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O homem trocado
- Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos…
E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca
de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de orientais, que
nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto o
erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o pai
abandonara a mulher depois que esta não soubera explicar o nascimento de um bebê
chinês.
Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não fazia. Fizera o
vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na universidade. O computador se
enganara, seu nome não apareceu na lista.
- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês passado tive
que pagar mais de R$ 3 mil.
Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram felizes.
- Por quê?
- Ela me enganava.
Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas que não
fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico dizer:
- O senhor está desenganado.
Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma simples
apendicite.
Atividade
a) Troca na maternidade
c) Engano do cartório.
d) Engano do computador
f) Engano do médico
Gabarito:
b- O marido a abandonou.
f- Este lhe dissera que ele estava desenganado, ou seja que o paciente estava prestes a
morrer.
5) Porque ele sabe que sempre acontecem enganos com ele, então, certamente, ele não
estaria “desenganado” e, consequentemente, sua doença teria cura.
6) Porque o texto apresenta o personagem como vítima de enganos durante toda a sua
vida. O médico, ao dar seu diagnóstico, usa exatamente um termo derivado dessa
palavra, com um prefixo de negação (des), logo significaria que ele não estaria
enganado.
A última crônica
A Última Crônica
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão.
Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria
de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do
irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de
seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida.
Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num
flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico,
torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar,
curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança:
“assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço
então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas
de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção
de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três
anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à
mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade
ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
SABINO, Fernando. A última crônica. In: Para gostar de ler – Crônicas. São Paulo:
Ática, 1981.
1..Identifique:
Foco narrativo: 1ª pessoa :narrador-personagem
Cenário: um botequim na Gávea
Tempo: alguns minutos (a cena se passa enquanto o narrador toma um café).
Personagens principais: narrador, família(pai, mãe, menina)
2..Qual a profissão do narrador? Retire um trecho do texto que justifique sua resposta.
Escritor. “Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me
assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do
pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um.
3.Ele conta que entrou no botequim para tomar um café. Mas qual era o real motivo?
Ele estava sem ideia para escrever uma crônica, adiava o momento.
4.Releia o trecho “Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição
tradicional da família, célula da sociedade.”
a) Quem são esses “três esquivos”? Um homem, sua mulher e a filhinha de uns três
anos, uma família simples e pobre.
b) O que eles estão fazendo ali? Queriam comemorar o aniversário da menina.
OUTRAS QUESTÕES:
Atividades:
1) Que tipo de narrador o texto “A última crônica” apresenta? Justifique sua resposta.
3) Sobre o trecho: “Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição
tradicional da família, célula da sociedade.”, responda:
a) Quem são esses “três esquivos”?
b) Onde eles estão?
c) Levante hipóteses a respeito do que eles estão fazendo ali.
6) Observe que ao descrever a cena que está diante dos olhos, o narrador-personagem
questiona: “Por que não começa a comer?” Por quê? Levante hipóteses.
7) Em “Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto
ritual.”, a expressão destacada será revelada mais adiante. O que representa esse ritual?
Quais são os elementos que compõem esse ritual?
Ousadia
( Fernando Sabino)
A moça ia no ônibus muito contente desta vida, mas, ao saltar, a contrariedade se
anunciou:
– A sua passagem já está paga – disse o motorista.
– Paga por quem?
– Esse cavalheiro aí.
E apontou um mulato bem-vestido que acabara de deixar o ônibus, e aguardava com um
sorriso junto à calçada.
– É algum engano, não conheço esse homem. Faça o favor de receber.
– Mas já está paga…
– Faça o favor de receber! – insistiu ela, estendendo o dinheiro e falando bem alto para
que o homem ouvisse:
– Já disse que não conheço! Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando, o senhor não
está vendo? Vamos, faço questão que o senhor receba minha passagem.
O motorista ergueu os ombros e acabou recebendo: melhor para ele, ganhava duas
vezes.
A moça saltou do ônibus e passou fuzilando de indignação pelo homem. Foi seguindo
pela rua, sem olhar para ele.
Se olhasse, veria que ele a seguia, meio ressabiado, a alguns passos.
Somente quando dobrou à direita para entrar no edifício onde morava, arriscou uma
espiada: lá vinha ele! Correu para o apartamento, que era no térreo, pôs-se a bater,
aflita:
– Abre! Abre aí!
A empregada veio abrir e ela irrompeu pela sala, contando aos pais atônitos, em termos
confusos, a sua aventura:
– Descarado, como é que tem coragem? Me seguiu até aqui!
De súbito, ao voltar-se, viu pela porta aberta que o homem ainda estava lá fora, no
saguão. Protegida pela presença dos pais, ousou enfrentá-lo:
– Olha ele ali! É ele, venham ver! Ainda está ali, o sem vergonha. Mas que ousadia!
Todos se precipitaram para a porta. A empregada levou as mãos à cabeça:
– Mas a senhora, como é que pode! É o Marcelo.
– Marcelo? Que Marcelo? – a moça se voltou, surpreendida.
– Marcelo, o meu noivo. A senhora conhece ele, foi quem pintou o apartamento.
A moça só faltou morrer de vergonha:
– É mesmo, é o Marcelo! Como é que eu não reconheci! Você me desculpe, Marcelo,
por favor.
No saguão, Marcelo torcia as mãos, encabulado:
– A senhora é que me desculpe, foi muita ousadia…
3) A sequência de fatos que mantêm entre si uma relação de causa e efeito constitui
o enredo. Identifique no enredo da crônica:
4) Tema e título:
O título da crônica é “Ousadia”. Explique por quê. A moça considera uma ousadia um
“desconhecido” pagar sua passagem e segui-la até sua casa.
5) Humor:
a) De que recursos se serviu o autor para criar o humor presente na crônica? (0,25)