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Algumas vezes ele está claro e basta um pouco de sensibilidade estrutural e conseguimos visualizar o porquê e definir
o diagnóstico.
Acontece, porém, que algumas vezes as coisas não são assim. Tudo o que parecia “obvio” não se sustenta e é preciso
procurar uma hipótese mais consistente.
Às vezes, inclusive, não conseguimos encontrar uma hipótese que explique claramente o que ocorreu. Conseguimos
apenas descrever algumas delas que são capazes de explicar o acidente, mas não temos como escolher entre elas!
Vale lembrar que o eng. de estruturas nessa posição está numa situação bem pior que a de um médico. O doente não
fala, não reclama de dor, nem quando apalpado, e na maioria das vezes, o órgão que deu origem ao acidente foi
esmagado e a autópsia fica muito difícil. Aqui, no nosso caso, tivemos sorte, nem tudo ficou esmagado!
1.1.Hipóteses naturais:
Como, sobre o pilar P9 do acidente, existe uma junta dilatação e de cada lado dela uma lingueta, é natural que aí
corresse água e que pudéssemos encontrar corrosão da armadura.
Olhando as fotos a seguir, o concreto estava muito compacto e a armadura muito boa, sem nenhuma indicação de
corrosão.
1.1.2 – Escorregamento da lingueta sobre o teflon do aparelho de apoio.
Como esse trecho do viaduto é muito longo (51+62,5+62,5+51=227m), ele encurta muito ao longo dos 1os anos
(13cm em ~ 10 anos) por retração e fluência.
Além disso, entre o verão e o inverno ele encurta uns 6cm. Imaginando uma condição inicial mais provável, de
construção em temperatura média, teríamos um encurtamento total de 16cm no inverno, 8cm pra cada lado (a obra
é simétrica!). Assim, a possibilidade de escorregamento é plausível e deve ser analisada.
Antes da obter o projeto as verificações iniciais foram feitas como indica a figura a seguir, considerando a carga
vertical V excêntrica de 10cm e uma força horizontal de atrito de 5%, chegamos até 10%. A verificação passava com
folga.
X
Dispondo do projeto, verifica-se que a montagem foi feita com uma excentricidade de 5cm no sentido contrário à
tendência de movimento, de modo que a verificação ficou ainda mais folgada.
Na verdade, quando essa dificuldade de definir o diagnóstico ocorre, é preciso ser teimoso, criativo e não se cansar de
procurar não só no que está visível, mas também no que dizem os modelos de cálculo, que podem começar mais simples
e se necessário se tornar mais complexos.
No caso presente, isso começou com um modelo engastado apoiado com 51m de vão, calculado à mão, com lingueta,
mas com movimentos horizontais equivalentes aos do viaduto real de 227m.
Observando bem a foto anexa do pilar P9 no dia do acidente, parece que a lingueta rompeu por esgotamento do
concreto a compressão, à meia altura. De fato, a ponta da lingueta aparece apoiada no pilar com trecho integro de meio
metro de altura e dele saem dobradas em S as barras de armadura vertical da lingueta, entrando na parte superior da
mesma lingueta, ainda preservada e ligada à superestrutura.
Essa condição de apoio foi sempre razão de preocupação, com a
perda da capacidade de suportar as 700tf, seja que dificultasse a
operação de macaqueamento, por conta do atrito com a lingueta
vizinha uma vez que a junta estava cheia de resíduos.
Analisando a lingueta do ponto de vista da concretagem, verifica-se que, por conta das armaduras inferiores das 3
almas e da laje, bem como da fretagem, que toma toda a espessura da lingueta, ela deve ter sido difícil! Pode ter se
formado uma “bicheira” na lingueta, favorecendo sua ruptura por flexo-compressão, com ou sem fadiga.
Já com o macaqueamento executado e com os projetos de alargamento dos pilares 5 e 9 (para dar mais liberdade para
movimentos horizontais e facilitar a troca de aparelhos de apoio), começaram a aparecer surpresas:
- apareceram defeitos de concretagem, bicheiras, na lingueta oposta à rompida (pilar P9). Elas apareceram quando da
operação de injeção das fissuras claramente visíveis após a demolição da parte remanescente (ver figura a seguir).
Dois furos de injeção vizinhos, beberam, como se diz na linguagem de obra, 4 e 3litros, totalizando 7 litros.
Esse é claramente mais um possível “defeito oculto” que poderia ter agravado a condição da lingueta e contribuído
para o acidente.
Porque só o lado de junta estava
fissurado??
A ideia desse texto é mostrar através de um caso real, que as inspeções visuais podem não ser suficientes para fazer
um diagnóstico e que precisamos, entre outras coisas, de cuidadosos modelos de cálculo que nos ajudem a visualizar
outras causas, sugerindo eventuais ensaios ou prospecções, e finalmente fazer o diagnóstico.
De qualquer forma, dentro das condições locais e de momento, fechamos o nosso diagnóstico: a ruína da lingueta se
deveu a uma sobreposição de 3 fatores – atrito crescente nos apoios deslizantes, esmagamento do concreto à
compressão, eventualmente com fadiga e defeitos de concretagem.
Às vezes é necessário monitorar parte de estrutura em alguma fase da reconstrução para melhorar as informações.
Foi o que foi feito no macaqueamento, quando decidimos acompanhar o retorno das deformações plásticas na seção
do tabuleiro, a 10m do apoio contínuo, que plastificou, escoando a armadura e esmagando o concreto da laje
inferior. Felizmente os talões foram salvos pelas armaduras transversais que os confinaram.
O retorno das deformações plásticas permitiu avaliar as deformações durante o acidente, mas mesmo assim decidiu-
se fazer uma tomografia comparativa dos talões que sofreram, com alguns fora de região plastificada.
2.Histórico das atividades mais importantes até hoje.
2.1Inspeção de 15/11/18 e decisões tomadas – Kalil Skaf
- Lingueta rompida? Porque?
- Seção transversal danificada a 10m do apoio continuo sobre o
P8. Fissuras grandes na laje superior que atravessaram o asfalto e
esmagamento da laje de fundo. Fissuras de 5mm no fundo da laje
superior.
- Decisão imediata – escorar os vão P9 a P8 eP8 a P7.
- Em função de existência de lingueta equivalente à do P9, escorar trecho próximo ao P5, na outra extremidade da
estrutura.
1. Começar o macaqueamento lentamente, não passando de 1cm de levantamento e 100tf no conjunto de macacos
principais.
2. Verificar carga e levantamento da viga auxiliar. Desejável bem aliviada e levantamento liberado. Eventual
acionamento dos macacos até 3x70tf para liberar apoio preso.
3. Dar mais um passo de 1cm. Se não liberar levantamento, acionar operação de limpeza da junta até liberação.
4. Com a junta liberada, completar o 1º passo de levantamento de 5cm. Acompanhar com macaco auxiliar sem força.
5. Ajustar forcados das torres de forma a eliminar folgas no vão que cedeu.
6. Afrouxar forcados das torres do vão vizinho de forma a zerar forças.
7. Executar o segundo passo de 5cm. Acompanhar com macaco auxiliar sem força.
8. Ajustar forcados dos 2 vãos – eliminar folgas no vão sendo macaqueado e afrouxar forcados no vão vizinho.
9. Acompanhar medidas dos LVDTs da seção fissurada.
10. Repetir os passos 7, 8 e 9 mais 4 vezes, executando os passos 3º, 4º, 5º e 6º.
11. Se nada inesperado ou preocupante ocorrer, prosseguir com os passos seguintes, 7º em diante, agora de 10cm, até
o 19º.
12. O macaqueamento termina quando o pavimento estiver alinhado na junta, recuperando total a queda.
13. Medir a força nos macacos do apoio principal e retirá-los, deixando a estrutura escorada na fogueira da Protende.
14. Como a estrutura ficará assim por um bom tempo (2 ou 3 meses), sob efeitos de temperatura e proteção dos cabos
externos adicionais, o apoio principal deve ser deslizante.
15. A viga auxiliar pode ser encunhada sem carga.
3.Projeto de reposicionamento e reforço
3.1Verificação, por cálculo, da operação de macaqueamento.
Vão acidentado
227 m
P1
P5
P9
P11
62,5 m 51 m
• Concreto
• Pilares: fck = 15 MPa
• Superestrutura: fck = 30 MPa proj
35 MPa testemunho Armadura ativa
• Armadura passiva CP-160/180: fpyk = 1600 MPa ; fptk = 1800 MPa
• CA-50: fyk = 500 MPa Cabos de 27 cordoalhas de 12,5mm
Projeto original da Cablagem – cabos de 231 m com
31 cordoalhas de 12,5mm.
As built da Cablagem - Tomografia
3x6 cabos com 27 cordoalhas de 12,5mm 3x2 cabos com 27 cordoalhas de 12,5mm
840 tf 2628 tf
8760 tf.m
Esforços – ao longo da queda
•Queda de 50cm (Formação da rótula plástica) MP = 8200 tfm –
8200
•Queda de 160cm
8200
Seção considerada para calcular o momento de plastificação.
•Retirado o macaco e o viaduto volta a ser apoiado pelo pilar – carga permanente
•ELU – TB450 – com coeficiente de impacto – max e min - (coeficientes γf reduzidos) – gg=1,2 e gq=1,35
Pequena deficiência no
Momento Negativo sobre
o pilar P8 – Reforço a ser
executado após liberação
parcial do tráfego.
Atividades seguintes -
Do lado P10, troca do A. de Apoio existente (normal) exigiu levantamento do vão adjacente com esquema
de macaqueamento abaixo. Foi necessário reparar o fundo da lingueta, com cobrimento insuficiente e
armadura corroída.
3.4Reforço da seção danificada