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ANAMNESE PSIQUIÁTRICA NO ADULTO

A prática do exame psiquiátrico

Apesar de todos os avanços, ainda hoje não há recursos complementares que substituam o exame clínico e uma boa
entrevista na avaliação do paciente com transtornos mentais. Fundamental é que, no encontro entre psiquiatra e
paciente para essa finalidade, exista um clima especial e que o médico consiga, de modo adequado, mostrar que
está realmente interessado em compreender o que se passa com o paciente.

Entrevista clínica psiquiátrica

O objetivo da entrevista clínica psiquiátrica é obter informação útil a respeito dos problemas mentais, que deverá
ser elaborada e codificada de acordo com os diferentes métodos psicopatológicos, com o objetivo de planejar
tratamentos, motivando o paciente a aderir a eles e criando e mantendo uma relação terapêutica sustentável.

Procedimentos da entrevista clínica psiquiátrica

Durante a entrevista clínica psiquiátrica, são realizadas algumas atividades especializadas, necessárias para o sucesso
da entrevista como ato médico. Elas são chamadas de procedimentos da entrevista clínica psiquiátrica. Estão
associadas à coleta de informações, à realização do diagnóstico e ao contrato de tratamento, garantindo a
continuidade e a adesão do paciente. O local de exame deve ser adequado para a tarefa. Deve haver silêncio,
privacidade garantida e conforto.

A regra básica é que, inicialmente, o paciente entre sozinho, de maneira que seja preservada a sua privacidade. No
entanto, poderá ser necessária a quebra dessa regra em razão da idade do paciente, do estado de dependência, da
incapacidade pessoal, da demanda de paciente ou familiares e de outras questões. Outra exceção ocorre nos casos
de potencial periculosidade física do paciente, quando medidas de segurança ao psiquiatra devem ser tomadas (p.
ex., porta semiaberta e auxiliares e pessoal de segurança em alerta).

A identificação e a coleta de informações básicas envolvem a sua apresentação como profissional e a identificação
do paciente: nome, sobrenome, apelido, forma de tratamento preferida. As informações básicas devem ser
anotadas: sexo, cor, etnia, idade, estado civil, profissão, ocupação e moradia. Ao final dos procedimentos descritos,
inicia-se a investigação dos problemas do paciente e realiza-se a anamnese psiquiátrica.

Esta anamnese começa com a chamada investigação inicial: motivo da consulta, motivo do encaminhamento e
queixa principal. Em seguida, caminha-se para a investigação principal: história do problema principal e varredura
dos problemas secundários. Após ter desenvolvido uma visão aprofundada e abrangente dos principais problemas
do paciente, parte-se para a fase do corpo da entrevista e monta-se a base de dados: história de problemas
passados, de uso de drogas, médica e de exames subsidiários, do desenvolvimento, social, de personalidade e
comportamento e médica familiar.

Possivelmente, será necessário completar a coleta de informações em um segundo encontro, mas deve-se decidir
rapidamente quais serão as prioridades em termos de informações que terão de ser colhidas já na primeira
entrevista. A necessidade de realização de exame físico geral e especializado e exame neurológico deve ser definida
pelo problema e pelo contexto apresentados pelo paciente. Esses exames poderão ser postergados para um
segundo encontro ou realizados por um especialista. O exame neurológico é importante, por conta da proximidade
de doenças neuropsiquiátricas.

Inicia-se, então, a fase devolutiva da entrevista, dando explicações sobre os problemas, de maneira mais didática
possível, e oferecendo a proposta de tratamento.

Ao final, realiza-se a marcação de nova entrevista ou consulta e despedida, podendo incluir a marcação de contato a
distância em período intermediário (p. ex., telefone e e-mail) e a orientação sobre procedimentos e contatos em
casos de intercorrências e situações de emergência.
O exame do estado mental

O exame do estado mental é uma atividade complexa que tem a psicopatologia como referência. Há diferentes
métodos de realização e de sistematização desse exame e parece que nenhum deles tem a primazia sobre os outros.
É importante que o método se adeque ao referencial cognitivo do entrevistador, aos problemas apresentados pelo
paciente e às circunstâncias em que o exame se realiza. Três perspectivas fundamentais direcionam o exame do
estado mental do paciente durante a entrevista clínica psiquiátrica: processo de coleta de informações, detecção de
sinais de transtornos mentais e detecção de situações de emergência.

O processo de coleta de informações organiza o exame do estado mental de acordo com a forma pela qual se
acessam os fatos psicopatológicos (observando o paciente, conversando de maneira casual com ele, conversando
sobre os seus problemas e realizando testes). Cada uma dessas atividades acessa informações psicopatológicas de
diferentes naturezas, como funções psíquicas simples e complexas, comportamentos significativos, rendimentos,
vivências e outros atributos com conteúdo informativo significativo.

Além da ordenação descrita, dois outros princípios de organização do exame do estado mental são a detecção de
sinais indicativos de transtornos mentais e a detecção de situações de emergência. O exame do estado mental é
sempre direcionado para a detecção dos problemas apresentados pelo paciente e sempre se rastreiam sinais de sua
existência. Além da detecção dos problemas mentais, o entrevistador também deve estar atento às situações de
risco que devem sempre ser pesquisadas ativamente, como a ideação suicida.

Métodos psicopatológicos

O primeiro passo desse exame é representar o que realmente o paciente vivencia em sua consciência, descrevendo
da forma mais precisa possível os seus estados psíquicos. O psiquiatra obtém essas descrições pelos relatos do
próprio paciente durante seu contato pessoal. Dos conteúdos descritos pelo paciente, a tarefa do psicopatologista é
identificar as alterações formais psíquicas.

Ao paciente, importa os conteúdos do relato; ao psicopatologista que emprega o exame fenomenológico, a forma
das vivências. Essa é a ferramenta básica da psicopatologia, denominada de fenomenologia da vida psíquica mórbida
(i. e., a descrição dos fenômenos subjetivos dessa vida psíquica.

Nessa primeira etapa do exame, procura-se apreender as vivências de como o paciente percebe os objetos, seu
próprio corpo, as imaginações, assim como vivencia o transcorrer do tempo e do espaço, a maneira como percebe
seus afetos, seus impulsos e sua vontade, a vivência da realidade e seu eu interior e de ter consciência global de
todos esses fenômenos (consciência racional e reflexiva, atenção, vigilância, obnubilação, onirismos, estados
crepusculares, torpor e coma).

O exame fenomenológico também compreende a apreensão do psíquico nos rendimentos do indivíduo, utilizando
certas condições que incitam o paciente a objetivar seu psíquico.

 funções rendimentais, como memória, atenção, orientação temporal e espacial, inteligência, motricidade,
linguagem, forma de pensamento e elaborações do juízo. A seguir, descreve-se um esboço simplificado das
funções rendimentais.
 Percepção: agnosias, alucinações (visuais, acústicas, olfativas, gustativas, tácteis, cenestésicas, cinestésicas)
e pseudoalucinações.
 Orientação: ambiental, temporal, da própria personalidade e dos outros.
 Memória: explícita e declarativa, de fixação, evocação, paramnésias, ecmnésias, confabulações, fabulações,
amnésias lacunares e hipermnésias.
 Motricidade: estupores, flexibilidade cérea, posições bizarras, excitações motoras, catalepsias, estereotipias,
maneirismos, ecopraxias, oposição negativista, obediência automática, impulsos, ambitendências.
 Linguagem: disartria, mudez, lalação, gagueira, afasias, ecolalias, neologismos, mutismo, logorreia,
verbigeração, solilóquio, mussitação.
 Pensamento: nas suas alterações formais, como fuga de ideias, inibição do pensamento, desagregação,
associações frouxas, roubo, interceptação, inserção, eco e difusão do pensamento, prolixidade e
perseveração, e nas suas alterações de conteúdos, como ideias supervalorizadas (catatimias), ideações
supersticiosas, delirantes e deliroides, incoerência, obsessivos, fóbicos e pararrespostas.
 Inteligência: conceitos emitidos pelo examinado, raciocínio, abstração, capacidade sintética e dotes parciais.

Depois de examinada a vida psíquica nas suas vivências e rendimentos, passa-se a investigar as relações de
compreensibilidade entre essas vivências: como uma vivência origina outra, como o paciente procura dar significado
ao juízo das representações que tomam parte de seu mundo de significados. O examinador irá se deparar com uma
experiência de compreender ou não psicologicamente o conteúdo desses significados vividos pelo paciente.

Em seguida, investigam-se os fatos objetivos da vida psíquica. A expressão mímica, o porte do examinado, os
documentos, a escrita, os trabalhos manuais, a indumentária, a maneira como a pessoa conforma sua moradia e
seus pertences. Importância de descrever os comportamentos e as condutas sociais, como hábitos alimentares, vida
sexual, sono, uso de drogas e álcool, higiene, rituais, impulsividades, tentativas suicidas e condutas antissociais.

Descrever também a vida familiar e a conjugal, o grau de autonomia ou dependência, a escolaridade, a vida
profissional, a cultura, os passatempos, a religiosidade, os projetos, descrever o examinado como homem social.

Finalizando, elaborar a biografia do examinado, descrevendo vivências, acontecimentos, realizações, frustrações,


atos e obras. Não é mera descrição da sucessão regular da vida de um homem, mas apresentar uma configuração
qualitativa, na qual se apreende o psíquico na existência daquela pessoa.

Exames biológicos complementares

Os exames complementares são imprescindíveis para o diagnóstico diferencial dos quadros somáticos ou para firmar
o diagnóstico dos quadros psiquiátricos de causa somática (p. ex., síndromes orgânicas cerebrais, reações exógenas
e delirium). Os exames laboratoriais não devem ser solicitados de modo rotineiro, assim como não devem ser
valorizados isoladamente, mas inseridos em um contexto global, na anamnese clínica e na psicopatologia.

História da moléstia atual

O examinador precisa estar familiarizado com a história natural e a sintomatologia dos transtornos mentais mais
comuns em idosos, como o delirium, a depressão e os transtornos cognitivos, pois alguns deles manifestam-se
diferentemente nesse grupo de pacientes. Delirium, também conhecido como estado confusional agudo, é um
transtorno caracterizado por quadro flutuante de alterações da atenção, da consciência, da cognição e do
comportamento, além de delírios e alucinações visuais, e está associado à alta taxa de mortalidade na população
geriátrica.

Idosos frágeis e portadores de prejuízo cognitivo são particularmente predispostos ao delirium por mínimos
acometimentos tóxicos, metabólicos ou infecciosos. Nesse contexto, é necessário elucidar as medicações de uso
contínuo, suas doses e suas modificações recentes para pesquisar possível delirium medicamentoso, que ocorre
principalmente em idosos polimedicados.

É importante também pesquisar, na história recente, outros fatores associados ao delirium: febre, dores, cefaleia,
tonturas, desmaios, disfagia, dispneia, dor precordial, incontinência urinária, disúria, diarreia ou constipação,
quedas, traumatismo craniano, fraqueza muscular, cirurgias (principalmente por fratura de quadril), alterações
nutricionais e padrão de ingestão hídrica.
A depressão é um transtorno comum em idosos, e sua manifestação pode ser caracterizada por: pouco ou nenhum
sintoma clássico, como tristeza e choro fácil; queixas somáticas, hipocondria e agitação além de negativismo com
recusa a alimentar-se, beber ou mover-se. O médico deve avaliar mudanças abruptas no padrão do sono e analisar
também mudanças no padrão do apetite e alterações do peso corporal, além de diminuição da energia e da libido.

A entrevista com familiares é essencial na suspeita de transtornos cognitivos que afetam, além de memória e
linguagem, a sensopercepção, o humor, o pensamento, a personalidade e a capacidade funcional.

A depressão, os sintomas depressivos e as demências, principalmente a de Alzheimer e a vascular, prejudicam a


capacidade funcional do indivíduo. Assim, é importante questionar o paciente e/ou o informante sobre a capacidade
de executar tarefas pessoais diárias, as atividades básicas da vida diária (ABVD), que são: banhar-se, vestir-se, cuidar
da higiene pessoal, transferir-se do leito para a cadeira, manter continência, alimentar-se e deambular.

As atividades instrumentais da vida diária (AIVD) também devem ser avaliadas, pois estão relacionadas com a
capacidade do indivíduo de assumir e tomar decisões no dia a dia acerca da própria vida, de acordo com regras e
referências: capacidade de preparar refeições, tomar remédios, fazer compras, controlar seu dinheiro, usar o
telefone, realizar pequenas tarefas domésticas e sair de casa para lugares mais distantes.

Antecedentes pessoais

Antecedentes clínicos

Deve-se descrever todas as medicações em uso, registrando também medicamentos utilizados que não necessitam
de prescrição médica, que podem ser neurotóxicos ou podem interagir com outros medicamentos.

Hábitos e vícios

É importante verificar o padrão de ingesta hídrica, pois idosos têm risco maior de desidratação, que pode se
manifestar por meio de sintomatologia psiquiátrica e delirium.

Antecedentes familiares

Deve-se pesquisar antecedente de Alzheimer precoce (antes dos 65 anos de idade), que em boa parte dos casos é
familial.

Interrogatório sobre os diversos aparelhos

Olhos e ouvidos: o comprometimento visual e auditivo pode estar associado a disfunção social e de comunicação e
predispõe ao surgimento de alucinações, ilusões e ideias paranoides. Podem ser sintomas de acometimento do
sistema nervoso central (SNC).

Garganta e dentes/ Trato geniturinário: pesquisar foco, processo infeccioso.

Trato gastrointestinal: pesquisar vômitos e sangramento digestivo alto e alterações do hábito intestinal.

Aparelho osteomuscular: pesquisar risco de queda, presença de escaras de decúbito e alterações da marcha.

Exame do estado mental

A aparência geral do paciente geriátrico pode sugerir o diagnóstico psiquiátrico subjacente. A postura, a feição e os
movimentos (p. ex., tremores) podem refletir distúrbios do humor ou do pensamento e podem ser afetados por
diversas condições neurológicas e drogas psicotrópicas. O discurso e a fala devem ser avaliados em relação à
velocidade, quantidade e qualidade. Idosos deprimidos podem ter discurso monótono e achatado, e pacientes com
afasia podem trocar letras ou errar palavras (parafasias).
O examinador deve avaliar o pensamento, observando presença de ideação suicida, preocupações excessivas,
obsessões, tangencialidade, fuga de ideias, circunstancialidade, frouxidão dos laços associativos e delírios. Delírios
associados à demência são comuns e incluem delírio de roubo, de ciúme, persecutório e de reencarnação.

As alterações da sensopercepção incluem: ilusões e alucinações auditivas, visuais, táteis e olfativas, e podem ser
sintomas tanto de transtornos psiquiátricos como de doenças neurológicas e clínicas, como o delirium. Humor e
afeto podem e devem ser analisados durante toda a entrevista. O afeto de um idoso depressivo pode não atingir o
grau de disforia de um adulto jovem (evidenciado por choro ou desespero), já o humor, que é mais sustentado ao
longo da avaliação, pode ser mais discernível no final da entrevista.

A capacidade de raciocínio abstrato pode ser avaliada de forma sucinta com a interpretação de provérbios e a
categorização. Pacientes com demência leve a moderada, sobretudo vascular, são distraídos, levantam-se
frequentemente da cadeira e perambulam pelo consultório. O julgamento crítico e o insight de idosos
frequentemente estão prejudicados em condições como demências, transtornos afetivos com sintomas psicóticos e
outros transtornos psicóticos.

Exame físico

Deve-se buscar sintomas sugestivos de hipotireoidismo, anemia ou hipovitaminose para pacientes que apresentem
sintomatologia depressiva, e indícios físicos de hipertireoidismo, hipoglicemia, arritmias cardíacas ou doenças
pulmonares em pacientes que desenvolvam um quadro ansioso ou de síndrome do pânico. Também deve-se
pesquisar condições que possam levar o paciente a apresentar quadros agudos ou até mesmo crônicos de mudanças
psicopatológicas, em especial a desenvolver quadros de delirium.

A busca por focos infecciosos é essencial nesses casos. Também é importante a busca por sinais de desidratação,
distúrbios hidroeletrolíticos, anemia, alterações de hábito intestinal, sinais de trombose venosa profunda e trauma.

O exame neurológico também é essencial para que se possa avaliar de forma precisa o quadro clínico apresentado
pelo paciente idoso. Além da avaliação cognitiva, que será discutida mais à frente, os exames de nervos cranianos,
coordenação motora, marcha, tônus e força muscular, reflexos superficiais e profundos e sistema sensorial devem
fazer parte do arsenal diagnóstico do psiquiatra.

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