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NOTA PRÉVIA SÔBRE O REAGRUPAMENTO DAS FÔRÇAS

POLÍTICAS BRASILEIRAS, EM 19641


San Tiago Dantas2

1. A presente situação política do País pode evoluir no sentido de um


restabelecimento da legalidade democrática em toda a sua amplitude, ou de um reforço
da autoridade militar, com redução das características do regime democrático preservados
pelo Ato Institucional. As tendências pessoais do Presidente da República e de seu
Ministério parecem favorecer a primeira alternativa, mas nada impede que as
circunstâncias venham a operar em favor da segunda e que os próprios responsáveis pelo
Govêrno sejam levados a uma revisão de atitude
Por outro lado, não obstante a prorrogação até 1966 do mandato do atual Presidente,
tudo indica o risco de uma crise institucional por ocasião de sua sucessão, com a
apresentação de candidaturas militares, cuja confrontação se fará mais em termos de
prestígio político-militar do que popular e partidário.
2. A fim de evitar esses desenvolvimentos, que podem ser perigosos à sobrevivência
do regime democrático representativo, e também a fim de assegurar, e se possível acelerar
a redemocratização do País, as forças políticas devem unir-se num esforço comum de
revisão das estruturas partidárias hoje existentes, as quais atestam, em grande parte,
episódios políticos já superados, contemporâneos, em sua maioria, do fim do Estado
Nôvo.
3. A fundação pura e simples de um nôvo Partido não atende ao objetivo da
reestruturação. Em sua maioria, os homens públicos de maior expressão estão ligados aos
Partidos por vínculos de natureza regional, e alguns deles por participação na liderança
nacional. Ser-lhes-ia muito difícil abandonar os quadros a que pertencem e pelos quais
são responsáveis. A solução mais indicada parece ser a criação de uma união de forças
políticas em que se integrem, não os Partidos, mas os homens públicos
independentemente do Partido a que pertencem, com ou sem desvinculação dos quadros
deste. Dessa maneira, seria possível a cada político resolver, de acordo com o seu próprio
interesse e posição, seu grau de participação na Aliança ou União, desligando-se do seu
Partido de origem, ou permanecendo nêle, com uma espécie de dupla nacionalidade
partidária. A fórmula é de transição, e provavelmente conduzirá, sob o império das
circunstâncias, à criação do Partido novo.
4. Quanto ao seu objetivo, a União ou Aliança deveria eximir-se de qualquer atitude
antecipada de apoio ou oposição ao atual Govêrno. Se surgisse como força de apoio, os
políticos que a ela se filiassem e que hoje integram Partidos independentes ou de
oposição, não escapariam à acusação de adesismo, o que lhes tolheria a iniciativa. Se
surgisse como força de oposição, iria dificultar a participação de numerosos políticos hoje

1
Artigo publicado 11 de setembro de 1964 no Jornal do Brasil, cinco dias após a morte de San Tiago
Dantas.
2
Foi um jornalista, advogado, professor e político filiado ao PTB.
inscritos na União Democrática Nacional, ou que, mesmo sob outras legendas, dão apoio
ao Presidente Castelo Branco.
A questão do apoio ou oposição ao Govêrno deverá, por conseguinte, resultar do
comportamento ulterior da União ou Aliança, a qual se definirá e caracterizará por
objetivos de outra natureza, mais programáticos e doutrinários.
5. O primeiro desses objetivos parece dever ser o programa de reformas, dentro de
uma conciliação histórica e institucional com o regime democrático e representativo.
Quer quanto à reforma agrária, que repercute de maneira mais direta na estrutura social,
quer quanto a reformas técnicas e administrativas como a bancária, a tributária e a do
Serviço Público, quer quanto a reformas de natureza política como a constitucional e
eleitoral, a União deve assentar certo número de princípios e objetivos, com bastante
latitude para permitir a inclusão em seus quadros de homens e forças de posições
doutrinárias diferentes, mas com bastante precisão para caracterizá-la como um
agrupamento reformista e progressista, objetivando a modernização do País e a
implantação através do voto, de uma democracia social.
6. O segundo objetivo pode referir-se ao próprio regime. Tudo indica que a oposição
entre parlamentarismo e presidencialismo perdeu, nos dias de hoje, o radicalismo que lhe
era atribuído pelos antigos constitucionalistas, e que as duas formas de govêrno se
combinam em tipos complexos, permitindo o aproveitamento das qualidades positivas de
uma e de outra. A criação de um Govêrno de Gabinete sujeito à queda pelo voto de
desconfiança e com apresentação ao Congresso de todos os membros do Gabinete não
consulta as necessidades de estabilidade administrativa do Estado moderno. Por outro
lado, a manutenção do regime presidencialista, com poderes quase autocráticos do
Presidente da República, parece conduzir a uma luta de poder que intermitentemente
rompe as fronteiras da legalidade e expõe o País ao risco do golpe de Estado.
Uma associação inspirada na experiência alemã e na observação da realidade
brasileira, poderia consistir no regime em que tanto o Presidente da República como o
Chefe do Govêrno fossem escolhidos pelo Congresso mediante eleição, cabendo ao
Presidente da República propor ao Congresso o nome que este sufragará ou não para a
chefia do Govêrno. O chefe do Govêrno, uma vez eleito e investido, forma o Ministério
com Ministros de sua confiança, responsáveis perante êle. A substituição do Chefe de
Govêrno depende de eleição prévia do seu substituto, por proposta do Presidente da
República ou, em determinados casos, por iniciativa do próprio Congresso.
7. Um terceiro objetivo poderá ser a reforma do sistema eleitoral vigente no País.
Essa reforma, já considerada hoje necessária, torna-se indispensável se o regime passa a
repousar predominantemente no Congresso, na forma exposta no item anterior. Seria
conveniente associar o sistema proporcional à representação por distritos, de modo que a
Câmara se compusesse de deputados eleitos por distritos, segundo o princípio majoritário,
e de deputados eleitos por circunscrição de âmbito mais largo, ou seja, pelos Estados,
segundo o princípio proporcional.
8. A esses objetivos ainda pode ser acrescentada, pela atualidade e pelo interesse
que desperta o tema, a reorganização da própria instituição legislativa, de modo a
dinamizar o trabalho parlamentar, sem entretanto favorecer a elaboração de leis de
afogadilho. Estudos já se acham feitos na Câmara e no Senado, que poderão ser
aproveitados para fixação dos lineamentos de uma reforma que consulta amplamente a
opinião dos meios políticos atuais

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