aqui do lado enquanto escrevo esse texto, a partir de quantos
decibéis ele estará “ferindo meu pna”? Sempre há casos em que o bom senso decidirá.

É oportuno fazer alguns comentários sobre meu texto anterior e a reação contra ele.
Eu acho que foi um texto feliz para prevenir católicos de serem libertários, aliás, acho que meu
texto convenceu alguns católicos libertários no grupo libertarianismo. O problema é convencer
os ateus e agnósticos. Creio que por dupla razão: não tendo Deus no coração, precisam
preencher o vazio existencial com alguma utopia política. Os ateus tendem a ser bem mais
ideólogos do que cristãos. Em segundo lugar, sem Deus por pressuposto, fica difícil imaginar
uma ordem objetiva no universo. A tendência do ateu é cair no subjetivismo e dificilmente ele
vai aderir a uma teoria de ação objetiva.

Fui acusado várias vezes de apelar à fé. Ateus, além de ex-libertário, sou ex-ateu
também. Fui convencido da necessidade da existência de Deus e acho os argumentos
existentes excelentes. Também sei que não posso usar matéria de fé numa audiência sem fé.
Os meus argumentos não exigem fé, são 100% da matéria da razão natural.

Recomendo que conheçam as cinco vias de santo Tomás através do excelente texto do
professor Sidney Silveira: http://contraimpugnantes.blogspot.com/2010/03/prova-da-
existencia-de-deus-em-santo.html

Quanto a algumas possíveis objeções céticas, eu coloco o seguinte. As cinco vias


possuem mais de 700 anos de história, isso que santo Tomás apenas elaborou alguns
argumentos que já existiam há mais de mil anos como a primeira via. Os filósofos cristãos já
encararam toda sorte de objeções contra as cinco vias (isso que há muitos outros argumentos
a favor da existência de Deus além das 5 vias) e mesmo assim encontraram respostas. Pode ter
certeza que alguém já respondeu a Kant, Hume, Popper e até a outros “céticos” (não uso o
termo em sentido equívoco) desconhecidos pela ateidade br.

Também sugiro verem as aulas no youtube dadas pelo professor Joathas Belo,
especialista em Xavier Zubiri (que aliás, defende a validade das cinco vias num contexto mais
cientificista): https://www.youtube.com/watch?v=RuRfdBehb3o

O argumento mais difícil de entender no meu texto (e sinceramente acho que foi o
único lido pela maioria, provavelmente viram que citei a Deus e abandonaram o texto,
ignorando os outros argumentos) foi o primeiro.

Antes de comentá-lo propriamente, comentarei o que considero o procedimento


realizado por Mises que se parece com o procedimento de Marx. Segundo Olavo de Carvalho,
Marx ao considerar o burguês o abstrai de tudo que não é econômico. O burguês só está
interessado em ganhar dinheiro e lucrar o máximo possível. Ele exclui o seu interesse humano
em desenvolver suas qualidades, seu espírito humanitário etc.

Na verdade, Mises não procede muito diferente, mas provavelmente com menos
malícia em relação ao revolucionário alemão. Sendo um economista, analisava principalmente
ações econômicas em que empresários tentam suprimir demandas.

You might also like