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UNIRIO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO

BENJAMIN SOARES DE AZEVEDO NETO

COBERTURA SECURITÁRIA NA LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE


SEGURADORA: EFEITOS PERVERSOS E POSSÍVEIS REMÉDIOS

RIO DE JANEIRO
2018
BENJAMIN SOARES DE AZEVEDO NETO

COBERTURA SECURITÁRIA NA LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE


SEGURADORA: EFEITOS PERVERSOS E POSSÍVEIS REMÉDIOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso


de Direito da Escola de Ciência Jurídicas da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), como
requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Direito.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Júlio da Trindade Junior

RIO DE JANEIRO
DEZEMBRO DE 2018
BENJAMIN SOARES DE AZEVEDO NETO

COBERTURA SECURITÁRIA NA LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE


SEGURADORA: EFEITOS PERVERSOS E POSSÍVEIS REMÉDIOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de


Direito da Escola de Ciência Jurídicas da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovado em de dezembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

Orientador:

_____________________________________

Prof. Dr. Roberto Júlio da Trindade Junior (UNIRIO)

Membros da Banca Examinadora:

_____________________________________

Prof. Dr.

_____________________________________

Prof. Dr.
Dedico este trabalho à minha família, grande
incentivadora de nosso esforço.
Agradecimentos

Faço um especial agradecimento a todos os professores


que me trouxeram até aqui e em especial ao meu orientador
pelo apoio decisivo e valiosos ensinamentos.
“O importante é aprender com as dificuldades e
sempre ver nas dificuldades uma oportunidade. ”

Jorge Paulo Lemann


RESUMO
Este trabalho busca jogar luz sobre efeitos perversos que podem atingir o
segurado, na eventualidade da seguradora com a qual havia contratado seguro, vir
a sofrer liquidação extrajudicial. Este procedimento excepcional, de natureza
administrativa, é aplicado ao sistema financeiro e em particular ao mercado de
seguros, em substituição à falência, sendo conduzido sob o comando do supervisor
do sistema, no caso a SUSEP – Superintendência de Seguros Privados. Duas
situações negativas para o segurado são as mais críticas. A primeira é o
rompimento imediato dos contratos, fazendo com que as coberturas contratadas e
pagas, deixem de valer com a liquidação extrajudicial, ficando o segurado
desassistido em caso de sinistro. A outra situação diz respeito à ordem de
prioridade do pagamento de credores na liquidação extrajudicial. O ordenamento
legal prevê que créditos trabalhistas e fiscais são pagos antes dos créditos de
seguros, embora o mesmo ordenamento preveja a manutenção pelas seguradoras
de ativos garantidores vinculados as provisões técnicas correspondente aos riscos
assumidos. Nos dois casos o tratamento previsto não está alinhado com a defesa
dos bens jurídicos protegidos pela regulação do mercado de seguros, exatamente a
proteção ao segurado e a confiança do público no sistema de seguros. O objetivo do
estudo é identificar possíveis alterações no regramento que possam evitar ou
mitigar esses efeitos negativos, buscando inspiração em outros mercados
regulados, como bancos e seguro saúde suplementar, bem como pesquisando
eventuais esquemas de proteção ao segurado em outros países. Como resultados
desta pesquisa são apontadas algumas estratégias capazes de atingir o objetivo
proposto. A implementação não é fácil. Demanda mudanças legislativas, sempre
difíceis. Requer fazer a composição entre interesses divergentes entre as entidades
supervisionadas. As maiores e mais sólidas tendem a se opor, pois estes
mecanismos podem diminuir sua vantagem competitiva. Resta ainda definir o
esquema de custeio desta proteção, quando a entidade liquidanda não dispõe de
recursos nem tampouco o poder público, e nem seguradoras nem segurados
querem arcar com custos extras. Apesar de tudo, estas dificuldades podem ser
vencidas, com o uso combinado dos remédios apontados.

Palavras-chave: Seguros. Segurado. Liquidação extrajudicial. Classes de credores.


Prioridade de pagamento.
ABSTRACT

This study aims to evidence perverse effects that may affect policyholders, in
the event of forced resolution of their insurer of choice in Brazil. The extrajudicial
liquidation process is an exceptional procedure, of administrative nature, applied to
insolvency cases in insurance market, as well financial market as a whole, instead of
regular bankruptcy procedures. Insurance supervisor, SUSEP commands the
procedure regarding insurers. Two negative situations affect policyholders in that
scenario. First one is the immediate cancellation of insurance contracts when
liquidation is determined, and policyholder is left unassisted in case a sinister occurs
before a new insurance is hired somewhere else. The second situation regards to
the payment priority legal rules in the liquidation process, which are the same rules
for bankruptcy. Workers and tax credits are paid before insurance credits, despite
these have specific assets tied to technical provisions. In both cases, current rules
do not comply with the protection of main legal values regarding insurance
regulation, exactly policyholder protection and public confidence on the insurance
market. Other markets, as banks and health plans, as well as foreign insurance
policyholders protection schemes suggest possible adjustments in the legislation that
may avoid or mitigate those negative effects. As a result, research eventually has
produced a list of possible remedies, that achieve the goal set. Implementation is not
easy. It requires legal changes, always hard to make. It demands also a composition
of opposite interest of insurers, larger and more reliable companies seeing their
competitive advantage diminishing. Finally, it´s necessary to fund the protection
schemes, in situations where the company under resolution doesn´t have the funds,
neither do public administration, nor insurers and policyholders wish to pay for that.
Despite all, these roadblocks can be overcome, by the combined use of suggested
remedies.

Keywords: Insurer resolution. Policyholder. Protection schemes. Payment priority


classes.
LISTA DE SIGLAS E TÍTULOS ABREVIADOS

ANS: Agência Nacional de Saúde Suplementar.

BR: Brasil.

BCB: Banco Central do Brasil.

CDC: Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90.

CMN: Conselho Monetário Nacional.

CNSP: Conselho Nacional de Seguros Privados.

CVM: Comissão de Valores Mobiliários.

FGC: Fundo Garantidor de Créditos.

FGS: Fundo de Garantia de Seguros (proposta deste trabalho).

Lei de Falências: Lei 11.101/2005.

OCDE: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

OECD: Organisation for Economic Cooperation and Development.

PT: Português.

SUSEP: Superintendência de Seguros Privados.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Entidades em Liquidação Extrajudicial pela SUSEP (Nov/2018) 32

Figura 2 Cartão CNPJ do FGC Fundo Garantidor de Crédito 50

Figura 3. Balanço Patrimonial FGC Setembro/2018 51


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 24

2 REFERENCIAL TEÓRICO - MARCO LEGAL DOS SEGUROS 29


2.1 DEFINIÇÕES CONSTITUCIONAIS 29
2.2 CÓDIGO CIVIL 30
2.3 DECRETO-LEI 73/66 30
2.4 LEI 6.024/74 E O INSTITUTO DA LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL 32
2.5 LEI 10.190/01: CRÍTICA À TÉCNICA LEGISLATIVA 35
2.6 RESOLUÇÃO CNSP 335/2015 37

3 EFEITOS PERVERSOS DA LIQUIDAÇÃO E SUA MITIGAÇÃO 40


3.1 EFEITOS PERVERSOS AOS SEGURADOS NA LIQUIDAÇÃO 40
3.2 POSSIBILIDADES DE MITIGAÇÃO DESTES EFEITOS 41

4 PROTEÇÃO AO SEGURADO NA LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL 43


4.1 TUTELA DO INTERESSE DO SEGURADO COMO PRINCÍPIO CENTRAL 45
4.2 VINCULAÇÃO DOS ATIVOS GARANTIDORES 47
4.3 FUNDO GARANTIDOR SECURITÁRIO 49
4.4 TRANSFERÊNCIA DE CARTEIRAS 54
4.5 PERÍODO DE GRAÇA PARA AS COBERTURAS DE SEGURO 55

5 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO 58
5.1 RISCO MORAL 59
5.2 RISCO DE JUDICIALIZAÇÃO 60

6 CONCLUSÃO 61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 64
12

1 INTRODUÇÃO

O destinatário final da regulação do mercado de seguros é o segurado, a


quem a legislação e as normas infralegais buscam proteger. A Superintendência de
Seguros Privados (SUSEP) é autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda com a
missão de supervisionar, fiscalizar e regular o mercado nacional de seguros, zelando
pela defesa dos interesses dos consumidores dos mercados supervisionados.
Autoriza o funcionamento de seguradoras e impõe a manutenção de capital e ativos
garantidores suficientes face às provisões técnicas para fazer frente aos
compromissos decorrentes dos riscos assumidos em contratos de seguro.

As seguradoras, como o sistema financeiro como um todo, não estão sujeitas


a pedido de falência por eventuais credores, sendo que no caso de condição de
insolvência ou violação de normas legais e estatutárias por seus administradores, a
SUSEP pode aplicar medidas excepcionais, conhecidas como regimes especiais,
dentre as quais a mais grave é a liquidação extrajudicial. Na liquidação extrajudicial
a SUSEP nomeia um liquidante que vai conduzir o processo de levantamento dos
ativos e habilitação dos credores, para em etapa subsequente realizar os ativos e
pagar os credores, na ordem definida em lei, e de acordo com capacidade da
massa.

O tema principal de atenção deste trabalho é a situação do segurado em


decorrência da liquidação extrajudicial de uma seguradora. Embora a proteção dos
interesses do segurado fosse o bem maior tutelado pela regulação do mercado de
seguros, a legislação determina que com a decretação da liquidação extrajudicial
são rompidos os contratos em vigor da seguradora, incluindo os contratos de
seguro. Com isto, repentinamente, todo o conjunto de seus segurados
imediatamente está sem a proteção das coberturas contratadas e pagas, gerando
naturalmente a frustração das legítimas expectativas de segurança patrimonial que o
segurado buscou com a contratação do seguro. Sinistros ocorridos a partir da
liquidação não contam com a cobertura regularmente contratada, podendo abalar a
confiança popular e trazer percepção de descrédito do consumidor com relação ao
mercado segurador.
13

Tema acessório é o fato que, não obstante a regulamentação do mercado de


seguros prever a constituição de reservas técnicas vinculadas às provisões para
pagamento de indenizações de seguro, na liquidação extrajudicial o pagamento aos
credores obedece à ordem de prioridades estabelecida na Lei 11.101/2005 (Lei de
Falências), que privilegia débitos trabalhistas e tributários, cujo pagamento antecede
ao pagamento de indenizações securitárias devidas por sinistros anteriores à
liquidação que estejam ainda pendentes de pagamento. Os ativos garantidores das
provisões técnicas são utilizados para pagamento de credores trabalhistas e fiscais
antes de servirem ao pagamento de sinistros, ignorando a razão fundamental da
constituição destas reservas e dando-lhes outra destinação.

O presente estudo, de natureza propositiva, levanta e analisa possíveis


remédios para esta situação de inadequação do ordenamento regulatório ao
atendimento prioritário do interesse primeiro da regulação, que deveria ser a
proteção ao segurado, mas efetivamente não o faz. Para garantir justa proteção ao
segurado nos casos de liquidação extrajudicial, será necessário alterar e aperfeiçoar
o regramento legal da regulação de seguros para que se chegue ao objetivo
desejado.

O estudo teve como resultado a identificação de algumas alternativas


concretas que podem levar à correção da presente inadequação, apontando as
alterações normativas necessárias para sua efetivação.

Esta pesquisa está delimitada especificamente aos efeitos sobre segurados


no sentido estrito, clientes do mercado de seguros, adquirentes de coberturas em
seguradoras autorizadas, que venham a sofre liquidação extrajudicial. As conclusões
podem, em estudos futuros, ser estendidas aos demais segmentos regulados pela
SUSEP, ou seja, resseguros, capitalização e previdência complementar aberta.

Da mesma forma, não foram objeto do presente estudo os demais regimes


especiais aplicáveis ao mercado supervisionado pela SUSEP além da liquidação
extrajudicial, a saber a direção fiscal, a intervenção e a liquidação ordinária. Tais
situações foram excluídas pois seus efeitos são diversos dos efeitos da liquidação
extrajudicial que é o objeto de atenção no presente trabalho.
14

O problema de pesquisa consiste em buscar remédios que não só protejam


mais efetivamente os direitos dos segurados nas liquidações extrajudiciais, mas que
também tragam esta proteção rapidamente, idealmente quase de imediato.

Para tal, foi trazida a base jurídica para cada situação prejudicial ao segurado,
de modo que fossem identificadas estratégias para eliminação dos problemas, com
a delimitação precisa de itens de normas que precisariam ser alteradas para melhor
atender o interesse do segurado de seguradora que venha a ser liquidada
extrajudicialmente.

A justificativa para o presente trabalho é, assim, a necessidade de


preservação do principal bem jurídico tutelado pela supervisão do mercado de
seguros, a defesa dos segurados, garantindo que seja efetiva a proteção dos
segurados contra risco insuportável contra o qual tenha contratado seguro, para isto
cuidando da solidez do mercado segurador e do rigoroso cumprimento pelas
seguradoras das suas obrigações. Com mais motivo, no evento extremo da
liquidação extrajudicial de seguradora por insolvência ou grave descumprimento de
suas obrigações legais e/ou normas prudenciais, deve haver a preocupação legal de
que os segurados não fiquem expostos a incertezas nem a prejuízos que pudessem
ser evitados por regras legais mais adequadas.

O objetivo geral do trabalho é encontrar remédios, através de ajustes da


legislação e regras infralegais da regulação de seguros, para evitar ou minimizar os
prejuízos aos segurados que são impostos pelo ordenamento vigente no caso de
decretação de liquidação extrajudicial de uma seguradora.

A pesquisa desenvolvida, de natureza aplicada, com abordagem qualitativa,


sistematizou as informações necessárias para a solução dos problemas específicos
visados no presente trabalho, com fins exploratórios e adotando metodologia
propositiva para o seu desenvolvimento, com base em experiência pessoal e
também em pesquisa bibliográfica, buscando também soluções já aplicadas para os
problemas sobre os quais nos debruçamos, inclusive em outros países.

É parte desta experiência o trabalho da Coordenação de Acompanhamento


de Liquidações da SUSEP desde 2012, com extenso contato durante todo este
período com diretores, gerentes e servidores da SUSEP, bem como com liquidantes
15

em exercício em diversas entidades em liquidação acompanhadas pela referida


coordenação. Deste contato resultou profícuo diálogo, para além do mero
acompanhamento, com intercâmbio de ideias quanto a possíveis aperfeiçoamentos
nas regras regulatórias, que foi inspiração para a escolha do tema.

Trabalho acadêmico anterior, AZEVEDO NETO (2015), dissertação de


Mestrado em Administração Pública da FGV/EBAPE, trouxe extenso levantamento
entrevistando todos os liquidantes então em exercício em entidades supervisionadas
pela SUSEP para identificação dos principais problemas na visão dos que
conduziam diretamente estas liquidações. Foram ouvidos na época também
gestores da SUSEP e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para a
visão do regulador em dois setores com muitas semelhanças (o segmento de saúde
suplementar era supervisionado pela SUSEP até a criação da ANS em 1998). Esta
dissertação já trazia algumas propostas voltadas para o problema de pesquisa aqui
enfrentado e serviu como referência para o presente trabalho.

A experiência do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) do mercado bancário


também foi utilizada como base para mecanismo similar para seguros. Criado em
1995, o FGC é hoje mecanismo consolidado e que traz expressiva tranquilidade
para correntistas e, também, para o próprio BCB.

Apesar da escassez de produção bibliográfica específica sobre o tema de


liquidações extrajudiciais, em especial da proteção ao segurado na ocorrência de
liquidação, destacou-se na pesquisa bibliográfica importante trabalho1 da
Organisation for Economic Cooperation and Development (OECD2) que tabulou
diversos esquemas de proteção a segurados praticados em diferentes países,
enriquecendo a análise com formatos já postos em funcionamento em outros países.

Este conjunto de experiências práticas, sugestões de profissionais envolvidos


em liquidações extrajudiciais e ainda soluções adotadas em outros países confirmou
e estendeu as proposições heurísticas que motivaram originalmente a escolha deste
tema para estudo e solução.

1
OECD. Policyholder Protection Schemes: Selected Considerations. Paris, 2013. Referência
completa na seção de Referências Bibliográficas.
2
A OECD é conhecida também pela sigla OCDE correspondente à sua denominação em
português: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
16

Este trabalho de conclusão de curso está estruturado em quatro capítulos


principais:

O capítulo 2 REFERENCIAL TEÓRICO - MARCO LEGAL DOS SEGUROS


contextualiza alguns conceitos básicos relativos ao seguro, o marco regulatório
vigente e as competências da SUSEP, dentre elas conduzir a liquidação extrajudicial
de seguradora por insolvência ou grave descumprimento das normas e obrigações.

O capítulo 3 EFEITOS PERVERSOS DA LIQUIDAÇÃO E SUA MITIGAÇÃO


aborda a liquidação extrajudicial e as consequências da mesma para o segurado.
Nele são explicitados os efeitos perversos sobre o segurado, relacionando tais
efeitos com a norma que os determina, de modo que se fosse clarificando o que
precisaria ser mudado no ordenamento para garantir proteção ao segurado.

O capítulo 4 PROTEÇÃO AO SEGURADO NA LIQUIDAÇÃO


EXTRAJUDICIAL analisa possíveis remédios, construídos heuristicamente ou por
analogia com outros setores regulados, ou remédios colhidos diretamente de
experiência internacional trazida pela pesquisa bibliográfica. Para cada alternativa
de remédio foi analisada a eficácia com ela solucionaria os problemas de pesquisa,
e o que precisa ser alterado no ordenamento para sua implementação.

O capítulo 5 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO traz a consolidação das


sugestões de intervenção, a partir da comparação entre as diferentes alternativas
analisadas e da verificação da possível compatibilidade e complementariedade entre
as alternativas para adoção em comum de mais de uma delas, de forma a chegar a
uma conclusão final mais adequado do que qualquer uma isoladamente, traduzida
na proposta de intervenção.

Finalmente em 6 CONCLUSÃO, tem-se um resumo das propostas de


intervenção apresentadas, e rápida referência à discussão crítica sobre técnica
legislativa.
17

2 REFERENCIAL TEÓRICO - MARCO LEGAL DOS SEGUROS

A importância da solidez e higidez do sistema financeiro de modo geral, e da


atividade securitária em particular, justifica a necessidade da regulação estatal
destes setores. Estão envolvidos recursos da economia popular, que devem ser
objeto de proteção, preservando-se a confiança do público no sistema. Necessário
também preservar a estabilidade do sistema, e para isto prevenir a quebra das
instituições através de atenta supervisão prudencial.

A CRFB e o Código Civil trazem conceitos básicos sobre o mercado de


seguros e sua autorização e fiscalização pelo poder público.

A espinha dorsal da regulamentação do mercado de seguros é o Decreto-Lei


73/66, adiante comentado em mais detalhes. Também de especial interesse para o
presente estudo é a Lei 6.024/74, que dispõe sobre a intervenção e a liquidação
extrajudicial de instituições financeiras, sob comando do BCB. Posteriormente a Lei
6.024/74 teve seu alcance estendido às seguradoras e demais mercados regulados
pela SUSEP, por comando da Lei 10.190/01.

Outros instrumentos legais, embora não voltados para o mercado de seguros,


com frequência tem reconhecida sua aplicação às relações entre segurados e
seguradoras, notadamente o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O Projeto de
Lei do Senado 281/2012 prevê explicitar no CDC que “as normas e os negócios
jurídicos devem ser interpretados e integrados da maneira mais favorável ao
consumidor”, ampliando o alcance do artigo 47 do CDC, que fazia idêntica
orientação com relação às cláusulas contratuais, como menciona MOURA (2018,
p.194).

2.1 DEFINIÇÕES CONSTITUCIONAIS

A Constituição Federal em seu artigo 21, inciso VIII, em sua literalidade,


prescreve que compete à União “fiscalizar as operações de natureza financeira,
18

especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de


previdência privada”.

2.2 CÓDIGO CIVIL

O Código Civil traz diversos comandos gerais orientados ao setor de seguros,


dedicando aos seguros o seu Capítulo XV, além de outras menções esparsas.

O Código Civil fixa em seu artigo 757 a macrodefinição do contrato de seguro,


como a “obrigação assumida pelo segurador de, mediante o recebimento de um
prêmio pago pelo segurado, garantir interesse legítimo do segurado contra riscos
pré-determinados”.

O mesmo artigo, em seu parágrafo único, traz a exigência que “somente


poderão operar no mercado de seguro instituições devidamente autorizadas a tal na
forma da lei”.

2.3 DECRETO-LEI 73/66

O Decreto-Lei 73/66 é o normativo central de regência do setor de


seguros, que criou o Sistema Nacional de Seguros Privados, composto
pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), a Superintendência de
Seguros Privados (SUSEP), os resseguradores, as sociedades seguradoras e as
corretoras de seguros.

O CNSP é presidido pelo Ministro da Fazenda; contando ainda com o


Superintendente da SUSEP, substituto eventual do presidente; um representante do
Ministério da Justiça, um do Ministério da Previdência e Assistência Social, outro do
Banco Central do Brasil (BCB) e finalmente um da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM). Em síntese, dentre outras competências, o CNSP fixa diretrizes gerais e
normas da política de seguros privados, além de atuar como instância recursal das
decisões da SUSEP.
19

A SUSEP, autarquia especial vinculada ao Ministério da Fazenda, criada pelo


Decreto-Lei 73/66, é responsável pela supervisão e fiscalização do mercado
de seguros, que inclui seguradoras, resseguradores e corretoras de seguro.
Adicionalmente, também são supervisionados pela SUSEP os mercados de
previdência privada aberta e capitalização, os quais, todavia, não são objeto de
atenção no presente trabalho, pois apresentam diferentes características. Apesar de
algumas atualizações do normativo, a SUSEP não tem muitas das características
das agências reguladoras criadas a partir da década de 1990, como mandatos fixos
e não coincidentes para seus dirigentes, a nomeação mediante sabatina no Senado
e autonomia qualificada. Os dirigentes da SUSEP são nomeados pelo Presidente da
República diretamente, sem sabatina, e não possuem mandato nem estabilidade no
cargo.

O Decreto-Lei 73/66, em seu artigo 24, estabelece que “somente podem


operar em seguros privados Sociedades Anônimas ou Cooperativas”, estas últimas
apenas seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho.

De grande interesse neste trabalho é o artigo 26 do Decreto-Lei 73/66, com a


redação dada pela Lei 10.190/01, que estabelece que as seguradoras não estão
sujeitas à falência. Outro rito é aplicado: a liquidação extrajudicial, procedimento
administrativo, similar ao processo falimentar, dirigido por um liquidante, nomeado
pela SUSEP, que atua na liquidação como se fosse o juiz da falência.

Art. 26. As sociedades seguradoras não poderão requerer


concordata e não estão sujeitas à falência, salvo, neste último caso, se
decretada a liquidação extrajudicial, o ativo não for suficiente para o
pagamento de pelo menos a metade dos credores quirografários, ou quando
houver fundados indícios da ocorrência de crime falimentar.

Naturalmente, sendo autoridade administrativa, a SUSEP não tem de fato


poderes de juiz, atuando como instância administrativa em eventuais recursos de
credores, acionistas e ex-administradores. As liquidações enfrentam, durante seu
processamento, ordens judiciais em desacordo com o regramento da liquidação
extrajudicial, que os liquidantes precisam questionar junto ao juízo que emitiu a
ordem, ou mesmo junto aos tribunais para reversão da mesma. O exemplo mais
frequente deste conflito é a determinação de bloqueio judicial de contas bancárias
20

da massa liquidanda, cujos ativos deveriam estar reservados ao pagamento dos


credores de acordo com a ordem legal de preferência, que resta descumprida se um
credor obtém desta satisfação antecipada de seu crédito.

2.4 LEI 6.024/74 E O INSTITUTO DA LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL

A liquidação extrajudicial é um procedimento administrativo definido na Lei


6.024/74 e aplicável a instituições do mercado financeiro, em particular instituições
do mercado de seguros, em substituição ao instituto da falência. O legislador, em
vista da proteção das economias populares administradas por estas instituições lhes
reservou tratamento específico, com um órgão supervisor e previsões legais
específicas, como o afastamento da aplicação direta da Lei de Falência determinado
pelo Decreto-Lei 73/663:

No mercado de seguro temos na presente data onze seguradoras em


liquidação extrajudicial, conforme a seção Mercado Supervisionado no site SUSEP
(2018). Tabulamos a seguir as informações das entidades hoje submetidas a
liquidação extrajudicial, indicando para cada uma a data de publicação da
decretação da liquidação no Diário Oficial da União, da mais recente para a mais
antiga.

Figura 1. Entidades em Liquidação Extrajudicial pela SUSEP (Nov/2018)

3
Decreto-Lei 73/66, com a redação dada pela Lei 10.190/01: “Art. 26. As sociedades
seguradoras não poderão requerer concordata e não estão sujeitas à falência, salvo, neste último
caso, se decretada a liquidação extrajudicial, o ativo não for suficiente para o pagamento de pelo
menos a metade dos credores quirografários, ou quando houver fundados indícios da ocorrência de
crime falimentar. ”
21

Como se constata diretamente da simples visualização das datas de


decretação constante da Figura 1, os processos de liquidação extrajudicial
costumam estender-se por longo período de tempo, tornando ainda mais relevantes
os possíveis mecanismos que protejam de forma efetiva e imediata os segurados no
caso de liquidações de seguradoras.

A SUSEP na liquidação extrajudicial nomeia um liquidante com amplos


poderes para conduzir o processo de liquidação, com supervisão da SUSEP. O
liquidante tem uma pesada rotina. As liquidações extrajudiciais envolvem complexas
tarefas de levantamento e arrecadação de bens, bem como chamamento para
habilitação de credores para construção do quadro geral de credores. Via de regra
muitos bens estão penhorados. As habilitações devem ser validadas e, se for o
caso, impugnadas. Os credores recorrem dessas impugnações e estes recursos
precisam ser apreciados pelo liquidante, sendo cabível recurso à SUSEP.

Conforme as previsões dos artigos 36 a 38 da Lei 6.024/74, abaixo


reproduzidos, com a decretação da liquidação extrajudicial, ex-administradores ficam
automaticamente com seus bens indisponíveis para apuração de eventuais
responsabilidades pelos fatos que levaram à liquidação e prejuízos à entidade, além
22

de não poderem se ausentar do foro da liquidação extrajudicial sem prévia


autorização do regulador.

Da Indisponibilidade dos Bens

Art. 36. Os administradores das instituições financeiras em


intervenção, em liquidação extrajudicial ou em falência, ficarão com
todos os seus bens indisponíveis não podendo, por qualquer forma,
direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liquidação final
de suas responsabilidades.

§ 1º A indisponibilidade prevista neste artigo decorre do ato que decretar


a intervenção, a extrajudicial ou a falência, atinge a todos aqueles que
tenham estado no exercício das funções nos doze meses anteriores ao
mesmo ato.

§ 2º Por proposta do Banco Central do Brasil, aprovada pelo Conselho


Monetário Nacional, a indisponibilidade prevista neste artigo poderá ser
estendida:

a) aos bens de gerentes, conselheiros fiscais e aos de todos aqueles


que, até o limite da responsabilidade estimada de cada um, tenham
concorrido, nos últimos doze meses, para a decretação da intervenção ou da
liquidação extrajudicial,

b) aos bens de pessoas que, nos últimos doze meses, os tenham a


qualquer título, adquirido de administradores da instituição, ou das pessoas
referidas na alínea anterior desde que haja seguros elementos de convicção
de que se trata de simulada transferência com o fim de evitar os efeitos desta
Lei.

§ 3º Não se incluem nas disposições deste artigo os bens considerados


inalienáveis ou impenhoráveis pela legislação em vigor.

§ 4º Não são igualmente atingidos pela indisponibilidade os bens objeto


de contrato de alienação, de promessa de compra e venda, de cessão de
direito, desde que os respectivos instrumentos tenham sido levados ao
competente registro público, anteriormente à data da decretação da
intervenção, da liquidação extrajudicial ou da falência.

Art. 37. Os abrangidos pela indisponibilidade de bens de que trata o


artigo anterior, não poderão ausentar-se do foro, da intervenção, da
liquidação extrajudicial ou da falência, sem prévia e expressa
autorização do Banco Central do Brasil ou no juiz da falência.

Art. 38. Decretada a intervenção, a liquidação extrajudicial ou a falência,


o interventor, o liquidante o escrivão da falência comunicará ao registro
público competente e às BoIsas de Valores a indisponibilidade de bens
imposta no artigo 36.

Parágrafo único. Recebida a comunicação, a autoridade competente


ficará relativamente a esses bens impedida de:

a) fazer transcrições, inscrições, ou averbações de documentos públicos


ou particulares;
23

b) arquivar atos ou contratos que importem em transferência de cotas


sociais, ações ou partes beneficiarias;

c) realizar ou registrar operações e títulos de qualquer natureza;

d) processar a transferência de propriedade de veículos automotores.

As referências ao Banco Central do Brasil na Lei 6.024/74 na citação acima


devem ser lidas como se feitas à SUSEP no caso de liquidação de seguradoras,
conforme disposto no parágrafo único do artigo 3º da Lei 10.190/01. No próximo item
esta técnica legislativa será comentada.

Em vista dos reflexos patrimoniais e pessoais envolvidos, acionistas e ex-


administradores muito frequentemente recorrem administrativamente à SUSEP, sem
prejuízo de recursos também ao Judiciário para contestar atos do liquidante e da
própria SUSEP, em alguns casos questionando até mesmo a própria decretação da
liquidação extrajudicial.

2.5 LEI 10.190/01: CRÍTICA À TÉCNICA LEGISLATIVA

Este item é dedicado a crítica à técnica legislativa empregada na citada Lei


10.190/01, à qual podem ser atribuídas as deficiências materiais desta legislação.

Técnica legislativa deficiente trouxe conjunto normativo esparso e com pouca


clareza: as disposições não foram consolidadas, distribuídas por diversas leis, A
própria Lei 10.190/01, modificativa por natureza, e voltada ao ajuste do Decreto-Lei
73/66, modificando vários artigos do mesmo, teve seu artigo 3º, de caráter
dispositivo, mantido apenas em seu próprio texto, não criando novo artigo no
Decreto-Lei 73/66, como seria de se esperar.

Outro defeito é que o legislador deixou de analisar aspecto cruciais da lógica


normativa ao aplicar trechos de normas prontas, como a Lei 6.024/74 e a Lei de
Falência. Neste caso, o legislador preferiu, ao invés de fazer norma completa, tomar
emprestado norma similar já existente.

Incorporadas desta maneira, tira-se a clareza das normas aplicáveis, sendo o


leitor obrigado a considerar simultaneamente várias normas, algumas delas em sua
24

redação literal sequer fazem referência ao mercado de seguros e à SUSEP, estando


tal vinculação prevista apenas em norma avulsa.

Um dos exemplos é a aplicação às liquidações extrajudiciais do mercado de


seguros a Lei 6.024/74, que cuida dos procedimentos relativos à liquidação
extrajudicial do mercado bancário, subordinado ao BCB.

Um leitor não familiarizado com a legislação securitária, não encontrará nem


no Decreto-Lei 73/66, nem na Lei 6.024 qualquer referência à sua aplicação também
ao mercado de seguros. A Lei 10.190/01, lei modificativa do Decreto-Lei 73/66, tem
em seu artigo 3º norma dispositiva que determina diretamente a aplicação às
sociedades seguradoras, de capitalização e de previdência privada aberta, no que
couber, o disposto nos artigos 3º a 49 da Lei 6.024/74, que dispõe sobre a
intervenção e liquidação pelo BCB de instituições financeiras.

Art. 3o Às sociedades seguradoras de capitalização e às entidades


de previdência privada aberta aplica-se o disposto nos arts. 2o e 15 do
Decreto-Lei no 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, 1o a 8o da Lei no 9.447, de
14 de março de 1997 e, no que couber, nos arts. 3o a 49 da Lei no 6.024,
de 13 de março de 1974.

Parágrafo único. As funções atribuídas ao Banco Central do


Brasil pelas Leis referidas neste artigo serão exercidas pela
Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, quando se tratar de
sociedades seguradoras, de capitalização ou de entidades de
previdência privada aberta.

Como a 10.190/01 não comandou a inclusão desta disposição no Decreto-Lei


73/66, nem atualizou a redação da Lei 6.024/74 para que nela constasse sua
aplicação ao mercado de seguros, capitalização e previdência complementar aberta,
sob comando da SUSEP, apenas na própria Lei 10.190/01 encontra-se esta
determinação. Criticamos esta técnica legislativa pois na leitura direta da Lei
6.024/74 não encontrará na literalidade da lei nada que a aplique à SUSEP.

Mais grave, porém, é o segundo caso, no qual o legislador ao tomar normas


existentes por empréstimo, simplesmente apontando para elas, não fez parte do
processo de elaboração da norma discutir mais profundamente cada artigo e
incorporar as especificidades do mercado de seguros. O uso de regras prontas de
25

outros dispositivos fez com que fossem ignorados fundamentos básicos do


ordenamento dos seguros.

Como exemplo, as seguradoras devem obrigatoriamente manter vinculados


ativos garantidores das provisões técnicas suficientes para garantia das coberturas
contratadas com seus segurados. Ao prever as prioridades a serem conferidas às
diferentes classes de credores na liquidação extrajudicial, o legislador simplesmente
mandou aplicar o critério da Lei de Falências, a qual naturalmente não prevê
explicitamente tratamento especial aos credores securitários em favor dos quais são
mantidos os ativos garantidores. Tampouco foi explicitado na legislação de seguros
que tais ativos garantidores fossem considerados formalmente garantia real dos
créditos securitários, ou alternativamente fosse estabelecida uma segregação
patrimonial ao estilo do patrimônio de afetação adotado, por exemplo, na
incorporação imobiliária.

O resultado disto é que, a despeito da constituição de reservas voltadas a


garantir a cobertura das provisões técnicas, na liquidação extrajudicial tais reservas
são destinadas prioritariamente ao pagamento de outros créditos, como trabalhistas
e fiscais, em detrimento dos créditos securitários.

As regras da Lei de Falências lá estão colocadas para aplicação geral. Se o


legislador previu que as seguradoras em caso de insolvência não estão sujeitas à
falência, mas sim a procedimento administrativo especial de liquidação extrajudicial,
assemelhado à falência, por que se deveria ficar restrito aos critérios de prioridade
de credores previstos na Lei de Falências, ignorando que nas seguradoras há ativos
garantidores vinculados às provisões técnicas, visando dar segurança jurídica ao
pagamento aos segurados de indenizações e outros valores?

2.6 RESOLUÇÃO CNSP 335/2015

Esta resolução é norma infra legal que dispõe sobre os Regimes Especiais de
Direção Fiscal e de Liquidação Extrajudicial e Ordinária aplicáveis às seguradoras,
sociedades de capitalização, entidades abertas de previdência complementar e
resseguradores locais.
26

Chamamos atenção para seus artigos que regulamentam a prioridade


decorrente da classificação dos créditos na liquidação extrajudicial, presa ao que
determinaram as leis acima referidas. Faremos a transcrição destes artigos com
breves comentários para facilitar o entendimento dos problemas na priorização dos
créditos na liquidação extrajudicial.

A Resolução CNSP 335/2015 no caput de seu artigo 58, a seguir reproduzido,


definiu os créditos de seguros como tendo privilegio especial sobre os ativos
garantidores das provisões técnicas, e não sendo os ativos garantidores suficientes,
os créditos de seguro teriam privilégio geral sobre o restante dos ativos.
Art. 58. Os segurados e os beneficiários que sejam credores por indenização
ajustada ou por ajustar e os participantes, inclusive os assistidos, dos planos
de benefícios terão privilégio especial sobre os ativos garantidores das
provisões técnicas e, caso estes não sejam suficientes para a cobertura dos
direitos respectivos, privilégio geral sobre as demais partes não vinculadas ao
ativo.

A Resolução CNSP 335/2015, no que se refere à ordem de pagamento dos


créditos, por força do disposto no artigo 34 da Lei 6.024/74, remete ao artigo 83 Lei
de Falências, reproduzindo para a liquidação extrajudicial os mesmos critérios da lei
geral, ficando os créditos de seguro como privilégio especial com pagamento
posterior aos créditos trabalhistas, créditos com garantia real e créditos tributários.

Este posicionamento deixa o credito de seguro em desvantagem, inclusive


sendo preterido em relação a estes outros credores mesmo relativamente aos ativos
garantidores de provisões técnicas, que deixam assim de garantir os créditos de
seguro, motivo pelo qual as reservas foram criadas e mantidas. Estas disposições
compõem o artigo 56 da citada Resolução CNSP 335/2015, que em conjunto com a
definição de privilégio especial e geral dada pelo artigo 58 da mesma resolução,
deixa o crédito de seguros em posição de desvantagem em relação a outros
créditos:

Art. 56. A classificação dos créditos na Liquidação Extrajudicial obedecerá


aos comandos previstos nos incisos do art. 83 da Lei nº 11.101, de 09 de
fevereiro de 2005, e suas alterações, observando a seguinte ordem:
I - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a cento e
cinquenta salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de
trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III - créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de
constituição, excetuadas as multas tributárias;
IV - créditos com privilégio especial, assim definidos na legislação civil
e comercial, bem como aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de
retenção sobre a coisa dada em garantia;
V - créditos com privilégio geral, assim definidos na legislação civil e
comercial;
27

VI - créditos quirografários, sendo aqueles não previstos nos demais incisos;


os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens
vinculados ao seu pagamento e os saldos dos créditos derivados da
legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I;
VII - as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais
ou administrativas, inclusive as multas tributárias; e
VIII - créditos subordinados, sendo assim aqueles previstos em lei ou em
contrato e os créditos dos sócios e dos administradores da supervisionada
sem vínculo empregatício.
§ 1º Para os fins do inciso II, será considerado como valor do bem objeto de
garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no
caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente
considerado.
§ 2º Não são oponíveis à supervisionada os valores decorrentes de direito de
sócio ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação.
§ 3º As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as
obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da decretação da
Liquidação Extrajudicial.
§ 4º Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados
quirografários.

Estas disposições derivam do artigo 34 da Lei 6.024, que prevê a aplicação


subsidiária da Lei de Falências, tendo a Resolução CNSP 335/2015 apenas
explicitado a adoção do critério de ordem da Lei de Falências.
Art. 34. Aplicam-se a liquidação extrajudicial no que couberem e não
colidirem com os preceitos desta Lei, as disposições da Lei de Falências
(Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945), equiparando-se ao síndico, o
liquidante, ao juiz da falência, o Banco Central do Brasil, sendo competente
para conhecer da ação revocatória prevista no artigo 55 daquele Decreto-lei,
o juiz a quem caberia processar e julgar a falência da instituição liquidanda.

A alteração desta disposição para garantir maior privilégio ao crédito


securitário dependeria, assim, de mudar-se o artigo 34 da Lei 6.024 para dele retirar
esta submissão à Lei de Falências, especificamente com relação ao critério de
prioridade de pagamento às diferentes classes de credores, reformando-se
conjuntamente as normas infralegais como a Resolução CNSP 335/2015. Prevendo-
se na Lei 6.024 novo critério específico de maior prioridade aos créditos securitários,
deixaria de ser aplicada aos mesmos a ordem de pagamento padrão da Lei de
Falências.
28

3 EFEITOS PERVERSOS DA LIQUIDAÇÃO E SUA MITIGAÇÃO

O problema de pesquisa é reunir opções que possam evitar ou mitigar a


insegurança jurídica e os efeitos perversos em desfavor dos segurados na
eventualidade de liquidação extrajudicial de seguradora.

O setor de seguro tem tratamento específico na legislação exatamente para


preservar os interesses dos segurados, só que faltou cuidar nesta legislação de
prever mecanismos que preservassem estes direitos na liquidação extrajudicial.

Este objetivo aqui perseguido tem relevante importância social, também para
preservação da confiança do público tanto no mercado de seguros em si, como
também confiança do público e do próprio mercado de seguro na atuação regulatória
e fiscalizatória estatal.

3.1 EFEITOS PERVERSOS AOS SEGURADOS NA LIQUIDAÇÃO

São dois os principais efeitos perversos que podem atingir o segurado de


companhia seguradora que venha a sofrer liquidação extrajudicial.

O primeiro efeito perverso é a perda repentina e sem aviso da cobertura


securitária regularmente contratada junto a seguradora, no evento de sua liquidação
extrajudicial, devido ao cancelamento automático e imediato de todas as coberturas.
Fica ele assim sem cobertura que contratou, embora, possivelmente, sem ciência
deste fato. O segurado, além da exposição ao risco de sinistro não coberto, vindo a
saber da liquidação extrajudicial, para ter a continuidade da cobertura desejada, terá
desembolso adicional para contratá-la em outra seguradora.

Isto foge ao sentido último do seguro que seria garantir que, mediante o
pagamento de um pequeno prêmio por cada segurado, pela junção destes
interesses, a seguradora dê cobertura à perda de segurado específico que venha a
ser aleatoriamente afetado por sinistro, evitando que esse segurado tenha perda
individual muitas vezes insuportável.
29

É de extrema relevância social o papel do seguro como mitigador de riscos


individuais, o que deveria ser preservado, na máxima medida possível, também na
liquidação extrajudicial, sem expor os segurados a tão expressiva e danosa
insegurança jurídica.

O segundo efeito perverso é definição de privilégios de ordem dos


pagamentos na liquidação extrajudicial. Créditos securitários decorrentes de
sinistros anteriores à liquidação extrajudicial e ainda pendentes de pagamento são
preteridos por créditos de outros credores, como dívidas fiscais e créditos
trabalhistas, com base na escala de prioridades da Lei de Falências, que, genérica,
ignora a existência, no caso das seguradoras, de ativos garantidores das provisões
técnicas, destinados a garantir o pagamento de débitos securitários.

Do montante de recursos provenientes da arrecadação pela seguradora dos


prêmios pagos por seus segurados, em contrapartida ao risco atuarial agregado
assumido frente a estes segurados, devem ser constituídas pela seguradora
reservas com ativos suficientes para garantia das provisões técnicas decorrentes
dos riscos que a seguradora assumiu. Tais reservas são constituídas e mantidas,
com fiscalização regular, para atender prioritariamente ao pagamento de créditos de
seguro.

Estes dois efeitos perversos mencionados representam frontal contradição


face aos objetivos da regulação do mercado de seguros, que tem como principal
bem jurídico tutelado a defesa dos segurados. Não é razoável que, no evento
extremo da liquidação extrajudicial, os segurados fiquem privados do recebimento
de suas indenizações, ou que seus créditos sejam colocados em menor prioridade
de pagamento face a outros credores, a despeito de ser exigido às seguradoras a
constituição e manutenção de reserva de ativos garantidores para atender
especificamente aos riscos securitários contratados com o público.

3.2 POSSIBILIDADES DE MITIGAÇÃO DESTES EFEITOS

São apresentadas diferentes alternativas para evitar a abrupta suspensão das


coberturas securitárias, como, por exemplo, o estabelecimento de período de graça
30

de alguns dias após a liquidação, a transferência de carteira de clientes e contratos


de seguros para outra instituição autorizada ou a constituição de fundo garantidor
específico para o mercado de seguros.

Está sendo proposta alteração no ordenamento legal que proporcione maior


prioridade na liquidação extrajudicial para o recebimento de indenizações de
sinistros, atribuindo-lhes precedência sobre os demais credores, até o limite dos
ativos garantidores de provisões técnicas, coerentemente com os fundamentos
pelos quais estas reservas foram criadas, ou seja, para garantia de obrigações com
segurados.

Nas seções do capítulo a seguir são apresentadas diferentes possibilidades


de mitigação, trazidas por analogia com soluções adotadas em outros setores da
economia no Brasil, notadamente o mercado bancário e o mercado de assistência
de saúde suplementar, bem como esquemas de proteção ao segurado adotados em
outros países constante do relatório da OECD (2013).
31

4 PROTEÇÃO AO SEGURADO NA LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL

A ideia de proteger economias populares e garantir as expectativas de


segurança por parte de cidadãos que buscam o sistema financeiro e outros setores
da economia com ampla base de consumidores, está na raiz de medidas protetivas
diversas, adotadas no Brasil e no resto do mundo para clientes e associados de
bancos, instituições de previdência, seguradoras, planos de saúde e outros.

A existência de um esquema de proteção aumenta a confiança do público na


indústria financeira, ao prover ao público segurança adicional de que não terá
perdas, ou estas serão limitadas conforme regras pré-definidas.

Esta necessidade de proteção foi considerada pelo legislador, por exemplo,


ao prever supervisão estatal e tratamento legal diferenciado às empresas que
operam neste contexto de captação de recursos do público em troca de garantias e
segurança jurídica, como é o caso no mercado de seguros. As seguradoras não
estão sujeitas à falência por insolvência, mas sim a um tratamento administrativo
especial, a liquidação extrajudicial, conduzida por liquidante nomeado pela SUSEP,
supervisora do segmento.

Para a identificação de possíveis esquemas de proteção aos segurados que


tinham apólices de seguros contratadas em seguradora que tenha decretada sua
liquidação extrajudicial, foram utilizadas diferentes fontes, adiante discriminadas:
medidas protetivas adotadas no Brasil em outros setores; esquemas de proteção a
segurados em outros países; e medidas identificadas na própria experiência da área
de acompanhamento de liquidações da SUSEP.

Com relação a medidas protetivas adotadas em outros segmentos


econômicos no Brasil, destacam-se:

 O mercado bancário tem tido uma experiência positiva com o FGC criado
em 1995, que será abordada em mais detalhes em capítulo próprio. O
fundo hoje cobre depósitos dos correntistas de um banco ou
conglomerado que sofre intervenção até o limite individual de R$ 250.000,
além de estar capitalizado para operações de financiamentos que podem
facilitar o processamento da liquidação extrajudicial e transferências de
carteiras.
32

 A ANS tem como uma de suas políticas a transferência de carteiras e


migração dos associados de plano que esteja em vias de ser liquidado
para outras entidades. Esta estratégia tenta contemplar o interesse
individual dos participantes, ao mesmo tempo em que preserva um valioso
ativo representado pela carteira em si, cuja transferência pode se fazer de
forma onerosa gerando recursos para a liquidanda.

Não se deve, porém, imaginar a transposição direta de qualquer destas


iniciativas, pois cada mercado tem peculiaridades que precisam ser consideradas na
elaboração de um esquema de proteção do consumidor contra liquidação. No
mercado bancário, a grosso modo a proteção equivale a entregar a cada correntista
o saldo que tinha em conta, ou transferir este saldo a outra instituição. No mercado
de assistência suplementar de saúde, proteger o associado implica prioritariamente
em manter sua cobertura, intermediar a transferência dos contratos para outra
operadora ou viabilizar a contratação de novas coberturas em condições análogas.

No mercado de seguros, os objetivos englobam todas as alternativas acima.


Há segurados com sinistros ocorridos e não pagos para os quais se pretende
prioridade entre credores e agilidade no pagamento. De forma geral os segurados se
beneficiam de terem suas coberturas transferidas a outra seguradora, sem perda de
continuidade, evitando o risco do sinistro não coberto. A comunicação ao segurado
da ocorrência da liquidação é outra providência relevante para que este tome as
medidas necessárias para restaurar a proteção que havia contratado.

Quanto à experiência internacional relativa a esquemas de proteção adotados


em outros países, uma fonte muito valiosa é o relatório de esquemas de proteção a
segurados da OECD (2013), com lições de países membros e também alguns outros
selecionados. O estudo em questão é focado no setor de seguros, mas também traz
dados do sistema bancário e de fundos de pensão nos países analisados em moldes
semelhantes ao que se busca neste trabalho, presente a preocupação com a
proteção social nestas situações de quebra de instituições. Este relatório permite
uma visão comparada que traz várias ideias, com a vantagem de que, estando as
mesmas em funcionamento, pode-se ter uma prévia avaliação de sua viabilidade e
efetividade.
33

Evidentemente as diferenças entre as instituições, o ordenamento e a cultura


e situação econômica dos países que constam do estudo igualmente justifica a
cautela na consideração de adoção direta destas soluções.

Finalmente a última fonte de ideias além das fontes citadas, foi a vivência
pessoal de seis anos do autor no acompanhamento de entidades em liquidação da
SUSEP, envolvendo contato direto com gestores, servidores e liquidantes envolvidos
na condução destas liquidações extrajudiciais, permitindo um ponto de vista de
privilegiada proximidade para contribuições adicionais.

Alguns dos mecanismos de proteção adiante sugeridos poderão ser


combinados entre si, como por exemplo a vinculação prioritária de reservas técnicas
para créditos securitários ou a criação de um fundo garantidor de seguros podem
facilitar opções como o período de graça de cobertura para os segurados nos dias
seguintes à liquidação e/ou a transferência de carteiras.

4.1 TUTELA DO INTERESSE DO SEGURADO COMO PRINCÍPIO CENTRAL

Como visto, o sistema financeiro como um todo, e o mercado de seguros em


particular, têm tratamento legal especial, com supervisão estatal e ainda um
esquema especial de liquidação extrajudicial nos casos de insolvência ou
descumprimentos de normas legais e regulamentares.

A causa raiz do ordenamento prever este tratamento especial é a defesa da


poupança popular e do interesse dos clientes deste mercado regulado. Os
interesses dos segurados no mercado de seguros, são o bem jurídico principal a ser
tutelado pelo sistema de supervisão.

A página de Apresentação4 da SUSEP exalta bem o foco necessário na


proteção ao consumidor / segurado e na estabilidade e solvência das instituições,
como expresso na Missão da autarquia e nas Atribuições da SUSEP, a seguir
reproduzidas:

4
Página de Apresentação da SUSEP em seu site institucional, disponível em
http://www.susep.gov.br/menu/a-susep/apresentacao, acesso em 07.12.2018
34

APRESENTAÇÃO

A SUSEP é o órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados


de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro. Autarquia
vinculada ao Ministério da Fazenda, foi criada pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de
novembro de 1966.

MISSÃO

"Desenvolver os mercados supervisionados, assegurando sua


estabilidade e os direitos do consumidor."

ATRIBUIÇÕES DA SUSEP

1. Fiscalizar a constituição, organização, funcionamento e operação das


Sociedades Seguradoras, de Capitalização, Entidades de Previdência
Privada Aberta e Resseguradores, na qualidade de executora da
política traçada pelo CNSP;

2. Atuar no sentido de proteger a captação de poupança popular que


se efetua através das operações de seguro, previdência privada
aberta, de capitalização e resseguro;

3. Zelar pela defesa dos interesses dos consumidores dos mercados


supervisionados;

4. Promover o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos


operacionais a eles vinculados, com vistas à maior eficiência do
Sistema Nacional de Seguros Privados e do Sistema Nacional de
Capitalização;

5. Promover a estabilidade dos mercados sob sua jurisdição,


assegurando sua expansão e o funcionamento das entidades que
neles operem;

6. Zelar pela liquidez e solvência das sociedades que integram o


mercado;

7. Disciplinar e acompanhar os investimentos daquelas entidades,


em especial os efetuados em bens garantidores de provisões
técnicas;
35

8. Cumprir e fazer cumprir as deliberações do CNSP e exercer as


atividades que por este forem delegadas;

9. Prover os serviços de Secretaria Executiva do CNSP.

Importante destacar que no caso dos seguros é ainda mais crítica a proteção
pela própria natureza do contrato de seguros. Enquanto num banco, o risco a
garantir ao correntista é seu saldo, no seguro o segurado buscou garantir-se contra
um risco que normalmente não suportaria individualmente, como faltar o chefe de
família, haver roubo ou perda total do automóvel da família, ou incêndio do imóvel de
residência. O valor do prêmio pago é pequeno e acessível, mas o risco coberto é
muito maior, e é este o prejuízo do segurado se falha a cobertura securitária. A
seguradora consegue oferecer esta garantia operando com muitos clientes e
cobrando prêmios de cada segurado, com o que forma reservas capazes de atender
aos eventuais sinistros.

Tendo o segurado cumprido sua parte no contrato de seguro, pactuado com


seguradora autorizada e fiscalizada pela SUSEP, reguladora do mercado de seguros
com missão de assegurar a estabilidade do mercado e os direitos do consumidor, é
uma contradição que a liquidação extrajudicial de seguradora, ato da SUSEP, sujeite
este segurado a uma súbita supressão da cobertura contratada e paga, deixando-o
exposto ao risco insuportável de sofrer sozinho o prejuízo correspondente ao sinistro
para o qual contratou cobertura, confiando que a regulação estatal e as regras
prudenciais garantiriam a segurança jurídica da cobertura contratada.

Esta preocupação de que o ordenamento tutele adequadamente o interesse


do segurado em face da liquidação extrajudicial norteia o presente trabalho e em
especial a construção das alternativas a seguir descritas, que privilegiam a proteção
do interesse do segurado.

4.2 VINCULAÇÃO DOS ATIVOS GARANTIDORES


36

O ordenamento exige que as seguradoras tenham continuamente ativos


garantidores em volumes compatíveis às provisões técnicas, e assim capazes de
fazer frente aos riscos a que estão expostas pela venda de coberturas securitárias.

A Resolução 4.444/2015 do Conselho Monetário Nacional (CMN), no rastro


de normativos anteriores impôs progressiva restrição aos ativos admissíveis como
reservas técnicas e restrições como prazo, percentuais máximos em cada
modalidade de ativo ou de um mesmo emissor. Imóveis urbanos então mantidos
como ativo garantidor por seguradora, desde 31/12/2016 deixaram de ser
considerados como tal. Tais regras visaram a segurança, a liquidez e o estrito
controle de sua disponibilidade pelo regulador, de modo que não possam ser
alienados sem autorização da SUSEP.

Estes ativos são a garantia atuarial do cumprimento dos contratos de seguros,


garantia esta que é frustrada na liquidação extrajudicial ao, por conta da previsão de
classificação dos créditos aos comandos do artigo 83 da Lei de Falências serem tais
ativos considerados para o pagamento aos credores de modo geral, sem a reserva
antecipada em favor dos créditos de seguros.

Na operação de rotina de uma seguradora, nos termos do artigo 36 do


Decreto-Lei 73/66 e da Resolução CMN 4.444/2015, compete à SUSEP autorizar a
movimentação e liberação de bens e valores obrigatoriamente inscritos em garantia
das reservas técnicas e do capital vinculado. O sentido de ter tais ativos
garantidores com restrições é exatamente garantir que estas garantias existam, e
possam ser mobilizadas para fazer frente ao pagamento das indenizações de
seguros.

Ocorre que na eventual liquidação extrajudicial de seguradora, por força da já


discutida aplicação da Lei de Falências para definir a ordem de prioridades entre
credores, estes ativos não permanecem vinculados à destinação para a qual foram
constituídos sob supervisão do regulador. Ficam disponíveis para pagamento
prioritário de credores outros que não os credores securitários, como credores
trabalhistas e fiscais, que antecedem ao pagamento dos créditos securitários,
eventualmente comprometendo recurso necessários ao pagamento destes.
37

Como vimos no capítulo sobre técnica legislativa, este tratamento decorre em


parte da própria forma como foi construído o marco regulatório dos seguros,
aproveitando por empréstimo determinadas normas legais, através da referência em
mão única às mesmas pela legislação securitária. A norma de liquidação
aproveitada, a Lei 6.024/74, não faz sequer referência à SUSEP ou a sua aplicação
ao mercado securitário.

Por respeito ao princípio de melhor garantir os interesses dos segurados,


seria coerente que a proteção do segurado fosse assegura prevendo a liquidação
extrajudicial escala própria de prioridades entre os credores, colocando os créditos
de seguros em primeiro lugar, até o limite dos ativos garantidores. Para tal é
necessário reservar de fato estes ativos prioritariamente para o pagamento dos
credores securitários, fixando esta destinação prioritária dos ativos garantidores para
o pagamento de créditos de seguro, passando a considerá-los apartados do
patrimônio da seguradora, nos moldes do patrimônio de afetação das incorporações
imobiliárias.

Em termos internacionais, a partir da tabulação da OECD (2013) a vinculação


de ativos garantidores (tied assets) é adotada nos seguintes mercados:

 Áustria: tem um esquema de vinculação de ativos garantidores OECD


(2013, p.13) que só pode ser movimentado/realizado com autorização
do supervisor, como existe na SUSEP, só que aqui não é preservada
esta segregação na liquidação extrajudicial.
 Suíça: seguradoras são obrigadas a constituir fundos garantidores
individuais, com ativos vinculados ao supervisor OECD (2013, p.14)
 Espanha: O Consorcio de Compensación de Seguros, vinculado ao
Ministério da Economia, atua como liquidante da seguradora e pagador
das coberturas, com utilização das provisões técnicas, podendo fazer
bloqueio de ativos adicionais para fazer frente aos compromissos.
OECD (2013, p.14)

4.3 FUNDO GARANTIDOR SECURITÁRIO5


38

No mercado bancário foi criado em 1995 o FGC criado para cobertura aos
correntistas do sistema bancário nacional, constituído sob a forma de associação
civil, sem fins lucrativos, com personalidade jurídica de direito privado.

Figura 2 Cartão CNPJ do FGC Fundo Garantidor de Crédito

O FGC tem tido um resultado bastante interessante, com progressiva redução


do custo da proteção e maiores coberturas aos correntistas, que partindo de R$
20.000 em 1995, já atinge hoje R$ 250.000 por correntista. E simultaneamente com
redução da contribuição dos bancos para o FGC, hoje de 0,01% sobre os depósitos
elegíveis para a garantia ordinária.

A principal vantagem do FGC é fazer com que as liquidações extrajudiciais no


mercado bancário se façam sem trauma para o público, pois o fundo cobre a grande
maioria dos depositantes e sub-roga-se nestes créditos.

5
Para maior facilidade de referência neste trabalho foi adotada a sigla FGS para o proposto
Fundo de Garantia de Seguros
39

Conforme se vê na Figura 25, com o tempo a capitalização do FGC acumula


em setembro de 2018 mais de R$ 60 bilhões de reais de superávit. Este vigor
permite que o fundo além de cobrir os correntistas até o limite fixado, atue em
financiamento aos bancos, assuma as liquidandas, negocie ativos, pague credores,
recupere ou transfira o controle das liquidandas, financie estas vendas, enfim
imprimindo uma dinâmica muito ativa. Tudo isto como instituição particular sem fins
lucrativos, livre de muitas restrições e formalidades de um liquidante, além de seu
vigor financeiro e estrutura administrativa e jurídica de porte.

Figura 3. Balanço Patrimonial FGC Setembro/2018

Necessário considerar o possível risco moral de como age o fundo, pelo


excesso de recursos e de autonomia, submetendo-o a rígidos controles de
governança e idealmente também do supervisor do mercado. O fundo tem
administração própria, privada, gere enorme volume de recursos, estando autorizado
a realizar rotineiramente financiamentos, aplicações e mesmo operações de socorro
a instituições do mercado financeiro, além de poderem negociar com grande
liberdade ativos das massas liquidandas.

Pode-se vislumbrar possíveis conflitos de interesses e riscos de desvios na


atuação do próprio fundo de proteção e devem ser objeto de reflexão e atenção
permanente. A pujança financeira do fundo viabiliza pragmaticamente soluções de
40

outra forma difíceis de colocar em prática. O questionamento que se pode colocar


diz respeito a com quem o FGC negocia e transfere operações. Apenas como
exemplo, sem entrar nos detalhes da transação e no mérito da mesma, um caso
bem conhecido é o do antigo Banco Panamericano, que acabou transferido ao
Banco BTG, livre das dívidas dos antigos controladores, e com o pagamento ao
FGC em 18 anos, sem correção.

Com a devida cautela, e fazendo as necessárias adaptações às


características dos seguros, em especial prever critérios diferenciados por ramos de
seguros, após criteriosa análise de viabilidade, nos parece uma boa solução a
eventual criação de fundo similar ao FGC no mercado de seguros, o qual poderia ser
denominado FGS. É mais fácil enxergá-lo em ramos voltados ao grande público em
geral, como vida e automóveis, nos quais um patamar de cobertura similar ao FGC
cobriria a maior parte dos casos.

Deve-se destacar que diferentemente do setor bancário, onde cada cliente


quer receber o seu saldo no banco, no mercado de seguros o interesse mais
relevante do cliente a ser protegido não é o prêmio que o cliente pagou e sim o
sinistro que a seguradora deve pagar ao segurado. Os favorecidos do FGS seriam
os segurados sinistrados com pagamento pendente. No cálculo das contribuições ao
FGS é essencial esta percepção, devendo as mesmas incidirem sobre as
importâncias seguradas, mantendo ainda o fundo estratificado por ramo, mantendo
saldos apartados.

Para sua implementação devem ser vencidos possíveis problemas de conflito


de interesses entre grandes instituições, e outras menores e menos sólidas, já que
com a eventual criação do fundo diminui a vantagem competitiva das instituições
mais sólidas, pois o público pode considerar menos relevante o risco por haver
cobertura do fundo. Deve-se também atentar ao risco moral de como se comportará
o novo fundo em vista dos valores que iria acumular. O estudo da OECD (2013)
menciona estes comportamentos associados ao risco moral.

Em termos internacionais, a partir da tabulação da OECD (2013), a criação de


fundo garantidor é adotada geralmente no formato de cosseguro, nos países a
41

seguir. O percentual entre parêntesis indica o percentual de contribuição sobre


prêmios6, exceto se indicada outra base:

 Japão: (1%)
 Portugal (0,15%)
 Israel (1%)
 Turquia (1% do segurador + 2% do segurado)
 Itália (5%)

A operacionalização como fundo autônomo, nos moldes do FGC, ou com


instrumentos do mercado securitário, como cosseguro ou resseguro cobrindo o risco
de liquidação seriam duas linhas de implementação, com características distintas.

O fundo autônomo tem mais flexibilidade, pois tal como o FGC poderia atuar
adiantando recursos, negociando ativos, assumindo a carteira diretamente e depois
repassando-a para outra instituição a quem pode financiar, enfim uma dinâmica
integral de atuação. Pode também aliviar o supervisor assumindo as funções de
liquidação da massa em lugar do esquema usual de liquidante.

Já a cobertura mediante cosseguro restringe-se apenas a um mecanismo de


pagamento de créditos de seguro contra a massa liquidanda, referido como paybox.

O FGS, como a experiência do FGC tem demonstrado, pode ser uma


proposta de grande potencial, em especial se combinada com todas as outras
propostas do presente trabalho, que o FGS pode ajudar a viabilizar:

 O FGS poderia viabilizar a transferência de carteiras, assumindo-as


temporariamente e negociando com instituições interessadas.
 O FGS poderia dar adiantar recurso e dar liquidez aos ativos
garantidores, quitar os débitos de seguro primeiramente, e depois os

6
As informações de percentuais de funding dos esquemas de proteção são as constantes nas
tabelas disponíveis ao final do paper da OECD (2013), não tendo sido possível, porém, obter desta
fonte maiores detalhes para confirmar o exato funcionamento do esquema. Esta seria uma extensão
do trabalho, de forma a pesquisar a grande variação observada em alguns países.
42

demais, conforme sua prioridade legal. Sem depender da prévia


realização dos ativos para iniciar pagamentos.
 O FGS poderia garantir a proposta de período de graça das coberturas,
diminuindo o impacto da liquidação para o público. E se reembolsaria
se sub-rogando nos valores pagos com privilégio de crédito securitário.

4.4 TRANSFERÊNCIA DE CARTEIRAS

A ANS pratica regularmente a transferência de carteiras de contratos de


seguro saúde em casos em que a fiscalização da ANS vislumbra possibilidade de
liquidação de uma entidade, preservando o valor destas carteiras como o principal
ativo de um negócio deste tipo, e que, a depender da situação da carteira, podem
trazer aporte de recursos para a liquidanda, ou mesmo evitar sua liquidação. Tendo
por inspiração esta prática, a transferência de carteiras também pode ser aplicada
ao mercado de seguros, requerida, porém, clara previsão legal para que o liquidante
tenha segurança jurídica e tranquilidade ao tomar tal medida.

A carteira de contratos de seguros de uma seguradora é ativo de grande valor


e sua transferência a outra entidade além de preservar o valor econômico da carteira
e possivelmente representar aporte em favor da liquidanda, tem a vantagem de não
expor os segurados a maiores impactos, como quando a liquidação nos moldes
atuais é decretada e rescinde todos os contratos, inclusive de seguros, ficando os
segurados sem cobertura.

Há, porém, de se ter extrema cautela com a transferência de carteira, em


especial conferir segurança jurídica ao liquidante ou gestores da supervisora que
determinem tal transferência de carteira. É grande o risco de judicialização por parte
de acionistas e ex-administradores, em especial em operações como a transferência
de carteira, que tem por objeto ativo de relevante valor.

Outro regime que pode ser aplicado às seguradoras, a intervenção, permitiria


já hoje esta opção, pois na intervenção a empresa continua funcionando, sendo
substituídos apenas os administradores. Mesmo neste caso, porém, sem que novas
salvaguardas e comandos mais claros da legalidade da transferência de carteira
43

fossem introduzidas no regramento, pode ser temerário ao interventor praticar atos


de tal envergadura, que podem lhe trazem expressiva responsabilidade pessoal.
Liquidante pessoa física pode ser levado à ruína caso responsabilizado por
transferência de carteira de porte. Combinado com previsão legal clara e objetiva, o
FGS como agente desta transferência, pelo seu esperado porte financeiro, seria
uma alternativa para a realização da mesma sem tal risco.

A mesma preocupação aconteceria no caso de se adotar a transferência de


carteira na liquidação extrajudicial, para que tenha segurança jurídica e efetividade.
Possivelmente só a eventual criação do FGS viabilizaria a transferência segura de
carteira de seguros na liquidação, pela flexibilidade e musculatura financeira e
jurídica que o fundo poderia ter, capaz de assumir a carteira imediatamente e
repassá-la depois, se necessário financiando o adquirente, além de enfrentar com
tranquilidade eventual judicialização.

Em termos internacionais, a partir da tabulação da OECD (2013) verifica-se


que a transferência de carteiras de contratos de seguro (portfolio transfer) é adotada
dentre outros na:

 Alemanha
 Bélgica
 Canadá
 Espanha
 UK

4.5 PERÍODO DE GRAÇA PARA AS COBERTURAS DE SEGURO

A proposta seria ter-se um curto período de graça7, com continuidade da


vigência das apólices de seguro a partir da liquidação extrajudicial da seguradora,

7
No contexto deste trabalho foi sugerida esta denominação de período de graça ao prazo
excepcional proposto, de até 30 dias, de manutenção das coberturas securitárias após a liquidação
extrajudicial. Não confundir com a tolerância para cobertura de apólices com pagamento em atraso
por parte do segurado, que também pode ter esta denominação.
44

por um período de até 30 dias. Isto evitaria que um segurado que venha a ter um
sinistro pouco após a liquidação extrajudicial tenha perda individual significativa,
suportando sozinho o sinistro, muitas vezes sem sequer ter tido notícia da liquidação
extrajudicial da sua seguradora.

Esta sugestão de continuidade temporária das coberturas após a liquidação


pode ser considerada fora do usual, mas fundamenta-se na proteção ao segurado,
dando a ele um prazo para tomar conhecimento da liquidação e se posicionar a
respeito. Se definida esta cobertura, dependendo da situação da liquidanda, o
pagamento, mesmo devido, talvez não tivesse liquidez, pois que muitas vezes estão
em atraso com relação às suas obrigações contratuais já há algum tempo. Mas
estaria preservada a proteção ao segurado.

Esta cobertura pode ser concedida diretamente pela liquidanda sem alteração
substancial no perfil seus de créditos securitários, pois o pagamento deste eventual
sinistro poderia ser fundeado com o exaurimento proporcional dos prêmios de toda a
carteira correspondentes ao período pelo qual se estendesse as coberturas. Prêmios
recebidos pela seguradora correspondentes a períodos futuros, não decorridos, são
créditos dos segurados, prevista sua restituição.

Estes prêmios de períodos futuros após a liquidação, são computados para


devolução a partir da liquidação e com esta proposta passariam a ser parcialmente
exauridos pelo período de extensão concedido.

A diferença é que esta compensação, além garantir a indenização ao


segurado por sinistro ocorrido no período de graça, preservaria a própria lógica
mutualista do seguro, pois o somatório dos prêmios proporcionais exauridos no
período de graça cobriria aproximadamente os eventuais sinistros ocorridos no
período. Há logica em adotar-se isto no mercado de seguros, pois o que está em
risco é a segurança do segurado em receber indenização por sinistro eventualmente
ocorrido nos dias seguintes à liquidação. Este seria um mecanismo inédito,
específico do mercado de seguros.

Esta proposta de continuidade pode ser implantada desta forma, com


responsabilidade pela massa, mas também em conjugação com outras alternativas
45

discutidas, como a transferência de carteiras, a vinculação de ativos garantidores, a


criação de fundo garantidor.

A liquidação extrajudicial também deveria ser amplamente divulgada,


inclusive com circularização dos segurados para que soubessem da cobertura
especial pelo período de graça, e também para que providenciassem eventual
cobertura em outra seguradora. Os sindicatos de corretores de seguros deveriam
igualmente ser notificados formalmente da liquidação de seguradora para que seus
corretores contatassem os clientes para estas providências.

Como reforço de argumentação, esta proposta de continuidade da cobertura


alinha-se de certo modo com o previsto no artigo 117 da Lei de Falências, a seguir
reproduzido, pelo qual contratos bilaterais podem ser executados pelo administrador,
se este achar de conveniência para a massa, ficando assim sujeitos ao crivo do
administrador judicial ALMEIDA (2017, p.184). As situações são distintas, mas a
citação é feita para demonstrar que o rompimento dos contratos bilaterais pela
quebra não é algo inflexível, o que podemos aceitar na falência e também na
liquidação extrajudicial.

Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser
cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o
aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e
preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê.

§ 1o O contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de


até 90 (noventa) dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação,
para que, dentro de 10 (dez) dias, declare se cumpre ou não o contrato.

§ 2o A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial


confere ao contraente o direito à indenização, cujo valor, apurado em
processo ordinário, constituirá crédito quirografário.
46

5 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Neste capitulo é apresentada proposta de intervenção, bem como os riscos


possivelmente associados aos esquemas de proteção, qual seja o risco moral em
diversas variantes e o risco de judicialização presente nas liquidações extrajudiciais

Vistas as diversas alternativas apresentadas neste capítulo, a primeira


proposta de intervenção, visando o respeito à proteção do segurado, é que seja
incluído na legislação período de graça de até 30 dias a partir da decretação da
liquidação extrajudicial, com manutenção das coberturas securitárias contratadas.
Os segurados e corretores devem ser avisados da liquidação e da extensão
provisória das coberturas, para ciência e para contratação de nova cobertura.
Inicialmente esta extensão seria feita como encargo da própria massa liquidanda,
compensado com o exaurimento proporcional dos prêmios proporcionais ao período
de graça, abatendo-se tal valor da restituição de prêmios correspondentes a
períodos futuros, posteriores à liquidação.

A próxima prioridade seria a revisão da legislação de regência do mercado


securitário, atentando para corrigir problema conceitual, garantindo a vinculação dos
ativos garantidores de provisões técnicas para o pagamento prioritário de créditos de
seguros na liquidação extrajudicial, até o limite desta reserva, preservando o sentido
pelo qual foram constituídas estas reservas.

Em seguida o detalhamento de regras para a criação e funcionamento de


fundo garantidor securitário nos moldes do FGC, que uma vez capitalizado seria a
fonte de liquidez para proceder às liquidações de forma mais eficiente e expedita,
incorporando ainda as demais propostas de proteção aqui sugeridas. Em caso de
dificuldade intransponível, ou resistência do mercado, para a criação deste fundo,
poderia ser estudada a criação de esquema de mútua proteção entre as
seguradoras em formato de cosseguro, ou através de contratos de resseguro.

Finalmente procurar introduzir na legislação securitária definição mais clara


da possibilidade de transferência de carteira de modo a mitigar o risco de
judicialização que pode estar associado à transferência, de modo a dar segurança
jurídica em tais transferências.
47

5.1 RISCO MORAL

Uma importante ressalva nos esquemas de proteção é construí-los tendo em


mente a possibilidade de mal-uso do esquema de proteção, tanto por parte dos
cidadãos protegidos, como também das próprias entidades supervisionadas. O
relatório da OECD (2013) cita diretamente tal risco.

O principal exemplo é o risco moral, como quando instituições irresponsáveis


podem atuar agressivamente com administração temerária e marketing agressivo e
falacioso, oferecendo vantagens desproporcionais aos clientes como forma de atraí-
los, ainda que operando sem viabilidade técnica.

Nesta situação a percepção direta dos cidadãos pode passar a ser que vale a
pena correr o risco de aplicações e coberturas mais arriscadas por que ao final de
tudo, se ocorrer a quebra da instituição, mesmo assim estarão protegidos. Também
seus administradores se satisfazem com os recursos arrecadados, cientes de que o
negócio em si era inviável.

Como qualquer esquema de proteção traz um custo adicional para o sistema,


este moral hazard costuma criar resistência nas instituições mais sólidas e
conservadoras, pois pelo seu tamanho são as maiores contribuintes ao esquema de
proteção, que, no entanto, pode trabalhar mais em prol da concorrência menos
qualificada, como no exemplo anterior.

Também os próprios órgãos supervisores também podem se acomodar com a


criação de esquemas de proteção, pois como estes esquemas de proteção limitam
muito as consequências sociais da quebra de instituições reguladas e também a
eventual utilização de recursos públicos na solução de quebras, podem se permitir
uma postura mais leniente, já que resta sensivelmente mitigado o risco reputacional
do supervisor associado à quebra de supervisionados.

Evidentemente que este risco moral precisa ser considerado e inibido, de


forma a viabilizar a criação dos esquemas de proteção e garantir a proteção social
que se busca implementar, mas não deve ser um impeditivo à criação dos
mecanismos de proteção do segurado.
48

Finalmente deve-se estar também atento ao fato, já mencionado no capítulo


referente ao FGC, de que a atuação de mecanismos de proteção pode significar ela
mesma também um risco moral, pela concentração de grandes recursos no próprio
fundo de proteção, frequentemente com administração privada independente ou
consorciada entre as instituições participantes do mercado.

Por exemplo, fundos garantidores do sistema bancário, com administração


própria, privada, fazem a gestão de enorme volume de recursos, estando
autorizados a realizarem rotineiramente financiamentos, aplicações e mesmo
operações de socorro a instituições do mercado financeiro, além de poderem
negociar com grande liberdade ativos das massas liquidandas. Há em tese o risco
de conflito de interesses e de desvios na atuação do próprio fundo de proteção, o
que deve ser objeto de reflexão e atenção na criação de tais mecanismos.

5.2 RISCO DE JUDICIALIZAÇÃO

O risco de judicialização tem se concretizado com alguns liquidantes e


supervisores sendo alvo de disputas judiciais que tornam conturbado o
processamento da liquidação extrajudicial e podem trazer riscos pessoais e
institucionais significativos.

Acionistas e ex-administradores por vezes recorrem à Justiça contra a massa,


contra o liquidante ou mesmo contra o supervisor, como meio de discutir sua
indisponibilidade de bens, valores praticados em transações com ativos da massa,
possíveis prejuízos à liquidanda, descumprimento de normas pelos gestores da
massa liquidanda, ou ainda como instrumento intimidatório ou protelatório.
49

6 CONCLUSÃO

Concluindo, este trabalho traz uma proposta de intervenção com intuito de


mitigar os efeitos perversos sobre segurados, em função da liquidação extrajudicial
de uma seguradora, notadamente a interrupção abrupta das coberturas com a
liquidação extrajudicial e o pagamento de outras classes de credores consumindo
ativos garantidores de provisões técnicas, desvirtuando o sentido da manutenção de
tais reservas e potencialmente comprometendo o pagamento de créditos
securitários.

Expostas nos capítulos anteriores diversas alternativas de intervenção, deve-


se ressaltar que todas envolvem dificuldades, a começar pela necessidade de
mudança legislativa, riscos morais e de judicialização também apontados, e naturais
resistências e conflitos de interesse entre os participantes do mercado, cada um com
vistas a seus interesses, suas vantagens competitivas intrínsecas. O interesse dos
operadores do mercado não coincide com o interesse dos segurados. Há assim de
ser feita uma complexa costura política para qualquer alteração.

Um ponto muito importante é que estas propostas podem se misturar, e a


combinação é normalmente superior à cada uma isoladamente.

O eventual fundo garantidor securitário, por ora aqui apelidado de FGS, se


revela uma promissora possibilidade, pois tendendo a ter fundos disponíveis em
grande volume, pode viabilizar os esquemas de proteção previstos nas outras
opções. E operando de modo similar ao FGC, não só cobriria o segurado em seus
direitos securitários, como poderia mesmo assumir integralmente a liquidação da
seguradora atingida.

Assim, resumidamente, a proposta de intervenção, trazida no capítulo 5


PROPOSTA DE INTERVENÇÃO, incluiria as seguintes opções:

1. Criação de período de graça de até 30 dias a partir da data da


liquidação durante o qual seriam preservadas as coberturas
contratadas, evitando prejuízos individuais e proporcionando um prazo
para o segurado transferir a cobertura para outra seguradora, custeado
50

pelo exaurimento dos prêmios a vencer no período de graça. Amplo


aviso a segurados e corretores.
2. Vinculação na liquidação extrajudicial dos ativos garantidores de
provisões técnicas prioritariamente para o pagamento de créditos de
seguro, até o limite das reservas garantidoras, não podendo serem
utilizados para pagar outros créditos antes de satisfeitos os créditos de
seguro.
3. Criação do FGS, fundo garantidor securitário, como instrumento
viabilizar das demais propostas apresentadas, bem como prevendo
sua atuação como agente de processamento das liquidações
extrajudiciais, assumindo a responsabilidade pelas mesmas.
4. Consolidado o FGS, poderia ser incluído em seu cardápio de
estratégias a transferência de carteiras de seguros, inicialmente para si
próprio, com posterior repasse ao mercado. Isto possibilitaria,
dependendo da situação da liquidanda, que para os segurados o
processo fosse bastante confortável, sem descontinuidade de
coberturas e sem demora no pagamento de créditos de seguro.

A pesquisa realizada permitiu, além da proposta de intervenção, identificar a


partir da análise das normas, que boa parte das dificuldades pode ser, em parte,
atribuída à técnica legislativa ruim utilizada em normativos centrais do ordenamento
de seguros, em especial ao aproveitar disposições existentes em outras leis, com o
que não foram pensados e incluídos aspectos típicos dos seguros. É uma reflexão
importante pois nos faz entender da boa técnica legislativa, assunto afeito ao curso
de Direito.

Outras reflexões estão na inspiração do trabalho, como LOPES (2018, p.319),


ao se referir a marco regulatório como:

... um sistema de regras disposto a partir de saberes


técnico-científicos com clara finalidade de garantir os mercados
seus pressupostos de segurança nos contratos e na propriedade
51

como modo de produzir e disponibilizar eficientemente utilidades


de interesse público.

Foi com este espírito que foram produzidas as propostas aqui apresentadas.

Ao se propor aqui alterações legislativas, algo sabidamente sempre difícil de


ser concretizado, o objetivo é dar mais segurança jurídica aos operadores da
regulação, com mais previsibilidade, valorizando o processo legislativo saudável e
voltado ao interesse público. Como traz OLIVEIRA (2015, p.85), “o pragmatismo
jurídico pode e deve ser considerado instrumento idôneo no processo de
interpretação do ordenamento pátrio”, mas devemos acrescentar que não devemos
descuidar de procurar ajustar a lei para não depender deste pragmatismo, por
natureza, incerto.
52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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supervisionado pela SUSEP: impacto, dificuldades e oportunidades.
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